Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2748/23.2BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:03/19/2024
Relator:LINA COSTA
Descritores:RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
IDLG
AUTORIZAÇÃO RESIDÊNCIA
SUBSIDIARIEDADE
Sumário:I - A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não ampliar o mesmo, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636º, nº 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final;
II - O artigo 109º do CPTA prevê o requisito da subsidiariedade do meio processual de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, ao estipular a impossibilidade ou insuficiência do decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa;
III - O A./recorrente invoca a demora no exercício do seu direito à emissão da autorização de residência, na sequência da manifestação de interesse que dirigiu ao Recorrido, ao abrigo do artigo 88º nº 2 da Lei nº 23/2007, em 25.6.2022, para o que podia e devia ter instaurado acção administrativa de condenação à prática do acto devido e providência adequada a assegurar a utilidade da decisão de procedência a obter naquela, significando que a acção de intimação para protecção de direitos liberdades e garantias instaurada, de natureza urgente e excepcional, configura meio processual inidóneo para o efeito.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em sessão da Subsecção de Administrativo Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

M…, devidamente identificado como requerente nos autos da acção intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada contra o Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 21.9.2023, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou inobservado o requisito da subsidiariedade que necessariamente inere à intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, circunstância que consubstancia uma excepção dilatória inominada, nos termos conjugados dos artigos 109º, nº 1, e 110º, nº 1, do CPTA, e, em consequência, absolveu o MAI da instância.

O Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Notificado do parecer do Ministério Público, o Recorrente pronunciou-se pela procedência do recurso.

Foi proferida decisão sumária pelo relator que negou provimento ao recurso interposto e, em consequência, manteve a decisão recorrida na ordem jurídica.

O Recorrente interpôs recurso de revista da decisão que antecede, o qual, por despacho, foi convolado em reclamação para a conferência.

O Reclamado não respondeu.

