Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:152/07.9 BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ALIENAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS.
PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA.
Sumário:O regime dos preços de transferência permite a dedução por empresa do grupo empresarial de menos-valias associadas à cedência de participações sociais detidas por outra empresa do mesmo grupo empresarial, desde que os seus pressupostos materiais sejam observados. No caso de não aceitação de tal dedução, cabe à Administração Fiscal demonstrar a não verificação de tais pressupostos e impor o ajustamento correlativo que for devido.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: Acórdão
I- Relatório
S................. – Sociedade …………………, S.A., deduziu impugnação judicial contra o ato tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º …………….242, na liquidação de juros compensatórios n.º ………….424, na demonstração de acerto de contas n.º ………….549, referente ao exercício de 2002, que, após compensação nº …………771, apurou a pagar a quantia de € 645.383,23, peticionando a sua anulação.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra proferiu uma primeira sentença, incorporada a fls.235 e ss. (formato digital-sitaf), na qual se decidiu “julga[r] verificada a exceção dilatória de litispendência, e absolve[r] a Fazenda Pública da instância.”
Dessa sentença recorreu a Sociedade Impugnante para o Tribunal Central Administrativo Sul, o qual, por decisão sumária do Relator, datada de 27/03/2022 e inserta a fls.297 e ss. (formato digital-sitaf), concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença sob recurso e determinou a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para conhecimento do mérito da impugnação, se a tanto nada mais obstar.
Regressados os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi proferida nova sentença, com data de 15/05/2023 e inserta a fls.334 e ss. (formato digital-sitaf), que julgou a presente impugnação judicial improcedente e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.
De novo inconformada, a Sociedade Impugnante interpõe recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal Central Administrativo seguido das respetivas alegações, incorporadas a fls.340 e ss. (formato digital-sitaf), que finaliza com as conclusões seguintes:
1.º A douta sentença recorrida julgou improcedente a presente impugnação judicial referente ao ajustamento positivo efetuado no âmbito da aplicação do regime de preços de transferência previsto no artigo 58.º do Código do IRC, na redação vigente à data dos factos, e na Portaria n.º 1446-C/2011, de 21 de dezembro.
2.º A Recorrente não se conforma com a decisão de improcedência por entender que a sentença se encontra inquinada de erro de julgamento de direito.
3.º Na linha do já decidido no processo n.º 261/06.1BESNT, o Tribunal a quo decidiu, por um lado, que não estavam em confronto operações comparáveis e, por outro lado, que o procedimento a adotar é diferente consoante estejamos perante operações internas ou internacionais.
4.º Em primeiro lugar, entende a Recorrente que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de direito na interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 58.º do Código do IRC, na redação aplicável à data, uma vez que o que se prevê expressamente que sejam analisadas várias operações em conjunto – “séries de operações” – e que o que é exigível é que as operações sejam comparáveis em substância, como o são na situação em apreço.
5.º No caso vertente nos presentes autos temos, de um lado, uma alienação de participação social conjugada com uma cessão de créditos e, de outro lado, uma incorporação dos créditos no capital social seguida da transmissão da participação social – não obstante a natureza e forma das operações em confronto serem distintas, os seus efeitos finais são substancialmente os mesmos, pois ambas as séries de operações tiveram como resultado a transmissão de créditos e a transmissão de participação social.
6.º O Tribunal a quo, ao não reconhecer na sentença ora recorrida que as operações são substancialmente idênticas e, nessa medida, comparáveis para efeitos de aplicação do regime previsto no artigo 58.º do Código do IRC vigente à data e, bem assim, na Portaria n.º1446-C/2001, de 21 de dezembro (tal como decorre, aliás da prova pericial produzida), por não considerar de modo integrado as séries de operações que consubstanciam cada uma das situações em comparação, incorreu manifestamente em erro de julgamento da matéria de direito devendo, por esse motivo, a mesma sentença ser revogada.
7.º Ao arrepio do que sucedeu na sentença recorrida, impunha-se a conclusão de que a séries de operações realizadas entre a S................. Engenharia, S.A. e a A............... e a série de operações realizadas entre a A............... e Y.............. Tazi, por originarem resultados idênticos são semelhantes na sua substância e, nessa medida, efetivamente comparáveis, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada.
8.º Os efeitos fiscais das operações em apreço não têm, necessariamente, de ser os mesmos, pois tal não é exigido pelo n.º 2 do artigo 58.º do Código do IRC, vigente à data, uma vez que o que se pretende assegurar é a plena concorrência, e, para isso, o que é relevante é o impacto externo das operações e não necessariamente o impacto que essas operações têm nos impostos devidos pela empresa.
9.º O juízo que convoque a apreciação do impacto fiscal dessas operações já será um juízo a posteriori, independente do regime dos preços de transferência, e que se prende com aplicação ou não da cláusula geral anti-abuso ínsita no n.º2 do artigo 38.º da LGT. Todavia, tal apreciação não deve ser efetuada no caso sub judice, pois a administração tributária não aplicou a cláusula geral anti-abuso às operações objeto de correção, pelo que, não poderá nesta sede o Tribunal vir substituir-se à administração tributária, pelo que é manifesto o erro de direito de que padece a sentença recorrida devendo a mesma ser revogada.
10.º Por outro lado, no que respeita ao procedimento a adotar, e à conclusão do Tribunal a quo de que tal será diferente consoante se reporte a operações internas ou internacionais, entende a Recorrente que, nesta parte, a sentença recorrida padece igualmente de erro de julgamento de direito por assentar numa errada apreensão do regime jurídico aplicável;
11.º Estão em apreciação o n.º 8 do artigo 58.º do Código do IRC e o n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001, não obstante, apesar de serem várias as razões específicas que levaram o legislador a estabelecer procedimentos específicos nestas duas situações, de nenhuma disposição legal resulta um tratamento diferenciado das operações nacionais e internacionais, pelo contrário, a própria Portaria n.º 1446-C/2001 regula os preços de transferência nas operações efetuadas entre um sujeito passivo de IRS ou de IRC “(…) e qualquer outra entidade”, sem discriminar com base no critério da residência.
12.º Também a doutrina segue este entendimento, ao afirmar que “Não há dúvidas que o regime dos preços de transferência se aplica às entidades sujeitas a IRC nas suas relações com quaisquer outras pessoas físicas ou jurídicas, quer sejam residentes ou não-residentes, posto, necessariamente, que se encontrem em relações especiais” (BRUNO SANTIAGO e ANTÓNIO QUEIROZ MARTINS, ob. cit., p. 23; destacado nosso), pelo que, terá de se concluir que na teleologia do regime de preços de transferência (quer a nível nacional, quer internacional), houve apenas a necessidade de reforçar o procedimento a adotar em determinadas situações;
13.º A especificidade de procedimentos para a administração tributária não impõe, no entanto, que a aplicação do princípio da plena concorrência seja um exclusivo seu, uma vez que é também do interesse do Estado que os próprios sujeitos passivos procedam ao correto pagamento do imposto que se mostrar devido. Logo, não pode a Recorrente deixar de concluir que, apesar de ter sido expressamente estabelecido o procedimento a adotar, as correções fiscais aplicáveis em operações vinculadas com entidades não residentes –positivas e negativas –, bem como da possibilidade da administração tributária atuar e efetuar idênticas correções no caso de operações vinculadas entre entidades residentes – positivas e negativas – não existe, nem deve existir, um tratamento diferenciado para a atuação dos sujeitos passivos que têm a obrigação de pagar o imposto com base no correto apuramento da sua base tributável e de acordo com o princípio da plena concorrência;
14.º Não se pode assumir que a ausência das disposições acima referidas obste à aplicação do princípio da plena concorrência, limitando-se apenas as existentes a reforçar determinadas condições e procedimentos da sua aplicação, pelo que a interpretação que o Tribunal a quo realiza das disposições legais que preveem o procedimento a adotar em caso de não se verificar o princípio da plena concorrência, segundo a qual tal procedimento aplicável a operações internas é semelhante ao procedimento aplicável a operações internacionais incorre em erro de julgamento de direito devendo, por esse motivo, a mesma sentença ser revogada;
15.º Atendendo a que o Tribunal a quo decidiu que não estavam em confronto operações comparáveis e que o procedimento a adotar é diferente consoante estejamos perante operações internas ou internacionais, não foram conhecidas algumas das questões suscitadas pela ora Recorrente, o que ora se impõe, nos termos do artigo 665.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, ou, caso assim não se entenda, deverá ser ordenada a baixa à 1.ª instância para que sejam apreciadas as questões não conhecidas, e nessa medida, seja determinada a anulação da liquidação sub judice nos termos peticionados;
16.º O ajustamento compensatório é o pilar estruturante da aplicação prática do princípio de plena concorrência, previsto no n.º 1 do artigo 58.º do Código do IRC, não existindo no ordenamento jurídico-tributário português, como acima se expôs, qualquer previsão legal que o afaste expressamente, pelo que admitir a impossibilidade do ajustamento compensatório por iniciativa do sujeito passivo é aceitar que as normas de preço de transferência são autênticas limitações ao princípio da liberdade contratual, uma vez que tal limitaria as opções dos agentes relativamente às condições a praticar nas transações por si realizadas, nomeadamente, para outros efeitos que não os fiscais;
17.º Ao não se admitir a realização do ajustamento compensatório no âmbito das operações vinculadas entre entidades residentes, por iniciativa do sujeito passivo, como defende a administração tributária, condiciona-se a aplicação prática do princípio da plena concorrência, em primeira instância, à ação dos serviços da administração tributária, o que certamente não estaria no espírito do legislador, razão pela qual, também com este fundamento, se impõe a anulação da correção sub judice;
18.º A administração tributária deveria ter procedido à prévia correção do ajustamento compensatório na esfera da A..............., o que, tanto quanto é do conhecimento da Recorrente, não ocorreu. Logo, sem aquela prévia anulação, a correção sub judice, encontrando-se na dependência direta daquela, será sempre ilegal;
19.º Atento o disposto no n.º1 do artigo 17.º da Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, e no n.º 11 do artigo 58.º do Código do IRC, é para a Recorrente evidente que, caso a administração tributária detete, no decurso de uma inspeção fiscal, que as regras de preços de transferência não foram cumpridas relativamente a uma qualquer operação vinculada, podem – rectius devem – corrigir o lucro tributável de ambas as entidades residentes envolvidas. Assim, se tal ajustamento correlativo é imposto às autoridades fiscais com vista à proteção do interesse dos contribuintes, garantindo que uma mesma realidade económica não será tributada em duplicado, forçoso é concluir que, por forma a evitar uma contradição insanável entre a alegada dependência dos ajustamentos propalada pela administração tributária e o procedimento pela mesma adotado, também se impõe a correção do ajustamento na esfera da A...............;
20.ºNa realidade, por forma a garantir uma correta tributação dos resultados obtidos numa operação vinculada entre entidades residentes, a anulação do efeito da aplicação de preços não conformes com os preços de mercado deverá ser tida em conta nos resultados de ambos os contribuintes envolvidos na operação;
21.ºEm operações vinculadas entre residentes, o poder de efetuar as necessárias correções não é exclusivo da administração tributária, devendo os próprios sujeitos passivos realizar tais ajustamentos, conforme decorre, designadamente, do regime vertido no artigo 58.º do Código do IRC e da Portaria n.º 1446-C/2001, do princípio da plena concorrência, da natureza de imposto de autoliquidação do IRC e do respeito pelo princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP e do artigo 5.º da LGT;
22.º Segundo a administração tributária, a Recorrente apurou uma vantagem em termos de imposto de €510.747,81, decorrente da utilização das regras dos preços de transferência como instrumento de antecipação do reporte, todavia, para a Recorrente, a dita “vantagem fiscal” correspondente ao imposto não pago simetriza assim uma consequente “desvantagem fiscal” na esfera da A..............., a qual suportou inclusivamente um imposto que, na desconsideração da correção que praticou, não seria suportado;
23.ºComo decorre da designação dos ajustamentos efetuados no âmbito dos preços de transferência – compensatório e correlativo –, sendo estes simétricos, verifica-se que, em termos globais, não existe qualquer aproveitamento ou poupança fiscal, porquanto os mesmos, numa análise casuística face às restantes operações efetuadas pelas entidades relacionadas, no exercício normal das suas atividades, se anulam;
24.º Mesmo que se pudesse sustentar a existência da “suposta” vantagem fiscal da Recorrente, os serviços de inspeção deveriam, do mesmo modo, reconhecer a “suposta” desvantagem fiscal da A..............., e não uma vantagem fiscal líquida de ambas as entidades, ao nível do pagamento efetivo do IRC no exercício em que os ajustamentos ocorrem, razão pela qual também improcede este alegado fundamento suportado na “poupança fiscal”, pelo que, também por este motivo, a liquidação sub judice é ilegal.»

