Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:325/19.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IVA
REQUISITOS DE DEDUTIBILIDADE
SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL
INVERSÃO DO SUJEITO PASSIVO
“REVERSE CHARGE”
Sumário:I - Constitui jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham omitido certos requisitos formais, sendo que a posse de uma factura com as menções previstas no artigo 226º da Directiva IVA constitui um requisito formal e não um requisito material do direito à dedução do IVA.
II - Assim, não poderá ser recusado o direito à dedução do IVA pelo simples facto de uma factura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226º, ponto 6, da Directiva IVA, se existirem dados suficientes para verificar se os requisitos materiais relativos a esse direito estão preenchidos, pois que a aplicação estrita do requisito formal de apresentar facturas colidiria com os princípios da neutralidade e da proporcionalidade, uma vez que teria por efeito impedir de maneira desproporcionada o sujeito passivo de beneficiar da neutralidade fiscal relativa às suas operações, sendo que, naturalmente, cabe ao sujeito passivo que pede a dedução do IVA provar que preenche os requisitos para dela beneficiar.
III - A chamada regra de inversão do sujeito passivo prevista na alínea j) do n.º 1 do art.º 2.º do CIVA aplica-se quando, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições: Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil (englobando todo o conjunto de actos necessários à concretização de uma obra, independentemente do fornecedor ser ou não obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos da Lei n.º 41/2015, de 3 de Junho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da actividade da construção) e o adquirente seja sujeito passivo de IVA, em território nacional e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO


A REPRESENTAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por S… – S… RESÍDUOS, S.A. contra as liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2014 a 2017, no montante global de EUR. 486.922,25, alegando para tanto, conclusivamente:
«

A. As formalidades inerentes à emissão das faturas, estabelecidas no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA, são formalidades ad substantiam para efeitos do exercício do direito à dedução previsto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA.

B. As exigências legais relativas à emissão de faturas, têm por objetivo combater a fraude e a evasão fiscal e cumprir o princípio da neutralidade fiscal, apresentando-se a fatura como um elemento essencial para a Administração Tributária, uma vez que constitui o documento demonstrativo das operações económicas sobre que incide o imposto.

C. Por este motivo, para que a fatura seja válida para efeitos de IVA, deverá identificar do modo mais completo possível, o comprador e vendedor, a qualidade/tipo e a quantidade de serviços prestados, o preço aplicável ao serviço devidamente individualizado, a respetiva data de transação, ou seja, deve conter os elementos relevantes que permitam identificar a operação por forma a que possa avaliar-se a incidência objetiva e subjetiva, taxa, cobrança, reembolsos, etc.

D. Razão pela qual a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem defendido de forma reiterada, que, no âmbito do exercício do direito à dedução do IVA, as formalidades respeitantes às facturas revestem natureza ad substantiam e não meramente ad probationem, pelo que a sua falta, nos termos conjugados do artigo 364º, n.º 1 do Código Civil e artigo 19.º n.ºs 2, alínea a) e 6, do Código do IVA, não poderá ser substituída por outros meios de prova, testemunhal ou documental independentemente da realidade das operações subjacentes.

E. Será pacífico o entendimento de que o direito à dedução é um elemento fundamental do regime de IVA, e que, nessa medida, só é possível limitar este direito nos casos expressamente previstos pela Diretiva n.º 2006/112 (IVA).

F. Mas também se reconhece que o legislador nacional soube transpor os princípios e normas inerentes à Diretiva para o Código do IVA, e em especial para os seus artigos 19.º, 20.º e 36.º.

G. E que a jurisprudência nacional tem sabido aplicar esses preceitos legais, não se vislumbrando atualmente nenhum argumento decisivo para que se passe a entender que as formalidades das faturas constituem uma mera natureza ad probationem, ainda mais quando se assume o papel primordial do combate à fraude e evasão fiscal, cujo IVA é normalmente um alvo preferencial.

H. Mas, admitindo que tais insuficiências das faturas podem ser colmatadas por outros documentos, na esteira da jurisprudência emanada pelo Tribunal de Justiça e citada no aresto recorrido, nomeadamente o Acórdão de 15/09/16, proferido no processo nº C-518/16 (Acórdão Barlis), isso não significa que aqueles elementos se poderão substituir às faturas, mas sim que poderão complementar as mesmas.

I. Assim, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, esses elementos complementares terão de resultar inequivocamente da fatura, ou seja, esta terá forçosamente de remeter para outro documento que contenha a informação necessária à fiscalização do imposto (vide v.g. o Acórdão do TCA Norte, proc. 00821/14.7BEPRT, de 23-04-2020, citado igualmente no aresto recorrido).

J. Sem conceder, dir-se-á que ainda que tal entendimento não fosse atendível, ou seja, que não seria necessária essa remissão, sempre teria de resultar expressa e inequivocamente desses documentos adicionais que os mesmos são efetivamente relativos às faturas, o que in casu não se vislumbra ter acontecido.

K. Doutra forma, está claramente condicionado o objetivo do disposto no artigo 36.º, n.º 5 do Código do IVA e do artigo 226.º da Diretiva IVA.

L. Pois de acordo com o entendimento ora perfilhado pelo Tribunal a quo, será ora concedida aos Sujeitos Passivos a faculdade de, num plano muito posterior à fiscalização, recolher ou até elaborar outros elementos, inclusivamente testemunhais, por forma a colmatar as falhas das suas faturas.

M. O que, naturalmente, não se compagina com o objetivo estabelecido com as referidas normas, ou seja, a fiscalização com vista ao cumprimento do princípio da neutralidade fiscal e ao combate à fraude e a evasão fiscal.

N. Ora, nos presentes autos, e no que diz respeito às correções mencionadas no ponto III.2.1.1 do RIT, estamos perante faturas com uma designação genérica - “Serviço de Assistência” – nas quais inexiste qualquer remissão para um contrato ou outro documento que permita a identificação dos serviços efetivamente prestados.

O. Entende-se, por isso, que a Impugnante não poderia recorrer a prova testemunhal ou a elementos não mencionados nas faturas para colmatar as falhas destes documentos – a falta dos requisitos estabelecidos no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA.

P. De igual modo, e sem conceder, dir-se-á que os documentos apresentados não permitiam igualmente chegar às conclusões do Tribunal a quo, na medida em que tais documentos não mencionam especificamente as faturas, apenas se relacionando com estas nos respetivos valores (valor dos recibos de vencimento é aparentemente coincidente com o valor das faturas).

Q. Até porque, não existindo essa remissão ou menção expressa (quer nas faturas, quer nos documentos complementares), e atento o caráter manifestamente genérico da descrição das faturas (“Serviço de Assistência”), certamente vários documentos na contabilidade da Impugnante poderiam ser considerados aptos a complementar o descritivo das faturas, apesar de não se encontrarem relacionados com estas.

R. De igual modo, as faturas relacionadas com as correções mencionadas ponto III.2.1.2 do relatório de inspeção tributária não fazem qualquer referência a um contrato ou outro documento que permita colmatar as falhas detetadas.

S. Entendendo que as formalidades previstas no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA são uma formalidade ad substantiam, e atenta a manifesta ausência dos elementos constantes da alínea b) do referido artigo, será seguro afirmar que não seria possível deduzir o IVA das faturas emitidas a título de comissões de serviços, nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do CIVA.

T. No que diz respeito às correções mencionadas no ponto III.2.1.3 do relatório de inspeção tributária, verifica-se que a AT, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, efetuou a análise devida às faturas e demais documentos apresentados pela Impugnante, tendo concluído igualmente que tais elementos não colmatavam as falhas das faturas.

U. Acresce que, em sede do direito de audição, a Impugnante veio alegar que “por referência às faturas número 17/011130; 17/01742 e 17/02204, a Requerente encontra-se a localizar os documentos de suporte a estas faturas, as quais disponibilizará com a maior brevidade possível”.

V. No entanto, conforme referido no procedimento inspetivo, tais documentos, alegadamente respeitantes às faturas identificadas pela Impugnante, não foram entregues aos Serviços de Inspeção Tributária, pelo ficou afastada a possibilidade de obter informações complementares sobre os serviços identificados nas faturas.

W. Como tal, será inequívoco considerar que bem andaram os Serviços de Inspeção quando desconsideraram o IVA relativo a estas faturas, pela falta dos requisitos estabelecidos no artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do CIVA.

Y. Pois, ao contrário do que alegou a Impugnante e do que parece emergir da sentença recorrida, também as prestações de serviços são passíveis de discriminação e quantificação, independentemente da incorporação de bens nessa prestação (a qual deverá igualmente ser objeto de discriminação e quantificação), sendo que tais elementos deverão obrigatoriamente constar das faturas, nos termos do artigo 36.º, n.º 5, alínea b) do CIVA.

