Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 466/17.0BEALM |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/15/2024 |
Relator: | VITAL LOPES |
Descritores: | NULIDADE DA SENTENÇA ESPECIFICAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DE FACTO QUE JUSTIFICAM A DECISÃO IVA FACTURAS FALSAS ÓNUS DE PROVA CORRECÇÕES TÉCNICAS PRESUNÇÕES PRETERIÇÃO DO INQUISITÓRIO |
Sumário: | I - Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil, com correspondência no art.º 125.º, n.º 1, do CPPT. II - A falta de notificação do relatório final de inspecção tributária (art.º 62.º do RCPITA) ao sujeito passivo antes da notificação das liquidações fundadas na acção inspectiva não constitui preterição de forma ou formalidade invalidante dessas liquidações. III - Tendo o sujeito passivo exercido o seu direito de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório (ou seja, assegurado o seu direito de participação no procedimento), omitida a notificação do relatório definitivo que contém a fundamentação das liquidações oficiosas com que o sujeito passivo se vê confrontado, cabe-lhe lançar mão da faculdade prevista no art.º 37.º do CPPT, não redundando tal faculdade em qualquer prejuízo para as suas garantias de defesa, nomeadamente de tipo impugnatório. IV - Quando a Administração Tributária desconsidera facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do artigo 74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade. Feita esta prova, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção. V - No que concerne à prova que compete à Administração, o que é imprescindível é que aquela a faça de factos suficientes indiciadores a que o Tribunal possa concluir, “em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência”, pela elevada probabilidade (ou até certeza) de que o negócio declarado por aquelas partes não corresponde à realidade materializada naquela factura”. VI - Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado. VII - Se a AT recolhe indícios atinentes ao s.p. emitente e à sua relação concreta com o utilizador e a globalidade dos mesmos suporta o juízo conclusivo quanto à falsidade das facturas, cumpre o ónus probatório que lhe compete nos termos do art.º 74.º da LGT. VIII - A partir daqui, passa a caber ao s.p. impugnante/ recorrente demonstrar, mediante prova positiva e concludente que, não obstante os indícios de falsidade, as facturas que lhe foram emitidas e não aceites pela administração tributária para efeitos de dedutibilidade do IVA correspondem a reais e efectivas operações económicas. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção tributária comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL I. RELATÓRIO R… – REPARAÇÕES MECÂNICAS, LDA., recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada contra a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida das liquidações adicionais de IVA relativas aos anos de 2010, 2011 e 2012. A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões: «1. A ora Recorrente considera incorrectamente julgados os factos considerados por não provados na sentença do Tribunal ad quo sob os números 1 e 2 e 3 pugnando pela prudente valoração de elementos de prova que impõe decisão diversa nomeadamente as declarações das testemunhas A…; J…, Contratos de Empreitada; Relatório de Inspecção Tributária; e Balancete Analítico; 2. O recurso em apreço tem subjacente a desconsideração de custos em consequência de alegada facturação falsa. 3. As facturas falsas, como o nome indica, são documentos nas quais o emitente declara a prestação de um serviço ou a venda de bens que não correspondem a operação material realmente existente. Simulam uma realidade que não existe ou, pelo menos, não existe tal como nelas se documenta. 4. Destinam-se a ser contabilizadas pelo beneficiário como custos (gastos ou perdas, art. 23º do CIRC) para assim poder reduzir o lucro tributável (art.º 17º CIRC) subtraindo-se ao pagamento do imposto devido (art.ºs 87º a 104 CIRC), parcialmente ou mesmo na sua totalidade, ou (e) ainda obter reporte de prejuízos (art. 52º CIRC). 5. O universo das chamadas «facturas falsas» é um campo cheio de dificuldades onde a separação entre o «trigo» e o «joio» enfrenta sérios problemas, principalmente ao nível da prova. 6. O ponto de partida na análise jurídica da facturação falsa, reside na repartição do encargo probatório, com efeito, de acordo com o art.º 74º/1 da Lei Geral Tributária. 7. Presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal (art. 75º/1 LGT). 8. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz” (cf. art.º350.º, n.º1 do Código Civil, aplicável ex vi do art.º2.º alínea d), da LGT), esta regra desonera o contribuinte da prova dos factos tributários decorrentes da sua contabilidade e escrita. Desde que organizada conforme as exigências legais. 9. A presunção estabelecida quanto aos dados decorrentes dos elementos declarativos, e de contabilidade e escrita cessa, nomeadamente e nos termos da alínea a) daquele art. 75º/2 LGT, quando existam indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo. 10. A Autoridade Tributária não cumpriu com ponderabilidade, seriedade consistência e relevância o seu ónus probatório com vista a ilidir a presunção de veracidade das declarações e escrita do contribuinte. 11. A Autoridade Tributaria não tratou de apurar se existia um controlo de acessos nas instalações da firma S… C… Cimentos S.A. que permitisse aferir através de um registo a identificação dos trabalhadores que ali prestaram serviços quer para a Recorrente quer para as empresas por si subcontratadas. 12. A Autoridade Tributária admite que a futuras emitidas pela “S...” e a “A...” não correspondem na sua totalidade a serviços efetivamente prestados; 13. O Tribunal ad quo deu por assente que os depoimentos das testemunhas apresentadas pela Recorrente A… e J… foram coincidentes com a prestação de serviços à S… C… Cimentos S.A directamente pela Recorrente e e pelas empresas por si sub-contratadas S... E A…. 