A reclamação para a conferência constitui o meio adjectivo próprio ao dispor da parte que se sinta prejudicada pela decisão individual e sumária do relator sobre o objecto do recurso, podendo o recorrente/reclamante, nessa reclamação, restringir o objecto do recurso no uso do direito conferido pelo artigo 635º, nº 4, do CPC, mas não pode ampliar o seu objecto, faculdade limitada ao recorrido nos termos do artigo 636º, nº 1 do mesmo Código, isto é, limitada à parte vencedora que tendo decaído em alguns dos fundamentos da acção, apesar disso, obteve vencimento no resultado final. Ou pode apenas requerer que sobre a matéria recaia acórdão, ao abrigo do mencionado nº 3 do artigo 652º idem.
A reclamação para a conferência da decisão sumária proferida apenas pelo relator faz retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior àquela decisão sumária.
Cumpre, pois, reapreciar as questões suscitadas pelo Recorrente, agora reclamante, em sede de conclusões do recurso, fazendo retroagir o conhecimento em conferência do mérito da apelação ao momento anterior à decisão sumária proferida porque são as conclusões das alegações de recurso que fixam o thema decidendum.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem ipsis verbis:
«113°) A tese constante da douta sentença a quo revela-se atentatória de um valor fundamental do Estado de Direito.
114°) Existe uma violação clara do direito à tutela jurisdicional efetiva previsto artigo 268°,4 da Constituição da República Portuguesa.
115°) A sentença em apreço consiste num obstáculo, desproporcionado no acesso ao Direto e ao processo previsto no artigo 20° da Lei Fundamental.
116°) Traduz-se ainda claramente num benefício ao infractor SEF que assume uma posição clara de inércia e de clara irresponsabilidade nos presentes autos.
117°) Existe uma evolução jurisprudencial no sentido de aclamar a Intimação para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias como o meio processual mais idóneo.
118°) A primeira evidência é promanada no Ac. do TCA SUL em 15.02.2018.
119°) Seguidamente o Acórdão da Suprema Instância de 11.09.2019 no âmbito do processo n° 1899/18.0 BELSB, que ditou que a Intimação, para Defesa de Direitos, Liberdades e Garantias constitui o meio processual idóneo para obter a emissão de uma decisão de autorização de residência em caso de decisão sonegada em virtude da inércia administrativa.
120°) O Recorrente tem uma proteção multinível no que respeito a direitos fundamentais, sendo-lhe aplicada a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
121°) Aquilo que se discute é de uma Justiça em tempo útil, rápida, eficaz, definitiva.
122°) O SEF demora mais de dois anos a validar processos de autorização de residência.
123°) A falta de um título de residência coloca em causa a dignidade da pessoa humana.
124°) o Recorrente está coibido de se movimentar, celebrar negócios civis, alcançar trabalho e até invocar poio policial, sob o risco de expulsão.
125°) O Recorrente aguarda há mais de dois anos por uma decisão.
126°) Está debaixo de intenso sofrimento, em pânico.
127°) A qualquer momento pode ficar sem emprego e ser expulso.
128°) Não revê a sua família há mais de três anos na Índia que de si depende financeiramente, mulher e filhos.
129°) É um modesto empregado do comércio.
130°) A jurisprudência dominante em matéria de decisões por inércia administrativa por parte do SEF nos tribunais portugueses de primeira instância, e no TCA SUL e TCA NORTE é no sentido de o presente meio legal ser o mais idóneo para melhor acautelar a nossa Constituição da República Portuguesa.
131°) O facto do SEF não ter recursos não pode ser imputável ao Recorrente.
132°) Estamos perante um cenário que se reconduz, sem grande dificuldade, a um problema de tutela de direitos, liberdade e garantias cujo exercício depende de uma atuação positiva por parte da Administração Pública.
133°) O Ac. do TCA SUL cria um entrave, obstáculo desproporcionado e injustificado no acesso ao Direito e ao processo previsto no artigo 20° da Lei Fundamental, retirando em definitivo o acesso a qualquer via processual, o que é profundamente injusto.
134°) Sentimento de Injustiça que cresce quando o Recorrido SEF assume uma postura de inércia nos presentes autos.
135°) O Recorrente não sabe quanto tempo mais terá de aguardar.
136°) Poderá ter que aguardar mais quatro ou cinco anos para o desfecho desta situação.
137°) O Tribunal a quo não teve consciência da realidade e do que está verdadeiramente em causa, o respeito da Lei Fundamental e do futuro de um ser Humano.
138°) Temos receio que o Recorrente não consiga aguentar.
139°) O Recorrente ROGA humanismo junto do Venerando TCA SUL
140°) Violaram-se os artigos 1º, 2º, 12°, 13°, 15°, 20°, 26°, 27°, 36°, 44°, 53°, 58°, 59°, 64°, 67°,68°, 268°,4 da Constituição da República Portuguesa, artigos 7º, 15° e 41° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, 6º e 14° da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e ainda o artigo 109° CPTA e ainda os artigos 82°,1 e artigo 88º, 1 das leis 23/2007 de 04/7, lei 59/2017 de 31/7 e lei 102/17 de 28/08 e lei 18/2022 de 25/08 e ainda os artes 5º, 8º, 10°, 13º todos do CPA e ainda o artigo 607°, 4, do CPC.».
Requerendo,
«TERMOS EM QUE SE CONCLUI E REQUER COM O MUI DOUTO PROVIMENTO DE V. EXAS:
A) SER REVOGADA A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA.
B) SER O RECORRIDO SEP EM DEFINITIVO INTIMADO A DECIDIR.
C) SER RECONHECIDA A INTIMAÇÃO, PARA DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS COMO O MEIO PROCESSUAL MAIS IDÓNEO NA DEFESA DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA E EM MATÉRIA DE DECISÕES POR INÉRCIA ADMINISTRATIVA DO SEF E VERTIDO NOS PRESENTES AUTOS.
D) SER CONDENADO O RECORRIDO SEF A EMITIR O TÍTULO DE RESIDÊNCIA.
E) POR CONSEQUÊNCIA AINDA DEVERÁ SER RESPEITADO E SE MANTER O MUI DOUTO ACÓRDÃO DA SUPREMA INSTÂNCIA DE 11.09.2019.
F) E, FINALMENTE RESPEITADO O ACÓRDÃO DO STA DE 28.09.23.».