Z. No que concerne às correções mencionadas no ponto III.2.1.3.1 do relatório de inspeção tributária, entende-se que a remissão operada na fatura emitida pela E… – T… Ambiente, S.A, para o “Projeto E…”, não colmatou, minimamente, a falta das formalidades previstas no artigo 36.º, n.º 5, alínea a) do CIVA.

AA. Assim, mal andou o Tribunal a quo quando entendeu que “da articulação entre as faturas em análise e a respetiva documentação de suporte, poderia a Administração Tributária perceber a natureza das transações faturadas sem com isso beliscar o controlo da exata cobrança e respetiva fiscalização do apuramento do imposto e subsequente direito à dedução do mesmo”.

AB. Entende-se, por isso, que o Tribunal
a quo fez uma errada apreciação dos factos relativos às correções identificadas nos pontos anteriores, e, principalmente, uma errada apreciação das normas que lhes são aplicáveis, em concreto os artigos 36.º, n.º 5, 19.º e 20.º do Código do IVA.

AC. A Impugnante, para desenvolver a sua atividade necessita de diferenciadas unidades de tratamento de resíduos, as quais, no seu conjunto, constituem a sua unidade industrial.

AD. Cada uma dessas unidades, é certo, possui componentes fixas e móveis, mas essa distinção não será suficiente para avaliar se os mesmos integram ou estão ligados materialmente ao bem imóvel com caráter de permanência.

AE. Visto que, atenta a especificada de atividade da Impugnante, um equipamento classificado como equipamento básico, poderá afinal vir a revelar-se uma componente integrante da unidade industrial (dos edifícios que o constituem), pois estão para estes imóveis como, por exemplo, estão as caixilharias de alumínio para um imóvel de habitação.

AF. Quer isto dizer que, caso se dissocie estes componentes móveis da unidade industrial da impugnante, estaríamos a retirar a utilidade e finalidade dos imóveis que constituem aquela unidade, tornando-a assim imperfeita.

AG. Por isso, não podia o Tribunal a quo concluir que todas as faturas identificadas no ponto III.2.2. do relatório de inspeção tributária apenas respeitam a equipamentos, isto é, a bens móveis que não estão ligados ao bem imóvel com carácter de permanência, e que, por esse motivo, tais transações não estão abrangidas pelas regras da inversão do sujeito passivo.

AH. A dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excecional, e pressupõe urna menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.

AI. No caso subjudice, estão verificados os requisitos acima identificados, visto que, por um lado, a conduta processual das partes não mereceu censura que obstasse a essa dispensa, sendo inclusivamente de salientar que ambas as partes anuíram ao aproveitamento da prova testemunhal produzida no processo de impugnação n.º 369/19.3BELRA, contribuindo assim para a celeridade e economia processual.

AJ. Acresce que a Representação da Fazenda Pública requereu a dispensa da testemunha por si arrolada em sede de contestação.

AK. Por outro lado, haverá também que ponderar que as especificidades da situação concreta, nomeadamente o elevado valor da causa que, por força da aplicação da Tabela 1-B do Regulamento das Custas Processuais, implicará o apuramento de montantes desproporcionais ao trabalho desenvolvido pelo Tribunal.

AL. Em face do exposto, ponderados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade que devem necessariamente presidir à aplicação do n.º 7 do artigo 6.º do RCP entende-se justificar-se a dispensa do remanescente da taxa de justiça, a determinar pelo Tribunal ad quem.

Nestes termos e nos restantes de Direito que o distinto Tribunal entender por bem suprir, advoga a Representação da Fazenda Pública a procedência do presente recurso jurisdicional, determinando-se a revogação da sentença do Tribunal a quo e, desse modo, julgar parcialmente procedente a impugnação judicial interposta pela Recorrida, com o que V. Exas. farão a almejada Justiça!».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«
A. Na decisão recorrida julgou o Tribunal que o IVA das faturas emitidas é passível de dedução, tendo em consideração as regras que regem este imposto de acordo com o Direito da União Europeia, com a respetiva transposição a nível interno e com a interpretação administrativa e judicial que sobre as mesmas tem vindo a ser levada a cabo, especialmente pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE).

B. Com efeito, reconheceu o Tribunal a quo que o direito à dedução é um elemento essencial do funcionamento do imposto, devendo garantir a sua principal característica: a neutralidade.

C. Acresce referir que qualquer limitação do direito à dedução deve observar os princípios da proporcionalidade e da igualdade o que pressupõe uma ponderação equilibrada dos benefícios derivados da medida e do sacrifício que esta implica (Vide, nomeadamente, acórdão de 11 de julho de 1989, Schrader, C- 265/87, n.º 21 e acórdão de 19 de setembro de 2000, Ampafrance, C-177/99).

D. Nos termos da alínea a) do artigo 178.º da Diretiva do IVA, para o sujeito passivo possa exercer o direito à dedução “deve possuir uma fatura em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º”.

E. Em concreto, determina o artigo 226.º da Diretiva do IVA que as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas é, entre outras, “a quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados”.

F. Por sua vez, na transposição da supra mencionada regra para o Código do IVA, o legislador adotou a seguinte redação na alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º: “A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável (…)”.

G. Ou seja, a norma nacional opera uma transposição “imperfeita” da norma comunitária, já que ao contrário desta, não distingue, quanto ao tipo de menção a apor na fatura, entre bens e serviços.

H. “Assim, enquanto a norma comunitária refere que os bens envolvidos numa transação faturada deverão ser mencionados, para além da sua natureza, pela sua quantidade, e que os serviços deverão ser mencionados pela sua extensão, a norma nacional dispõe que quer uns quer outros deverão ser mencionados pela sua denominação usual e quantidade. Por conseguinte, deve entender-se que o conceito de quantidade empregue pela alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA não poderá assumir o mesmo sentido quando estejam em causa bens e quando estejam em causa serviços.” (sublinhado da Impugnante - cf. Acórdão do CAAD de 17 de fevereiro de 2017, Processo n.º 323/2016-T).

I. Assim sendo, estando em causa faturas que respeitem a prestações de serviços, está a Autoridade Tributária, no processo de avaliar o direito à dedução do IVA, vinculada pela redação ínsita na Diretiva do IVA.

J. Ademais, impõe-se que o grau de exigência no descritivo das faturas não deve ser desproporcional para efeitos do direito à dedução do IVA face aos fins de identificação da operação e controlo da fraude e evasões fiscais.

K. Em concreto, importa trazer à colação o entendimento que tem vindo a ser sufragado pelo TJUE quanto à (in)suficiência dos discriminativos da fatura.

L. Em concreto, o Acórdão BARLIS (Processo C-516/14), considerou insuficiente um descritivo que continha apenas a indicação de "serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente", por ser demasiado genérico para identificar a concreta natureza dos serviços em causa e a sua extensão, sem prejuízo de não entender obrigatória a descrição dos serviços prestados de forma exaustiva.

M. Para o TJUE "a finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA",

N. Sendo que é à luz desta finalidade que importa analisar se as faturas respeitam as exigências do artigo 226.º, n.º 6, da Diretiva IVA.

O. No entanto, o TJUE não considera que seja inevitável o afastamento do direito à dedução, como consequência de uma violação do artigo 226.º, n.º 6 da Diretiva IVA.

P. Para o TJUE, "o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v. neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C-385/09, EU:C:2010:627, n.º 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C-280/10, EU:C:2012:107, n.º 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C-183/14, EU:C:2015:454, n.ºs 58, 59 e jurisprudência aí referida)." (sublinhado da Impugnante - cfr. Acórdão Barlis).

Q. Assim, o TJUE conclui que o artigo 178.º, alínea a) da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.º 6 desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos (cfr. Acórdão Barlis).

R. Na interpretação do TJUE, e que a Recorrente desconsidera, a exigência de dispor de fatura em todos os pontos conforme com as disposições da Diretiva IVA teria uma consequência inaceitável: a de pôr em causa o direito à dedução do sujeito passivo, quando os dados podem ser validamente comprovados através de outros meios que não sejam uma fatura.

S. Por conseguinte, do ponto de vista da neutralidade, assente que na substância assista ao sujeito passivo o direito à dedução, importará saber se no caso concreto eventuais incompletudes das faturas sindicadas pela Autoridade Tributária poderão colocar em risco os fins de correta cobrança do imposto e o eficaz controlo das operações.