14. Em função do depoimento das testemunhas A… e J… Tribunal a quo, considerou que havia uma lacuna, e viu-se na obrigação de ao abrigo da descoberta da verdade material, diligenciar no sentido de pedir esclarecimentos à S… - C… Cimentos S.A. 15. O Tribunal a quo tratou de apurar junto da firma S… - C… Cimentos S.A. se através da plataforma de gestão informático de acessos às instalações fabris daquela empresa – G… - seria possível obter uma informação individualizada de quais os trabalhadores da R… ou de empresas subcontratadas por esta, designadamente S… SA e A... Lda. que tivessem prestado serviços durante os períodos de 2010 a 2012; 16. A S… C… Cimentos S.A. escusou-se ao envio da documentação solicitada informando que desde o inicio da plataforma informática G… (Fevereiro de 2011) não dispunha de registo de entrada de trabalhadores da R… (e consequentemente de trabalhadores por ela subcontratada) nas instalações da S…. 17. Desta informação considera o Tribunal a quo por não provado que as faturas emitidas pelas sociedades “S..., Lda” e “A..., Lda” referentes aos exercícios de 2010, 2011, 2012, respeitem a serviços efetivamente prestados. 18. Porque contraditórios com a informação prestada pela S… – C… Cimento S.A o Tribunal a quo desconsiderou os depoimentos da testemunha A… e J…, para efeitos de prova da efetividade das operações tituladas pelas respectivas facturas; 19. Os depoimentos prestados, e a documentação que se encontra junta aos presentes autos, infirmam uma realidade diferente das conclusões a que chegou o Tribunal a quo. 20. A Recorrente considera incorrecta a interpretação feita pelo Tribunal a quo acerca da informação prestada pela S… C… Cimento SA. posto que extravasa o sentido e alcance da resposta facultada. 21. A S… C… Cimento SA não foi questionada quanto à prestação dos serviços titulados nas facturas, mas sim quanto à existência de registos de acesso de trabalhadores nas suas instalações; 22. Não dispor de registos de entrada de trabalhadores da Recorrente, (e de trabalhadores por esta subcontratados) não significa, que os serviços não tenham sido efectivamente prestados. 23. Os autos, apresentarem prova documental, e testemunhal, menosprezada pela Tribunal a quo, que que corrobora, sem sombra de duvida, que tais serviços foram efectivamente prestados. 24. Conforme transcrições dos seu depoimentos, evidenciaram as testemunhas A… e J…, terem colaborado nas prestação dos serviços por parte da Recorrente, reportados aos anos de 2010, 2011, 2012, recorrendo por vezes, quando solicitado pela S… - C… Cimento S.A. a um reforço de mão de obra junto de outras empresas. 25. Menosprezou o Tribunal a quo, os 5 documentos juntos pela Recorrente comprovando a existência de contratos de empreitada entre a S… – C… Cimento SA. em função do dislate temporal decorrente da sua data de celebração, embora conceda que estes vínculos prevêem no seu articulado a possibilidade de renovação. 26. Desprezou o Tribunal a quo os esclarecimentos tecidos pelas testemunhas arroladas pela Recorrente - supra transcritos - quanto à existência dos respectivos contratos 27. A testemunha J…, encarregado de produção da S… C… Cimento S.A. (tido pela Mma. Juiz do Tribunal a quo como elemento de prova essencial) não só a confirmou a existência dos serviços prestados directamente pela Recorrente quer por empresas por si subcontratadas nos anos de 2010, 2011, 2012, bem como confirmou cada uma das descrições desses serviços, tituladas nas facturas tidas por falsas; 28. Da informação prestada pela S… -.C…Cimento S.A. só se poderá retirar que aquela empresa, àquela data, não dispunha da informação, solicitada. 29. Ao longo de toda a exposição dos factos, levada a cabo pelo Relatório de Inspecção Tributaria, dá-se por assente, a veracidade quanto à efectiva prestação de serviços pela ora Recorrente, reportada aos anos de 2010, 2011 e 2012 para a firma S… - C.. Cimento S.A. 30. O Tribunal a quo acolhe uma teoria dos factos, que vai para além da própria da inspecção realizada à ora Recorrente. 31. A fls. 1024 a 1048 do Processo Administrativo junto aos autos consta um Balancete Analítico da ora Recorrente reportado aos anos de 2010, 2011 e 2012 onde sem margem para duvidas se reflete a prestação de serviços por esta levada a cabo ao seu principal cliente a firma S… C… Cimento S.A. 32. O valor de "Movimento a débito" dos balancetes analíticos da conta “21 Clientes” só pode registar contabilisticamente, um aumento do seu valor global, quando são lançadas as faturas dos clientes, nas respetivas contas de cada cliente - vide fls. 1024, 1032 e 1041 do Processo Administrativo; 33. Por sua vez na coluna de “Movimento a crédito” dos balancetes analíticos da conta “21 Clientes” são registados os lançamentos referentes aos pagamentos dos clientes, nas respetivas contas de cada cliente - vide fls. 1024, 1032 e 1041 do Processo Administrativo; 34. A 3.ª e 4. º colunas de “Saldo a Débito” e “Saldo a Crédito” dos balancetes analíticos são utilizadas para apurar o saldo entre o débito e o crédito acumulado, sabendo-se em qualquer momento qual o valor a receber de cada cliente; - vide fls. 1024, 1032 e 1041 do Processo Administrativo; 35. No que se refere à conta “21 – Clientes”, no final de cada ano passa para o ano seguinte somente o “Saldo a Débito” e não a totalidade dos acumulados. 36. Após análise aos documentos contabilísticos do processo, poderemos concluir que no ano 2011 a ora Recorrente facturou à S… - C… Cimento SA, conta “2111001” o valor total de € 2.565.238,91. 37. Como no final de 2011 o total de "Movimento a débito" do balancete analítico de 2011 foi de 3.008.790,73€ (vide fls. 1032 do Processo Administrativo - conta 2111001, 1ª coluna “Movimento a Débito”) e o “Saldo a Débito” do balancete analítico de 2010, no final de 2010 foi de 352.550,82€ (vide fls. 1024 do Processo Administrativo - conta 2111001, 3.ª coluna “Saldo a Débito”) a diferença registada refere-se à contabilização das faturas emitidas pela Remli à Cliente “S… – C…” de precisamente 2.565.238,91€ 38. A única forma de fazer registos na coluna do “Movimento a Débito” de clientes será registando as faturas emitidas aos respetivos clientes. 39. Desta mesma forma também poderemos concluir que em 2012 a “R…” faturou ao cliente “S… - C…” o valor total de 1.020.483,30€ 40. Como no final de 2012, o total de "Movimento a débito" do balancete analítico de 2012 foi de 1.424.396,66€ (vide fls. 1041 do Processo Administrativo, conta 2111001, 1ª coluna “Movimento a Débito”) e o “Saldo a Débito” do balancete analítico de 2011, no final de 2011 foi de 403.914,36€ (vide fls. 1032 do Processo Administrativo, conta 2111001, 3.