Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:901/11.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
COMPETÊNCIA CUMULATIVA ESTADO DA FONTE E DA RESIDÊNCIA
DUPLA TRIBUTAÇÃO INTERNACIONAL
ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Não sendo colocada em causa a efetividade dos rendimentos, o seu pagamento, e bem assim que houve lugar à retenção na fonte declarada, pautando-se o indeferimento pela insuficiência probatória, e dimanando da prova dos autos que a Recorrida auferia rendimentos de trabalho dependente, pagos por uma entidade domiciliada em Espanha, resulta inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha.
II - In limite, o inquisitório sempre imporia que a AT, em caso de dúvidas fundadas, iniciasse um procedimento de troca de informações com as autoridades espanholas tendo em vista a determinação da situação contributiva e fiscal do titular dos rendimentos daquele país, não podendo, sem mais, coartar a possibilidade de acionar a Convenção e eliminar a dupla tributação internacional.
III - O referido anteriormente, legitima a competência cumulativa de tributação no Estado da Fonte e da Residência, e nessa medida, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (DRFP) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M…, tendo por objeto o ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) nº 2010 5005132383, referente ao ano de 2007, no montante de €36.123,93.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A) In casu, salvaguardado o elevado respeito, deveria ter sido dada uma maior acuidade ao escopo do vertido no vertido no art. 15.º, 81.º e 128.º, do CIRS; art. 23.º, n.º 2 e 25.º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (entre Portugal e Espanha); art. 540.º n.º 1 e 363.º, n.º 2, ambos do CCivil ex vi art. 2.º, al. d) da LGT; arts. artº.607, nº.5, 653º, 655º, 659º e art. 668º, nº 1, al. b), do CPCivil ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT e art. 125º, nº 1, do CPPT.

B) Assim como assim como deveria ter sido melhor considerado e valorado pelo respeitoso Tribunal a quo o consignado no acervo documental e demais elementos constantes dos autos, maxime o teor da Informação Oficial elaborada pela Divisão de Justiça Contenciosa da DF de Lisboa (de fls. 89 a 100 do PAT junto aos autos) e o teor da proposta da Direcção de Serviços das Relações Internacionais constante do oficio n.º 12541 de 24.06.2010 (de fls. 73 a 75 do PAT junto aos autos),

C) Ao que acresce, a vicissitude de terem sido extraídas erradas ilações jurídico-factuais da factualidade dada como assente (mormente a vertida no item E e F do probatório).

D) Tudo devidamente condimentado e com arrimo no respeito pelo Princípio da legalidade, do Princípio da Igualdade e o da Justiça, o qual, a todos os outros abarca.

E) Para que, se pudesse aquilatar pela IMPROCEDÊNCIA, da Impugnação judicial aduzida pela Recorrida.

F) Como as conclusões do recurso exercem uma importante função de delimitação do objeto daquele, devendo “corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo” - (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2017, p. 147),

G) A delimitação do objecto do recurso supra elencado, é ainda melhor explanado, explicitado e fundamentado do item 18º ao 58º das Alegações de Recurso que supra se aduziram (itens aqueles que por economia processual aqui se dão por expressa e integralmente vertidos) e das quais as presentes Conclusões são parte integrante.

H) Por conseguinte, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo lavrou em erro de julgamento.

I) O sobredito “erro de julgamento” foi como que causa adequada para que fosse preconizada uma errada interpretação e aplicação do direito aos factos que constituem a vexata quaestio recorrida.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a sentença proferida com as devidas consequências legais.

CONCOMITANTEMENTE,

Apela-se desde já à vossa sensibilidade e profundo saber, pois, se aplicar o Direito é um rotineiro acto da administração pública, fazer justiça é um acto místico de transcendente significado, o qual, poderá desde já, de uma forma digna ser preconizado por V. as Ex.as, assim se fazendo a mais sã, serena, objectiva e acostumada JUSTIÇA!”