T. Devendo ser julgadas improcedentes as suspeitas que a Recorrente lança sobre o entendimento veiculado pelo TJUE, nomeadamente na Conclusão «L» das suas Alegações de Recurso ao afirmar “Pois de acordo com o entendimento ora perfilhado pelo Tribunal a quo, será ora concedida aos Sujeitos Passivos a faculdade de, num plano muito posterior à fiscalização, recolher ou até elaborar outros elementos, inclusivamente testemunhais, por forma a colmatar as falhas das suas faturas”.

U. Com efeito, entende a Recorrida que tal alegação visa apenas lançar um véu de suspeita sobre a Recorrida e a sua contabilidade, com o intuito de limitar o direito à dedução do IVA por esta incorrida no âmbito da sua atividade.

V. Por outro lado, é manifestamente visível que a Recorrente não cumpriu o ónus que sobre si impendia quando alegou existir um erro de julgamento.

W. Em concreto, limitou-se a tecer considerações genéricas sobre as várias faturas, não identificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

X. Sendo tal conclusão por demais evidente no que respeita às alegações apresentadas nos pontos 101 a 106 das Alegações de Recurso por contraste com a prova exaustiva apresentada pela Impugnante e criticamente analisada pelo Tribunal a quo.

Y. Com efeito, o Tribunal a quo cuidou de apreciar criticamente todos os elementos de prova (documental e testemunhal) apresentados pela Recorrida, apreciação essa que lhe permitiu considerar, por referência às várias correções promovidas pelos serviços de inspeção, que o imposto suportado pela Recorrida nas várias operações sindicadas pela Autoridade Tributária era dedutível.

Z. Em concreto, que estavam preenchidos os requisitos necessários à dedutibilidade, tendo em conta a interpretação do disposto nos artigos 226.º da Diretiva do IVA e os artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5 do Código do IVA.

AA. Nesse sentido, e ao contrário do alegado pela Recorrente nas conclusões «N», «R», «T» «Z» e «AG» das suas Alegações de Recurso, não merecem qualquer censura as conclusões alcançadas pelo Tribunal a quo.

BB. Com efeito, a decisão proferida no sentido da dedutibilidade do IVA suportado pela Recorrida no âmbito da sua atividade, encontra-se devidamente sustentada nas normas legais aplicáveis e, bem assim, na interpretação feita pelo TJUE dessas mesmas normas, devendo improceder totalmente as conclusões do recurso apresentado.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se integralmente a sentença recorrida, só assim se fazendo a boa e costumada
JUSTIÇA!».

A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, nomeadamente e, porquanto, “Vistos os autos, entendemos ser de acolher totalmente os argumentos invocados pelo Ministério Público no parecer proferido em 1.ª instância e que aqui se dá por integralmente reproduzido. Acolhem-se, de igual modo, os fundamentos do recurso, que por entendermos ser desnecessária a sua repetição, se dão por reproduzidos”.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões do recurso, são estas as questões que importa resolver: se a sentença incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, não validando as correcções da administração tributária vertidas no relatório de inspecção tributária e relativas a: (i) dedução do IVA mencionado nas facturas emitidas pela “S… – E… e Automação, Lda.” (ponto III.2.1.1 do relatório de inspecção tributária); (ii) dedução do IVA mencionado nas facturas emitidas pela “E… – T… e Ambiente, S.A.” à impugnante relativas a comissões de serviços (ponto III.2.1.2 do relatório de inspecção tributária); (iii) dedução do IVA mencionado nas facturas emitidas por fornecedores relativas à aquisição de serviços pela impugnante (ponto III.2.1.3 do relatório de inspecção tributária); (iv) dedução do IVA mencionado nas facturas emitidas pela “E… – T… e Ambiente, S.A.”, por serviços prestados no âmbito do contrato de assistência técnica (ponto III.2.1.3.1 do relatório de inspecção tributária); (v) dedução do IVA mencionado nas facturas relativas a serviços que não são de construção civil (ponto III.2.2. do relatório de inspecção tributária), sem olvidar o invocado erro de julgamento da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado:
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O tema dos autos, tal como o enunciamos, reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao não validar, por ilegais, as correcções da administração tributária assentes na não aceitação da dedução do IVA liquidado em facturas contabilizadas pela impugnante, por incumprimento dos requisitos relativos à emissão de facturas, elencados no n.º 5 do art.º 36.º do Código do IVA.

Como fez constar do relatório de inspecção tributária (cf. fls..131 dos autos), é entendimento da administração tributária que “as exigências relativas à emissão de facturas, elencadas no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, visam evitar a fuga e evasão fiscais e daí terem sido estabelecidos, de uma forma pormenorizada, vários requisitos que devem na íntegra ser respeitados aquando do preenchimento das facturas sob pena de não ser possível a dedução do IVA através delas liquidado”. E, em seu apoio, cita jurisprudência, quer do Supremo Tribunal Administrativo, quer do Tribunal Central Administrativo Sul.



Estabelece o art.º 19.º, n.º 1 do CIVA que, «Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem, nos termos dos artigos seguintes, ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram:
a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos;
b) (…)».

De harmonia com o preceituado no seu n.º 2, «Só confere direito a dedução o imposto mencionado nos seguintes documentos, em nome e na posse do sujeito passivo:

a) Em faturas passadas na forma legal;
b) (…)»

De acordo com o n.º 5 do art.º 36.º do CIVA,
«As faturas devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução;

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura.

No caso de a operação ou operações às quais se reporta a factura compreenderem bens ou serviços sujeitos a taxas diferentes de imposto, os elementos mencionados nas alíneas b), c) e d) devem ser indicados separadamente, segundo a taxa aplicável.».

A falta dos requisitos elencados neste n.º 5 do art.º 36.º do CIVA nas facturas relativas aos “inputs” do sujeito passivo, comprometia o direito à dedução no entendimento que então tinha a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo. Ou seja, perante uma factura que não satisfizesse os requisitos ali indicados, a administração tributária podia recusar ao sujeito passivo o direito à dedução do IVA nela contido.

Dado o IVA ser um imposto de matriz comunitária, as normas do diploma que procedeu à transposição para a ordem interna dos preceitos da Directiva 2006/112/CEE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Sexta Directiva), devem ser interpretadas pelos tribunais nacionais em conformidade com a interpretação que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem fazendo das correspondentes normas da directiva.

Para o tema em discussão, será pertinente destacar as seguintes disposições da Directiva:
«
Artigo 168.º
Quando os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor os montantes seguintes:
a) O IVA devido ou pago nesse Estado-Membro em relação aos bens que lhe tenham sido ou venham a ser entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido ou venham a ser prestados por outro sujeito passivo;
b) …».
Artigo 178.º
Para poder exercer o direito à dedução, o sujeito passivo deve satisfazer as seguintes condições:
a) Relativamente à dedução referida na alínea a) do artigo 168.º, no que respeita às entregas de bens e às prestações de serviços, possuir uma factura emitida em conformidade com os artigos 220.º a 236.º, 238.º, 239.º e 240.º;
b) …»
Artigo 226.º
Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as seguintes:
1) A data de emissão da factura;
2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a factura de forma unívoca;
3) O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efectuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;
4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual foi efectuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º;
5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;
6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados; 7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efectuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da factura;
8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário;
9) A taxa do IVA aplicável;
10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente directiva exclua esse tipo de menção;
11) (…)».

Sobre o formalismo das facturas exigido em contexto do exercício do direito à dedução, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) – o órgão jurisdicional competente para decidir, a título prejudicial, sobre a validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (cf. art.º 267.º (b) do TFUE) – no seu Acórdão de 15 de Setembro de 2016, proferido no processo C‑516/14 (Caso Barlis), decidiu que o art.º 178.º (a) da Directiva do IVA deve ser interpretada no sentido de se opor a que um sujeito passivo na posse de uma factura que não satisfaça os requisitos do art.º 226 (6) e (7) da Directiva não possa exercer o direito à dedução, sempre que as autoridades tributárias tenham disponível informação que permita verificar as condições materiais do exercício do direito à dedução.

Ou seja, o Acórdão do TJUE veio alargar o estabelecido princípio, em matéria tributária, da prevalência da substância sobre a forma, às condições do exercício do direito à dedução do IVA contido em facturas na posse do sujeito passivo, afastando o escrupuloso cumprimento dos requisitos previstos no art.º 226.º da Directiva como condição necessária ao exercício do direito à dedução.

