Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:3008/06.9BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:ANA PINHOL
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS;
SUSPENSÃO;
DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS CONJUNTA.
Sumário:I. Vigorando entre os cônjuges o regime de separação de bens, em tal situação, rege o princípio de que são estranhos um ao outro do ponto de vista patrimonial; pelo que os riscos e insucessos de cada um deles não se afectam reciprocamente.

II. A suspensão de benefícios fiscais só tem lugar se se mantiver a situação de incumprimento.

III. Não tendo ficado demonstrado que a Administração Tributária tenha notificado o recorrido sobre a existência da dívida em questão e da inerente consequência da suspensão do benefício, é patente que não se verifica, igualmente, a situação de incumprimento contemplada na já citada alínea a) do n.º5 do artigo 12.º do EBF.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença, proferida no Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial que V........... deduziu contra a liquidação de IRS n.º…………, relativa aos rendimentos de 2004.

Termina as alegações formulando as seguintes conclusões:

«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a impugnação deduzida por V........... , NIF ………… contra a decisão do Diretor-geral dos Impostos, corporizada no ofício n.º 0710589, datado de 27/7/2006, de suspensão dos benefícios fiscais do IRS de 2004, e da liquidação de IRS n.º………… , relativa aos rendimentos de 2004.

II. Vem a douta sentença decidir que, no caso sub judice, por se tratar de uma divida proveniente de IVA “(…) não ocorreu um dos pressupostos legais da suspensão dos benefícios fiscais em causa: a dívida do sujeito passivo titular dos benefícios. Consequentemente, a liquidação adicional impugnada, ao não considerar os benefícios ficais referidos nos factos 7) e 8), é ilegal, padecendo do vício de violação de lei (por violar o disposto nos art.ºs 16.º e 12.º/5 e 6 do EBF)…”.

III. Como bem se lê na sentença ora recorrida “Embora esteja em causa um benefício automático, há que aplicar-lhe, por expressa remissão do citado n.º 6 do art.º 12.º do EBF, as condições cumulativas previstas (nas alíneas a) e b) do seu n.º 5) para os benefícios dependentes de reconhecimento”.

IV. Assim, para que o benefício fiscal de uma pessoa singular fosse suspenso era necessário, cumulativamente, que:

- O sujeito passivo tivesse deixado de efetuar o pagamento de qualquer imposto ou

contribuição da segurança social;

- Essa dívida não tivesse sido objeto de reclamação, impugnação ou oposição com a

prestação de garantia idónea;

- Essa dívida fosse igual ou superior a 500 € e, no mínimo, 10% da totalidade dos

benefícios fiscais; e - Que se mantivesse a situação de incumprimento.

A Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido, porque entende que a sentença avaliou incorretamente a factualidade dada como provada ao não considerar verificado o aquele primeiro pressuposto

VI. No mesmo ensejo, a sentença bastou-se com o facto da proveniência da dívida ser IVA para afastar a aplicação do disposto no art.º 13.º n.º 2 do CIRS vigente à data dos factos, olvidando que, para afastar a responsabilidade do Impugnante, seria necessário que este, provando que a dívida de IVA não tinha sido contraída pela executada em proveito comum do casal.

VII. A doutrina e a jurisprudência têm sido persistentes na afirmação do entendimento segundo o qual as dívidas tributárias são da responsabilidade de ambos os cônjuges, “nos casos em que estão em causa actividades lucrativas atento o exercício do comércio que essas actividades pressupõem e pela presunção de proveito comum das dívidas contraídas nesse exercício [alínea d) do … art. 1691.º do Código Civil]”.

VIII. No que respeita às divida da responsabilidade de ambos os cônjuges e conforme vem sendo defendido pelo Conselheiro Jorge Lopes de Sousa CPPT anotado Volume II, 5ª edição em comentário ao artigo 220º “Tem-se entendido que as dívidas tributárias são da responsabilidade de ambos os cônjuges nos casos em que estão em causa actividades lucrativas, atento o exercício do comércio que essas actividades pressupõem e pela presunção de proveito comum das dividas contraídas nesse exercício concluindo que será o que sucede por exemplo relativamente a divida de IRC, IRS, IVA e contribuições para a segurança social”.