Na decisão sumária foi considerado que:

«A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, no essencial, em saber se a sentença recorrida fez uma interpretação errada da legislação aplicável ao decidir não se verificar o pressuposto da subsidiariedade.

O tribunal recorrido considerou provado o seguinte facto, pertinente para a decisão da causa:
«1. Em 23.02.2022, o Requerente apresentou uma manifestação de interesse ao abrigo do artigo 88.º, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 04.07, junto do Requerido (cf. cópia da manifestação junta a fls. 62-63 dos autos no SITAF, documento que se dá por integralmente reproduzido).
Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.».

Alega, em suma, o Recorrente que: estamos perante direitos absolutamente fundamentais, como os que indica; manifestou interesse na emissão de autorização de residência para trabalho subordinado em 23.2.2022 pelo que está fora de questão a interposição de acção administrativa de condenação à prática de acto devido e providência associada; do que alertou o tribunal recorrido na petição; a tese do juiz a quo é atentatória do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 268º, nº 4 da CRP; e cria um obstáculo desproporcionado e injustificado ao acesso ao Direito e ao processo, protegido pelo artigo 20º da CRP, por lhe retirar o acesso a qualquer via processual para tutelar os seus direitos; beneficiando clara e injustamente o infractor que não observou o dever de decisão; verifica-se uma evolução jurisprudencial, desde 2019, no sentido de aclamar este meio processual como o idóneo a espoletar a emissão de autorização de residência em território nacional, de acordo com os acórdãos do STA e TCAS que indica; os trabalhadores oriundos de países terceiros em situação regular e, em menor escala, em situação irregular beneficiam de uma protecção multinível no que respeita a direitos fundamentais; além da legislação nacional, é-lhe aplicada a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Convenção Europeia dos Direitos Humanos; discute-se a garantia de uma decisão de mérito para quem nada tem no nosso País; trabalha, cumpre as regras e paga impostos; pelas regras da experiência, que valem como presunção judicial, a falta de um título que permita a permanência em território nacional pode, efectivamente, pôr em causa o reduto básico que se liga ao princípio da dignidade da pessoa humana à livre deslocação em território nacional, à segurança, à identidade pessoal, ao trabalho ou à saúde; está em risco a sua sobrevivência pessoal e da sua família, mulher e filhos, no Bangladesh que depende de si; a presente intimação é o único instrumento legal adequado para a defesa dos seus interesses.