Quanto em particular à questão, que lhe foi colocada a título prejudicial, relativa às consequências de uma factura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, n.ºs 6 e 7, da Directiva 2006/112/CEE, para o exercício do direito a dedução do IVA, o TJUE refere, nomeadamente, o seguinte:
«
38 O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que o direito a dedução do IVA previsto nos artigos 167.° e seguintes da Diretiva 2006/112 faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. Esse direito é imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (v., neste sentido, acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Maks Pen, C‑18/13, EU:C:2014:69, n.° 24 e jurisprudência aí referida).

39 O regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do peso do IVA devido ou pago no âmbito de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, em princípio, elas próprias sujeitas ao IVA (acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 27 e jurisprudência aí referida).

40 No que se refere aos requisitos materiais exigidos para a constituição do direito a dedução do IVA, resulta do artigo 168.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que os bens e serviços invocados para fundamentar esse direito devem ser utilizados pelo sujeito passivo a jusante para os efeitos das suas próprias operações tributadas e que, a montante, esses bens ou serviços devem ser prestados por outro sujeito passivo (v., neste sentido, acórdão de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 28 e jurisprudência aí referida).

41 No que respeita aos requisitos formais relativos ao exercício do referido direito, resulta do artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 que o seu exercício está subordinado à posse de uma fatura emitida nos termos do artigo 226.° desta diretiva (v., neste sentido, acórdãos de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 41, e de 22 de outubro de 2015, PPUH Stehcemp, C‑277/14, EU:C:2015:719, n.° 29).

42 O Tribunal de Justiça declarou que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Por conseguinte, quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito (v., neste sentido, acórdãos de 21 de outubro de 2010, Nidera Handelscompagnie, C‑385/09, EU:C:2010:627, n.° 42; de 1 de março de 2012, Kopalnia Odkrywkowa Polski Trawertyn P. Granatowicz, M. W¹siewicz, C‑280/10, EU:C:2012:107, n.° 43; e de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.os 58, 59 e jurisprudência aí referida).

43 Daqui resulta que a Administração Fiscal não pode recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, da Diretiva 2006/112, se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos.

44 A este respeito, a Administração Fiscal não deve limitar‑se ao exame da própria fatura. Deve igualmente ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo. Esta constatação é confirmada pelo artigo 219.° da Diretiva 2006/112 que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca.

45 No processo principal, cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio ter em conta todas as informações constantes das faturas em causa e dos documentos anexos apresentados pela Barlis com vista a verificar se os requisitos substantivos do seu direito a dedução do IVA se encontram satisfeitos.

46 Neste contexto, há que sublinhar, em primeiro lugar, que é ao sujeito passivo que solicita a dedução do IVA que incumbe provar que preenche os requisitos para dela beneficiar (v., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Evita‑K, C‑78/12, EU:C:2013:486, n.° 37). As autoridades fiscais podem assim exigir ao próprio contribuinte as provas que considerem necessárias para apreciar se há ou não que conceder a dedução solicitada (v., neste sentido, acórdão de 27 de setembro de 2007, Twoh International, C‑184/05, EU:C:2007:550, n.° 35).
47 Em segundo lugar, importa precisar que os Estados‑Membros são competentes para prever sanções em caso de violação dos requisitos formais relativos ao exercício do direito a dedução do IVA. Nos termos do artigo 273.° da Diretiva 2006/112, os Estados‑Membros têm a faculdade de adotar medidas para assegurar a cobrança exata do imposto e evitar a fraude, desde que tais medidas não vão além do que é necessário para atingir tais objetivos nem ponham em causa a neutralidade do IVA (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.° 62).

48 Nomeadamente, o direito da União não impede os Estados‑Membros de aplicarem, sendo caso disso, uma multa ou uma sanção pecuniária proporcionada à gravidade da infração, a fim de punir a violação das exigências formais (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.° 63 e jurisprudência aí referida).

49 Decorre das considerações precedentes que há que responder à segunda parte da questão submetida que o artigo 178.°, alínea a), da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito a dedução do IVA pelo simples facto de o sujeito passivo possuir uma fatura que não cumpre os requisitos exigidos pelo artigo 226.°, n.os 6 e 7, desta diretiva, quando essas autoridades dispõem de todas as informações necessárias para verificar se os requisitos substantivos relativos ao exercício desse direito se encontram satisfeitos.».

Essa posição já foi reafirmada no Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 24 de Maio de 2023, Proc. nº C-690/22, onde se declara: «O artigo 178.º, alínea a), o artigo 219.º e o artigo 226.°, ponto 6, da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que: se opõem a que as autoridades tributárias nacionais possam recusar o direito à dedução do imposto sobre o valor acrescentado pelo facto de faturas que contêm menções como «Serviços de desenvolvimento de aplicações» não serem conformes com os requisitos formais previstos nesta última disposição».


Esta jurisprudência do TJUE não passou despercebida ao Supremo Tribunal Administrativo, que inflectiu a jurisprudência anterior (que foi a seguida pela administração tributária), como está claramente expressado, no seu mais recente acórdão de 12/13/2023, tirado no proc.º 02922/12.7BELRS, em que se deixou sumariado:

«I - É jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham omitido certos requisitos formais, sendo que a posse de uma factura com as menções previstas no artigo 226º da Directiva IVA constitui um requisito formal e não um requisito material do direito à dedução do IVA.
II - Assim, não poderá ser recusado o direito à dedução do IVA pelo simples facto de uma factura não preencher os requisitos exigidos pelo artigo 226.º, ponto 6, da Directiva IVA, se existirem dados suficientes para verificar se os requisitos materiais relativos a esse direito estão preenchidos, pois que a aplicação estrita do requisito formal de apresentar facturas colidiria com os princípios da neutralidade e da proporcionalidade, uma vez que teria por efeito impedir de maneira desproporcionada o sujeito passivo de beneficiar da neutralidade fiscal relativa às suas operações, sendo que, naturalmente, cabe ao sujeito passivo que pede a dedução do IVA provar que preenche os requisitos para dela beneficiar».

Feitos os considerandos pertinentes e descendo aos autos, recorda-se, foram efectuadas em sede inspectiva correcções de IVA liquidado em facturas na posse do sujeito passivo impugnante, aqui recorrida, por as mesmas não conterem todos os requisitos de forma exigidos no art.º 36/5 do Código do IVA, pese embora, relativamente a algumas dessas facturas, a administração tributária tenha procurado obter junto do sujeito passivo informação complementar visando colmatar as falhas formais detectadas, tendo concluído não ser possível.

Na impugnação judicial, o sujeito passivo produziu prova, a seu ver, apta ao esclarecimento dos requisitos formais pretensamente omitidos, tendo a sentença concluído que a prova efectuada permitia apreender a realidade subjacente à operação facturada em termos de possibilitar à administração tributária a cobrança exacta do imposto e prevenir a fraude.

Não se conforma a Recorrente com o julgamento feito, a seu ver, errado, porque a prova produzida ou não permite relacionar inequivocamente os elementos complementares sobre que recaiu com as questionadas facturas, ou não supre as falhas detectadas.

Vejamos cada uma das correcções praticadas seguindo a ordem por que estão referidas no relatório de inspecção tributária, na sentença e no recurso jurisdicional:

Ø Correcção III.2.1.1. – “S… – E… Automação, Lda.

Na apreciação que fez desta correcção, a Mmª juiz a quo deixou consignado, entre o mais, o seguinte: «…dos autos resulta provado que as faturas em apreço foram emitidas pela empresa “S… – E… Automação, Lda.” e referem-se a serviços prestados por aquela empresa relativos a: i) coordenação e execução de ações previstas nos planos de manutenção; ii) execução de ações previstas nos planos de manutenção; iii) participação nas reuniões de planeamento; iv) planeamento de intervenções, e v) coordenação das paragens dos equipamentos para a execução dos trabalhos.
E a impugnante logrou provar que tais serviços foram prestados pela empresa “S… E.. Automação, Lda.”, através da cedência onerosa de um técnico de manutenção industrial que sempre manteve o seu vínculo laboral com a referida empresa (cfr. alíneas 8) e 9) do elenco dos factos provados).
Estes serviços eram pagos, mensalmente, pela impugnante, mediante a emissão das respetivas faturas pela S… – E… Automação, Lda. e apenas abrangiam a mão-de-obra disponibilizada, acrescida de custos administrativos, excluindo qualquer tipo de peça ou ferramenta que fosse necessária/utilizada (cfr. alínea 10) do elenco dos factos provados).
A impugnante logrou apresentar, ainda, toda a documentação de suporte que titula a referida cedência de pessoal, bem como os documentos de processamento das respetivas faturas e respetivos pagamentos.
Neste sentido, da articulação do descritivo das faturas (“Serviços de Assistência”) com o suporte documental complementar e com as informações apresentadas pela impugnante, conseguimos apurar a natureza dos serviços prestados/faturados e, por conseguinte, estão reunidas todas as informações e documentos que permitiam à Administração Tributária o controlo da exata e respetiva fiscalização do apuramento do imposto (vide, neste sentido e entre muitos, o acórdão do TCA Norte de 23.04.2020, proferido no processo 00821/14.7BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Sem prejuízo, importa notar que a Administração Tributária não questiona a realização efetiva dos referidos serviços nem a conexão dos mesmos com a atividade desenvolvida pela impugnante ou o eventual erro/falha no enquadramento e liquidação de imposto, mas apenas e tão só o (in)cumprimento das formalidades dos documentos apresentados, à luz do disposto no artigo 36.º, n.º 5, alínea b), do Código do IVA.».
Pretende a Recorrente que «…sempre teria de resultar expressa e inequivocamente desses documentos adicionais que os mesmos são efectivamente relativos às facturas, o que in casu não se vislumbra».

