Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:77/19.5BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:OMISSÃO DE PRONÚNCIA
QUESTÕES/ARGUMENTOS
INCONSTITUCIONALIDADE
IUC
Sumário:I - A nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
II - As questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.
III - A alegação de que uma determinada disposição legal, interpretada num determinado sentido é inconstitucional, não pode ser entendida como um mero argumento, mas sim como uma verdadeira questão.
IV - Se a Impugnante arguiu a inconstitucionalidade e a decisão impugnada não emitiu qualquer pronúncia sobre a mesma, nem, tão-pouco, a julgou prejudicada, nem, podendo, de resto, inferir-se que a mesma tenha resultado prejudicada, porquanto a decisão proferida se encontra suportada, justamente, na norma cuja inconstitucionalidade vinha suscitada pela Impugnante como desconforme com os princípios constitucionais invocados, há que julgar verificada a convocada omissão de pronúncia.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

BANCO S… PORTUGAL, SA, doravante abreviadamente designado por Impugnante, deduziu impugnação ao abrigo dos artigos 27.º e 28.º, nº1, alínea c), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, de decisão arbitral proferida no processo n.° 658/2018-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), relativos ao ano de 2017, e, bem assim, dos correspondentes Juros Compensatórios (JC), que perfazem o valor global de €622,47.


***

A Impugnante termina a sua impugnação formulando as seguintes conclusões:

“Em face de todo o exposto, concluiu a Impugnante o seguinte:

(i) A presente Impugnação incide sobre a decisão proferida pelo tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD, nos autos com o n.° 658/2018-T.

(ii) Nos referidos autos, peticionou a Impugnante a apreciação da legalidade dos quatro actos de liquidação de Imposto Único de Circulação, referentes a quatro veículos automóveis e relativos ao ano de 2017.

(iii) Os referidos veículos automóveis foram alugados pela ora Impugnante, ao abrigo de contratos de aluguer de longa duração, tendo sido vendidos aos respectivos locatários, no termo daqueles contratos, por um valor residual.

(iv) Embora não tenha sido promovido o devido registo da transferência da propriedade dos referidos veículos automóveis para os locatários (e, depois, proprietários), certo é que estes não eram propriedade da Impugnante na data do facto tributário.

(v) A AT entendeu, contudo, que o único facto que releva para determinar a responsabilidade do imposto é o registo automóvel, pelo que não aceitou a demonstração de que a pessoa que consta do registo automóvel como proprietário não é, porém, o efectivo e real proprietário.

(vi) No pedido de constituição do tribunal arbitral, a Impugnante pugnou pela ilegalidade da sobredita liquidação por três ordens de razões (sendo uma delas consequência de outra):

a. A presunção constante do n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC consagra uma presunção ilidível, ou seja, que admite prova em contrário;

b. Admitida a possibilidade de afastamento da presunção segundo a qual a pessoa que consta do registo automóvel é o proprietário do respectivo veículo automóvel e, portanto, o responsável pelo pagamento do respectivo IUC, há que admitir como prova inequívoca dessa demonstração as facturas emitidas pela Impugnante aquando da venda dos referidos veículos automóveis aos antigos locatários-subsequentes proprietários;

ou, se assim não se entendesse,

c. O artigo 3.°, n.° 1, do Código do IUC, quando aplicado dessa forma, conduz a uma violação do princípio da equivalência, contrária, portanto, ao disposto no artigo 13.º da CRP.

(vii) Tendo o processo percorrido os seus trâmites normais, veio a ser proferida uma decisão na qual o tribunal a quo se focou em determinar se a presunção constante do n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC encerra em si uma presunção ilidível ou inilidível, tendo chegado à conclusão de que a referida presunção é inilidível, ou seja, que não assiste às pessoas que constam do registo automóvel a possibilidade de demonstrarem que não são as verdadeiras proprietárias dos veículos automóveis em causa, motivo pelo qual agiu bem, a AT, ao considerar que a aqui Impugnante é responsável pelo pagamento do IUC de veículos automóveis que não eram seus.