ª coluna “Saldo a Débito”) a diferença registada, refere-se à contabilização das faturas emitidas pela Recorrente à cliente “S… – C… Cimento S.A.” de precisamente 1.020.483,33€. 41. No ano de 2012 por análise dos extratos da conta de IVA Liquidado, conta 24331221 – IVA Liq Pr Serv” ( Vide fls. 1020, 1021, 1022 e 1023 do Processo Administrativo), verificamos que a Recorrente liquidou IVA a clientes no valor total de 382.472,30€, o qual confirma o valor de Prestações de Serviços que contas na conta 7211 – Serviços A – Mercado Nacional” (Vide fls. 1048 do Processo Administrativo) no valor de 1.662.923,02€. (1.662.923,02 x 23%IVA = 382.472,30€). 42. A soma das duas parcelas perfaz 2.045.395,32€ que totaliza o aumento registado na conta clientes referente a Prestação de Serviços. 43. Á data em que a ora Recorrente entabulou relações comerciais com as sociedades S... E A... assumiam-se perante a AT como sujeitos passivos idóneos cujo objecto social se prestava a uma parceria que viria a ser estabelecida pela disponibilização de trabalhadores. 44. A única exigência para a ora Recorrente bastava-se com o facto de sempre que se tornava necessário um súbito acréscimo de mão de obra, em função de situações de paragens ou de emergências da fabrica S…, a S... e A... colmatavam tal necessidade mediante a disponibilização de trabalhadores. 45. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto, atentos os meios de prova e as declarações das testemunhas supra expostos, pelo que se impunha decisão diversa sobre o ponto 1, 2 e 3 da matéria de facto considerada não provada. 46. Deveria o Tribunal a quo considerar por provado que as faturas emitidas pela sociedade S... e A... correspondam a efectivas prestações de serviços à Recorrente, bem como se ter por aceite que esta prestou os serviços à S… – C… Cimento S.A, nos exercícios referentes ao período 3 de 2010, e aos anos de 2011 e 2012. 47. O Tribunal ad quo cometeu um erro sobre a matéria de facto, ao considerar o alegado deficit probatório por parte da Recorrente, afastando indevidamente o ónus da prova da administração tributária em estrita violação do preceituado nos violou artigos 74º e 75º da LGT; 48. Deve ser revogada a douta sentença do Tribunal a quo, e serem anulados os respectivos actos de liquidação, sendo aceites na totalidade as facturas emitidas pela S... e A... bem como aceite a dedução do respectivo IVA; 49. A sentença é o acto por meio do qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa - art.º 152º/2 CPC) e a sua elaboração está sujeita a regras como resulta entre outros, dos artigos 659º do CPC (art.º 607º - redação atual) e 123º a 125º do CPPT. 50. A sentença deve ser estruturada por três grandes partes, ou capítulos; o relatório (art.º 659º/1CPC e 123º/1, 1ª parte do CPPT); a fundamentação (art.º 659º/2 CPC e 123º/1, 2ª parte e 123º/2 do CPPT) e a conclusão final (art.º 659º/4, 152º/2 CPC e 124º/1 do CPPT). 51. Na fundamentação de facto da sentença a lei determina que o juiz declare tome em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas que lhe cumpre conhecer (art.º 659º/3 do CPC). 52. Mais impressivamente, diz o atual art.º 607º/4 do CPC que na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. 53. O capítulo respeitante à fundamentação é de tal modo rico (e complexo) que se não for traduzido em prática clara pode tornar a sentença completamente obscura, inviabilizando qualquer juízo inteligível sobre o seu conteúdo, podendo levar à declaração de nulidade (art.º 615º/1,c) NCPC), ou ao pedido de esclarecimento, como estava previsto no art. 669º/1,a) do anterior CPC. 54. O capítulo respeitante à fundamentação de facto pode dividir-se em três partes: Uma que inclui os factos provados, outra para os factos não provados e uma terceira referente à análise crítica da prova, também chamada motivação da decisão de facto (quando esta não se faz facto a facto, porventura a forma mais clara e precisa de expressar a motivação). 55. Em relação a cada uma destas partes da fundamentação factual há regras de estrutura e clareza – a sentença não pode deixar de ser clara - que devem ser observadas. 56. Na declaração dos factos provados e não provados o dever de clareza implica que eles não sejam expostos em «amálgama» indiscriminada, sem nexo lógico ou temporal. E muito menos que tenham conclusões, opiniões, observações ou meros raciocínios, porque estes são completamente inúteis para a decisão da causa (e não é lícito realizar actos inúteis no processo – art 130º do NCPC). 57. A norma do art. 607º/4 do CPC é peremptória: o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados. 58. Por seu turno, paralelamente, o art. 123º/2 do CPPT manda discriminar a matéria provada da não provada, cominando com nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito (art. 125º/1 do CPPT). 59. A declaração do juiz sobre os factos que julga provados e não provados é sobre factos, e não sobre outra coisa qualquer que não sejam factos; 60. Factos que devem ser criteriosamente separados por números ou alíneas, cabendo a cada número ou alínea determinado facto, ordenado segundo uma sequência lógica ou temporal. 61. Isto não só por dever de clareza e objectividade, mas também porque a sentença assenta num diálogo constante (num movimento lógico de vai – vem) entre o facto e o direito (A. Varela e outros in Manual de Processo Civil, 1985, pp. 666) ao qual o juiz (e as partes) têm de recorrer permanentemente para exporem o seu raciocínio, o direito que invocam e os factos ao qual o aplicam. 62. No que concerne à matéria de facto provada, deve evidenciar, de forma imediata, coerente e lógica, a realidade sob apreciação, o que de modo algum se satisfaz com a colagem de diversos elementos. 63. A prática de verter nos factos provados in caso o conteúdo do relatório da inspecção é uma prática censurável que não cumpre dever de seleção da matéria de facto que deve constar na sentença. 64. O relatório não está organizado sob a forma de factos que permita a sua transposição «automática» para a sentença. 