A nosso ver, a razão está do lado da sentença, porquanto, o que comprometeu a dedução do imposto liquidado nas facturas deste emitente foi o insatisfatório cumprimento dos requisitos de forma previstos na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA em conjugação com o n.º 2 do art.º 19.º do mesmo Código, não a materialidade da operação (art.º 19/3 do CIVA).

Se o sujeito passivo faz prova e presta informação que permite esclarecer o requisito formal em falta (“quantidade e denominação usual dos bens ou dos serviços prestados”), em termos de possibilitar à administração tributária a correcta liquidação do imposto e a apreensão das condições materiais de dedução (art.º 20.º do CIVA), está cumprido o ónus de prova que sobre o sujeito passivo recai em contexto de afastamento do direito à dedução por incumprimento dos requisitos formais das facturas, sob pena de se estar a impor ao contribuinte um ónus que, do ponto de vista da proporcionalidade, se afigura excessivo face ao princípio estruturante da neutralidade.

De resto, não será despiciendo assinalar que a ora Recorrente não aproveitou a contestação (cf. fls. 469) para, com oportunidade, responder à pretensão impugnatória da ora Recorrida e requerer ao tribunal recorrido diligências probatórias visando contraditar a prova produzida com a P.I.


Esta correcção, tal como a sentença bem entendeu, não é de validar.

Ø Ponto III. 2.1.2 do RIT – Facturas emitidas pelas sociedades “E… – T… Ambiente, S.A.” e “R… – R… Trading, Lda.” relativas a «comissões de serviços»

Sobre esta correcção, a sentença discorreu assim: «a impugnante acordou e pagou a determinadas entidades (nas quais se incluem a E… – T… Ambiente, S.A. e R… – R… Trading, Lda.) comissões pelos serviços de angariação de SLOPS (cfr. alínea 12) do elenco dos factos provados).

Dependendo da qualidade do SLOP e do aproveitamento que é concretizado pela impugnante – através de um Boletim de Análise que é feito no momento de aceitação do SLOP e no qual é apresentada uma percentagem de aproveitamento – é paga pela impugnante uma comissão pela angariação desse mesmo produto (cfr. alínea 13) do elenco dos factos prestados).

Está provado nos autos que a impugnante dispõe de um registo/documento interno que lhe permite determinar com rigor o valor de comissões que mensalmente são devidas a cada uma das entidades que angariou as SLOPS e, por outro lado, ficou demonstrado que estas faturas são acompanhadas de um documento que identifica toda a informação que subjaz à faturação (nomeadamente, local, “produtor/navio”, “unidade/sistema”, “GAR”, “CIR”, “NEI”, “aproveitamento”, “quantidade a valorizar” e o “total”) (cfr. alíneas 14) e 15) do elenco dos factos provados).

Perante isto, dúvidas não há de que as faturas analisadas pela Administração Tributária correspondem a prestações de serviços adquiridas pela impugnante, no âmbito da atividade económica que desenvolve e que lhe aportam um valor acrescentado para a realização de vendas/receitas.

Nesta conformidade, também neste caso (à semelhança do que acima concluímos na primeira questão e sem necessidade de nos repetirmos) não pode a Administração Tributária recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher todos os requisitos exigidos pelo artigo 36.º, n.º 5, do CIVA, visto que a impugnante facultou-lhe todos os documentos/informações que permitiam verificar o cumprimento dos requisitos substantivos relativos ao direito à dedução do IVA e também permitem à Administração Tributária o controlo da exata cobrança e respetiva fiscalização do apuramento do imposto liquidado/deduzido.

Termos em que terão de ser anuladas as correções empreendidas pelos SIT, constantes no referido ponto III.2.1.2 – Comissões de Serviço, constantes do relatório de inspeção tributária.».

Não se conforma a Recorrente com o entendimento do tribunal a quo porque, diz, «…entendendo que as formalidades previstas no art.º 36/5 do CIVA são uma formalidade ad substantiam, e atenta a manifesta ausência dos elementos constantes da alínea b) do referido artigo, será seguro afirmar que não seria possível deduzir o IVA das facturas emitidas a título de comissões de serviços, nos termos do art.º 19.º, n.º 2 do CIVA.

Acresce que, mais uma vez, as facturas em questão não fazem referência a um contrato ou outro documento que permita colmatar as falhas detectadas».

Ora, a verdade é que a prova documental junta à P.I., como bem refere a sentença, permite suprir os requisitos de forma omitidos, que o RIT refere: «as facturas não fazem qualquer referência ao modo de cálculo dos valores dos serviços prestados, sendo omissos no que respeita às quantidades de mercadoria subjacentes àquelas operações económicas…ou seja, não referem as quantidades de base aplicáveis aos apuramentos de valores cobrados ao S…».

Como se vê, a Recorrente propugna o afastamento da dedução não porque os elementos de prova não permitam à administração tributária a correcta liquidação do imposto e a apreensão das condições materiais de dedução (art.º 20.º do CIVA), mas sim porque as facturas não referem expressamente os documentos complementares de prova juntos aos autos com a P.I. (cf. fls. 210 e ss. dos autos) e que, como diz a sentença, permitem suprir as falhas detectadas no descritivo das facturas.

Ora, valem aqui as considerações anteriores; temos por cumprido o ónus de prova em contexto de afastamento do direito à dedução por falta de requisitos formais dos títulos, quando a prova apresentada pelo sujeito passivo que exerceu o direito à dedução permita suprir os elementos omitidos e possibilite o correcto apuramento do imposto, não havendo razões factuais para duvidar fundadamente que a prova documental apresentada se reporte às questionadas facturas.

De resto, convém assinalar, se por um lado, a administração tributária, com a sua posição errónea quanto ao afastamento da dedução por falta de requisitos formais dos títulos acabou por restringir indevidamente o inquisitório que se impunha em sede inspectiva (cf. art.º 58.º da LGT), por outro lado, na contestação, a Fazenda Pública não exerceu o seu direito a contradizer as provas apresentadas pela impugnante, nem o direito à contraprova (cf. artigos 110.º, n.º1 e 7 do CPPT e 573/1 e 574/1 do CPC).


Esta correcção, tal como decidiu a sentença recorrida, não é de validar.

Ø Ponto III.2.1.3 do RIT – Facturas emitidas por diversos fornecedores relativas à aquisição de serviços pela impugnante