***

A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

***

Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

***

II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo fixou a seguinte factualidade:

Para apreciação da exceção da caducidade do direito de ação:

“A) Em 20.12.2010, foi emitida à Impugnante, por referência ao ano de 2007, a liquidação correctiva/adicional de IRS nº 2010.5005132383, no montante de € 36.123,93, (cfr. Doc. 6 junto com a p.i.);

B) A liquidação a que se refere a alínea antecedente foi remetida à Impugnante por carta registada expedida a 28.12.2010 (cfr. Doc. 6 junto com a p.i. e fls. 51 do PEF apenso);

C) Em 23.12.2010, na sequência da liquidação adicional, foi efectuada compensação e o acerto de contas, resultando imposto a pagar no montante de € 33.032,93, com data limite de pagamento 02.02.2011 (cfr. Doc. 6 junto com a p.i.);

D) A presente impugnação foi apresentada neste Tribunal, via SITAF, em 02.05.2011 (cfr. registo nº 005310402 no SITAF).

Para apreciação da questão de mérito:

A) No período correspondente aos anos de 2003 a 2006, a Impugnante foi considerada residente para efeitos fiscais em Espanha, onde exercia, com carácter de regularidade, a sua actividade profissional, na área seguradora (acordo; artigos 1º e 2º da p.i. e artigo 7º da contestação);

B) Em 15.07.2007, a Impugnante mudou a sua residência, de forma definitiva, para Portugal, passando a ser residente para efeitos fiscais em Portugal (acordo; artigos 4º e 5º da p.i. e artigo 8º da contestação; cfr. ainda Doc. 9 junto com a p.i.);

C) Em 20.05.2008, a Impugnante procedeu à submissão, no Portal das Finanças, da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS, respeitante a 2007, declarando a totalidade dos rendimentos auferidos em território nacional e no estrangeiro, constando, designadamente, do Anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro):

(Cfr. Doc. 1 junto com a p.i.);

D) Em 18.07.2008, foi emitida a liquidação de IRS nº 2008.5003240130, no montante de € 3.091,00:

(Cfr. Doc. 2 junto com a p.i.);

E) Por meio do ofício nº 10983, de 26.05.2010, da Direcção de Serviços de Relações Internacionais , foi a Impugnante notificada para remeter “no prazo de 15 dias, os seguintes documentos originais ou cópias autenticadas:

a) Declaração emitida e autenticada pela autoridade fiscal de Espanha, contendo a discriminação da natureza e montantes ilíquidos dos rendimentos obtidos nesse Estado (1) bem como do montante do imposto total final pago (2) e, sendo o caso, do desconto suportado para regime de segurança social (3) para o(s) ano(s) em causa.

b) Liquidação de imposto final aí obtida, bem como, sendo o caso, prova do reembolso recebido/imposto pago relativo a essa liquidação final. (…)” (cfr. Doc. 3 junto com a p.i.);

F) Foi elaborada pela Direcção de Serviços das Relações Internacionais informação que mereceu o despacho de concordância do Director de Serviços, de 21.06.2010, e nos termos do qual a Impugnante foi notificada para o exercício da audiência prévia, com o seguinte teor:

“1. No âmbito de um projecto aprovado superiormente relativo à análise do crédito de imposto por dupla tributação internacional, para os anos de 2007 e 2008, foi o sujeito passivo M… com o NIF 1…, notificado, ao abrigo do artigo 128° do Código do IRS (obrigação de comprovar os elementos das declarações) para a apresentação dos documentos originais válidos, emitidos ou autenticados pelas respectivas autoridades fiscais do Estado da fonte dos rendimentos, que discriminem a natureza e montante do rendimento auferido, bem como o correspondente montante de imposto pago, a título final e total, para o ano de 2007.

2. Em resposta à notificação acima referida o sujeito passivo enviou documentos que não são válidos, pelos motivos seguintes:

a) Não se trata de originais ou cópias autenticadas;

b) Não representam os valores finais e totais de rendimento e/ou imposto para o ano em causa;

c) Não foi apresentada qualquer prova de que não tenha havido uma liquidação final de imposto nesse Estado;

3. Assim, caso superiormente seja sancionado o presente entendimento, deverá o processo ser remetido à Direcção de Finanças de Lisboa, para efeitos de correcção da liquidação de IRS do ano de 2007, devendo ser retirado o crédito de imposto por dupla tributação internacional anteriormente atribuído, nos termos e com os fundamentos atrás enunciados, devendo ainda providenciar a respectiva notificação para efeitos do exercício do direito de audição prévia” (cfr. Doc. 4 junto com a p.i.);

G) A Impugnante exerceu o direito de audição prévia por meio de requerimento datado de 30.07.2010, no qual solicita o accionamento do mecanismo de troca de informações previsto no Artigo 26º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha (cfr. Doc. 5 junto com a p.i.);

H) Em 20.12.2010, foi emitida à Impugnante, por referência ao ano de 2007, a liquidação correctiva/adicional de IRS nº 2010.5005132383, no montante de € 36.123,93, que após o respectivo acerto de contas, resulta num saldo a pagar de € 33.032,93:

(Cfr. Doc. 6 junto com a p.i.);

I) Em 08.06.2011 foi instaurado o processo executivo nº 3344201101017691, para cobrança do referido montante, o qual se encontra suspenso por prestação de garantia (cfr. fls. 62 do PAT apenso).