65. O relatório é uma informação inserida num procedimento administrativo com uma estrutura e uma lógica próprias onde cabem factos, investigações, opiniões, presunções, raciocínios, diligências, conclusões etc. Neste acervo de material, só uma parte se pode considerar «factos» com o conteúdo que a lei processual civil lhe dá. 66. Se o juiz entender que o relatório contém factos que uma vez provados relevam para a decisão deverá cuidadosamente selecioná-los, descriminando-os por alíneas ou números, refletindo deste modo o dever que a lei impõe às partes na dedução dos factos por artigos (art.º 147º/2; 552º/d) CPC e 108º/1 do CPPT). 67. Só após esta seleção está em condições de estabelecer um diálogo profícuo entre os factos e o direito, para fundamentar claramente a sua decisão e concluir, a final, pela melhor solução. 68. Processualmente é tão errado dar como reproduzidos documentos que constem do processo, como reproduzi-los integralmente sem indicar – discriminar, especificar-, os factos que esses documentos comprovam. 69. Na página 11 ponto K) da sentença diz o MMª Juiz do Tribunal a quo transcreve ipsis verbis o teor integral do Relatório de Inspecção Tributária. 70. Idêntico procedimento se adoptando no ponto M) - pag. 44; bem como no ponto BB (pagina 56 da sentença) onde literalmente se transcreve o projecto de decisão do procedimento de Reclamação Graciosa; 71. A sentença não cumpre as regras legais que presidem à elaboração da sentença. 72. Optando por meter tudo» nos factos provados, demite-se do dever de discriminar e especificar, os fundamentos de facto da decisão. 73. Pelo que, nos termos do art. 125 n.º 1 do CPPT, e 615 n.º 1-b) do NCPC é nula por falta de fundamentação. 74. O relatório de inspeção tributária foi notificado à ora Recorrente a 19 de janeiro de 2016. 75. Em todo o processo de inspecção a Recorrente manifestou-se sempre colaborante disponibilizando-se e facilitando sempre o trabalho dos inspectores, nunca tendo deixado de levantar uma carta a si remetida, ou de comparecer pessoalmente, através dos seus legais representantes, sempre que para tal foi exigida a sua notificação pessoal. 76. Nos termos do preceituado no art.º 39 n.º 5 do CPPT, tendo sido devolvida a respectivo notificação deverá proceder-se ao envio de nova nos 15 dias seguintes por nova carta registada com aviso de recepção, funcionando somente para esta a presunção de notificação se a carta na tiver sido levantada ou recebida. 77. Á revelia desta tramitação a Administração Fiscal, antecipou-se e procedeu à notificação das liquidações a 30 de Dezembro de 2015 tendo por base a liquidação do imposto de IVA do ano de 2011 no que concerne às liquidações n.º 2015 15101703; 2015 15101704; e 2015 15101706; e às demais a 17 de janeiro de 2016, servindo-se para tal dos elementos do relatório da Inspecção sem que tal relatório fosse do conhecimento do administrado 78. O Tribunal a quo, menosprezou a exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos artigos 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, a qual visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. 79. No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77.º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes O RCIPTA no capítulo III sobre a epígrafe “Notificações e Informações” que engloba os artigos 37º a 43º, remete para o CPPT e para a LGT, quanto ao modo de tramitação e efeitos da notificação. 80. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo. 81. É de todo irrelevante para cumprimento do imperativo legal de fundamentação do acto tributário a fundamentação à posteriori, seja como complemento da fundamentação do acto, ou como apta a destruir ou contrariar esta última. 82. O artigo 36º do CPPT, estipula que em matéria tributária os actos que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhe sejam validamente notificados ou como apta a destruir ou contrariar esta última. 83. A notificação cumpre a sua função específica de promover a certeza da cognoscibilidade do conteúdo do acto, determinando a sua a possibilidade de execução e marcando o início da contagem do prazo de impugnação judicial. 84. Existe uma preterição de formalidade legal. 85. O procedimento da liquidação é um conjunto de atos e procedimentos que visam a obtenção do ato final que culmina todo o procedimento como o da fixação do imposto, que é conhecido como liquidação do imposto. 86. O procedimento tributário de liquidação, como outros procedimentos administrativos coadjuvantes, é uma garantia dos contribuintes na medida em que são o modo de exprimir a vontade de um órgão ou pessoa colectiva pelo que as preterições de formalidade legalmente impostas no decorrer de cada um dos procedimentos tenha de considerar-se como omissão de acto, comportamento ou ritualismo devido, susceptível de inquinar o acto administrativo final. 87. Considera-se que um acto administrativo só está perfeito quando se encontram preenchidos todos os elementos que funcionam como requisitos da sua validade. 88. Mesmo quando o acto administrativo por força da verificação desses requisitos se diz válido, tal não significa que esse mesmo acto se deva considerar eficaz. 89. A falta de eficácia pode resultar entre outras causas do facto de não ter sido notificado determinado acto ou procedimento imposto por lei; 90. O fundamento legal da obrigação de notificar resulta do art. 268 da CRP, preceito constitucional onde se insere as garantias dos administrados. 91. Quer o RCIPT, quer a LGT, quer o CPPT, mais detalhadamente regulam a notificação dos atos tributários. 92. Quando existe falta de notificação em absoluto, o ato é ineficaz em que a vontade da Administração Pública não chegou a exteriorizar-se. 93. No caso dos autos, ficou provado que a Administração Fiscal, antecipou-se ao envio do relatório de inspecção tributária (que só ocorreu com a notificação da Reclamante a 19 de janeiro de 2016), e procedeu à notificação das liquidações a 30 de Dezembro de 2015 tendo por base a liquidação do imposto de IVA do ano de 2011 no que concerne às liquidações n.º 2015 15101703; 2015 15101704; e 2015 15101706; e às demais a 17 de janeiro de 2016; 94. Estes actos inseridos no procedimento inspetivo, quando omitidos constituem preterição de formalidade legal; 95. O que ocorreu neste processo é que a Administração Fiscal, procedeu à liquidação do imposto servindo-se para tal dos elementos do relatório da Inspecção antes mesmo de tal relatório ser do conhecimento do administrado. 