IX. Em obra mais recente defende ainda o ilustre Conselheiro que “… há suporte legal para afirmar que as dívidas de impostos que sejam contraídas em proveito comum do casal são, como todas as dívidas que sejam contraídas com essa finalidade, da responsabilidade de ambos os cônjuges como decorre das alíneas b) c) e d) do nº 1 do art.º 1691º do CC. E, por força desta alínea d) é de presumir que as dívidas de impostos derivados do exercício de actividade comercial são contraídas em proveito comum.”- CPPT anotado Volume III, anotação ao artº 220, pag. 606

X. Não merece dúvida que o Recorrido e sua esposa formam um agregado familiar, relevando para o efeito as disposições do artigo 13º, nºs 2, 3 e 7, do CIRS, que dispõem como segue: “2 - Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção.

3-O agregado familiar é constituído por:

a)Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (...)

7 - A situação pessoal e familiar dos sujeitos passivos relevante para efeitos de tributação é aquela que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeite.”

XI. Dos normativos legais citados, bem como da apresentação conjunta da declaração de rendimentos, resulta inequivocamente que, à data, não podia ser dado um tratamento fiscal unitário ao Recorrido ou ao seu cônjuge, posto que, repete-se, constituíam um agregado familiar, sendo o imposto devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem.

XII. Por outro lado, uma vez que os pressupostos do facto tributário se verificavam relativamente aos dois, eram ambos solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto que incidisse sobre os rendimentos do respetivo agregado familiar, que abrange a totalidade da dívida tributária, os juros e demais encargos legais, cf. artigos 21.º, n.º 1, e 22º, n.º 1, da Lei Geral Tributária (LGT).

XIII. Os pressupostos do facto tributário devem ter-se por verificados em relação ao então casal, sem que se torne necessário estabelecer a titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação, do que deriva serem ambos solidariamente responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária.

XIV. Assim decidiu o douto acórdão do TCA Sul, de 05-03-2015, Proc. 08427/15, cujo sumario aqui se transcreve:

I - No caso de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, os pressupostos do facto tributário devem ter-se por verificados em relação a ambos, sem que se torne necessário estabelecer a titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação, do que deriva serem ambos, solidariamente, responsáveis pelo cumprimento da dívida tributária, nos termos do disposto no artº 21º, nº1, da Lei Geral Tributária, abrangendo tal responsabilidade para além da totalidade da dívida, os juros e demais encargos legais - cfr. artº 22º, nº l, da referida LGT.

II - Neste regime de responsabilidade fiscal, mesmo em caso de regime de separação de bens, como é o caso dos autos, qualquer dos cônjuges é solidariamente responsável pelo pagamento do IRS sobre os rendimentos do outro, sendo ambos os cônjuges sujeitos passivos do imposto, ainda que o rendimento tributável em mais-valias provenha da alienação de um bem que não era seu, mas próprio do outro cônjuge.

XV. Vale isto por dizer que, se o agregado familiar é tido como um todo e único sujeito passivo de imposto, não faria sentido considera-lo individualmente para efeito de fruição ou cessação de qualquer benefício fiscal.

XVI. Assim, existindo agregado familiar, como sucede in casu, independentemente da forma jurídica ou regime que essa relação reveste e optando o legislador por intermédio do CIRS que a tributação das pessoas singulares, no caso de existir agregado familiar, se faça pelo conjunto dos seus rendimentos, é legitimo responsabilizar ambos os cônjuges pelo resultado fiscal das declarações fiscais conjuntas que apresentaram.

XVII. Da mesma forma é legitimo que, existindo dividas fiscais em sede de outros impostos,

nos termos do artigo 12.º EBF, essas dividas sejam imputadas ao mesmo sujeito passivo em sede de outros imposto e, consequentemente, que as dívidas também sejam da responsabilidade do cônjuge, como pertencente ao mesmo agregado familiar.

XVIII. Salvo o devido respeito, entendemos que a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação quer dos factos dados como provados quer dos elementos probatórios constantes dos autos, o que conduz ao vício de erro de julgamento.

XIX. Pelo que, a douta sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar que não se verificam os pressupostos do artigo 12.º EBF e, em consequência, julgando verificada a violação de lei, cuja sanção é a anulabilidade.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE

RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA,

ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!


**

O recorrido não apresentou contra-alegações.


**

Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo, foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser concedido provimento ao recurso.


**

Colhidos os vistos dos Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir em conferência.


**


II.DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil) , sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, a questão a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorre em errada apreciação da matéria de facto, e consequentemente em errada aplicação dos artigos 16.º e 12.º n.º 5 e 6 do EBF.


**

III. FUNDAMENTAÇÃO

A. DOS FACTOS

Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:

«1- Em 30/11/1965 o Impugnante e A........... celebraram escritura pública de convenção antenupcial, estabelecendo que o seu casamento, a celebrar, ficaria «sujeito ao regime de separação absoluta de bens, tanto dos que actualmente possuem, como dos que vierem a adquirir, por qualquer título, na constância do casamento» (doc. 4 da PI, aqui dado por reproduzido).