Da fundamentação de direito da sentença recorrida extrai-se o seguinte:
«Significa isto, assim, que ao requerente de dada intimação caberá alegar e demonstrar, por um lado, a indispensabilidade do recurso ao presente meio processual – em termos necessariamente conexionados com a defesa de um direito, liberdade ou garantia, nos termos a que supra se aludiu – e, por outro, a sua subsidiariedade, no sentido de que a tutela peticionada não se compadece com o recurso a qualquer outro tipo de acção de que possa lançar mão, juntamente (ou não) com o competente processo cautelar.
Neste contexto, compulsados os autos e independentemente de qualquer consideração adicional acerca da sua indispensabilidade, resulta evidente para este Tribunal que não se verifica, in concretu, a assinalada subsidiariedade que necessariamente inere à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, atento o carácter absolutamente excepcional que este meio processual encerra, enquanto mecanismo tendente à prolação de uma decisão urgente e definitiva.
Com efeito, à falta de concretização, não vislumbra este Tribunal qualquer óbice a que o intento que a Requerente aqui procura prosseguir – e que, como se viu, consiste primacialmente na obtenção de uma decisão incidente sobre o requerimento a que se alude no ponto 1. da matéria de facto que retro se deu por assente, com a consequente emissão do correlativo título de residência – seja atingido através da propositura da competente acção administrativa, acompanhada da interposição de processo cautelar tendente à obtenção de um título ad hoc que aqui a habilite a residir provisoriamente (cf. artigo 112.º, n.º 2, alínea d), in fine, do CPTA) até que tal pedido seja decidido, cujos efeitos obviariam às consequências nefastas que aqui invoca e que assaca à pretensa actuação do Requerido.
Efectivamente, importa reter que o “normal e desejável é que os processos se desenrolem nos moldes considerados mais adequados ao cabal esclarecimento das questões, o que exige tempo, o tempo necessário à produção da prova e ao exercício do contraditório entre as partes. Não é, por isso, aconselhável abusar dos processos urgentes, em que a celeridade é necessariamente obtida através do sacrifício, em maior ou menor grau, de outros valores, que, quando ponderosas razões de urgência não o exijam, não devem ser postergados. Afigura-se, por isso, justificado recorrer, por norma, aos processos não urgentes, devidamente complementados por um sistema eficaz de atribuição de providências cautelares, efectivamente apto a evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos de difícil reparação (sobre os processos cautelares, cfr. artigos 112.º e segs), e reservar os processos urgentes para situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa, que são aquelas para as quais, na verdade, não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente, ainda que complementado pelo decretamento provisório - se as circunstâncias o justificarem- de providências cautelares” (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, op. cit., páginas 888 e 889) – orientação que aqui se sufraga integralmente, não vindo invocada qualquer justificação plausível para que este Tribunal da mesma se afaste.
[…]
Em face do exposto, resulta, assim, manifesto que a intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não se afigura, na situação sub judice, subsidiária face aos demais meios processuais, (…).».