Mais se provou o seguinte:

J) A Agência Tributaria Espanhola remeteu a seguinte informação


«Imagem em texto no original»

(Cfr. Doc. 7 junto com p.i. e fls. 76 a 78 do PAT apenso);

K) A Entidade patronal espanhola da Impugnante remeteu ainda certificado de retenções e rendimentos, nos seguintes termos:


«Imagem em texto no original»

(Cfr. Doc. 8 junto com p.i. e fls. 77 e 78 do PAT apenso);


***

A decisão recorrida consignou ainda que:

“Nada mais foi provado com interesse para a decisão da causa.”


***

Mais ficou consignado em termos de motivação da matéria de facto que:

“Quanto aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica da prova documental constante dos autos e PAT apenso, conforme especificado em cada uma das alíneas supra.”


***

C) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, interposta contra a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2007, no valor total de €36.123,93.

Importa, desde já, ter em consideração que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.


Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida padece:

· De nulidade por falta de fundamentação de facto;

· De erro de julgamento de facto, porquanto descurou acervo documental e retirou ilações jurídicas incorretas;

· De erro de julgamento, por errónea apreciação dos pressupostos de facto e de direito, competindo, para o efeito, analisar se o Tribunal a quo, decidiu acertadamente a questão ao evidenciar que os meios probatórios juntos aos autos são suficientes para se concluir que os rendimentos de trabalho dependente foram obtidos no estrangeiro, e nessa medida, se há lugar à consideração do imposto pago no estrangeiro, por forma a eliminar a dupla tributação internacional;

· Procedendo o aludido erro de julgamento, cumpre apreciar o vício formal da falta de fundamentação.

Apreciando.


Comecemos pela nulidade da decisão recorrida.

A Recorrente advoga, desde logo, que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação de facto, na medida em que não é realizado qualquer exame crítico da prova, não se discernindo porque motivo se fixa a factualidade nela contemplada.

Apreciando.

Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”

Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”.

De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Quanto à falta de fundamentação, a Doutrina (1-Neste sentido Alberto dos Reis-Código de Processo Civil Anotado: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.) tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (2-Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.)”.

No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item III denominado de “fundamentação” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade. Ficando, outrossim, consignado que nada mais resultou provado que se repute de relevo para a presente lide, e sendo, outrossim, materializada a motivação da decisão da matéria de facto que relevou para o caso vertente.

Ora, em face do supra aludido entende-se que quanto à enumeração dos factos provados, e à concreta motivação da decisão da matéria de facto, foram analisadas, criticamente as provas e especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgado, permitindo a mesma dar a conhecer quais os suportes probatórios que justificam a prova dos factos considerados provados.

Com efeito, entende-se, in casu, e contrariamente ao propugnado pela Recorrente, que os factos elencados no probatório fazem alusão expressa e específica ao meio probatório que a suportam. Ademais, como já evidenciado anteriormente só existe nulidade, em caso de ausência absoluta de fundamentação jurídica, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada.

É certo que a Recorrente, e se bem interpretamos as suas conclusões, conclui no sentido da nulidade da decisão por, alegadamente, terem sido desconsiderados e, erroneamente, interpretados pressupostos de facto com relevo para a lide, porém, como é bom de ver, tais considerações em nada traduzem ou importam nulidade da decisão por “falta especificada de fundamentação”, quando muito e no limite, podem consubstanciar erro de julgamento, mas nunca nulidade da sentença porquanto a mesma se encontra fundamentada de facto e de direito.

Face a o exposto, conclui-se que a sentença não padece da arguida nulidade por falta de fundamentação.

Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento de facto.

Neste âmbito sufraga que, não foi dada a devida relevância ao acervo documental e demais elementos constantes dos autos, e bem assim extraídas erradas ilações jurídico-factuais da factualidade dada como assente, mormente a vertida nos itens E) e F) do probatório.

Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (3-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.).

Ora, convocado o quadro normativo e feitos estes considerandos de direito, dimana perentório que, in casu, a Recorrente não impugna a matéria de facto, não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, apenas convoca um erro de julgamento no sentido de que deveria ter valorado de forma distinta a prova documental constante dos autos, e que retirou ilações jurídicas distintas das pretendidas.

Mais importa salientar que em nada releva, neste e para este efeito, a convocação, em bloco para um acervo documental, e bem assim a invocação dos meios probatórios constantes em B), na medida em que nada concretiza em termos de erróneas ilações jurídicas, não substanciando, ademais, qualquer cominação atinente ao efeito.

E por assim ser, não se vislumbra qualquer erro de julgamento da matéria de facto que careça de ser alterado, encontrando-se, por conseguinte, estabilizado o respetivo probatório.


***

Vejamos, ora, o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Advoga, erro de julgamento, quanto à suficiência probatória ajuizada pelo Tribunal a quo, mormente para efeitos de acionamento da Convenção de Dupla Tributação e bem assim quanto ao âmbito e alcance do mecanismo de troca de informações.

O Tribunal a quo concluiu pela procedência da presente impugnação judicial, porquanto a Recorrida logrou provar que auferiu rendimentos em Espanha, e que suportou imposto naquele território, por conseguinte deve o mesmo ser relevado com vista à eliminação da dupla tributação internacional.

Densifica, neste particular, que “[f]alece, pois, o fundamento de que a Impugnante não entregou os documentos solicitados, já que os documentos em referência – um deles precedente da base de dados/sistema informático da Agencia Tributária Espanhola – discriminam a natureza do rendimento, o montante de retenção na fonte e os descontos suportados para o regime de segurança social em Espanha, no ano de 2007. Apenas não são documentos em forma de declaração e autenticados. Mas dir-se-á, desde já, a este respeito, que se a AT aceitou os mencionados documentos como suficientes para comprovar os rendimentos obtidos no estrangeiro pela Impugnante, então não se vislumbra qualquer motivo para que os mesmos documentos não sejam bastantes para provar a retenção na fonte levada a cabo pela Entidade empregadora espanhola.”

Adensa, ainda para o efeito que, “[o] funcionário da Agencia Tributaria e a Entidade empregadora não integram a expressão “oficial público” que consta do artigo 363º, nº2, do Código Civil, pelo que, em rigor, os documentos em escrutínio não são passíveis de legalização nos termos do artigo 540º do CPC/61.”

Mais sustenta que, se existiam dúvidas sobre a veracidade dos rendimentos auferidos e impostos pagos no estrangeiro não podia, sem mais, desconsiderar o crédito de imposto sobre tributação internacional, relevando, expressamente, que “[s]empre as poderia ter dissipado – conforme sugerido pela Impugnante em sede de audição prévia – através de mecanismo próprio de troca de informações, previsto no artigo 25º da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Portugal e Espanha (CDT).”

Apreciando.

Importa, desde já, relevar que não se vislumbra que o entendimento do Tribunal a quo mereça qualquer censura, visto que interpretou corretamente o quadro normativo vigente e aplicou-o com adequação ao recorte fático dos autos.

Senão vejamos.

Comecemos por atentar no regime jurídico aplicável ao caso vertente.

De harmonia com o consignado no artigo 15.º, do CIRS, sob a epígrafe de “Âmbito da sujeição”:

“1 - Sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território.

2 - Tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português.”

Consignando, por seu turno, o artigo 17.º, nº 1, alínea a), do CIRS, que consideram-se rendimentos obtidos em território português:

“Os rendimentos do trabalho decorrentes de atividades nele exercidas, bem como de atos isolados nele praticados, de carácter científico, artístico ou técnico, ou de prestação de serviços prevista no nº 4 do artigo 3º”.