(viii) Sucede, porém, que, quanto à terceira questão levantada pela Impugnante- a de que constitui violação do princípio da equivalência, constante do artigo 13.° da CRP, a aplicação do disposto no n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC, segundo a qual a pessoa que consta do registo é sempre responsável pelo pagamento do IUC, independentemente de ser o seu proprietário, v.g., causador do prejuízo ambiental e viário que este imposto visa compensar — o Tribunal a quo nada disse.

(ix) Nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 28.° do RJAT, as decisões dos tribunais arbitrais podem ser impugnadas com fundamento em omissão de pronúncia.

(x) Este fundamento da impugnação deve ser analisado à luz daqueles que são os poderes cognitivos do tribunal arbitral, que tem de conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes.

(xi) Citando o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.° 07647/14, de 18/09/2014, recai sobre o julgador o «poder/dever prescrito no art. 608.°, n.° 2, do CPC o qual consiste, por um lado, no dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes, salvo aquelas de conhecimento oficioso».

(xii) O tribunal a quo tinha o dever de se pronunciar sobre a matéria em causa, porquanto:

a. Não estamos perante uma razão ou um argumento levantado pela Impugnante com vista a sustentar o seu entendimento, tratando-se, ao invés, de uma autêntica causa de pedir;

b. Não se trata de uma questão de conhecimento oficioso que não tenha sido alegada pelas partes, não valendo o entendimento de que, não se tendo pronunciado pela mesma, este entendeu implicitamente que a sua resolução não seria relevante para a solução da causa; e

c. Não se trata de uma questão cuja apreciação devesse ser precludida por motivos de prejudicialidade, pois, a partir do momento em que concluiu pela não procedência da primeira causa de pedir da Impugnante, o dever que recaía sobre o tribunal a quo de se pronunciar sobre a segunda era ainda mais relevante.

(xiii) Não tendo o Tribunal Arbitral dedicado uma única palavra da decisão à situação da possível inconstitucionalidade da aplicação do preceito ora em causa-que alegadamente teve de fazer por força do seu entendimento de que a alteração legislativa operada pelo Decreto-Lei n.° 41/2016, de 1 de Agosto, teve o intuito de afastar a possibilidade de demonstrar que a pessoa que consta do registo automóvel não é o seu proprietário-, incorreu, com o devido respeito, em manifesta omissão de pronúncia, pois não apreciou uma das questões suscitadas nos autos pela ora Impugnante, quando sobre ele impedia o dever de o fazer.

(xiv) Padecendo assim, a decisão impugnada, da nulidade prevista na alínea c) do n.° I do artigo 28.° do RJAT.

TERMOS EM QUE DEVE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROVADA, DETERMINANDO ESTE DOUTO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL A ANULAÇÃO DA DECISÃO ARBITRAL PROFERIDA, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”


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A Recorrida, devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) teve vista nos termos do artigo 146.º do CPTA.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II. Fundamentação de Facto

A decisão arbitral possui impugnada apresenta o teor que infra se transcreve:

“I. Relatório

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede social na Rua..., nº..., ...-... Lisboa, veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, apresentar pedido de constituição de Tribunal Arbitral, em que figura como Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

2. O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 20-12-2018, visa a declaração de ilegalidade de diversos atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos ao período de 2017 e aos veículos identificados em anexo à petição (Anexo A), no valor de € 608,25, acrescido de juros compensatórios no montante de € 14,22, perfazendo a importância total de € 633,47, bem como a anulação das decisões de indeferimento expresso das reclamações graciosas n.ºs ...2018..., ...2018..., ...2018... e ...2018..., da Unidade dos Grandes Contribuintes da Autoridade Tributária e Aduaneira (Anexos B a E). Além da anulação das questionadas liquidações, a Requerente solicita ainda que seja declarado o consequente direito a juros indemnizatórios, nos termos legais.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro.

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, tendo, oportunamente, notificado as Partes.

6. Devidamente notificadas dessa designação, as Partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. Pelo que em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 28-02-2019.

8. Em resposta ao que vem solicitado, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) pronunciou-se no sentido da improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, expressando entendimento no sentido de dever manter-se na ordem jurídica os atos impugnados e, em conformidade, dever o tribunal pronunciar-se pela absolvição da entidade requerida.

9. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais juntas pelas Partes, que se julga suficiente para a decisão, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.