É pedido que o recurso seja julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida com as demais consequências legais, na parte ora objeto de recuso.
Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja a Recorrente dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
2.1. De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A) A Impugnante é a sociedade dominante do “Grupo S.................”, o qual se encontra sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) – facto não controvertido e cf. o relatório de inspeção tributária (RIT) a fls. 84 e seguintes do processo administrativo tributário apenso (PAT).
B) No exercício de 2002, o “Grupo S.................” integrava a sociedade dominada “S................. Engenharia, S.A.” – facto não controvertido e cf. o RIT a fls. 84 e sgts. do PAT apenso.
C) A “S................. Engenharia, S.A.” detinha uma participação financeira correspondente à totalidade do capital social da sociedade “A............... – Sociedade de ……………… Sociais, S.A.” (adiante designada A...............) – facto não controvertido e cf. o RIT a fls. 84 e sgts. do PAT apenso.
D) Foi efetuada uma reestruturação do “Grupo S.................”, pretendendo-se a concentração na A............... das participações relacionadas com empresas de construção, quer nacionais quer internacionais, para melhores sinergias e aproveitamento de trabalhos que pudessem ser complementares entre as sociedades – cf. depoimento da testemunha G............. ..........
E) Em setembro de 2002 a S................. Engenharia, S.A., alienou à A............... a participação social detida na “L………… – Les …………………..Marrocos” (adiante L……..), pelo valor de € 2,00, bem como os créditos detidos sobre aquela entidade no montante de € 2.186.988,00 – facto não controvertido e cf. depoimento da testemunha G............. ..........
F) Após a aquisição, a A............... procedeu à incorporação dos créditos no capital social da L........ – facto não controvertido e cf. depoimento da testemunha G............. ..........
G) Posteriormente, em dezembro de 2002, a A............... alienou a participação financeira na L........ a “Y.............. Tazi”, pelo valor de € 470.300,00 – facto não controvertido e cf. depoimento da testemunha G............. ..........
H) A entidade “Y.............. Tazi” não faz parte do grupo e sociedades da ora impugnante – facto não controvertido e cf. depoimento da testemunha G............. ..........
I) Em virtude da alienação referida na alínea G), a A............... apurou uma menos-valia de €1.716.690,00, montante correspondente à diferença entre o valor da respetiva aquisição de € 2.186.990,00 [€ 2,00 (valor de aquisição) + € 2.186.988,00 (créditos incorporados)] e o valor de venda da mesma de € 470.300,00 – facto não controvertido.
J) Pelo confronto dos valores da alienação realizada em setembro de 2002, referida em E), e aquele que respeita à transmissão ocorrida em dezembro de 2002, mencionada em G), a A..............., tendo em vista assegurar o cumprimento do princípio de plena concorrência, efetuou um ajustamento positivo, não tendo procedido ao reconhecimento da menos-valia fiscal apurada na sua esfera, e a S................. Engenharia, S.A., efetuou o correspondente ajustamento simétrico, deduzindo o valor de €1.716.688,00 – facto não controvertido e cf. depoimento da testemunha G............. ..........
K) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI200500498, de 19.10.2005, foi a ora impugnante alvo de uma ação de inspeção por parte da Administração Tributária, de natureza externa, “com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, nomeadamente, no que concerne às normas previstas nos artigos 63º a 65º do CIRC” – cf. doc. 2 junto à p.i.
L) Na sequência da inspeção referida na alínea que antecede foi elaborado o Relatório Final, cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual resulta, além do mais, o seguinte:

“[…]

III - 1. CORRECÇÕES AO NÍVEL DO LUCRO TRIBUTÁVEL DO GRUPO

O total de correcções ao nível do lucro tributável do grupo, ascende a € 1.802,737,67 […], conforme se passa a discriminar:

[…]

III - 1.4. OUTROS NÃO ESPECIFICADOS ANTERIORMENTE – PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA

A S................. Engenharia, SA, deduziu ao lucro tributável do exercido de 2002 (Quadro 07, Campo 237 da Declaração Modelo 22/IRC) o valor de € 1.716.636.70, referente a um ajustamento de preços de transferência.

Em resposta a um pedido de esclarecimentos efectuado pela DSIT, com data de 6 de Agosto de 2004, o sujeito passivo apresentou a seguinte justificação para a referida dedução:

Em Setembro de 2002, a S................. Engenharia alienou à A............... a parte social detida na L........ pelo valor de 2,00 € e, bem assim, os créditos detidos sobre aquela entidade pelo valor de 2.186.988,00 € (valor nominal).
Em Dezembro da 2002, a A............... incorporou os créditos adquiridos no capital social da L........ e vendeu a participação financeira detida na L........ a uma entidade externa ao Grupo pelo valor de 470.300,00 €.
Neste contexto, e uma vez que o património da L........ não sofreu qualquer alteração, na óptica do detentor, entre as duas operações supra descritas, concluiu-se que a primeira operação acima enunciada não reflectia as condições de mercado, ou seja, que o valor de mercado dos créditos cedidos era inferior ao seu valor nominal.
Importa salientar que no Quadro 07 da Declaração Modelo 22 do exercício de 2002 da A............... foi realizado o ajustamento contrário, reflectido na não dedução da menos-valia fiscal apurada com a venda da participação na L........ (...).
Em termos globais, não existe qualquer diferença quanto aos ajustamentos efectuados no Quadro 07 das sociedades envolvidas na operação em análise, com e sem ajustamentos de preços de transferência, porquanto os ajustamentos favoráveis efectuados pela S................. Engenharia (dedução de 1.716.636,70 €) são reflectidos na A............... mediante a realização do ajustamento contrário (não dedução da perda de 1.716.636.70 €).
Face ao exposto, se a S................. Engenharia tivesse alienado os créditos ao seu valor de mercado (470.300,00 € ao invés de 2.186.988,00 €), a perda de 1.716.636,70 € não seria apurada na A............... mas sim na S................. Engenharia. Assim, a S................. Engenharia efectuou este ajustamento, ao abrigo das regras dos preços de transferência (...).

Considerando a justificação apresentada e antes de procedermos à avaliação da dedução efectuada pela empresa em matéria dos preços de transferência, importa identificar as operações e os ajustamentos subjacentes a tal:

1. Em Setembro de 2002 a S................. Engenharia, SA, alienou à A............... - Sociedade de ……………… Sociais, SA, adiante designada por A............... (entidade relacionada [..] e actualmente com a designação social de S................. Investimentos, ……………., SA):

· a parte social detida na L……… - Les ……………. Marrocos (adiante designada por L………) pelo valor de 2,00 €, de que resultou uma mais-valia contabilística no valor de €2,00 [No apuramento da mais-valia contabilística, o -valor de aquisição encontra-se influenciado pelos ajustamentos decorrentes da aplicação do Método da Equivalência Patrimonial] e uma menos-valia fiscal no valor de € 2.681.805,86, deduzida no Quadro 07 da Declaração Modelo 22/IRC.

· os créditos detidos sobre a L........ pelo valor de € 2.186.988,00 (valor nominal), os quais foram incorporados, pela A..............., no capital da L........ em Dezembro de 2002.

2. Em Dezembro de 2002, a A............... alienou a participação financeira detida na L........ a uma entidade não relacionada (Monsieur Y.............. Tazi) pelo valor de € 470.300,00. Com esta alienação a A............... apurou uma menos-valia fiscal no valor de € 1.716.636,70, que não foi deduzida [Esta não dedução seria idêntica à existência de uma dedução da menos-valia fiscal complementada por um acréscimo relativo a Preços de Transferência no mesmo montante.] pela A............... na sua Declaração Modelo 22/IRC, segundo o sujeito passivo, ao abrigo das regras dos preços de transferência.

3. A S................. e a A............... consideram que as operações descritas nos pontos 1 e 2 são comparáveis, sendo que o preço de venda efectuado pela A..............., ao contrário do preço praticado pela S................., verifica as condições de plena concorrência por ter sido praticado a favor de uma entidade independente, devendo consequentemente ter sido este o utilizado na transmissão realizada entre ambas.

4. Com base neste pressuposto a S................. deduziu ao lucro tributável o valor de € 1.716.636,70, ajustamento de sinal contrário ao efectuado pela A..............., geralmente designado por ajustamento correlativo.

Da análise da presente situação, refere-se que:

i) Do princípio de Plena Concorrência
[…]
Conforme refere o sujeito passivo, e estando na presença de:
a) uma operação financeira
b) efectuada entre entidades relacionadas (a A............... é detida a 100% pela S................. Engenharia e como tal considera-se que existem relações especiais ao abrigo da alínea f) do nº 4 do art. 58º do CIRC)
deviam ter sido contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

Refere o nº 8 do artigo 58º do citado Código que “sempre que as regras enunciadas no nº 1 não sejam observadas, relativamente a operações com não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 112.º, as necessárias correccões positivas na determinação do lucro tributável, peio montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância”.