Sobre esta correção, a sentença, depois de julgar improcedente a invocada falta de fundamentação, entendimento que a Recorrida não contesta nas contra-alegações, discorreu assim:
«
Vejamos, agora, se estão corretos os pressupostos de facto e de direito que legitimaram a Administração Tributária a fazer as correções em análise.
Dos autos resulta provado que, quando adjudica um serviço a determinado prestador, a impugnante cria uma ordem de compra devidamente sustentada na proposta/contrato acordado entre as partes. Tal procedimento permite que, posteriormente, a faturação dos serviços prestados se faça com um breve descritivo, remetendo para o número da ordem de compra, o que facilita e evita longas e pormenorizadas descrições dos serviços prestados, aquando da emissão das faturas (cfr. alínea 16) do elenco dos factos provados).
E tal procedimento pode ser constatado no descritivo das 17 faturas analisadas, conforme, de seguida, se passa a evidenciar:
- “Decapagem e pintura, desmontagem e sua posterior montagem de torres de gases. Conforme encomenda n.º ORF 14090036”;
- “Orçamento n.º 228 de 11-07-2014. Fornecimento, fabrico e montagem de tubagens e equipamentos. Conforme N/ Notas de encomendas ORF n.º 14070032 e V/ email de 14/07/2014 (inclui ajudas de custo conforme lista de pessoal afeto à obra em anexo)”;
- Alteração da saída de gases da caldeira H500 com porta de homem para facilitar a limpeza. Vossa enc. ORF14120064”;
- “Substituição de válvulas danificadas, novas válvulas porta manómetros, casquilhos, aferição de manómetro e rest. juntas tintas e mão de obra na caldeira H500. Vossa encomenda ORF14120060”;
- “Prestação de serviços no âmbito do projeto ECO III”;
- “Orçamento n.º 228, de 11-07-2014. Fornecimento, fabrico e montagem de tubagem e equipamentos. Conforme N/ Notas de encomenda ORF n.º 14070032 e V/
email de 14/07/2014 (inclui ajudas de custo conforme lista de pessoal afeto à obra em anexo)”;
- “Trabalhos de revisão de filtro de prensa”;
- “Diversos trabalhos de revisão da unidade”;
- “Rec. Responsável de Manutenção”;
- “Vossa encomenda ORF 16040199. Manutenção postigo da caldeira morisa (5 anos);
- “Vossa Encomenda ORF 16110035. Aumento das Virolas e Reforço das Virolas”;
- “Diversos trabalhos realizados a pedido Eng. J…. Encomenda Interna ORF n.º 17020048 (inclui ajudas de custo conforme lista de pessoal afeto à obra em anexo);
- “Reparação de contentores”;
- “Reparação de contentores m3”;
- “Reparação de serviços no âmbito do projeto ECO III”;
- “Reparação de contentores m3”.
Ora, embora se reconheça que a descrição contida nas referidas faturas é bastante sucinta, a verdade é que a mesma permite concluir que estamos perante prestações de serviços (e não de transmissões de bens), pois todos os descritivos apontam e indiciam para serviços previamente contratados pela impugnante, associando, na grande maioria dos casos, a respetiva ordem de compra/encomenda.
Aqui chegados, mais uma vez, as considerações vertidas na análise das duas primeiras questões também são aplicáveis mutatis mutandis à presente correção.
Na verdade, o direito à dedução não deve ser recusado nas situações em que os requisitos materiais que presidem à sua operabilidade estejam preenchidos, ainda que a impugnante tenha negligenciado alguns dos requisitos formais das faturas (constantes do artigo 36.º, n.º 5, do CIVA).
Como tal, a Administração Tributária devia ter-se socorrido de outros elementos (apresentados pela impugnante) que comprovam a materialidade das operações que permitem o exercício do direito à dedução do IVA.
No entanto, tais diligências não foram empreendidas pela Administração Tributária nem foi emitida qualquer pronúncia sobre as informações/documentos de suporte apresentados pela impugnante durante a ação inspetiva, para efeitos de esclarecer a natureza e as características dos serviços faturados.
Nesta conformidade, as correções preconizadas pela Administração Tributária neste ponto do relatório da inspeção tributária carecem de suporte legal e, por conseguinte, terão de ser anuladas».

A Recorrente não se conforma com o decidido na sentença aduzindo nomeadamente, o seguinte:
«Em primeiro lugar, porque (…) apenas 8 facturas do conjunto de 17 remetem para uma ordem de compra/ encomenda (…).
Em segundo lugar, porque, conforme se retira do RIT, foram analisados todos os documentos apresentados pela impugnante.
Senão, vejamos:
Na pág.44 do referido RIT, é mencionado que “Solicitadas cópias dos documentos mencionados no corpo daquelas facturas, concluímos que os mesmos não suprem as falhas das mencionadas facturas”.
E, na pág.66 do RIT, salienta-se que “Focou-se o S… na apresentação dos tais, por si denominados, «documentos de suporte» às facturas em causa, para os quais não e feita qualquer remissão nas próprias facturas e não se conseguindo relacionar de forma clara e directa os documentos agora apresentados com os documentos (facturas) alvo de correcção.
(…)
Acresce que, em sede de direito de audição (…), a impugnante veio alegar que “por referência às facturas número 17/011130, 17/01742 e 17/02204, a Requerente encontra-se a localizar os documentos de suporte a estas facturas, as quais disponibilizará com a maior brevidade possível.
No entanto, tais documentos…não foram entregues (…)».

Tem razão a Recorrente quando alega que apenas 8 das 17 facturas questionadas remetem para uma ordem de compra/ encomenda (n.º 2/63, n.º 2014/000513, n.º 1/130, n.º 1/129, n.º 2015/000303, n.º 1/153, n.º 1/1, n.º 2017A1/176).

Relativamente a estas, valem os considerandos anteriormente feitos; de facto, se os documentos complementares apresentados permitem suprir as falhas no descritivo das facturas (cf. fls. 234v. a 249v. dos autos), não havendo razões factuais para duvidar fundadamente que se reportem à operação facturada, a dedução não pode ser recusada, sendo certo, como refere a sentença, que o erróneo entendimento da administração tributária em matéria de dedução do imposto contido em facturas que não preencham os requisitos de forma, acabou por restringir indevidamente o âmbito do inquisitório em sede inspectiva, não a levando a esclarecer, oportunamente e quando tinha poderes investigatórios mais amplos, as dúvidas que o conteúdo da documentação complementar apresentada pelo sujeito passivo em audição prévia lhe poderia eventualmente suscitar e suscitou.

Quanto em particular à factura n.º 2016F1002971 com o descritivo “Rec. Responsável Manutenção”, valor de 5.250,00€ e IVA liquidado de 1.207,50€, o doc.179 junto à P.I. (fls.261 a 270v. dos autos) permite suprir a omissão do descritivo previsto na alínea b) do n.º 5 do art.º 36.º do CIVA (honorários 15% sobre 35.000,00€ por recrutamento).

Quanto às restantes 8 facturas levadas à dedução e objecto desta correcção (facturas n.º 22160000089; n.º A416/607; n.º A416/608; n.º A417/195; n.º 17/01130; n.º 17/01742; n.º 22170000207 e n.º 17/02204), não alcançamos nos autos qualquer explicação e/ou prova complementar que permita suprir as falhas dos respectivos descritivos: “Prestação de serviços no âmbito do projecto E…”, “Trabalhos de revisão de filtro prensa”, “Diversos trabalhos de revisão da unidade”, “”Reparação de contentores”, “Reparação de contentores m3”.

Quanto a esta correcção, assiste parcial razão à Recorrente, sendo de validar a não aceitação da dedução do IVA liquidado nas facturas n.º 22160000089; n.º A416/607; n.º A416/608; n.º A417/195; n.º 17/01130; n.º 17/01742; n.º 22170000207 e n.º 17/02204, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, neste segmento inquinada de erro de julgamento.

Ø Ponto III.2.1.3.1 do RIT – “E… – T… Ambiente”, correcção por serviços prestados no âmbito do contrato de assistência técnica.

A propósito desta correcção, a sentença discreteou assim: «Está provado que, no dia 2 de junho de 2015, a impugnante celebrou com a E… – T… Ambiente, S.A. um contrato de prestação de serviços de assistência técnica tendente à reorganização da área de gestão de resíduos industriais perigosos que incluía, entre outros:
1. A revisão do modelo organizativo e das relações comerciais e societárias existentes entre as partes;
2. A revisão dos procedimentos comerciais e financeiros das partes;
3. A auditoria e verificação de procedimentos legais das duas sociedades;
4. A verificação dos contratos com clientes, fornecedores, trabalhadores e outros (cfr. alínea 18) do elenco dos factos provados)
E também está provado que ficou acordado que os serviços a prestar pela E… – T… Ambiente, S.A. seriam remunerados pelo valor correspondente à percentagem do EBITDA da impugnante face ao EBITDA total, aplicada sobre o valor dos custos totais da E… com o Projeto E…. (cfr. alínea 19) do elenco dos factos provados).
Ora, o descritivo das faturas analisadas remete precisamente para o referido Projeto E…, tendente à reorganização de resíduos industriais perigosos, isto é, para o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes (o qual se compagina com a atividade económica desenvolvida pela impugnante).
Note-se que, mais uma vez, a Administração Tributária não questiona a efetividade da prestação de serviços faturada, mas tão-somente a falta dos requisitos formais, exigidos pelo artigo 36.º, n.º 5, do CIVA.
Ora, sem necessidade de nos repetirmos, diremos, em síntese, que as conclusões alcançadas nas questões anteriores são também aqui aplicáveis, mutatis mutandis, pelo que Administração Tributária não poderia limitar-se à análise casuística e absoluta das faturas sem considerar as informações e documentação de suporte que subjazem às faturas analisadas facultadas pela impugnante.
Com efeito, da articulação entre as faturas em análise e a respetiva documentação de suporte, poderia a Administração Tributária perceber a natureza das transações faturadas sem com isso beliscar o controlo da exata cobrança e respetiva fiscalização do apuramento do imposto e subsequente direito à dedução do mesmo.
Termos em que se mostram indevidas e terão de ser anuladas as correções empreendidas pelos SIT, constantes no referido ponto “III.2.3.1 – E… – T… Ambiente, S.A.”, constantes do relatório de inspeção tributária.».