10. Assim, por despacho de 16-04-2019, oportunamente notificado, foi decidido, salvo oposição das Partes, dispensar a referida reunião, sendo concedido um prazo de 20 dias para apresentação de alegações escritas e fixado o dia 31-05-2019 como data limite para prolação e notificação da decisão final.

11. Confrontada com o despacho arbitral referido no ponto anterior, veio a Requerida solicitar a produção de alegações finais de forma sucessiva, alegando ser essa a prática em geral adotada pelos tribunais arbitrais e ser essa a forma que assegura o efetivo respeito pelos basilares princípios do contraditório e da igualdade das Partes, conforme estabelece o artigo 16.º, a) e b), do RJAT.

12. Por seu lado, Requerente veio reafirmar a necessidade da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT para a produção de prova adicional, designadamente a produção de prova testemunhal, no entendimento que esta coadjuvará à demonstração da factualidade alegada, insistindo, assim, na necessidade de prova adicional para além da prova documental já existente nos autos.

13. Pronunciando-se sobre o que vem requerido pela AT relativamente à produção de alegações de forma sucessiva, considera a Requerente que a pretensão de alegar com conhecimento prévio das alegações por esta produzidas, para além de traduzir uma desigualdade de armas, contraria o disposto no artigo 120.º do CPPT quanto às alegações escritas, não garantindo o princípio da igualdade entre as Partes, o respeito pelo princípio do contraditório, bem como pelos princípios da autonomia do tribunal e da livre condução do processo.

14. Solicita ainda a Requerente, a junção ao presente processo de decisões arbitrais proferidas sobre matéria idêntica, designadamente para aproveitamento de prova testemunhal, caso se entenda prescindir da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e inquirição de, pelo menos, uma das testemunhas por si arroladas.

15. Sobre o requerido pelas Partes, foi, em 21-05-2019, proferido despacho no sentido de manter a decisão de desnecessidade da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, atendendo à prova documental constante dos autos, às posições das Partes, claramente expressas, e ao facto de a questão a dirimir pelo tribunal ser exclusivamente de direito.

16. As Partes apresentaram alegações escritas, reafirmando, no essencial, as posições expressas na PI e Resposta oportunamente apresentada.

II. Saneamento

17. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

18. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (cfr. art.º 4.º e n.º 2 do art.º 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 e art.º 1.º da Portaria n.º 112/2011, de 22/03).

19. O processo não enferma de vícios que o invalidem e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa.

III. Matéria de facto

20. Com base nos elementos documentais que integram o presente processo, destacam-se os seguintes elementos factuais que, não sendo contestados pelas Partes, se consideram inteiramente provados:

20.1. A Requerente é uma instituição de crédito especializada a operar no financiamento ao sector automóvel, na área dos bens de consumo, cartões de crédito, co branded e empréstimos pessoais.

20.2. Nessa medida, uma parte substancial da sua atividade reconduz-se à celebração de – entre outros – contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis.

20.3. No âmbito dessa atividade, a Requerente celebrou contratos de aluguer de longa duração relativos aos veículos e locatários identificados nos documentos n.ºs 1 a 4 anexos à PI, sendo o mais antigo desses contratos celebrado em 15-05-2007 e o mais recente em 01-08-2012.

20.4. No termo de cada contrato, todos os locatários adquiriram os veículos por si locados, pelo respetivo valor residual, conforme faturação emitida com datas de 2014 e de 2016.

20.5. Com referência ao período de tributação de 2017, foi a Requerente destinatária de diversos atos de liquidação oficiosa de IUC, relativos às viaturas em causa.

20.6. Não obstante ter efetuado pagamento do imposto e juros liquidados, a Requerente interpôs reclamações graciosas, alegando, no essencial, não ser, à data do facto gerador da obrigação de imposto e respetiva exigibilidade, proprietária das viaturas a que o mesmo se reporta.

20.7. Todas as reclamações apresentadas foram objeto de indeferimento expresso, oportunamente notificado à Requerente, com o fundamento de que sendo esta a proprietária das viaturas, conforme identificada em certidões do Registo Automóvel, era ela, no referido período de tributação, o sujeito passivo da obrigação tributária a que respeitam os atos reclamados.

21. Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos ao processo, não existindo, com relevo para a decisão, factos que devam considerar-se como não provados.

III. Cumulação de pedidos

22. O presente pedido de pronúncia arbitral reporta-se a diversas liquidações de IUC. Todavia, atendendo à identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, o tribunal considera que nada obsta à cumulação de pedidos, face ao disposto nos artigos. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT.

IV. Matéria de direito

23. No pedido de pronúncia arbitral a Requerente submete à apreciação deste tribunal a legalidade de atos de indeferimento expresso de reclamações graciosas (Anexos B a F) e, em consequência, a legalidade dos atos de liquidação de IUC, relativos ao período de 2017 e aos veículos que identifica em relação anexa ao pedido (Anexo A), invocando a circunstância de, à data a que se reportam os factos tributários que as originaram, os mesmos se terem sido já objeto de transmissão para terceiros, anteriormente locatários no âmbito de contratos de aluguer de longa duração que, no termo do respetivo contrato, adquiriram os veículos mediante pagamento do valor residual, e, consequentemente, não assumir a qualidade do sujeito passivo do imposto que lhe foi liquidado (Docs. 1 a 8).

24. Está, pois, em causa determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e período a que o tributo respeita, devidamente identificados em anexo ao pedido (Anexo A), por, à data da exigibilidade do tributo, se encontrarem já transmitidos a terceiros por contratos de compra e venda, embora na Conservatória do Registo Automóvel permanecessem registados em nome da Requerente.

25. Sobre esta matéria, as Partes evidenciam, no presente processo, posições diametralmente opostas: para a Requerente, a norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º do Código do IUC consagra uma presunção ilidível, fundada no Registo Automóvel; enquanto que para a Requerida aquela norma, conforme foi esclarecido pelo legislador, define como sujeito passivo da obrigação de imposto o titular do direito de propriedade do veículo automóvel, “talqualmente como ele se encontra no registo automóvel.”

26. Assim, o essencial da fundamentação da Requerente assenta no pressuposto de que a norma de incidência subjetiva do IUC, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário, estabelece uma presunção suscetível de elisão. Para elisão desta oferece, como elementos de prova, cópia dos contratos de ALD e da faturação correspondente às transmissões dos veículos para os respetivos locatários em momento anterior àquele facto.

27. Contrariando o alegado pela Requerente, considera a Requerida que na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 01/08, aquele artigo 3.º do Código do IUC deixou de consagrar qualquer presunção legal, ficando, a partir da data da sua entrada em vigor, “definitivamente arredada a possibilidade de os ditos “proprietários de direito” afastarem a incidência do IUC, alegando a transmissão da propriedade a “proprietários de facto” que, por sua vez, não tinham levado a sua aquisição ao registo automóvel.”

28. Está, pois, em causa, prioritariamente, a interpretação daquela norma, relativamente à qual se sucederam no tempo duas versões. Assim, na redação inicial da lei de aprovação do Código do IUC - Lei n.º 22-A/2007, de 29/06 - o artigo 3.º do referido Código, dispunha, nos seus n.ºs 1 e 2, que:

“1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”

29. Na interpretação da norma em causa veio a firmar-se jurisprudência largamente maioritária no sentido de que a mesma consagrava uma presunção e que esta era ilidível, nos termos gerais.

30. Entretanto, através do artigo 169.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30/03, que aprovou o Orçamento do Estado para 2016, foi concedida a seguinte autorização legislativa:

“Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão:

a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º.”

31. A referida autorização legislativa veio a efetivar-se através do Decreto-Lei n.º 41/2006, de 01/08, que, visando “ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar quem é o sujeito passivo do imposto” , conferiu aos n.ºs 1 e 2 daquele artigo 3.º a seguinte redação:

“1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.

2 - São equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.”

32. Confrontando a redação anterior do artigo 3.º do CIUC com a que a resulta da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2006, de 01/08, em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação, bem como com a norma de autorização legislativa, ressalta, desde logo, que o legislador não pretendeu fazer uso daquela autorização na vertente relativa à natureza interpretativa da alteração ao introduzir ao CIUC e que a “clarificação” por ele pretendida passou por afastar do âmbito da incidência subjetiva do IUC o proprietário efetivo da viatura atribuindo, para o efeito, exclusiva relevância à pessoa que constasse do registo de propriedade independentemente de ser ela ou não a proprietário ou possuidora da viatura no momento da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto.