96. O RCIPT remete para o CPPT e para a LGT, quanto ao modo de tramitação e efeitos da notificação. 97. O artigo 36º do CPPT, bem como o 77º nº6 da LGT, estipulam que em matéria tributária os actos que afectem os direitos e interesses dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhe sejam validamente notificados. 98. A falta de notificação de relatório retira-lhe a sua eficácia em relação ao acto principal da liquidação, ou seja, a preterição desta formalidade inquina as liquidações em causa. 99. A sentença proferida pela Tribunal a quo incorre em erro de julgamento em matéria de direito ao desconsiderar a preterição de formalidades essenciais invocada quanto à falta de notificação de actos administrativos em matéria tributária. 100. A desconsideração das faturas emitidas pela S… e A… apenas poderia ter sido realizado pelo recurso aos métodos indirectos. 101.Tal realidade é prontamente evidenciada pela AT no Relatório de Inspecção Tributaria ao se considerar que existem factos evidentes que indicam que a futuras emitidas pela “S…” e a “A…” não correspondem, pelo menos na sua totalidade a serviços efetivamente prestados. 102. A Autoridade Tributária AT não levou a cabo nenhum procedimento externo para aferir se os serviços a que se reporta a facturação da S... e A... foram efectivamente prestados. 103. Não obstante, considerar a Autoridade Tributária que pelo menos parte daqueles serviços foram prestados pela S... e A..., não os quantificou, desconsidera a totalidade da facturação; 104. Este desiderato jamais poderia conduzir à avaliação da matéria colectável por métodos directos, tanto mais que as facturas da S... e A..., estão devidamente contabilizadas. 105. É manifesta a violação do direito ao procedimento de revisão da matéria colectável, em estrita violação do art.º 91 LGT uma vez que na presente situação não restava alternativa à AT que não fosse a de se socorrer à avaliação da matéria colectável por métodos indirectos nos termos do art.º 87 LGT 106. É desiderato constitucionalmente consagrado, o de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CRP). 107.O princípio da igualdade, evidenciado, desde logo, nos n.ºs 1 e 2 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material. 108. O recurso aos meios de avaliação da matéria colectável não é discricionário, estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização. 109.O nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação direta ou, não existindo, nos termos assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indireta. 110. Nas correções por métodos diretos, a AT não pode fundar os seus raciocínios em presunções, ou seja, não pode extrair de um facto conhecido um facto desconhecido. 111. O método presuntivo é, sim, próprio da tributação por recurso a métodos indiretos. 112.Não obstante considerar que pelo menos parte dos serviços foram prestados pela S…, e A... a Autoridade Tributária não os quantifica, desconsiderando a totalidade da facturação. 113.Este uso de uma presunção, como ocorreu in casu, implica que não se esteja perante a aplicação de métodos diretos de correção da matéria coletável, estando sim a mesma a ser indiretamente corrigida. 114. Como foi indiretamente corrigida, mas de forma não assumida – uma vez que a AT reputou as correções em causa como correções técnicas –, não foram seguidos os procedimentos atinentes à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, já sumariamente explanados supra. 115. O Tribunal a quo, menosprezou que para que se pudesse falar na correção através de métodos diretos, em casos como o dos autos, cumpria à Autoridade Tributária efetuar diligências adicionais por forma a caraterizar e quantificar, com a certeza que tem de estar inerente a esta metodologia corretiva, os bens e serviços inerentes a tais fluxos e respetivos clientes, o que não ocorreu. 116. Face à circunstância de a AT ter partido de uma presunção para fixar a matéria coletável e, não obstante, ter considerado estar-se perante a aplicação de métodos diretos, existe a montante um vício do procedimento. 117. Essa distribuição do ónus da prova apenas relevaria se os métodos aplicados, diretos ou indiretos, o tivessem sido nos termos legalmente prescritos, o que, como vimos, não ocorreu. 118.O Tribunal a quo violou o disposto no art.º 74.º da LGT e no art.º 342.º do Código Civil. violando o princípio da verdade material. 119. Todo este quadro procedimental fere de ilegalidade os atos tributários dali resultantes. 120. Não tendo a AT seguido o procedimento nos termos exigidos, foi a própria AT quem se colocou na posição de impedir a aferição da verdade material. 121.A AT parte de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, sem que nunca tenha feito quaisquer diligências junto dos sujeitos que terão estado na origem do influxo dos valores em causa. - fabricas 122. Como tal, a AT não fez correções através de métodos diretos, mas sim através de presunções, mas sem que tenha levado a cabo o procedimento atinente à determinação da matéria coletável por métodos indiretos, circunstância que fere de ilegalidade as liquidações daí resultantes 123. As presunções utilizadas para cálculo das correções técnicas da avaliação direta em que as liquidações se basearam contrariam o artigo 83 n.º 2 da LGT. 124.Esta ilegalidade terá que conduzir à revogação da sentença do Tribunal a quo, e à anulação dos atos tributários de liquidação da facturação da S… e A... 125.O Tribunal a quo parte de uma premissa errada para afastar o art.º 21 n.º 1 da Sexta Directiva 77/388 CEE do Conselho de 17 de maio de 1977, ao assumir liminarmente por falsa a facturação emitida à ora Recorrente pelas empresas S… LDA e A... LDA. 126. Refutando a ora Recorrente tal argumentação nos termos supra expostos, não pode deixar in caso de ter aplicação os termos do Acórdão do TJCE de 1/4/2004, Processo n.º C-90/02 ao prever que: 127. Quanto ao princípio do inquisitório, previsto no artigo 58.º da LGT, postula que a administração tributária deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido 128.Este princípio tem assento constitucional (cfr. artigo 266.