E o assim bem decidido é para manter, até porque o Recorrente se limita a discordar do juiz a quo, reiterando os argumentos que expendeu na petição inicial quanto à idoneidade do meio processual para salvaguardar a sua pretensão.
Com efeito, a jurisprudência na matéria não é unânime, nem pacífica, tendo este Tribunal decidido que a acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias não constitui necessariamente o mecanismo processual idóneo a despoletar a emissão de uma decisão administrativa relativamente a pretensões de concessão de residência em território nacional – v., designadamente, dos acórdãos de 25.5.2023, proc. nº 806/22.0BEALM, de 7.6.2023, proc. nº 166/23.1BEALM, de 13.7.2023, proc.s nºs 489/23.0BELSB e 1151/23.9BELSB, de 26.7.2023, proc.s nºs 18/23.5BESNT e 458/23.0BELSB - consultáveis em www.dgsi.pt -, de 25.5.2023, proc. nº 140/23.8BESNT, de 13.7.2023, proc. nº 866/23.6BELSB, de 13.9.2023, proc.s nºs 3866/22.0BELSB e 924/23.7BELSB, e de 11.1.2024, proc.s nºs 180/23.7BECBR, 477/23.0BELSB, 1777/23.0BELSB, 741/23.4BELSB – não publicados, consultáveis no SITAF.
Do teor do prolatado no referido proc. nº 140/23.8BESNT extrai-se, a propósito e por respeitar a uma situação idêntica à do Recorrente, o seguinte: «(…) // 21. O requerente, e ora recorrente, afirma que tem direito a que a entidade requerida decida a pretensão por si formulada em 27-4-2022 e, consequentemente, emita o seu título de residência, e que se verifica uma violação desse direito, por já ter sido ultrapassado o prazo legal para o processamento do seu pedido, o que, por si só, justifica o direito de recorrer ao presente processo de intimação.
Contudo, não lhe assiste razão.
22. Com efeito, está em causa a alegada omissão do SEF em apreciar o pedido de autorização de residência formulado pelo recorrente e, segundo este alega, emitir a correspectiva autorização. Porém, é patente que o recorrente não deu satisfação ao ónus de alegação e de prova que lhe estava cometido, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, no sentido de demonstrar a imprescindibilidade do recurso ao presente meio processual, por não ser possível, em tempo útil, o recurso a uma acção administrativa de condenação à prática do acto devido, complementada com um pedido cautelar.
23. Percorrendo novamente quer o requerimento inicial, quer a alegação de recurso, constata-se que o requerente/recorrente não alega um único facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão ser apreciada no âmbito da acção administrativa e, portanto, de uma decisão final com trânsito em julgado numa tal acção poder demorar, pelo menos – atendendo aos prazos previstos para a sua tramitação e à possibilidade de recurso jurisdicional – vários meses, tal circunstância seja susceptível de retirar utilidade à apreciação do seu pedido de autorização de residência que só nessa data seja efectuado.
24. Com efeito, o requerente/recorrente não alegou – e, consequentemente, não provou – que, caso a decisão de mérito não fosse proferida num processo de natureza urgente, haveria (a) uma perda irreversível de faculdades de exercício desse direito (o direito a residir em Portugal), e (b) uma qualquer situação de carência pessoal ou familiar em que estivesse em causa a imediata e directa sobrevivência pessoal de alguém. O recorrente limitou-se a alegar está a fazer descontos e a pagar impostos desde Março 2022 em território nacional, não tem a sua identidade reconhecida em Portugal, tem o seu trabalho em risco, pelo que estar a propor outro tipo de acção não tem qualquer sentido e, pior, vem aumentar o sofrimento do autor, sendo certo que este, não tem só deveres, mas também direitos e aplicáveis por via do artigo 15º da CRP.
25. De tudo quanto se afirmou, resulta inequívoco que o requerente/recorrente não alegou – e também não alega no presente recurso – um único facto concreto que permita concluir que o invocado direito a obter a autorização de residência não terá utilidade caso só venha a ser concedido mediante uma decisão a proferir em acção administrativa, eventualmente cumulada com um pedido de natureza cautelar, isto é, que estas acções não são suficientes para assegurar o exercício em tempo útil desse direito. Ou, dito por outras palavras, o requerente/recorrente não invoca qualquer facto concreto do qual resulte que, pela circunstância da sua pretensão vir apenas a ser apreciada no âmbito duma acção administrativa, ficará sem qualquer utilidade a eventual condenação dos réus que aí possa vir a ocorrer, de deferimento do pedido de autorização de residência oportunamente formulado.
26. A inadequação do meio processual “intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias” decorre ainda da possibilidade da acção administrativa poder ser acompanhada de um pedido de decretamento de providência cautelar, pois tal como salientou a sentença recorrida, o decretamento de uma providência cautelar que intime a entidade requerida a emitir um título de residência provisório mostra-se suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, dos direitos que o recorrente invoca, além de não esgotar o objecto da acção principal[sublinhados nossos].
Todas estes acórdãos [incluindo os referidos pelo Recorrente] partem do pressuposto de que a verificação dos requisitos da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, enunciados no artigo 109º do CPTA, é efectuada por referência a um caso específico.