33. Sobre esta matéria, pode ler-se em acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18-04-2018, proferido no Processo n-º 0206/17:

“ O legislador pretendeu com o artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação dotar a Administração Tributária de um mecanismo de fácil identificação dos sujeitos passivos deste imposto socorrendo-se da presunção constante do art.º 7.º do CRP, aplicável subsidiariamente ao registo automóvel de que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.

A Administração Tributária desconhece os concretos negócios que podem estabelecer os contribuintes e tributa a circulação dos veículos por referência ao veículo e ao titular inscrito no registo automóvel que, na maioria dos casos coincide efetivamente com o titular do direito de propriedade sobre tal móvel sujeito a registo.

Houve um longo período de tempo em que os contribuintes que vendessem os seus automóveis, sem se assegurarem nos termos da negociação que a alteração do registo seria oportunamente efetuada, se viam confrontados com a interpelação para pagamento deste imposto por automóveis de que já não eram proprietários, e que, com grande probabilidade já não utilizavam, sem nada poderem fazer.

O legislador, sem alterar as regras do IUC, veio em 2014 a dotar os vendedores de um mecanismo legal que lhes passou a permitir procederem à atualização do registo, criando um regime especial para o registo requerido apenas pelo vendedor, com base em documentos indiciadores da compra e venda, com notificação à parte contrária a cargo do serviço de registo, com o DL n.º 177/2014 de 15 de Dezembro.

O art.º 169.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março - Orçamento de Estado 2016 – concedeu autorização legislativa no âmbito do imposto único de circulação para que o legislador definisse o exato alcance do disposto no art.º 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, nomeadamente sobre a impossibilidade de o contribuinte poder demonstrar, para efeitos de tributação nesta sede que, ainda que constasse do registo automóvel como titular do direito de propriedade sobre o veículo em causa, não era efetivamente o titular desse direito, à data da liquidação, nos seguintes termos: “Autorização legislativa no âmbito do imposto único de circulação

Fica o Governo autorizado a introduzir alterações no Código do Imposto Único de Circulação, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, com o seguinte sentido e extensão: a) Definir, com carácter interpretativo, que são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito publico ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, no n.º 1 do artigo 3.º;”

Tal autorização legislativa veio a ser concretizado pelo DL 41/2016, de 01/08, cujos exatos termos, ao invés do que fez relativamente a outros impostos, não assumiu carácter interpretativo. Tendo sido concedida autorização legislativa para o governo regular certa matéria, com carácter interpretativo, dispõe, ainda, o órgão executivo, nesta circunstância, da possibilidade de consagrar ou não esse carácter interpretativo, por tal se conter dentro dos limites da autorização concedida.”

34. Este entendimento sobre a relevância da inscrição no registo automóvel para a definição da sujeição subjetiva ao IUC, é acolhido, em idênticos termos, em acórdão de 20-09-2018, do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 01270/14.2BEPNF, que, afastando também uma eventual natureza interpretativa da norma atual do artigo 3.º do CIUC, sustenta que “Da redação dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados.”

35. Também no mesmo sentido, e referindo-se à norma em análise na sua atual redação, pronuncia-se o mesmo Tribunal, em acórdão de 03-10-2018, proferido no processo n.º 01271/14.0BEPNF, nos seguintes termos: “Daqui resulta, que a incidência subjetiva do IUC, nos termos do art. 3.º, n.º 1, do CIUC recai sobre "(...) as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos, independentemente da propriedade efetiva do veículo e da sua posse.

O sujeito passivo é a pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo, independentemente de ser ou não o seu proprietário e/ou possuidor. A incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo, independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, designadamente no caso das situações de venda do veículo sem atualização do registo de propriedade. Perentório, conclui o acórdão que: “Com a nova redação do art. 3.º, n.º 1, do CIUC, a propriedade e a posse dos veículos não são elementos de incidência subjetiva do imposto...”