Preceituando, por seu turno, o artigo 81.º do mesmo diploma legal, relativamente ao crédito de imposto por dupla tributação internacional, que:

“1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidas no estrangeiro têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação internacional, dedutível até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponderá à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) Fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.
2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”

De chamar, igualmente, à colação o disposto no artigo 128.º do CIRS, o qual a propósito da obrigação de comprovar os elementos das declarações, dispunha que:

“1 - As pessoas sujeitas a IRS devem apresentar, no prazo que lhes for fixado, os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e abatimentos e de outros factos ou situações mencionadas na respetiva declaração, quando a Direcção-Geral dos Impostos os exija.
2 - A obrigação estabelecida no número anterior mantém-se durante os quatro anos seguintes àquele a que respeitem os documentos.
3 - O extravio dos documentos referidos no nº 1 por motivo não imputável ao sujeito passivo não o impede de utilizar outros elementos de prova daqueles factos.”

Mais importa convocar a Convenção celebrada entre Portugal e Espanha (4-Resolução da Assembleia da República nº 6/95, de 28 de janeiro; Aviso nº 164/95, de 18 de julho.), a qual conforme dimana, desde logo, do seu artigo 1.º aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes.

Neste particular, importa chamar à colação o artigo 15.º, sob a epígrafe de profissões dependentes, segundo o qual:
“1. Com ressalva do disposto nos artigos 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º e 22.º, os salários, ordenados e remunerações similares obtidos de um emprego por um residente de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que o emprego seja exercido no outro Estado Contratante. Se o emprego for aí exercido, as remunerações correspondentes podem ser tributadas nesse outro Estado.
2. Não obstante o disposto no n.º 1, e com as ressalvas nele estabelecidas, as remunerações obtidas por um residente de um Estado Contratante de um emprego exercido no outro Estado Contratante só podem ser tributadas no Estado primeiramente mencionado se: a) O beneficiário permanecer no outro Estado durante um período ou períodos que, no ano fiscal em causa, não excedam no total cento e oitenta e três dias; e b) As remunerações forem pagas por uma entidade patronal ou em nome de uma entidade patronal que não seja residente do outro Estado; e c) As remunerações não forem suportadas por um estabelecimento estável ou por uma instalação fixa que a entidade patronal tenha no outro Estado. (…)
4. As remunerações previstas no n.º 1 deste artigo auferidas por residentes de um Estado Contratante nos concelhos limítrofes do outro Estado Contratante que trabalham nesse outro Estado nos concelhos limítrofes do primeiro e se deslocam diariamente do local da residência para o local de trabalho (trabalhadores fronteiriços) só podem ser tributadas no Estado de que os beneficiários são residentes.”

Mais importa convocar, in fine, o disposto no artigo 23.º, nº2, da aludida Convenção, o qual regulamenta o método para evitar a dupla tributação, estatuindo, para o efeito, que:
“2 - No caso de um residente de Portugal, a dupla tributação será evitada, de acordo com as disposições aplicáveis da legislação portuguesa (desde que não contrariem os princípios gerais estabelecidos neste número), do seguinte modo:
a) Quando um residente de Portugal obtiver rendimentos que, de acordo com o disposto nesta Convenção, possam ser tributados em Espanha, Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto pago em Espanha.
A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Espanha.”

Visto o direito que releva para o caso vertente, regressemos, então, ao caso dos autos.

Para o efeito importa, desde já, convocar quais as razões atinentes à recusa da dedução do imposto pago em Espanha, constantes nesse mesmo ato e contemplados em F) do probatório.

Dele dimana que, não obstante a Recorrida ter sido notificada para apresentar os documentos atinentes à legitimação do crédito de imposto por dupla tributação internacional, ao abrigo do artigo 128.° do CIRS, os documentos não são válidos, porquanto, não se trata de originais ou cópias autenticadas, não representam os valores finais e totais de rendimento e/ou imposto para o ano em causa e não foi apresentada qualquer prova de que não tenha havido uma liquidação final de imposto nesse Estado.

Concluindo, assim, que deveria ser desconsiderado o crédito de imposto por dupla tributação internacional anteriormente atribuído.

Mas, a verdade é que tal como sentenciado pelo Tribunal a quo, tal entendimento não pode lograr mérito, sendo que as razões avançadas pela Recorrente não permitem, de todo, apartar a fundamentação jurídica atinente à concreta idoneidade e suficiência da documentação em contenda.

Senão vejamos.

De relevar, desde já, que inversamente ao sustentado pela AT a prova documental carreada aos autos permite atestar os rendimentos visados, a entidade pagadora dos mesmos e a concreta retenção na fonte, sendo que, em bom rigor, nunca é colocada em causa a efetividade dos rendimentos, o seu pagamento, e bem assim que houve lugar à retenção na fonte declarada, pautando-se o indeferimento pela insuficiência probatória, desde logo, porque não foram apresentados os originais ou cópias autenticadas.