No mesmo sentido o nº 1 do artigo 3º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12, prevê que “Sempre que os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade não residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados, entre entidades independentes, deve aquele efectuar, na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 112º do Código do IRC, uma correccão positiva correspondente aos efeitos fiscais imputáveis àquele desvio de forma a que o lucro determinado não seja diferente do que se apuraria na ausência de relações especiais”.
[…]
[…] Deste modo, a aderência ao Princípio de Plena Concorrência deverá ocorrer não só em operações vinculadas realizadas entre um sujeito passivo e uma entidade relacionada não residente, mas também nas operações vinculadas realizadas entre um sujeito passivo e uma entidade relacionada residente.

No entanto, o legislador definiu dois tratamentos distintos, consoante estejamos perante operações internas ou operações internacionais. Assim, relativamente às operações vinculadas realizadas com entidades não residentes o legislador previu a obrigatoriedade do sujeito passivo efectuar uma correcção positiva na determinação do lucro tributável no montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis à inobservância do Princípio de Plena Concorrência (ver número 8 do artigo 58.º do Código do IRC e número 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

Todavia, quando a inobservância se verifique relativamente a operações com entidades relacionadas residentes o legislador apenas previu a possibilidade, e não a obrigação, da DGCI efectuar as correcções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o mesmo reflicta o resultado que teria sido obtido se a operação vinculada se tivesse desenvolvido entre entidades independentes (cfr. ver número 10 do artigo 58.º do Código do IRC e número 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001). Entendimento semelhante foi já defendido por vários autores em diversas publicações.

Considerando o anteriormente exposto, e atendendo ao facto da legislação que regulamenta a matéria dos preços de transferência não permitir ajustamentos negativos na declaração periódica de rendimentos, conclui-se que a dedução efectuada pela S................. Engenharia, S.A., no montante de € 1.716.636,70, não tem enquadramento legal.

ii) Do Ajustamento Correlativo

Ainda que, por mera hipótese académica, se considerasse que o legislador quereria prever o acréscimo positivo por iniciativa do sujeito passivo, no caso a A..............., tal não aproveitaria à situação em análise, uma vez que a S................. Engenharia efectuou, não um ajustamento positivo, mas um ajustamento negativo, situação que indubitavemente, não encontra enquadramento legal.
Acresce que, mesmo que se pretenda enquadrar esta dedução como um ajustamento correlativo, tal não poderá ser considerado pois apenas em duas situações está previsto na lei, a saber:

§ quando a Direcção Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo de IRC (ver número 11 do artigo 58.º do Código do IRC e número 1 do artigo 17.º da Portaria 1446-C/2001).

§ quando tal ajustamento correlativo resulte de convenções celebradas por Portugal (ver número 12 do artigo 58.º do Código do IRC e número 2 do artigo 17.º da Portaria 1446-C/2001).

Assim sendo a dedução em apreço não tem enquadramento em qualquer das previsões, uma vez que no primeiro caso, embora estejamos perante operações vinculadas realizadas entre entidades residentes, estamos perante correcções efectuadas pela Administração Fiscal facto que não ocorreu. No segundo caso, as operações vinculadas controvertidas são desenvolvidas entre uma entidade residente e uma entidade não residente o que também não é o caso.

Pelo exposto se conclui que, mesmo entendendo por mera hipótese académica, a dedução efectuada pela S................. como um ajustamento correlativo ao acréscimo efectuado pela A..............., tal ajustamento não encontra previsão legal pelo que não poderá ser considerada.

iii) Da Comparabilidade das Operações
[…]
Ora, a comparabilidade entre ambas as operações não se encontra demonstrada pelo sujeito passivo, conforme prevê a alínea b) do número 1 do artigo 13º da Portaria 1446-C/2001, nem poderia, uma vez que estamos perante operações diferentes, a cedência de créditos (entre a S................. e A...............), e a cedência de uma participação social (entre a A............... e uma entidade independente) que têm associados direitos e obrigações distintos.

iv) Da Poupança fiscal

Alega a empresa na sua resposta ao pedido de esclarecimentos que “Em termos globais, não existe qualquer diferença quanto aos ajustamentos efectuados no Q07 das sociedades envolvidas na operação em análise, com e sem ajustamentos de preços de transferência”.

Contudo, tal não corresponde à realidade pois que através dos ajustamentos efectuados, utilizando de forma inadequada as regras dos preços de transferência como instrumento de antecipação de reporte, a empresa apurou uma vantagem fiscal de IRC, no montante € 510.747,81, conforme se demonstra no quadro a seguir apresentado:

«Quadro no original»

Acresce referir, que relativamente à dedução efectuada poder-se-ia questionar se a mesma não consubstanciaria uma anulação dos créditos cedidos, pelo que se tivesse sido efectuada na esfera jurídica da A..............., poderia estar em causa a dedutibilidade do custo, com base no disposto nos artigos 23º e 39º, ambos do CIRC.

v) Em síntese

Face a tudo o que foi exposto e atendendo à violação do disposto no artigo 58º do CIRC (e respectiva Portaria regulamentadora, a dedução efectuada pela S................. no montante de € 1.716.636,70 (um milhão, setecentos e dezasseis mil, seiscentos e trinta e seis euros e setenta cêntimos), não é aceite para efeitos de determinação do lucro tributável do grupo, nem sob a forma de ajustamento de preços de transferência negativo, nem sob a forma de ajustamento correlativo.

[…]» – cf. doc. 2 junto à p.i.
M) Em 25.01.2006, com base nas correções refletidas no RIT a que alude a alínea que antecede, foi emitida a liquidação adicional de IRC n.º ………….369, relativa ao exercício de 2002, que apurou a pagar a quantia de € 275.893,43, que inclui o valor da liquidação de juros compensatórios de € 58.443,70, e que, após “demonstração de acerto de contas”, apurou a quantia total de € 625.133,39 a pagar, sendo a respetiva data limite de pagamento 08.03.2006 – cf. doc. n.º 1 junto à p.i.
N) Em 08.03.2006 a impugnante deduziu impugnação judicial da liquidação identificada em C), que corre termos sob processo n.º 261/06.1BESNT, reagindo apenas contra a correção que reflete a desconsideração do ajustamento no montante de € 1.716.636,70, referente à menos valia resultante da alienação da participação social no capital da sociedade L……, bem como dos créditos detidos sobre a mesma sociedade – por consulta ao SITAF (facto não controvertido).
O) A coberto da Ordem de Serviço n.º OI200600352 foi a ora impugnante alvo de uma nova ação de inspeção em relação ao exercício de 2002, que abrange as correções anteriormente notificadas, a que se refere o relatório de inspeção mencionado em L), incluindo a desconsideração do ajustamento no montante de € 1.716.636,70, relativo à correção fiscal efetuada pela Impugnante ao abrigo do disposto no artigo 58.º do Código do IRC, e que procedeu, além disso, “a um novo apuramento, com base nas correcções ao lucro tributável (…) cujo valor adicionado ascende a € 37.633,49, a favor do Estado (…)” – cf. doc. 4 junto à p.i. (em concreto a pág. 3 do relatório de inspeção).– cf. doc. 4 junto à p.i..
P) Ato impugnado: Na sequência do procedimento de inspeção referido na alínea que antecede foi emitida, em 20.09.2006, a liquidação adicional de IRC n.º …………….242, referente ao exercício de 2002, que reflete um aumento à matéria coletável anteriormente corrigida no montante de €37.633,49, conforme a baixo descrito, e que, após compensação (n.º ………………771), apurou a pagar a quantia de € 645.383,23:
« Quadro no original»

– cf. doc. 4 junto à p.i..
Q) Em 19.12.2006 a impugnante efetuou “pagou por conta” do valor apurado na “demonstração de acerto de contas”, referida em P), no montante de € 13.691,62 – cf. doc. 5 junto à p.i.
R) A presente impugnação foi remetida a este TAF sob registo postal de 31.01.2007 – cf. fls. 3 dos autos.”