2- Em 15/12/1965 o Impugnante casou com A........... (certidão do assento de casamento junta a p. 289 deste processo no SITAF, ref. 007008020, aqui dada por reproduzida).

3- Nos anos de 1990 e 1991 o Impugnante esteve separado de facto da sua mulher A........... (facto alegado não controvertido).

4- As declarações relativas ao IRS dos anos de 1991 a 1993 e dos anos de 2002 a 2005 foram apresentadas em conjunto pelo Impugnante e pela sua mulher A........... [fls. 35 e 36 do processo administrativo tributário (PAT), aqui dadas por reproduzidas].

5- Na declaração do IRS relativa ao ano de 2004 o Impugnante declarou deficiência com incapacidade de 61% (ofício do SF de Lisboa 4, de 19/3/2009, junto aos autos em 24/3/2009, ref. 5058117, p. 143 SITAF, aqui dado por reproduzido).

6- Em 31/12/2004 estava por entregar ao Estado o total de 9.136,20 € de IVA liquidado a A..........., mulher do Impugnante, no âmbito da actividade de comércio por ela exercida nos anos de 1990 a 1992, sem que tenha deduzido reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia (facto alegado nos art.ºs 5.º, 6.º e 8.º da PI e não controvertido; e em conjugação com os factos 7 e 8).

7- Pelo Ofício n.º 0642231, de 24/11/2005, o Impugnante foi notificado do seguinte (doc. 1 da PI, aqui dado por reproduzido):

«Assunto: notificação para exercício do direito de audição prévia

Fica V. Exa. notificado, para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 60.º da Lei Geral Tributária, que, por força do preceituado no n.º 6 do artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, serão suspensos os efeitos mencionados na declaração de IRS respeitante aos rendimentos do ano da 2004, descritos infra, pela existência das seguintes dividas, constituídas até 31 de Dezembro de 2004, que não foram objecto de reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia:

Dívidas:

[…] IVA 9136,20EUR […]

Benefícios:

[…]

Deficiência fiscalmente relevante - isenção de rendimentos da categoria B 6223,04 €

Deficiência fiscalmente relevante - isenção de rendimentos da categoria H 1534,97 €

Despesas com a educação ou reabilitação do sujeito passivo ou dependente deficiente, e/ou prémios de seguros em que figurem como primeiros beneficiários e outros benefícios atribuídos aos deficientes 91,40 €

[…]

Caso V. Exa. pretenda pronunciar-se, deverá fazê-lo, por escrito, juntando os meios de prova que se mostrem necessários ao afastamento da referida suspensão, no Serviço de Finanças do seu domicílio fiscal, no prazo de 15 dias, contados continuamente após o terceiro dia útil posterior ao do registo.»

8- Pelo Ofício n.º 0710589, de 27/7/2006, o Impugnante foi notificado do seguinte (doc. 3 da PI, aqui dado por reproduzido):

«Assunto: notificação da alteração de elementos declarados

Tendo sido V.Exa. notificado pelo oficio n.º 0642231 de 2005/11/24, para o exercício do direito de audição e mantendo-se as seguintes dívidas, constituídas até 31 de Dezembro de 2004, que não foram objecto de reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia:

Dívidas:

[…] IVA 9136,20 EUR […]

[…]

Em cumprimento do disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária, fica V. Exa. notificado de que, per força do preceituado na anterior redacção do n.º 6 do artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, ficam suspensos, não sendo considerados na liquidação, os benefícios fiscais constantes da declaração de IRS dos rendimentos do ano do 2004 […]

Oportunamente será V. Exa. notificado da liquidação, da qual poderá reclamar/impugnar […]»

9- Foi emitida e comunicada ao Impugnante a liquidação adicional de IRS n.º…………., com data de 17/07/2006, relativa ao IRS do ano de 2004 do Impugnante e da sua mulher A..........., no valor de 0,00 €, sem os benefícios fiscais acima referidos nos factos provados 7) e 8) - doc. 5 da PI, aqui dado por reproduzido.

10- A dívida de IVA acima referida no facto 6) viria a extinguir-se em 3/4/2007, por prescrição (ofício do SF de Lisboa 4, de 31/7/2008, junto aos autos em 5/8/2008, ref. 4864277, p. 134 SITAF, aqui dado por reproduzido).

Factos não provados

Não existem factos não provados com relevância para a decisão.