Porém, tal falta não pode obstar à materialização da dupla tributação internacional, por um lado, porque a letra da lei não o implementa como requisito legal-nem, em rigor, a Recorrente avança com qualquer vinculação legal a esse nível-por outro lado, porque inexistiu qualquer ausência de colaboração por parte da Recorrida, tendo a mesma apresentado um conjunto de documentos atinentes ao efeito, logo sempre implicaria, em caso de dúvidas, que a AT se socorresse do mecanismo legal de cooperação mútua e troca de informações.

Atentemos, então, por reporte ao probatório dos autos o que resulta provado no caso sub judice.

No período correspondente aos anos de 2003 a 2006, a Impugnante foi considerada residente para efeitos fiscais em Espanha, onde exercia, com carácter de regularidade, a sua atividade profissional, na área seguradora, sendo que a 15 de julho de 2007, mudou a sua residência, de forma definitiva, para Portugal, passando a ser residente para efeitos fiscais em Portugal.

Nessa conformidade, a 20 de maio de 2008, procedeu à submissão, no Portal das Finanças, da declaração de rendimentos modelo 3 do IRS, respeitante a 2007, declarando a totalidade dos rendimentos auferidos em território nacional e no estrangeiro, constando, designadamente, do Anexo J (Rendimentos obtidos no estrangeiro), a indicação do montante do rendimento, do valor pago à Segurança Social e o Imposto pago no estrangeiro, nos valores de €92.766,60, €1.236,69 e €30.428,58, da qual resultou a respetiva liquidação.

Por forma a atestar os rendimentos e demais elementos declarados, a Agência Tributária Espanhola remeteu documento identificado como “Impuesto sobre la Renta de Las Personas Fiscais 2007”, do qual se retira a Entidade Pagadora, o tipo de rendimentos, as retribuições pagas, as retenções efetuadas, os valores pagos à Segurança Social, os quais se encontram em total conformidade com os valores declarados na respetiva Modelo 3 de IRS.

Mais resultou provado que, a Entidade Patronal espanhola da Impugnante, ora Recorrida, remeteu certificado de retenções e rendimentos, que, mais uma vez, se encontra em total conformidade com os valores declarados.

Ora, tendo por base a aludida realidade fática ter-se-á de secundar o, bem, ajuizado pelo Tribunal a quo quanto à suficiência probatória. Com efeito, atentando no suporte documental supra aludido, dimana inequívoco que a documentação apresentada pela Recorrida é idónea para os efeitos pretendidos, visto que dela decorre, sem margem para dúvidas, que a mesma exercia, à data da prática dos factos tributários, a atividade no ramo dos seguros, em Espanha, auferindo, por essa via, rendimentos de trabalho dependente, pagos por uma entidade domiciliada em Espanha, dela se extraindo, indubitavelmente, todos os elementos atinente a esses rendimentos e as quantias, efetivamente, pagas e retidas.

Em nada podendo relevar o aduzido nas suas alegações quanto ao entendimento vertido em Circular, porquanto, como é consabido, as Circulares não vinculam os sujeitos passivos, mas tão-só, a AT, sendo que, em nada podem subverter, ou criar formalismos que não se encontram plasmados na lei, como in casu.

Mais importa relevar que, o facto de tais declarações –em parte- assumirem a natureza de documentos particulares não lhes retira valor e credibilidade, desde logo porque um documento particular (cfr. artigo 363.º, n.º 2, do Código Civil-CC) cuja autoria não se encontre impugnada, tem o valor probatório previsto no artigo 376.º, n.º 1, do CC, ou seja, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova a falsidade do documento.

Ora, in casu, os visados documentos não foram impugnados, logo assumem o aludido valor probatório. De todo o modo, sempre se dirá que, mesmo quando são impugnados, tal implica que deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, nos termos previstos no artigo 376.º do CC, mas podem ser utilizados como meios de prova, apreciados livremente pelo Tribunal.

Ademais, e conforme já evidenciado anteriormente, em ordem ao princípio do inquisitório e da colaboração, sempre a conduta da AT estava inquinada de ilegalidade, porquanto se existiam dúvidas sobre a veracidade dos rendimentos auferidos e impostos pagos no estrangeiro não podia, sem mais, desconsiderar o crédito de imposto sobre tributação internacional.