X
“Factos não provados://Não resultam dos autos quaisquer factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar como não provados.” // “Motivação de facto // A convicção do tribunal, quanto aos factos provados, formou-se com base no teor dos documentos referidos em cada uma das alíneas supra, os quais não foram impugnados nem se afiguram dúvidas sobre a respetiva genuinidade.”
X
2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa. A sentença julgou improcedente a impugnação, mantendo na ordem jurídica a liquidação adicional de IRC de 2002. Ponderou, em síntese, o seguinte:
«(…) considerando que não ocorre qualquer controvérsia sobre a existência de relações especiais entre a S................. Engenharia, S.A. e a A............... (que se enquadra na al. f) do n.º 4 do art.º 58.º do CIRC), e que foi o método da comparabilidade aquele que foi utilizado pelas sociedades em apreço para proceder aos ajustamentos referidos em J), que consistiram, como já se disse, num ajustamento positivo por parte da A............... – que não procedeu ao reconhecimento da menos-valia fiscal, de € 1.716.688,00, apurada na sua esfera (considerando que o negócio inicial entre a A............... e a S................. Engenharia, S.A., de alienação dos créditos desta sobre a L…, ascendeu a € 2.186.988,00, e a venda posteriormente ocorrida a outra entidade, independente, foi concretizada pelo valor de € 470.300,00) – e correspondente ajustamento simétrico pela S................. Engenharia, S.A., que deduziu a referida menos-valia, no valor de € 1.716.688,00, importa realçar, desde logo, (…) que a S................. Engenharia, S.A., alienou à A..............., quer a parte social detida na L…, operação realizada pelo valor de € 2,00, quer os créditos detidos sobre a L….. pelo valor (nominal) de € 2.186.988,00, tendo estes sido incorporados pela A............... no capital da L……….. em dezembro de 2002, antes da subsequente alienação à “Y.............. Tazi”. // Assim, o negócio ocorrido em dezembro de 2002, através do qual a A............... alienou à “Y.............. Tazi” (entidade independente) a participação financeira detida na L........, não pode ser considerado comparável, para efeitos do n.º 2 do art.º 58.º do CIRC, com aquele que foi inicialmente celebrado entre as entidades em relação especial (a S................. Engenharia, S.A. e a A...............), uma vez que estamos perante operações diferentes: primeiro a cedência de créditos entre a S................. e A............... e, depois, a cêdência de uma participação social da A............... a uma entidade independente, que, como referem os serviços de inspeção, têm associados direitos e obrigações distintos. Esta conclusão, por si só, é quanto basta para concluir pela ilegalidade dos “ajustamentos” efetuados pelos próprios sujeitos passivos em matéria de preços de concorrência, alegadamente com vista ao cumprimento do regime jurídico previsto no art.º 58.º do CIRC, por não estarem em confronto operações comparáveis. // Além disso, e como também resulta devidamente explanado no relatório de inspeção, o procedimento a adotar é diferente consoante estejamos perante operações internas ou internacionais. Quanto a estas últimas prevê-se a obrigatoriedade do sujeito passivo efetuar uma correção positiva na determinação do lucro tributável no montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis à inobservância do princípio de plena concorrência (cf. o n.º 8 do artigo 58.º do Código do IRC e número 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001), o mesmo não sucedendo no que se refere a operações com entidades relacionadas residentes, relativamente às quais o legislador apenas previu a possibilidade de ser a administração tributária a efetuar as correções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o mesmo reflita o resultado que teria sido obtido se a operação se tivesse desenvolvido entre entidades independentes (cf. n.º 11 do artigo 58.º do CIRC e n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001)».

2.2.2. A recorrente não se conforma com o veredicto que fez vencimento na instância, assacando-lhe erro de julgamento quanto ao direito aplicável.
Apreciação. O quadro normativo relevante é o seguinte:
i) «Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis» (1).
ii) «O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco» (2).
iii) «Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis» (3).
iv) «Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas» (4).
v) «Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 112º, as necessárias correcções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância» (5).
vi) Se os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade não residente em território português diferirem dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, «deve aquele efectuar, na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 112.º do Código do IRC, uma correcção positiva correspondente aos efeitos fiscais imputáveis àquele desvio, por forma que o lucro tributável determinado não seja diferente do que se apuraria na ausência de relações especiais» (6).
A este propósito, do Direito da União Europeia colhem-se os elementos seguintes:
«O princípio da plena concorrência faz necessariamente parte da apreciação efetuada pela Comissão das medidas fiscais concedidas a empresas de um grupo nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado, independentemente de um Estado-Membro ter incorporado este princípio no seu sistema jurídico nacional e sob que forma. É utilizado para determinar se os lucros tributáveis de uma empresa de um grupo para efeitos do imposto sobre o rendimento das sociedades foram determinados com base numa metodologia que produz uma aproximação fiável dos resultados baseados no mercado. Uma decisão fiscal que subscreva essa metodologia assegura que essa empresa não é tratada favoravelmente ao abrigo das regras gerais de tributação dos lucros das sociedades no Estado-Membro em causa comparativamente a empresas autónomas que são tributadas sobre os seus lucros contabilísticos, o que reflete os preços determinados no mercado negociados em condições de plena concorrência. O princípio da plena concorrência aplicado pela Comissão para apreciar as decisões relativas à fixação dos preços de transferência ao abrigo das regras em matéria de auxílios estatais é, por conseguinte, uma aplicação do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado, que proíbe as desigualdades de tratamento em matéria de tributação de empresas na mesma situação factual e jurídica. Este princípio vincula os Estados-Membros, e as regras fiscais nacionais não estão excluídas do seu âmbito de aplicação.» (n.º 172).
«Ao examinar se uma decisão relativa à fixação dos preços de transferência é conforme com o princípio da plena concorrência inerente ao artigo 107.o, n.o 1, do Tratado, a Comissão pode ter em conta as orientações fornecidas pela Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos («OCDE»), em especial os «Princípios da OCDE em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às administrações fiscais». Estes princípios não tratam de questões de auxílios estatais per se, mas captam o consenso internacional em matéria de fixação de preços de transferência e fornecem orientações úteis para administrações fiscais e empresas multinacionais sobre a forma de assegurar que a metodologia de fixação dos preços de transferência produz resultados em conformidade com as condições de mercado. Por conseguinte, se um acordo de fixação dos preços de transferência estiver em conformidade com as orientações fornecidas pelos Princípios da OCDE em matéria de preços de transferência, incluindo as orientações sobre a escolha do método mais apropriado, e conduzir a uma aproximação fiável de resultados baseados no mercado, uma decisão fiscal que subscreva esse acordo não é suscetível de constituir um auxílio estatal.» (n.º 173)
Em síntese: «as decisões fiscais conferem uma vantagem seletiva aos respetivos destinatários, em especial se: // a) a decisão aplicar de forma errada o direito fiscal nacional e daí resultar um montante de imposto inferior; // b) a decisão não estiver à disposição de empresas que se encontram numa situação factual e jurídica semelhante; ou // c) a administração aplica um tratamento fiscal mais «favorável» que o acordado a outros contribuintes que se encontram em situação factual e jurídica semelhante. Tal poderia, por exemplo, ser o caso se a autoridade fiscal aceitasse um acordo em matéria de fixação de preços de transferência em condições que não de plena concorrência, porque a metodologia subscrita por essa decisão produz um resultado que se afasta de uma aproximação fiável dos resultados baseados no mercado. O mesmo se aplica se a decisão permitir ao seu destinatário utilizar métodos alternativos, mais indiretos, para o cálculo dos lucros tributáveis, por exemplo, a utilização de margens fixas para um método do preço do custo majorado ou um método do preço de revenda-minorado para determinar um custo de transferência adequado, quando estiverem disponíveis métodos mais diretos.» (n.º 174) (7)