º da CRP) e encontra-se inscrito em várias normas que regem a atividade administrativa, designadamente e para além do citado artigo 6.º do RCPITA, nos artigos 13.º do CPPT, 55.º, 59.º, 63.º/1 e 99.º da LGT, bem como os artigos 58.º, 115.º e segs.. do CPA. 129. No procedimento tributário, a iniciativa da procura da verdade material pertence à própria administração tributária, mesmo nos casos em que os pedidos dos contribuintes fiquem aquém das diligências necessárias ao apuramento real dos factos e da aplicação do direito. 130.Este princípio fundamenta-se na obrigação de a administração prosseguir o interesse público (artigo 266º/1 da CRP e artigo 55º da LGT), assim como no dever de imparcialidade da actuação administrativa (266º/2 da CRP e artigo 55º da LGT) que a par dos restantes princípios constitucionais a que os órgão administrativos estão subordinados integram as designadas 131. Por força da aplicação deste princípio, a administração tributária não tem de aguardar pela iniciativa do interessado, devendo, pelos seus próprios meios e determinação, realizar as diligências necessárias para averiguação da verdade factual em que deve assentar a sua decisão. Isto mesmo que estejam em causa factos contrários aos interesses patrimoniais do credor tributário. 132.O princípio do inquisitório e da busca da verdade material é uma decorrência do princípio da legalidade. Os direitos dos contribuintes e do credor tributário derivam directamente da lei e dos factos a que esta se aplica. 133. A administração tributária está vinculada à busca desses factos e dos direitos que deles derivam, sendo os procedimentos apenas o instrumento para os declarar. Ac. do TCAS n.º 08843/15 de 22-10-2015 134. O procedimento tributário de inspecção visa, como não podia deixar de ser, como sucede em qualquer procedimento administrativo, a descoberta da verdade material. 135. O procedimento de inspecção, à semelhança de qualquer outro procedimento administrativo, tem de ser considerado como um instrumento que garanta e assegure o efectivo respeito pelos direitos fundamentais e garantias dos contribuintes por parte da Administração Tributária. 136. Uma das formas de efectivar e concretizar este respeito pelos direitos e garantias dos contribuintes é através do princípio da verdade material, enquanto concretizador dos princípios da prossecução do interesse público e da igualdade. 137.O princípio da verdade material está consagrado no art.º 6, do R.C.P.I.T., e impõe que a Administração Tributária, no âmbito do procedimento de inspecção, procure recolher os elementos probatórios que possibilitem mais tarde fundamentar o acto tributário que venha a ser praticado. 138. Trata-se de investigar e apurar o correcto cumprimento das obrigações fiscais pelos sujeitos passivos e, com base nessa investigação, recolher elementos que permitam apurar a eventual existência de irregularidades. 139.O princípio da verdade material fixa aquele que deve ser o objectivo do procedimento inspetivo - a descoberta da verdade material. 140. Este princípio é uma concretização do examinado princípio do inquisitório (enunciado no artº. 58, da L.G.T., como princípio geral do procedimento tributário), sendo postulado pela natureza pública e indisponível da relação jurídico-tributária, assim abrangendo, por isso, os seus elementos de facto. 141. Importa salientar que este dever de inquisitório se situa a montante do ónus da prova, por isso não é possível afirmar que a AT cumpriu o ónus da prova a seu cargo quando não haja, sequer, realizado as diligências probatórias que o dever de inquisitório e de descoberta da verdade material lhe impunham. 142. Ao se desconsiderar a totalidade da facturação da S… e A… a AT considerou que:, pelo menos na sua totalidade tais futuras não correspondem a serviços efetivamente prestados; 143. A AT não procedeu a todas as diligências instrutórias que se impunha realizar, não encetando quaisquer diligencias junto da S… no sentido de apurar se os serviços titulados nas facturas foram efectivamente prestados. 144.Era necessária a realização de outras diligências instrutórias, nomeadamente as que já especificámos (sem prejuízo de outras), para adequado apuramento da verdade material. 145. A inobservância deste princípio configura um vício procedimental, de violação de lei, que fere de ilegalidade o ato final do procedimento, devendo ser ser revogada a sentença do Tribunal a quo procedendo-se à anulação dos atos tributários de liquidação nas correções da facturação da S… e A… 146. A inspecção tributaria suportou as suas conclusões, em diligências probatórias de testemunhas cuja sua inquirição deu azo à formalização de autos de declarações. 147. O Relatório de Inspecção Tributária transcreve excertos das inquirições das testemunhas M… e F… - como se tais documentos lhes tivessem sido anexados; 148. Os referidos autos de declarações não fazem parte integrante do Relatório de Inspecção Tributária, e como tal não foram notificadas, nem são do conhecimento da ora Recorrente. 149. A Recorrente jamais invocou, nem faria sentido invocar - tal como referido na Sentença proferida pelo Tribunal a quo - que os depoimentos resultantes da inquirição das testemunhas M… e F… são os únicos elementos de prova apurados pela AT e que sustentam os argumentos tecidos no RIT que levaram às liquidações adicionais de IVA. 150. A Recorrente apenas se insurgiu contra o facto de não ter sido notificada de toda a prova documental em que se suportou a AT para formalizar a sua convicção quanto aos alegados indícios de facturação falsa. 151. Tais documentos por virtude do princípio do contraditório, tinham de ser integralmente notificados à outra parte, ora Recorrente, para que lhe fosse possível exercer adequadamente o respetivo direito do contraditório, o que não ocorreu, na mais completa violação do artigo 9 e 98 da Lei Geral Tributária, em que as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa. 152. A Recorrente, tinha direito de verificar na integra os autos de inquirição das referidas testemunhas, bem como contextualizar o sentido das declarações que foram por estas prestadas afim da aferir da sua valoração e eventual contradição com a tese da AT que imputou de falsas as facturas emitidas pela S… E A…. 