Quando, de resto, no caso vertente, e conforme resulta da factualidade assente a Recorrida, após remeter a documentação que reputou idónea, e mediante confronto com um projeto de indeferimento, requereu que a AT se socorresse do procedimento de troca de informações, tendo a mesma feito tábua rasa do mesmo.

In casu, o inquisitório sempre imporia que a AT iniciasse um procedimento de troca de informações com as autoridades espanholas tendo em vista a determinação da situação contributiva e fiscal do titular dos rendimentos daquele país, em nada podendo lograr o aduzido quanto a serem esgotadas as medidas no plano de direito interno, não só porque não se encontra minimamente substanciado o alcance desse juízo de valor, como não se vislumbra de que forma o mesmo pode compaginar-se com a respetiva ratio legis.

Destarte, existindo provas inequívocas de que os rendimentos foram obtidos no estrangeiro, onde o imposto foi pago, então tem de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional não podendo, sem mais, desconsiderar-se o imposto pago no estrangeiro.

De convocar e salientar, neste concreto particular, e relativamente a rendimentos de trabalho dependente, no expendido por Alberto Xavier (5-In ob. cit, pp. 619 e 620.) e que se transcreve na parte que para os autos releva:

“Em matéria de profissões dependentes, as convenções internacionais-seguindo o artigo 15.º do Modelo OCDE-reconhecem, em princípio, a competência exclusiva do Estado da Residência.

Se o emprego é exercido no Estado da residência do empregado, nenhum problema se suscita; se, porém, é exercido noutro Estado, importa proceder à repartição dos poderes de tributar potencialmente interessados na situação.

Nesta hipótese, há que distinguir as “actividades duradouras”, caso em que ocorre a competência tributária cumulativa (may be taxed) do Estado da fonte, das “actividades temporárias”, caso em que o Estado da residência tem um poder exclusivo (…)”. mais esclarecendo que, “através destes dois últimos requisitos, pretendeu-se esclarecer que a exclusividade do direito do Estado da residência, cessa quando a “fonte de pagamento” se localiza também no país em que a actividade é exercida (fonte da produção).

Destarte, face ao supra expendido e à prova carreada para os autos, resulta inequívoca a aplicação direta e imediata da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, daí dimanando, face ao supra aludido, a competência cumulativa de tributação no Estado da Fonte e da Residência, e nessa medida, impera que seja eliminada a dupla tributação internacional.

Conforme doutrina José Casalta Nabais, a dupla tributação do rendimento implica que “ (…) pode ser tributado tanto no Estado da fonte do rendimento como no Estado da residência do seu titular, sendo certo que, de acordo com o ius gentium, incumbe ao Estado da residência, porque tem legitimidade para tributar a globalidade dos rendimentos dos seus residentes, o ónus de eliminar ou atenuar a dupla tributação daí decorrente.” (6-Direito Fiscal, 4ª Edição, Almedina, 2006, p.237.).

Sendo que, conforme consignado nos artigos 23.º-A e 23.º-B da Convenção Modelo da OCDE, os métodos previstos pelas Convenções por forma a eliminar a dupla tributação, são o método da isenção e o método da imputação.

In casu, a Convenção celebrada entre Portugal e Espanha determina, no citado artigo 23.º, nº2, o método da imputação limitada, dele dimanando que “Portugal deduzirá do imposto sobre o rendimento desse residente uma importância igual ao imposto pago em Espanha. A importância deduzida não poderá, contudo, exceder a fração do imposto sobre o rendimento, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que podem ser tributados em Espanha.”

E por assim ser, resultando provado que os rendimentos de trabalho dependente foram obtidos no estrangeiro, onde o imposto foi pago, tem, necessariamente, de relevar o crédito de imposto por dupla tributação internacional, nos termos do disposto no artigo 23.º, nº2, da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha, 8.º da CRP e 80.º do CIRS, pelo que não tendo sido esse o entendimento da AT, a liquidação impugnada padece, efetivamente, de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

Logo, a sentença que assim o decidiu não merece qualquer censura, mantendo-se, assim, o julgado anulatório, ficando, por isso, prejudicado o conhecimento das demais questões.


***
IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Registe. Notifique.

Lisboa, 14 de março de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Susana Barreto)

(Ana Cristina Carvalho)