No Acórdão do Tribunal Geral da União Europeia, de 14 de Fevereiro de 2019, P. T-131/16 e T-263/16, consignou-se o seguinte:
«[A]s intervenções dos Estados-Membros nos domínios que não foram objeto de uma harmonização na União, tais como a fiscalidade direta, não estão excluídas do âmbito de aplicação da regulamentação relativa à fiscalização dos auxílios de Estado. Por conseguinte, a Comissão pode qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado, desde que estejam reunidas as condições para essa qualificação (…). Os Estados-Membros devem, portanto, exercer a sua competência em matéria fiscal no respeito do direito da União (…). Por conseguinte, devem abster-se de tomar, neste contexto, qualquer medida suscetível de constituir um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno. // É certo que, não existindo normas da União na matéria, é da competência dos Estados-Membros a determinação das bases tributáveis e a repartição da carga fiscal entre os diferentes fatores de produção e os diferentes setores económicos (…). // No entanto, tal não implica que qualquer medida fiscal que afeta nomeadamente a base tributável tomada em conta pelas autoridades fiscais escape à aplicação do artigo 107.o TFUE. Com efeito, se uma medida desse tipo provocar, de facto, uma discriminação entre sociedades que se encontram numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido por essa medida fiscal e por esse motivo conferir aos beneficiários da medida vantagens seletivas que favorecem «certas» empresas ou «certas» produções, poderá ser considerada um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (…)». (8)

Em síntese, o princípio da plena concorrência no Direito da União Europeia exige a aplicação do regime de preços de transferência que garanta a igualdade de tratamento, em termos fiscais, dos agentes económicos, que se encontrem em situações semelhantes.
Mais se refere que, «[n]o glossário dos Princípios da OCDE define-se ajustamento primário como aquele que é efectuado “aos lucros tributáveis de uma sociedade, ao qual procede uma primeira Administração Fiscal no quadro da aplicação do princípio da plena concorrência a operações em que intervenha uma empresa associada estabelecida num território que está sob a jurisdição de outra Administração Fiscal. // Quando não se verifiquem elementos de extraneidade nas relações especiais, esta definição deve ser ampliada, por forma a integrar as correcções realizadas que apenas envolvam uma jurisdição ou espaço fiscal, previstas na legislação fiscal portuguesa» (9).
Por seu turno, «[o] ajustamento correlativo representa uma correcção à matéria colectável simétrica ao ajustamento primário. Produz efeitos na esfera da contraparte associada da entidade que foi alvo do primeiro ajustamento e tem por causa-função evitar a dupla tributação económica de imposto sobre o rendimento que, de outra forma, com toda a probabilidade, se geraria» (10).
No caso em exame nos autos, os termos e fundamentos da correção constam do ponto III – 1.4. do relatório inspectivo (11). A recorrida não aceita a dedução feita pela S................. Engenharia, a título de ajustamento de preços de transferência do montante de € 1.716.636.70. A Administração Fiscal não contesta os pressupostos materiais em que assenta a dedução/ajustamento efectuada, ou seja, não contesta que tal ajustamento resulta da aplicação do princípio da plena concorrência, assim como não contesta que o ajustamento na S................. Engenharia tem um ajustamento correlativo e simétrico na empresa vinculada A................ Contesta, todavia, o respaldo legal para a dedução fiscal efectuada.
A argumentação da recorrida assenta nos pontos seguintes:
i) Do princípio de Plena Concorrência
[…]
Conforme refere o sujeito passivo, e estando na presença de:
a) uma operação financeira
b) efectuada entre entidades relacionadas (a A............... é detida a 100% pela S................. Engenharia e como tal considera-se que existem relações especiais ao abrigo da alínea f) do nº 4 do art. 58º do CIRC)
deviam ter sido contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

Refere o nº 8 do artigo 58º do citado Código que “sempre que as regras enunciadas no nº 1 não sejam observadas, relativamente a operações com não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 112.º, as necessárias correccões positivas na determinação do lucro tributável, peio montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância”.

No mesmo sentido o nº 1 do artigo 3º da Portaria 1446-C/2001, de 21/12, prevê que “Sempre que os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade não residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados, entre entidades independentes, deve aquele efectuar, na declaração periódica de rendimentos a que se refere o artigo 112º do Código do IRC, uma correccão positiva correspondente aos efeitos fiscais imputáveis àquele desvio de forma a que o lucro determinado não seja diferente do que se apuraria na ausência de relações especiais”.
[…]
[…] Deste modo, a aderência ao Princípio de Plena Concorrência deverá ocorrer não só em operações vinculadas realizadas entre um sujeito passivo e uma entidade relacionada não residente, mas também nas operações vinculadas realizadas entre um sujeito passivo e uma entidade relacionada residente.

No entanto, o legislador definiu dois tratamentos distintos, consoante estejamos perante operações internas ou operações internacionais. Assim, relativamente às operações vinculadas realizadas com entidades não residentes o legislador previu a obrigatoriedade do sujeito passivo efectuar uma correcção positiva na determinação do lucro tributável no montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis à inobservância do Princípio de Plena Concorrência (ver número 8 do artigo 58.º do Código do IRC e número 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

Todavia, quando a inobservância se verifique relativamente a operações com entidades relacionadas residentes o legislador apenas previu a possibilidade, e não a obrigação, da DGCI efectuar as correcções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o mesmo reflicta o resultado que teria sido obtido se a operação vinculada se tivesse desenvolvido entre entidades independentes (cfr. ver número 10 do artigo 58.º do Código do IRC e número 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001). Entendimento semelhante foi já defendido por vários autores em diversas publicações.

Considerando o anteriormente exposto, e atendendo ao facto da legislação que regulamenta a matéria dos preços de transferência não permitir ajustamentos negativos na declaração periódica de rendimentos, conclui-se que a dedução efectuada pela S................. Engenharia, S.A., no montante de € 1.716.636,70, não tem enquadramento legal.