36. Não se desconhecendo jurisprudência arbitral em sentido diverso que, aliás, a Requerente refere em apoio da pretensão que formula, não podemos, com o devido respeito, acompanhá-la, antes se acolhendo a jurisprudência que, sobre a matéria, se vem firmando nos tribunais superiores, de que acima se transcreveram alguns excertos.

37. Com efeito, careceria de sentido a intervenção do legislador, no propósito enunciado de “clarificar” a norma de incidência subjetiva do IUC para que, em sede de interpretação das alterações nela introduzidas, se concluísse que, afinal, tudo ficava na mesma, assim esvaziando de conteúdo a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n,º 41/2016, de 01/08.

38. Nestes termos, dando-se como provado que as viaturas a que respeitam as liquidações questionadas se encontravam, no período de 2017, registadas em nome da Requerente, não pode deixar de concluir-se pela legalidade das questionadas liquidações de IUC bem como das decisões de indeferimento expresso das correspondentes reclamações graciosas.

39. Assim se concluindo, resulta inútil a apreciação das questões suscitadas pela Requerente relativamente à prova de que, à data da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto, as viaturas a que este respeita já lhe não pertenciam por terem sido transmitidas a terceiros, ficando, igualmente, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.

V. Decisão

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:

a) Julgar totalmente improcedente o pedido de anulação das liquidações de IUC e revogação das decisões proferidas em sede de reclamação graciosa objeto do presente processo.

b) Condenar a Requerente nas custas do processo."


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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Impugnante não se conforma com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.° 658/2018-T e que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação dos atos de liquidação de IUC, relativos ao ano de 2017, e, bem assim, dos correspondentes JC, no valor global de €622,47.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar se a decisão arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que não se pronunciou sobre a inconstitucionalidade arguida na petição inicial, sendo que tal redunda numa verdadeira questão e não num mero argumento, e bem assim porque não resultou prejudicada a sua apreciação.

Apreciando.

Em termos de regime da arbitragem voluntária em direito tributário, introduzido pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) o expediente processual de reação à decisão dos Tribunais Arbitrais para os Tribunais Centrais Administrativos, consiste na dedução de impugnação, consagrada no artigo 27.º, com os fundamentos enunciados, taxativamente, no artigo 28.º, nº 1 e que infra se enumeram:

a-Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

b-Oposição dos fundamentos com a decisão;

c-Pronúncia indevida ou omissão de pronúncia;

d-Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º, nº 2 .

Ora, subsumindo-se a arguida nulidade, no citado normativo, concretamente, na alínea c), vejamos, então, se a mesma procede.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º do CPPT, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS (1-Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143) “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Vejamos, então, se assiste razão ao Impugnante.

O Impugnante propugna que a decisão arbitral sub judice é ilegal por manifesta omissão de pronúncia, visto que no pedido de constituição do tribunal arbitral, pugnou pela ilegalidade dos atos de liquidação por três ordens de razões, concretizando as mesmas da seguinte forma:

a. A presunção constante do n.° 1 do artigo 3.° do Código do IUC consagra uma presunção ilidível;

b. Assumindo-se essa natureza, ter-se-á que admitir como prova inequívoca para o efeito as faturas emitidas pela Impugnante aquando da venda dos referidos veículos automóveis aos antigos locatários-subsequentes proprietários.

c. Não sendo assumida essa natureza de presunção ilidível tal interpretação traduz uma violação do princípio da equivalência, contrária, portanto, ao disposto no artigo 13.º da CRP.

Conclui, assim, que não se tratando de argumento, nem de questão cuja apreciação devesse ser precludida por motivos de prejudicialidade, sendo inequívoca a invocação, expressa, da inconstitucionalidade e não tendo a mesma sido objeto de análise, dimana perentório que a decisão impugnada padece de omissão de pronúncia.

Comecemos, então, por atentar no teor da petição inicial.

No pedido de pronúncia arbitral o, ora, Impugnante estrutura a sua alegação em vários itens, reportando-se o ponto I à contextualização, concretamente, identificação dos atos sobre que recai o pedido arbitral, o ponto II) intitulado de factualidade relevante, na qual são convocadas as realidades de facto que fundam a pretensão da Impugnante, no ponto III), a invocação de falta de fundamentação substancial incorrida pela AT.