153.A recorrente não pode conformar-se com o entendimento constante da decisão recorrida, e isto, porque os Relatórios de Inspeção Tributária possuindo simultaneamente natureza jurídica de informações oficiais - artigo 111° do CPPT e de elementos de prova oriundo da parte processual Fazenda Pública, levaram a que seja obrigatória a notificação do seu integral teor, nos termos do artigo 115°, n° 3 do CPPT 154.Tais elementos probatórios, porque invocados no Relatório de Inspecção Tributaria, por virtude do princípio do contraditório tinham e têm que ser integralmente notificados à outra parte, ou seja, à Recorrente, para que lhe fosse possível exercer adequadamente o respectivo direito do contraditório. 155. Em conformidade com o artigo 98 da Lei Geral Tributária, as partes dispõem no processo tributário de iguais faculdades e meios de defesa, de acordo com o princípio da igualdade processual em sintonia com os artigos 13° e 20° da Constituição da Republica Portuguesa. 156. A dimensão substancial do princípio da igualdade processual consagrado no artigo 98° da Lei Geral Tributária rejeita a possibilidade de atribuição à Autoridade Tributária e Aduaneira de privilégio probatório na instrução do processo, ou seja, a uma posição de superioridade probatória em relação à ora Recorrente. 157. Não podendo os factos serem considerados provados com base em prova inexistente nos próprios autos. 158. O relatório final elaborado no termo do procedimento de inspecção deve ser notificado ao contribuinte acompanhado dos devidos elementos de prova apurados pela AT e que sustentam a liquidação subsequente; 159. Tal circunstancialismo impossibilitou a ora Recorrente de participar e contraditar tais elementos probatórios, pelo que ocorreu o vício de forma de preterição de formalidade essencial, que inquinam as posteriores liquidações. - Normas jurídicas violadas • art.º 9 n.º 1, 58, 74, 77, 87, 91, 58, 63, 60 n.º 1 al. a), 74 e 91 LGT • art.º 6 e 8 RCPIT • art.º 36, 125 n.º 1 CPPT • art.º 125 n.º 1 CPA • art.º 266, 268 CRP Nestes termos nos demais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores deve ser parcialmente revogada a douta sentença do Tribunal a quo, na parte em que julgou improcedente o pedido de anulação das liquidações adicionais de IVA, referentes aos anos de 2010 (circunscrito ao 3.º período) 2011 e 2012, julgando-se procedente por provada a impugnação judicial da Recorrente, contra o despacho de indeferimento expresso do procedimento de reclamação graciosa, anulando-se consequentemente os respectivos actos de liquidações adicionais do Imposto sobre o Valor Acrescentado nos termos supra expostos;». «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» «Imagem texto no original» ». A Recorrente impugna os factos julgados «não provados», que, a seu ver, face à prova produzida, deveriam ser dados como provados. Quanto ao facto 1. da matéria «não provada» - “As faturas emitidas pelas sociedades “S…, Lda.” e “A…, Lda.” correspondem aos serviços prestados e nelas descritos” - considera-se o mesmo não escrito (art.º 646/4 do CPC/61), pois não consubstancia qualquer facto, mas uma conclusão a extrair de factos instrumentais, e apenas factos concretos podem integrar a selecção da matéria de facto relevante para a decisão (cf. art.º 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC). Quanto ao facto 2. da matéria «não provada» - “Existem contratos de prestação de serviços ou de subempreitada celebrados entre a Impugnante e as sociedades “S…, Lda.” e “A…, Lda.” – a verdade é que a Recorrente não apresenta quaisquer documentos que titulem esses alegados contratos, não podendo a convicção do tribunal formar-se unicamente com base em referências genéricas que se colhem do depoimento de duas testemunhas, que nunca relacionaram concretas facturas a concretos contratos. Quanto ao facto 3. da matéria «não provada» - “A Impugnante prestou serviços à S… – C… E CIMENTO, S.A, nos exercícios de 2011 e 2012, ao abrigo de contratos de empreitada (artigo 77.º da petição inicial)” – a Recorrente insiste que nem no relatório de inspecção tributária foi posto em causa que a impugnante tenha prestado serviços à S… naqueles anos de 2011 e 2012. É facto que em nenhum ponto do relatório se questiona que a impugnante tenha prestado serviços à S…, mas em bom rigor tal não conflitua com o facto dado como «não provado», pois o que dele se retira é que a impugnante não prestou serviço à S… naqueles períodos ao abrigo dos contratos de empreitada que a impugnante juntou aos autos. O que não permite extrair que de todo não tenha prestado serviços à S…, apenas que terá efectuado uma prestação de serviços diferenciada, que não corresponde à execução daqueles contratos de empreitada, directamente ou por subcontratação das empresas “S…” e “A…”, daí a falta de registos de movimentos de entrada de trabalhadores da impugnante e desses emitentes nas instalações da S… já no domínio operante da plataforma G… (cf. ponto JJ) do probatório). Tudo visto, considera-se não escrito o ponto 1. da matéria «não provada» e mantêm-se os seus pontos 2. e 3., por não ter sido produzida prova que imponha decisão diversa da que foi proferida. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Estabilizado o probatório, avancemos na apreciação das demais questões do recurso. A Recorrente invoca nulidade da sentença por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão. Tal causa de nulidade está expressamente prevista no art.º 615/1 alínea b) do CPC, com correspondência no art.º 125/1 do CPPT. Como a jurisprudência dos tribunais superiores repetidamente o tem afirmado, a fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador (artigos 607/4 do CPC e 123/2 do CPPT), devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal. Como também é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores, de que faz eco o ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2021, tirado no proc.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, «A nulidade contemplada nesse preceito [art.