Está em causa a dedução da menos-valia de € 1.716.636,70, na declaração da S................. Engenharia, S.A., menos-valia que ocorreu na esfera da A..............., em virtude da operação de venda das participações sociais em causa a uma entidade independente, e que a mesma não inscreveu na sua declaração fiscal.
A este propósito, cumpre referir que o princípio da plena concorrência que informa o regime dos preços de transferência em IRC deve ser entendido de forma a permitir também as correcções negativas, por iniciativa do contribuinte, desde que seja assegurada a tributação do rendimento real, o que no caso, significa a tributação do rendimento do grupo empresarial em que se inserem as empresas S................. Engenharia e A..............., uma vez deduzida a menos-valia obtida com a transacção em apreço. O que foi assegurado pela declaração do contribuinte. Ou seja, o princípio da plena concorrência, entendido como tratamento fiscal igual de operadores económicos em situações semelhantes, não impede a dedução pela S................. Engenharia da menos-valia ocorrida na A............... e por esta não declarada, dado que são empresas do mesmo grupo empresarial.

ii) Do Ajustamento Correlativo

Ainda que, por mera hipótese académica, se considerasse que o legislador quereria prever o acréscimo positivo por iniciativa do sujeito passivo, no caso a A..............., tal não aproveitaria à situação em análise, uma vez que a S................. Engenharia efectuou, não um ajustamento positivo, mas um ajustamento negativo, situação que indubitavelmente, não encontra enquadramento legal.
Acresce que, mesmo que se pretenda enquadrar esta dedução como um ajustamento correlativo, tal não poderá ser considerado pois apenas em duas situações está previsto na lei, a saber:

§ quando a Direcção Geral dos Impostos proceda a correcções necessárias para determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo de IRC (ver número 11 do artigo 58.º do Código do IRC e número 1 do artigo 17.º da Portaria 1446-C/2001).

§ quando tal ajustamento correlativo resulte de convenções celebradas por Portugal (ver número 12 do artigo 58.º do Código do IRC e número 2 do artigo 17.º da Portaria 1446-C/2001).

Assim sendo a dedução em apreço não tem enquadramento em qualquer das previsões, uma vez que no primeiro caso, embora estejamos perante operações vinculadas realizadas entre entidades residentes, estamos perante correcções efectuadas pela Administração Fiscal facto que não ocorreu. No segundo caso, as operações vinculadas controvertidas são desenvolvidas entre uma entidade residente e uma entidade não residente o que também não é o caso.

Pelo exposto se conclui que, mesmo entendendo por mera hipótese académica, a dedução efectuada pela S................. como um ajustamento correlativo ao acréscimo efectuado pela A..............., tal ajustamento não encontra previsão legal pelo que não poderá ser considerada.

A este propósito, cabe referir que não está demonstrada a preterição do regime de preços de transferência, em conformidade com os parâmetros internacionais, bem como não se demonstra a ocorrência de subtracção da base tributável do IRC, devido por entidades em situação de relação especial (artigo 58.º/4, do CIRC). A distinção entre operações internas e operações internacionais desconhece o regime de preços de transferência de matriz europeia e internacional, o qual assenta na garantia da plena concorrência e na necessidade de adopção de medidas fiscais não discriminatórias dos vários operadores de mercado, em nome do princípio do tratamento fiscal não discriminatório dos operadores, colocados em situações semelhantes. O regime nacional de preços de transferência impõe o ajustamento correlativo. Nos termos do artigo 17.º/1, da Portaria n.º 1146-C/2001, de 21/12, quando a Autoridade Tributária «proceda a correcções necessárias para a determinação do lucro tributável por virtude de relações especiais com outro sujeito passivo de IRC ou de IRS, na determinação do lucro tributável deste último deve ser efectuado o ajustamento adequado que seja reflexo das correcções feitas na determinação do lucro tributável do primeiro». Pelo que a alegação de falta de apoio legal para o ajustamento negativo, em causa, o qual tem como “causa” a não declaração das menos-valias na A..............., não tem arrimo legal.
iii) Da Comparabilidade das Operações
[…]
Ora, a comparabilidade entre ambas as operações não se encontra demonstrada pelo sujeito passivo, conforme prevê a alínea b) do número 1 do artigo 13º da Portaria 1446-C/2001, nem poderia, uma vez que estamos perante operações diferentes, a cedência de créditos (entre a S................. e A...............), e a cedência de uma participação social (entre a A............... e uma entidade independente) que têm associados direitos e obrigações distintos.

Sobre o item em exame, cabe referir que do probatório resultam os elementos seguintes:
i) A Impugnante é a sociedade dominante do “Grupo S.................”, o qual se encontra sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) (alínea A).
ii) No exercício de 2002, o “Grupo S.................” integrava a sociedade dominada “S................. Engenharia, S.A.” (alínea B).
iii) A “S................. Engenharia, S.A.” detinha uma participação financeira correspondente à totalidade do capital social da sociedade “A............... – Sociedade de Gestão de Participações Sociais, S.A.” (adiante designada A...............) (alínea C).
iv) Foi efetuada uma reestruturação do “Grupo S.................”, pretendendo-se a concentração na A............... das participações relacionadas com empresas de construção, quer nacionais quer internacionais, para melhores sinergias e aproveitamento de trabalhos que pudessem ser complementares entre as sociedades (alínea D).
v) Em setembro de 2002 a S................. Engenharia, S.A., alienou à A............... a participação social detida na “L……. – …………… Marrocos” (adiante L........), pelo valor de € 2,00, bem como os créditos detidos sobre aquela entidade no montante de € 2.186.988,00 (alínea E).
vi) Após a aquisição, a A............... procedeu à incorporação dos créditos no capital social da L…….. (alínea F).
vii) Posteriormente, em dezembro de 2002, a A............... alienou a participação financeira na L………. a “Y.............. Tazi”, pelo valor de € 470.300,00 (alínea G).
viii) A entidade “Y.............. Tazi” não faz parte do grupo de sociedades da ora impugnante (alínea H).
ix) Em virtude da alienação referida na alínea G), a A............... apurou uma menos-valia de €1.716.690,00, montante correspondente à diferença entre o valor da respetiva aquisição de € 2.186.990,00 [€ 2,00 (valor de aquisição) + € 2.186.988,00 (créditos incorporados)] e o valor de venda da mesma de € 470.300,00 (alínea I).
x) Pelo confronto dos valores da alienação realizada em setembro de 2002, referida em E), e aquele que respeita à transmissão ocorrida em dezembro de 2002, mencionada em G), a A..............., tendo em vista assegurar o cumprimento do princípio de plena concorrência, efetuou um ajustamento positivo, não tendo procedido ao reconhecimento da menos-valia fiscal apurada na sua esfera, e a S................. Engenharia, S.A., efetuou o correspondente ajustamento simétrico, deduzindo o valor de €1.716.688,00 (alínea J).
O argumento da falta de comparabilidade das operações em causa não se oferece procedente. Em ambas as transacções ocorre a transferência de participações de capital e de créditos acessórios sobre a sociedade L…….. «Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são suscetíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas»(12). No caso em exame, trata-se da alienação da participação financeira na sociedade L…….., primeiro ocorrida entre a S................. Engenharia e a A............... e depois entre ocorrida esta e a Y.............. Tazi. Pelo que as operações em causa são, no essencial, comparáveis e até idênticas. Olhando à sua substância, ambas as transacções respeitam à cedência ao cessionário da posição accionista do cedente em relação à sociedade L….

iv) Da Poupança fiscal

Alega a empresa na sua resposta ao pedido de esclarecimentos que “Em termos globais, não existe qualquer diferença quanto aos ajustamentos efectuados no Q07 das sociedades envolvidas na operação em análise, com e sem ajustamentos de preços de transferência”.

Contudo, tal não corresponde à realidade pois que através dos ajustamentos efectuados, utilizando de forma inadequada as regras dos preços de transferência como instrumento de antecipação de reporte, a empresa apurou uma vantagem fiscal de IRC, no montante € 510.747,81, conforme se demonstra no quadro a seguir apresentado:

«Quadro no original»

Acresce referir, que relativamente à dedução efectuada poder-se-ia questionar se a mesma não consubstanciaria uma anulação dos créditos cedidos, pelo que se tivesse sido efectuada na esfera jurídica da A..............., poderia estar em causa a dedutibilidade do custo, com base no disposto nos artigos 23º e 39º, ambos do CIRC.