Motivação da matéria de facto

O Tribunal deu por provados os factos alegados não controvertidos e aqueles de que ficou convicto com base nos documentos e no processo administrativo tributário não impugnados, conforme referido em cada alínea do probatório.»


**


B.DO DIREITO

A sentença sob recurso julgou a presente impugnação judicial procedente, por considerar que estando em causa uma dívida de IVA da responsabilidade exclusiva de outro sujeito passivo, mesmo sendo o cônjuge, não existe razão para efeito de suspensão do benefício fiscal porque « No fundo, o art.º 12.º/5 e 6 do EBF visa que o próprio devedor não beneficie do benefício fiscal, situação que não ocorreu no caso, porque, como vimos, o titular do benefício (o Impugnante) não era o devedor do IVA.».

Entende a Fazenda Pública que o Tribunal «a quo» errou no seu julgamento de facto e direito porque é legitimo que, existindo dívidas fiscais em sede de outros impostos, nos termos do artigo 12.º EBF, essas dívidas sejam imputadas ao mesmo sujeito passivo em sede de outros imposto e, consequentemente, que as dívidas também sejam da responsabilidade do cônjuge, como pertencente ao mesmo agregado familiar.

A questão a decidir é, pois, de acordo com as Conclusões do recurso, a de saber se, verificada a condição de benefício fiscal relativamente a um dos componentes do agregado familiar, sendo a dívida fiscal do outro, tal circunstância preenche o pressuposto contido na alínea a) do n.º 5 do artigo 12.º do EBF.

Vejamos, então.

Nos termos do disposto no artigo 12.º nº 5 do EBF, aprovado pelo DL 215/89, de 1 de Julho, com alterações posteriores, constantes do DL 229/02 de 31 de Outubro (em vigor até 31.12.2004):

«5- No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes reconhecimento da administração tributária o acto administrativo que os concedeu suspende os seus efeitos se se verificarem cumulativamente as seguintes situações:

a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema de segurança social e se mantiver a situação de incumprimento;

b) A dívida não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia idónea, quando exigível».

Acrescentando o n.º 6 do mesmo dispositivo que, « [v]erificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anteriores os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da divida que originou a sua suspensão.».

Nos termos do n.º 2 do artigo 1690.º do Código Civil, para a determinação da responsabilidade dos cônjuges, as dívidas por eles contraídas têm a data do facto que lhes deu origem.

Por força do previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 1691° do Código Civil, são da responsabilidade de ambos os cônjuges as dívidas contraídas por qualquer deles no exercício do comércio, salvo se se provar que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime de separação de bens.

No caso vertente e como resulta da factualidade, a dívida destes autos (IVA), foi contraída por parte do cônjuge mulher no exercício do seu comércio, pelo que tem natureza comercial (Cfr. artigos 2.º, 13.º e 15.º do Código Comercial). Vigorando entre os cônjuges o regime de separação de bens, em tal situação, rege o princípio de que os cônjuges são estranhos um ao outro do ponto de vista patrimonial; pelo que os riscos e insucessos de cada um deles não se afectam reciprocamente.

Quer isto dizer, pois, que a responsabilidade do respectivo pagamento é de imputar ao cônjuge mulher e, consequentemente temos de reconhecer que sobre o recorrido não existe a obrigação de pagar a dívida em causa ou a suportar patrimonialmente as consequências do seu não pagamento.

Resulta ainda demonstrado que a suspensão do benefício fiscal por deficiência física atribuída ao recorrido foi efectuada ao artigo do artigo 12.º, n.º5 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL 215/89, de 1 de Julho, com alterações posteriores, constantes do DL 229/02 de 31 de Outubro (em vigor até 31.12.2004), tendo a Administração Tributária fundamentado esse acto na existência de dívidas de IVA do cônjuge mulher no ano de 2004.

Diz o citado preceito que:

«5- No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes reconhecimento da administração tributária o acto administrativo que os concedeu suspende os seus efeitos se se verificarem cumulativamente as seguintes situações:

a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema de segurança social e se mantiver a situação de incumprimento;

b) A dívida não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição com prestação de garantia idónea, quando exigível».

Acrescentando o n.º 6 do mesmo dispositivo que, « [v]erificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anteriores os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da divida que originou a sua suspensão.».

Interessa ainda referenciar, dada a sua particular importância para a questão a decidir, que o artigo 13.º do CIRS, que dispõe, na parte que aqui releve, o seguinte:

«2 - Existindo agregado familiar, o imposto é devido pelo conjunto dos rendimentos das pessoas que o constituem, considerando-se como sujeitos passivos aquelas a quem incumbe a sua direcção.», acrescentando o n.º3, que «O agregado familiar é constituído por: a)Os cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens e os seus dependentes (...).»