Por seu turno, no ponto IV), epigrafado de “Direito”, são densificados os erros sobre os pressupostos de facto e de direito, enunciando-se o respetivo enquadramento normativo, com a correspondente sucessão legislativa, a concreta exposição da incidência subjetiva do IUC, com o inerente escrutínio da tese da presunção inilidível, enumerando as diversas ordens de razão que permitem alicerçar e fundamentar o entendimento de que a redação do artigo 3.º, nº1 do CIUC, com a redação alterada pelo Decreto-Lei nº 41/2016, de 1 de agosto, configura, assim, uma presunção ilidível.

Seguidamente, num outro item atinente ao valor probatório das faturas, materializa o tipo de prova que deve ser valorada, substanciando, nesse e para esse efeito, enquanto elemento idóneo as visadas faturas.

Ulteriormente, num item que epigrafou “da interpretação da AT maximalista da receita tributária e cerceadora do princípio da equivalência”, mediante convocação de doutrina, de subsídios interpretativos e jurisprudência, defende que a interpretação propugnada pela AT, com fundamento na nova redação do nº1, do artigo 3.º do CIUC, supera em larga medida o princípio da praticabilidade, não passando sequer no crivo da proporcionalidade, e por conseguinte, perigando o princípio da equivalência que legitima toda a regulamentação jurídica deste imposto.

Concluindo, assim, que caso o Tribunal venha a concluir pela existência de uma presunção inilidível constante no artigo 3.º do CIUC tal traduz uma violação do princípio da equivalência plasmado no artigo 13.º da CRP, e bem assim da proporcionalidade, em todas as suas dimensões.

Apresenta, depois, um outro ponto que apelida de “Do direito a Juros indemnizatórios e das custas arbitrais”, terminando, in fine, com a intenção de não designar árbitro.

Ora, atentando na descrita sistematização da petição inicial, e concretas causas de pedir, importa, então, analisar o que foi dirimido na decisão arbitral, para depois se aquilatar da concreta omissão de pronúncia.

A decisão arbitral estabeleceu, desde logo, como questão central a dirimir nos autos, determinar se a Requerente deve ou não ser considerada sujeito passivo de IUC quanto aos veículos e período a que o tributo respeita, por, à data da exigibilidade do tributo, se encontrarem já transmitidos a terceiros por contratos de compra e venda, embora na Conservatória do Registo Automóvel permanecessem registados em nome da Requerente.

Concretizando, desde logo, que a posição das partes é diametralmente oposta no atinente à natureza da presunção constante no artigo 3.º do IUC, assentando a posição da Impugnante na sua qualificação como presunção ilidível, admitindo, portanto, prova em contrário, ao invés da propugnada pela AT, que sustenta que na redação dada pelo Decreto-Lei n.° 41/2016, de 01 de agosto, aquele artigo 3.° do Código do IUC, deixou de consagrar qualquer presunção legal.

Após fazer a resenha da posição das partes, a decisão impugnada convoca o respetivo jurídico, a existência de sucessão legal, e ajuíza que “[c]onfrontando a redação anterior do artigo 3.º do CIUC com a que a resulta da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2006, de 01/08, em vigor a partir do dia seguinte ao da sua publicação, bem como com a norma de autorização legislativa, ressalta, desde logo, que o legislador não pretendeu fazer uso daquela autorização na vertente relativa à natureza interpretativa da alteração ao introduzir ao CIUC e que a “clarificação” por ele pretendida passou por afastar do âmbito da incidência subjetiva do IUC o proprietário efetivo da viatura atribuindo, para o efeito, exclusiva relevância à pessoa que constasse do registo de propriedade independentemente de ser ela ou não a proprietário ou possuidora da viatura no momento da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto.”

Convocando, depois, jurisprudência que reputa aplicável ao caso vertente, particularmente, Acórdão do STA proferido no processo n-º 0206/17, de 18 de abril de 2018, e Arestos do TCAN, prolatados nos processos nºs 01270/14.2BEPNF, de 20 de setembro de 2018, 01271/14.0BEPNF, de 03 de outubro de 2018, e sublinhando, neste particular, que não desconhece a existência de “jurisprudência arbitral em sentido diverso que, aliás, a Requerente refere em apoio da pretensão que formula”, a qual, sublinha de forma expressa e perentória, que não acolhe.