A este propósito, cumpre referir o seguinte. Está em causa a dedução da menos-valia de € 1.716.636,70, na declaração da S................. Engenharia, S.A., menos-valia que ocorreu na esfera da A..............., em virtude da operação de venda das participações sociais a uma entidade independente, e que a mesma não inscreveu na sua declaração fiscal. A recorrida não fundamenta os cálculos da alegada “poupança fiscal”. A mesma não invoca a aplicação de norma anti-abuso, pelo que assiste razão à recorrente quando refere que os alegados efeitos fiscais da dedução em exame não podem ser atendidos no quadro do regime de preços de transferência, aplicado pela recorrida.
Nos termos do artigo 64.º/1, do CIRC, «[r]elativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo». Estando em causa a dedução por empresa do grupo empresarial da menos-valia obtida com a alienação de participação social detida por outra empresa do mesmo grupo empresarial, o não relevamento da mesma ou a correcção daquela sem o ajustamento correlativo (13), colide com o regime fiscal de determinação do rendimento do grupo em causa (artigos 43.º/1, 17.º/1 e 64.º/1, do CIRC).
A análise efectuada pela Administração Fiscal das sucessivas operações de venda das participações sociais em apreço não incide sobre a substância das mesmas, o que significa que o mecanismo da correcção dos preços de transferência, segundo o princípio da plena concorrência foi obliterado, porquanto não se aceita o ajustamento primário e negativo por iniciativa do contribuinte (S................. Engenharia), tendo por base o ajustamento simétrico (positivo) no rendimento colectável da entidade vinculada (A...............) ou, em alternativa, impor-se-ia a rejeição do ajustamento primário por iniciativa do contribuinte, desde que, com o inerente ajustamento simétrico (negativo), correlativo, na base tributável da entidade vinculada (A...............), o que os autos não demonstram que tenha ocorrido.
Por outras palavras, perante a existência de operações semelhantes, dado que está em causa a cedência de participações sociais na empresa L........, perante a existência de um valor de mercado para a operação em causa, aferido na transacção entre entidades independentes (A............... e Y.............. Tazi), a Administração Fiscal rejeita a dedução da menos-valia em apreço, sem comprovar que os princípios da plena concorrência - base do regime do mecanismo dos preços de transferência -, da dupla tributação económica do rendimento, base do regime do ajustamento correlativo (14) e do princípio da tributação do rendimento tributável com base em elementos fiáveis fornecidos pelo mercado em concorrência, de acordo com o Direito da União Europeia, foram ou não observados.
A correção em causa resulta na discriminação negativa dos sujeitos passivos residentes em território nacional, dado que, no dizer da própria Administração Fiscal, o ajustamento em exame apenas seria possível, no quadro da legislação nacional, se a operação vinculada fosse encabeçada num dos extremos por entidade não residente. Uma tal aplicação do regime dos preços de transferência colide com o quadro legal europeu e nacional aplicável, nos termos supra enunciados. Pelo que a correcção em apreço não se pode manter na ordem jurídica.
Termos em que se provê o presente recurso, substituindo a decisão recorrida por decisão que julgue procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto tributário impugnado.
2.2.3. No que respeita ao pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça, cumpre referir que, nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do RCP, «[n]as causas de valor superior a €275000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento». Como decorre da Tabela I do RCP, quando o valor da causa seja superior a €275.000,00, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada €25.000 ou fracção, três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B e quatro e meia unidades de conta no caso da coluna C. «É esse remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre €275.00,00 e o efectivo superior valor da causa para efeito da determinação daquela taxa, que deve ser considerado na conta final, se o juiz não dispensar o seu pagamento» (15). «A referência à complexidade da causa significa, em concreto, a sua menor complexidade ou simplicidade e a positiva atitude de cooperação das partes» (16). Nos termos do artigo 527.º, n.º 1, do CPC, «[a] decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito». Nos termos do n.º 2 do preceito, «[e]ntende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». No caso em exame, o valor da causa corresponde a €636.314,45.
Sobre a matéria constitui jurisprudência assente a de que o direito fundamental de acesso aos tribunais (art.º 20.º, n.º 1, da CRP) implica que os custos da prestação do serviço da justiça sejam comportáveis atenta a capacidade contributiva do cidadão médio. «Sob este ponto de vista, pode acontecer que a fixação da taxa de justiça calculada apenas com base no valor da causa (particularmente se em presença estiverem procedimentos adjectivos de muito elevado valor) patenteie a preterição desse direito fundamental, evidenciando um desfasamento irrazoável entre o custo concreto encontrado e o processado em causa». [Ac. do TCAS, de 13.03.2014, P. 07373/14]. A aferição da complexidade da causa deve ter em conta o constante no artigo 530.º/7, do CPC. Assim, consideram-se de especial complexidade, as acções que: «a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou // c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».
No caso em exame, os autos não preenchem nenhum dos requisitos enunciados com vista a aferir da especial complexidade dos mesmos. Por outras palavras, a especialidade da causa não é de molde a afastar o limiar do valor de €275.00,00, dado que a complexidade ou especificidade não justificam a imposição de encargos dissuasores do acesso à justiça. O mesmo se diga do comportamento processual das partes, o qual se pautou pelo cumprimento do dever de boa fé processual. Por outras palavras, atendendo à lisura do comportamento processual das partes e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser de deferir o pedido quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça na conta final, em relação a ambas as partes.
Pelo exposto, impõe-se deferir o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º/7, do RCP. Termos em que se procederá no dispositivo.


Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando procedente a impugnação, com a consequente anulação do acto tributário.

Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado, sem prejuízo da dispensa do remanescente da taxa de justiça em relação a ambas as partes.

Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)


(1ª. Adjunta- Patrícia Manuel Pires)


(2º. Adjunto- Vital Lopes)

(1) Artigo ´58.º/1, do CIRC (versão vigente).
(2) Artigo 58.º/2, do CIRC (versão vigente).
(3) Artigo 4.º/2, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12.2001.
(4) Artigo 4.º/3, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12.2001.
(5) Artigo 58.º/8, do CIRC (versão vigente).
(6) Artigo 3.º/1, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12.2001.
(7) §§169 e 174 da Comunicação da Comissão sobre a noção de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, (2016/C 262/01), https://eur-lex.europa.eu/legal.
(8) Acórdão do Tribunal Geral da UE, de 14 de fevereiro de 2019, P. T-131/16 e T-263/16.
(9) Alexandra Coelho Martins, O regime dos preços de transferência e o IVA, Cadernos IDDEF, n.º 10, Almedina, 2009, p. 202.
(10) Alexandra Coelho Martins, O regime dos preços de transferência e o IVA, … cit., p. 203. V. tb. Luís Pedro Ramos, Preços de transferência, in Fiscalidade Internacional, Coord. João Ricardo Catarino e Paula Rosado Pereira, Almedina, 2023, pp. 287/325
(11) v. alínea L), do probatório.
(12) Artigo 4.º/3, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12.2001.
(13) Artigo 17.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12.2001.
(14) Artigo 17.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21.12.2001.
(15) Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, anotado, 4.ª ed., p. 236.
(16) Salvador da Costa, Regulamento das Custas…, cit., p. 236.