Aplicando o normativo transcrito, resulta inequívoco que o recorrido e sua esposa (casados entre si, sob o regime de separação de absoluta de bens) formam um agregado familiar no ano de 2004, e como resulta da matéria assente, entregaram declaração conjunta dos rendimentos referente aquele ano.

No caso dos autos, como acima se disse, apresentando, como apresentaram, declaração conjunta de IRS, ambos são sujeitos passivos do IRS, que incide sobre o conjunto dos seus rendimentos, independentemente da titularidade dos mesmos e, inclusive, de algum deles os não auferir (cfr. artigos 14.º, n.ºs 2 e 3, al.a), e 59.º, n.º 1, do CIRS).

A este propósito, o Supremo Tribunal Administrativo no seu Acórdão de 06.09.2017, proferido no processo n.º 950/17, esclarece que: « [n]o regime da tributação conjunta ou cumulada, pode não existir qualquer relação entre a titularidade de rendimentos e a obrigação de imposto, o que possibilita, nalguns casos, um agravamento da tributação e, noutros, uma atenuação, na medida em que o imposto é sempre apurado pelo somatório dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, e nunca pelos rendimentos individuais de cada sujeito passivo.

Em suma, a disciplina substantiva do IRS estabelece um regime próprio para a incidência pessoal do tributo, procedendo a uma identificação clara e precisa de quem reúne as condições para ser sujeito passivo e para ficar sujeito a imposto, e dele resulta que, no caso de cônjuges não separados judicialmente de pessoas e bens, os pressupostos do facto tributário e, consequentemente, os pressupostos para a determinação dos rendimentos tributáveis (ainda que por avaliação indirecta), se tenham de considerar preenchidos em relação a ambos, tanto mais que cada um deles não pode ser considerado um sujeito passivo autónomo, não havendo, por isso, necessidade de estabelecer a titularidade de cada parcela do rendimento englobado para efeitos de tributação, atenta titularidade plural das obrigações fiscais e a responsabilidade solidária de ambos os cônjuges pelo cumprimento da dívida tributária (art.º 21º nº 1 LGT).» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

O que não se verifica actualmente, já que após a alteração do Código do IRS operada pela Lei nº 82-E/2014, de 31/12, a regra geral é a da tributação individual e da declaração autónoma dos rendimentos de cada pessoa singular, pelo que, quando existe agregado familiar, o imposto é apurado individualmente em relação a cada cônjuge ou unido de facto, a não ser que seja exercida a opção pela tributação conjunta (regime supletivo), sendo que, só neste caso, o imposto é devido pela soma dos rendimentos das pessoas que constituem o agregado familiar, considerando-se como sujeitos passivos aqueles a quem incumbe a sua direção.

Todavia, como acima dissemos, o recorrido não incorreu em qualquer situação irregular relativamente às suas obrigações tributárias de pagamento. Por conseguinte, o segmento da alínea a) do n.º5 do artigo 12.º do EBF «O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património, e das contribuições relativas ao sistema de segurança social» não se mostra preenchido.

De todo o modo, a suspensão de benefícios fiscais só tem lugar se se mantiver a situação de incumprimento. Ora, não resultando provado que a Administração Tributária tenha notificado o recorrido sobre a existência da dívida em questão e da inerente consequência da suspensão do benefício, é patente que não se verifica, igualmente, a situação de incumprimento contemplada na já citada alínea a) do n.º5 do artigo 12.º do EBF.

O que significa que, a liquidação de IRS impugnada enferma da ilegalidade que lhe vem assacada e que determinou a sua anulação.

E, sendo assim, improcedem as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respectivo recurso havendo assim que manter a sentença recorrida embora com a presente fundamentação.

IV.CONCLUSÕES

I. Vigorando entre os cônjuges o regime de separação de bens, em tal situação, rege o princípio de que são estranhos um ao outro do ponto de vista patrimonial; pelo que os riscos e insucessos de cada um deles não se afectam reciprocamente.

II. A suspensão de benefícios fiscais só tem lugar se se mantiver a situação de incumprimento.

III. Não tendo ficado demonstrado que a Administração Tributária tenha notificado o recorrido sobre a existência da dívida em questão e da inerente consequência da suspensão do benefício, é patente que não se verifica, igualmente, a situação de incumprimento contemplada na já citada alínea a) do n.º5 do artigo 12.º do EBF.

V. DECISÃO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes que integram a 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 24 de Junho de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


(Ana Pinhol)