Apesar de constar do descritivo da factura n.º 22160000089, de 30/05/2016, emitida pela E…, “Prestação de Serviços no âmbito do projecto E…”, entendeu a administração tributária não aceitar a sua dedutibilidade por razões que agora reitera nas alegações de recurso e que se prendem com a possibilidade de os serviços efectivamente prestados não estarem expressamente descritos na cláusula primeira do contrato, datado de 02 de Junho de 2015 (consta a fls.142 dos autos), que prevê:
«Cláusula Primeira
1 – Pelo presente contrato, a E… prestará à S… serviços de assistência técnica tendentes à reorganização da área de RIP, e que incluirão, entre outros, os seguintes:

- Revisão do modelo organizativo e das relações comerciais e societárias existentes entre as partes;
- Revisão dos procedimentos comerciais e financeiros das partes;
- Auditoria e verificação dos procedimentos legais das duas sociedades;
- Verificação dos contratos com clientes, fornecedores, trabalhadores e outros
2 – (…)».

Se bem apreendemos, entende a Recorrente que, prevendo o contrato a possibilidade de “outros serviços” de assistência técnica tendentes à reorganização da área de RIP não descritos no contrato, fica-se sem saber se foram efectivamente prestados os serviços descritos ou outros não descritos e concretamente quais.

Ora, a verdade é que ainda que se refiram a serviços não descritos, esses outros serviços não especificados referem-se serviços de assistência técnica tendentes à reorganização da área de RIP (resíduos industriais perigosos). E a fórmula de cálculo da remuneração do contrato está expressamente prevista na cláusula segunda e é determinável.

Chamando à colação o já antes referido, de novo se constata que a posição errónea da administração tributária quanto à possibilidade de dedução do IVA liquidado em facturas sem os requisitos legais acabou por comprometer o oportuno esclarecimento de dúvidas com que eventualmente se deparou na análise dos documentos complementares apresentados pela impugnante, mas que não se afiguram ao tribunal decisivas para afastar o direito à dedução, uma vez que não colocam em causa o controlo das condições materiais de dedução, nem comprometem a correcta liquidação do imposto.

Esta correcção, tal como bem decidiu a sentença recorrida, não é de validar.

Ø Ponto III.2.2. do RIT – Correcção relativa a imposto não dedutível

Nos termos do art.º 19/8 do CIVA, «Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação».

Decorre do disposto no art.º 2.º, n.º1 alínea j) do CIVA que são sujeitos passivos do imposto «As pessoas singulares ou colectivas referidas na alínea a) que disponham de sede, estabelecimento estável ou domicílio em território nacional e que pratiquem operações que confiram o direito à dedução total ou parcial do imposto, quando sejam adquirentes de serviços de construção civil, incluindo a remodelação, reparação, manutenção, conservação e demolição de bens imóveis, em regime de empreitada ou subempreitada».

É a chamada regra de inversão do sujeito passivo e aplica-se quando, cumulativamente, se verifiquem as seguintes condições:
i) Se esteja na presença de aquisição de serviços de construção civil (englobando todo o conjunto de actos necessários à concretização de uma obra, independentemente do fornecedor ser ou não obrigado a possuir alvará ou título de registo nos termos da Lei n.º 41/2015, de 3 de Junho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da actividade da construção;
ii) O adquirente seja sujeito passivo de IVA, em território nacional e aqui pratique operações que confiram, total ou parcialmente, o direito à dedução do IVA.

A questão que importa resolver reconduz-se a indagar se devem ser qualificados como serviços de construção civil sujeitos à regra de inversão estabelecida no art.º 2.º, n.º 1 alínea j) do CIVA um conjunto de situações identificadas no RIT e tituladas por facturas grosso modo com os descritivos seguintes: “Sistema de evacuação sonoro”, “Ampliação da rede de gases do Laboratório”, “Fornecimento, fabrico e montagem de isolamento térmico em equipamentos e tubagens executado nas instalações fabris da S…”, “Fornecimento, fabrico e montagem de isolamento térmico em válvulas com jackets executado nas instalações fabris da S…”, “Reparação estragos de incêndio”, “Instalação da bomba do solvente”, “Reparação analisador de gases”, “Nova escada metálica exterior” “Iluminação para as novas escadas de regeneração”, “Revisão geral da caldeira”, “Fornecimento, fabrico e montagem de escadas para a unidade de regeneração”, “Reparações de portões da fábrica – painéis seccionados, perfis de borracha, rodízios e cabaletes, calha lateral esquerda, calha ómega, calhas laterais, mão-de-obra e deslocação”; “Montagem , configuração e teste dos contadores de água e respectivo sistema de controlo e supervisão”, “ Ligação da nova bomba ao tanque das torres de arrefecimento, incluindo a ligação de uma nova bomba para o chiller”, “Reparação dos depósitos”, “Alteração da estrutura da cuba de lamas”, “Substituição de tubagem de exaustão U 700”; “Recondicionamento do Sistema das Emissões”, “Fornecimento e montagem de queimador GN 80%”, “Chaminé reparada unidade U500”, “Fornecimento e montagem de queimador GN10%” (…).

O art.º 199.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, estabelece:«1. Os Estados-Membros podem prever que o devedor do imposto é o sujeito passivo destinatário das seguintes operações:
a) Prestação de serviços de construção, incluindo reparação, limpeza, manutenção, alteração e demolição respeitantes a bens imóveis, bem como a entrega de obras em imóveis considerada como entrega de bens nos termos do n.º 3 do artigo 14.º;
b) …»

Dado que o IVA é um imposto de matriz comunitária, importará atender ao conceito de “bem imóvel” construído por via jurisprudencial.

O Tribunal de Justiça no Acórdão de 16 de janeiro de 2003, proferido no processo C-315/00, Rudolf Maierhofer, afirmou que “edifícios, compostos por construções implantadas no solo, constituem bens imóveis. A este respeito, importa que as construções não sejam facilmente desmontáveis e deslocáveis, mas… não é necessário que estejam implantadas no solo de forma indissociável”- ponto 33.

Acresce assinalar que segundo aquela jurisprudência do TJUE não é determinante para a questão de saber se os edifícios em causa são bens móveis ou imóveis […] o prazo de permanência das partes que o integram. Assim, […] a locação de um edifício construído à base de elementos prefabricados implantados no solo de forma a não serem facilmente desmontáveis nem facilmente deslocáveis constitui uma locação de bens imóveis na acepção do artigo 13.º-B, alínea b), da Sexta Diretiva, “apesar de esse edifício dever ser retirado no termo do contrato de locação e reutilizado noutro terreno” – ponto 35 do citado Aresto.

O Regulamento de execução (UE) n.º 1042/2013 do Conselho, de 7 de outubro de 2013, que alterou o Regulamento de Execução (UE) n.º 282/2011, relativo ao lugar das prestações de serviços, veio introduzir uma definição de “bens imóveis” no art.º 13.º B, dispondo:
«Para a aplicação da Diretiva 2006/112/CE, consideram-se “bens imóveis”:
a) Qualquer parcela delimitada do solo, situada à sua superfície ou sob a sua superfície, que possa ser objeto de um direito real;
b) Qualquer edifício ou construção fixado ao solo ou no solo, acima ou abaixo do nível do mar, que não possa ser facilmente desmantelado ou deslocado;
c) Qualquer elemento que tenha sido instalado e faça parte integrante de um edifício ou de uma construção, sem o qual estes não estão completos, tais como portas, janelas, telhados, escadas e elevadores;
d) Qualquer elemento, equipamento ou máquina permanentemente instalado num edifício ou numa construção que não possa ser deslocado sem destruir ou alterar o edifício ou a construção.»
(…)
«ii) é inserida a seguinte subsecção:
«Subsecção 6-A
Prestações de serviços relacionadas com bens imóveis
Artigo 31.º -A
1. Os serviços relacionados com bens imóveis a que se refere o artigo 47.º da Diretiva 2006/112/CE incluem apenas os serviços que tenham uma relação suficientemente direta com esses bens. Considera-se que os serviços têm uma relação suficientemente direta com bens imóveis nos seguintes casos:
a) Quando derivam de um bem imóvel e esse bem é um elemento constitutivo do serviço e constitui um elemento central e essencial para a prestação dos serviços;
b) Quando são prestados ou destinados a um bem imóvel e têm por objeto a alteração jurídica ou material desse bem.