Adensando, in fine, que “[c]areceria de sentido a intervenção do legislador, no propósito enunciado de “clarificar” a norma de incidência subjetiva do IUC para que, em sede de interpretação das alterações nela introduzidas, se concluísse que, afinal, tudo ficava na mesma, assim esvaziando de conteúdo a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n,º 41/2016, de 01/08.”

Razão pela qual, conclui, que “[d]ando-se como provado que as viaturas a que respeitam as liquidações questionadas se encontravam, no período de 2017, registadas em nome da Requerente, não pode deixar de concluir-se pela legalidade das questionadas liquidações de IUC bem como das decisões de indeferimento expresso das correspondentes reclamações graciosas.”

Desfechando, enquanto questões prejudicadas, que “[r]esulta inútil a apreciação das questões suscitadas pela Requerente relativamente à prova de que, à data da ocorrência do facto gerador e exigibilidade do imposto, as viaturas a que este respeita já lhe não pertenciam por terem sido transmitidas a terceiros, ficando, igualmente, prejudicada a apreciação do pedido de juros indemnizatórios.”

Ora, face ao supra expendido há, efetivamente, que concluir que, por um lado, a decisão impugnada admitiu que face à aludida alteração legislativa a incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, e por outro lado, apenas reputou prejudicada a questão inerente à demonstração da pessoa em que se encontra registado o veículo automóvel não ser, efetivamente, o proprietário do veículo automóvel, por inútil, e os juros indemnizatórios.

Dimana, assim, inequívoco que tendo sido expressamente ajuizado que a norma não se coaduna com a demonstração da posse ou propriedade efetiva do veículo automóvel bastando-se como a inscrição no registo, ou seja, que consagra uma presunção inilidível, estava o Tribunal arbitral vinculado à análise da arguida violação do princípio da equivalência, e sua desconformidade constitucional com o artigo 13.º da CRP.

E a verdade é que, analisando a decisão arbitral resulta evidente que a mesma não emitiu qualquer pronúncia sobre a arguida inconstitucionalidade, nem a julgou, como visto, prejudicada, na medida em que não resulta do concreto âmbito de delimitação que concretiza a final, nem, tão-pouco, se pode inferir -entenda-se tacitamente-que a mesma tenha resultado prejudicada, na medida em que a decisão proferida se encontra suportada, justamente, na norma cuja inconstitucionalidade vinha suscitada pelo Impugnante como desconforme com os princípios constitucionais invocados.

Acresce sublinhar, neste âmbito, que a alegação de que uma determinada disposição legal, interpretada num determinado sentido é inconstitucional, não pode ser entendida como um mero argumento, mas sim como uma verdadeira questão (2-Vide, neste âmbito, designadamente, os Acórdãos proferidos pelos TCAS, no âmbito dos processos nº 166/17, de 14.01.2021 e 141/19, de 07.05.2020.).

E por assim ser, concluindo-se, como supra expendido, que foi arguida pelo Impugnante a questão de inconstitucionalidade de uma norma (artigo 3.º, nº1 do CIUC) e tendo o Tribunal Arbitral fundado a sua decisão na aplicação dessa concreta norma, impunha-se que a tivesse apreciado ou a julgasse-bem ou mal independentemente desse acerto- prejudicada.

Logo, não o tendo feito, há que concluir que o Tribunal Arbitral violou o dever de pronúncia que sobre si recaía e, consequentemente, a Decisão Arbitral padece de nulidade por omissão de pronúncia.

E por assim ser, há que julgar, a final, integralmente procedente a presente Impugnação da Decisão Arbitral.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR PROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, DECLARAR NULA A DECISÃO ARBITRAL, no segmento impugnado, e ORDENAR A BAIXA DOS AUTOS AO CENTRO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA, com todas as legais consequências.

Sem custas.

Registe. Notifique.


Lisboa, 14 de março de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Manuel Monteiro da Costa)

(Ana Cristina carvalho)