O mesmo é dizer que a admissibilidade deste meio processual se afere relativamente ao que concretamente é alegado, provado e pedido na petição, em cada acção de intimação instaurada ao abrigo do referido artigo 109º, não sendo admissível afirmar apenas por referência a um determinado tipo de pretensão – como a emissão de uma autorização de residência, excedido o prazo previsto na lei para a Administração decidir o correspondente pedido – que os requisitos exigidos para o efeito se encontram verificados.
Mais, ainda que na petição sejam indicados direitos, tipificados na CRP como fundamentais ou direitos análogos, é ónus do requerente alegar e provar factos que permitam concluir pela indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão judicial de mérito que imponha à Administração uma determinada actuação ou omissão para assegurar o respectivo exercício em tempo útil, por o decretamento de uma providência cautelar, necessariamente dependente ou instrumental de uma acção administrativa não urgente, não ser possível ou suficiente atentas as circunstâncias do caso concretocfr. o disposto no nº 1 do artigo 109º do CPTA.
Não basta, por isso, o mandatário do Requerente invocar que já instaurou muitas outras acções de intimação parecidas ou para o mesmo efeito, e obteve várias decisões favoráveis em 1ª instância e em recurso, e, limitar-se a enunciar, em termos genéricos [e repetidos de petição em petição, de recurso para recurso], a violação de determinados direitos, liberdades e garantias - ou, como, no caso em apreciação, os direitos à segurança, à identidade pessoal, à estabilidade no trabalho, à protecção na saúde, à família – ou que beneficia de uma protecção multinível no que respeita a direitos fundamentais, sem observar o ónus, que recai sobre o requerente que representa, de densificar essa violação/ameaça e de juntar prova para o efeito.
Ónus que o Requerente/recorrente, ao contrário do que vem alegado no recurso, não logrou cumprir, não demonstrando a pretendida urgência do uso desta acção de intimação.
Alega ainda o Recorrente, na petição e no presente recurso, que o único meio adequado para satisfazer a sua pretensão de intimação ou condenação do Recorrido a emitir a autorização de residência requerida, por há muito ter decorrido o prazo para instauração de acção administrativa não urgente, complementada com uma providência, pelo que a sentença recorrida consubstancia uma violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, um obstáculo desproporcionado ao acesso ao direito, um benefício ao infractor e a violação das indicadas disposições da CRP, da CDFUE, da CEDH, da Lei nº 23/2007, do CPA e do CPC.
No que também não lhe assiste qualquer razão, porquanto, não tendo obtido decisão sobre o pedido de autorização de residência que dirigiu ao Recorrido em 23.2.2022, poderia ter renovado a sua pretensão mais que não fosse precisamente para ter direito a novo prazo para exercer o seu direito de acção, sem que lhe fosse coarctado qualquer outro direito.
O que não pode é pretender usar esta acção de intimação, urgentíssima e excepcional, para suprir a sua inércia por não ter reagido judicialmente em tempo e pelo meio processual previsto na lei como o mais adequado a salvaguardar os seus direitos e interesses.
O tribunal recorrido limitou-se a apreciar da verificação dos pressupostos de admissibilidade [adjectiva] da petição apresentada pelo Recorrente ao abrigo do disposto no artigo 109º do CPTA, concluindo que o meio não é o idóneo por falta do requisito da subsidiariedade.
Em razão do que não se verifica qualquer violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva ou restrição desproporcional do acesso ao direito.
A não instauração atempada de acção administrativa impugnatória ou de condenação à prática do acto devido, associada à providência cautelar necessária para assegurar a decisão de procedência a proferir naquela, apenas pode ser imputada ao Recorrente, independentemente das razões que pretenda invocar para o efeito.
O mesmo raciocínio é válido pela opção de, não tendo renovado junto do Recorrido o pedido de autorização de residência, ter ainda assim instaurado a presente acção, sabendo não estar em tempo para poder ser convolada no meio processual adequado caso o tribunal recorrido decidisse, como decidiu, pela falta do requisito da subsidiariedade.
Por outro lado, não tendo sido conhecido do mérito da causa, o mesmo é dizer não tendo o juiz a quo apreciado dos fundamentos em que o Recorrente suporta a sua pretensão, mormente da verificação das ilegalidades que imputa à actuação do Recorrido, não se pode extrair as conclusões de que a decisão recorrida beneficiou o infractor ou violou as normas nacionais e comunitárias indicadas, como faz o Recorrente.

Atendendo ao que o presente recurso não pode proceder.».

Decisão do relator que é para manter nos exactos termos da fundamentação expendida, que aqui reiteramos.

Por tudo quanto vem exposto acordam em conferência os juízes da Subsecção de Administrativo Comum deste Tribunal em indeferir a reclamação para a conferência, confirmando a decisão sumária do relator [que negou provimento ao recurso e, consequentemente, manteve a decisão recorrida na ordem jurídica].

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 19 de Março de 2024.


(Lina Costa – relatora)

(Carlos Araújo)

(Ricardo Ferreira Leite)