2. O n.º 1 abrange, em especial, o seguinte:
a) A elaboração de plantas de um edifício ou de partes de um edifício destinadas a um determinado terreno, independentemente de o edifício estar ou não construído;
b) A prestação de serviços de fiscalização no local ou de serviços de segurança;
c) A construção de um edifício num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas num edifício ou em partes de um edifício;
d) A construção de estruturas permanentes num terreno, bem como as obras de construção e demolição efetuadas em estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;
e) Os trabalhos efetuados em terrenos, incluindo serviços agrícolas tais como a mobilização dos solos, a sementeira, a rega e a fertilização;
f) O estudo e avaliação do risco e da integridade dos bens imóveis;
g) A avaliação dos bens imóveis, incluindo quando tal serviço for necessário para efeitos de seguros, para determinar o valor de um bem utilizado como garantia de um empréstimo ou para avaliar os riscos e danos no âmbito de litígios;
h) A locação ou o arrendamento de bens imóveis, com exceção dos abrangidos pela alínea c) do n.º 3, incluindo a armazenagem de bens numa parte específica do bem afeta ao uso exclusivo do destinatário;
i) A prestação de serviços de alojamento no sector hoteleiro ou em setores com funções similares, como os campos de férias ou os terrenos destinados a campismo, incluindo o direito a permanecer num lugar específico resultante da conversão de direitos de utilização periódica e direitos afins;
j) A atribuição e a transmissão de direitos, com exceção dos abrangidos pelas alíneas h) e i), para a utilização da totalidade ou de partes de um bem imóvel, incluindo a licença para utilizar parte de um bem, como a concessão de direitos de pesca e de caça ou o acesso a salas de espera nos aeroportos, ou ainda a utilização de uma infraestrutura pela qual são cobradas portagens, por exemplo, pontes e túneis;
k) A manutenção, renovação e reparação de um edifício ou de partes de um edifício, incluindo trabalhos como limpeza, revestimento de pavimentos e paredes com ladrilhos, aplicação de papel em paredes e assentamento de soalhos;
l) A manutenção, renovação e reparação de estruturas permanentes, como condutas de gás, de água, de esgotos e afins;
m) A instalação ou montagem de máquinas ou equipamentos que, após a instalação ou montagem, possam ser considerados bens imóveis;
n) A manutenção e reparação, inspeção e fiscalização de máquinas ou equipamentos no caso de estes poderem ser considerados bens imóveis;
o) A gestão de bens imóveis, com exceção da gestão de carteiras de investimentos imobiliários abrangida pelo n.º 3, alínea g), que consista na exploração de bens imobiliários de natureza comercial, industrial ou residencial pelo proprietário dos bens ou em seu nome;
p) A intermediação na venda ou na locação ou arrendamento de bens imóveis e na constituição ou transferência de determinados direitos ou direitos reais sobre bens imóveis (equiparados ou não a bens corpóreos), com exceção da intermediação abrangida pelo n.o 3, alínea d);
q) Os serviços jurídicos relacionados com a transferência de um título de propriedade imobiliária, o estabelecimento ou transferência de determinados direitos ou direitos reais sobre bens imóveis (equiparados ou não a bens corpóreos), como atividades notariais, ou a elaboração de contratos de compra e venda de bens imóveis, ainda que a operação subjacente que resulta na alteração jurídica da propriedade não se venha a verificar.».

Retira-se do acervo normativo citado, que o conceito de bens imóveis para efeitos de IVA não pode ser interpretado com o sentido que assume na lei civil (cf. artigos 11.º, n.º 2 da LGT e 204.º e 205.º do Código Civil), compreendendo também os equipamentos ou máquinas permanentemente instalados em edifícios ou construções (fabris), como também equipamentos sem os quais o edifício ou construção (fabril) possa adquirir aptidão para a sua finalidade industrial, aí se incluindo estruturas permanentes, como condutas de água, gás, esgotos e afins e a montagem, reparação ou substituição destas estruturas, sendo que a ligação permanente ao bem imóvel se reconduz ao período de vida útil dos equipamentos.

Ora, tanto quanto se consegue percepcionar do descritivo das facturas, os serviços facturados devem ser qualificados como serviços de construção civil.

É certo que a apreensão da realidade correspondente ao descritivo de determinadas facturas e respectiva qualificação não é isenta de dificuldades, mas o ónus da prova de que as facturas em análise respeitam a equipamentos que não estão ligados ao bem imóvel com carácter de permanência na acepção lata da jurisprudência europeia e do Regulamento de Execução da Directiva, recai sobre a impugnante nos termos gerais de direito (artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1, do Código Civil), posto que se arroga o direito à dedução do IVA nelas liquidado com base na inaplicabilidade da regra de inversão, contra si devendo ser valorada a falta de prova a tal respeito.

A sentença, ao decidir diferentemente, incorreu no apontado erro de julgamento, de facto e de direito, sendo de revogar neste segmento e julgar procedente este fundamento do recurso.

Ø Dispensa de remanescente de taxa de justiça

O valor atribuído ao processo é de EUR. 486.922,25 e não foi concedida pelo tribunal recorrido dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça, com inconformismo da Recorrente.

De acordo com o disposto no art. 6.º, n.º 7, do RCP (redacção dada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro), “nas causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

Ou seja, sempre que a acção ou o recurso exceda o valor de EUR 275.000,00, as partes apenas terão de efectuar o pagamento da taxa correspondente a esse valor, sendo o remanescente contabilizado a final, nos termos do nº 7, a não ser que o juiz dispense esse pagamento mediante a prévia ponderação da especificidade da situação, da complexidade da causa e da conduta das partes o justificarem.

Está conexionado com o que se prescreve na tabela I, ou seja, que para além de 275.000 euros ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada 25.000 euros ou fracção três unidades de conta, no caso da coluna A, uma e meia unidade de conta no caso da coluna B, e quatro e meia unidade de conta no caso da coluna C.

É esse o remanescente, ou seja, o valor da taxa de justiça correspondente à diferença entre 275.000 euros e o efectivo e superior valor da causa para efeito de determinação daquela taxa que deve ser considerado na conta final, se não for determinada a dispensa do seu pagamento.

A referida decisão judicial de dispensa, excepcional, depende segundo o estabelecido neste normativo da especificidade da situação, designadamente da complexidade da causa e da conduta processual das partes.

Se nada há a apontar à conduta processual das partes, a verdade é que as questões factuais e jurídicas colocadas ao tribunal foram de complexidade superior à comum, envolvendo o estudo e análise da jurisprudência do TJUE e as correcções impugnadas foram em número superior a seis, pelo que, atendendo ao serviço público prestado e ao valor do processo, não se vê, ponderadas razões de justiça e proporcionalidade, que deva ser concedida dispensa de remanescente em qualquer medida, julgando-se acertada a decisão recorrida neste segmento.

E, por identidade de razões, não é de conceder dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça devida no recurso.

Tudo visto, é de conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que não validou as correcções compreendidas no Ponto III.2.1.3 do RIT – facturas emitidas por diversos fornecedores relativas à aquisição de serviços pela impugnante quanto às facturas n.º 22160000089; n.º A416/607; n.º A416/608; n.º A417/195; n.º 17/01130; n.º 17/01742; n.º 22170000207 e n.º 17/02204 e no Ponto III.2.2. do RIT – Correcção relativa a imposto não dedutível, sendo de manter quanto ao demais, ao que se provirá na parre dispositiva do acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
i. Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que não validou as correcções compreendidas no Ponto III.2.1.3 do RIT – facturas emitidas por diversos fornecedores relativas à aquisição de serviços pela impugnante quanto às facturas n.º 22160000089; n.º A416/607; n.º A416/608; n.º A417/195; n.º 17/01130; n.º 17/01742; n.º 22170000207 e n.º 17/02204 e no Ponto III.2.2. do RIT – Correcção relativa a imposto não dedutível;
ii. Confirmar a sentença recorrida quanto ao demais.

Custas na proporção do decaimento que fixo em 50% para cada parte, em vista do valor das correcções em que decaíram.


Lisboa, 14 de Março de 2024


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Vital Lopes



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Tânia Meireles da Cunha



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Susana Barreto