º 615/1/b) do CPC] ocorre quando não se especifiquem os fundamentos de facto e de direito em que se funda da decisão, impondo-se por razões de ordem substancial, cumprindo ao juiz demonstrar que da norma geral e abstracta soube extrair a disciplina ajustada ao caso concreto, e de ordem prática, posto que as partes precisão de conhecer os motivos da decisão, em particular a parte vencida, a fim de, sendo admissível o recurso, poder impugnar o respectivo fundamento. Esse dever de fundamentação, causa de nulidade da sentença, respeita à falta absoluta de fundamentação, como dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, p. 687, ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”. Como já afirmava o Prof. Alberto os Reis, ob. citada, pág. 140, “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”. No mesmo sentido constitui jurisprudência pacifica e reiterada deste Supremo Tribunal de Justiça (…) que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente» (fim de cit.). Ora, a sentença recorrida não enferma de falta absoluta de fundamentação, nem sequer de insuficiente ou deficiente fundamentação porque o Mmº juiz a quo fez uma enunciação exaustiva dos factos que considerou provados, indicando o meio de prova que os sustenta, bem como refere os factos que julgou «não provados», tendo procedido a uma análise crítica da prova documental e testemunhal e especificado os fundamentos que foram decisivos na formação da sua convicção. Não tolhe a apreciação critica da prova, a circunstância de o Mmº juiz a quo ter feito transcrição exaustiva do relatório final de inspecção tributária na alínea L) dos factos provados, sem dele destacar a matéria estritamente relevante para os autos e que factualidade relatada eventualmente se teve por infirmada face à prova produzida nos autos. Com efeito, o que se dá como assente naquele ponto L) do probatório é unicamente o conteúdo do relatório final de inspecção tributária, o que consta desse documento, mas não se dá como provado qualquer facto nele descrito e eventualmente impugnado, e só neste caso se imporia ao juiz fazer uma apreciação e valoração crítica da prova, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência e no respeito da prova legal (art.º 607/5 do CPC). Improcede a arguida nulidade da sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão. Enfrentemos agora a questão da preterição de formalidades essenciais invalidantes da liquidação. Alega a Recorrente que à revelia das formalidades legais do procedimento de inspecção tributária e de liquidação, a administração tributária procedeu à notificação das liquidações de IVA referenciadas ao ano de 2011 – liquidações n.º 2015 15101703, n.º 2015 15101704 e 2015 15101706 – em 30 de Dezembro de 2015 e à notificação das demais liquidações fundadas na acção inspectiva, em 17 de Janeiro de 2016, sem que antes lhe tivesse sido efectuada a notificação do competente relatório final de inspecção tributária, de que apenas foi notificado em 19 de Janeiro de 2016. Importará reter o que se deixou vertido no ponto V. do probatório: «O relatório de inspecção tributária foi enviado à Impugnante em 18.12.2015, através do ofício n° 29130, por carta registada com aviso de recepção (RM 978415773 PT) devolvida com a aposição da menção “objecto não reclamado” e reenviado através do ofício 513, de 11.01.2016, por carta regista com aviso de recepção (RM 978350220PT), assinado a 19.01.2016 (cf. fls. 313 a 318 do SITAF)». Como também importará reter que, conforme consta do relatório de inspecção tributária na parte respeitante a «AUDIÇÃO PRÉVIA» (transcrito no probatório), «O contribuinte foi notificado do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária, nos termos previstos no artigo 60.° da Lei Geral Tributária e artigo 60.° do Regime Complementar do Procedimento da Inspecção Tributária para, no prazo de 15 dias exercer o direito de audição conforme ofício n.° 26642 de 11-11- 2015…, que foi recebido pessoalmente pelo sócio-gerente Joaquim Carlos Gonçalves Rodrigues, na mesma data, de acordo com o termo de diligência. No decurso do prazo para o exercício do direito de audição, o sujeito passivo apresentou, em 25-11- 2015, requerimento onde solicitou a prorrogação para o exercício desse direito, sob pena de não ser possível exercer, no prazo inicialmente fixado, o seu direito de participação e de defesa, face â complexidade do projecto de conclusões do relatório (anexo 37), tendo o mesmo sido concedido por despacho de 27-11-2015. (anexo 38) Face ao teor do projecto de relatório, o direito de audição foi exercido em 09-12-2015 (…)». Isso assente, dispunha à data o n.º1 do art.º 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária e Aduaneira (RCPITA): «Concluída a prática de actos de inspecção e caso os mesmos possam originar actos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspeccionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projecto de conclusões do relatório, com a identificação desses actos e a sua fundamentação». E estabelecia o art.º 62.º do mesmo diploma: «Artigo 62.º Conclusão do procedimento de inspecção 1 - Para conclusão do procedimento de comprovação e verificação é elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária. 2 - O relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada nos 10 dias posteriores ao termo do prazo referido no n.º 4 do artigo 60.º, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação. 3 - O relatório deve conter, tendo em atenção a dimensão e complexidade da entidade inspeccionada, os seguintes elementos: a) Identificação da entidade inspeccionada, designadamente denominação social, número de identificação fiscal, local da sede e serviço local a que pertence; b) Menção das alterações a efectuar aos dados constantes dos ficheiros da administração tributária; c) Data do início e do fim dos actos de inspecção e das interrupções ou suspensões verificadas; d) Âmbito e extensão do procedimento; e) Descrição dos motivos que deram origem ao procedimento, com a indicação do número da ordem de serviço ou do despacho que o motivou; f) Informações complementares, incluindo os principais devedores dos sujeitos passivos e dos responsáveis solidários ou subsidiários pelos tributos em falta; g) Descrição dos factos susceptíveis de fundamentar qualquer tipo de responsabilidade solidária ou subsidiária; h) Acréscimos patrimoniais injustificados ou despesas desproporcionadas efectuadas pelo sujeito passivo ou obrigado tributário no período a que se reporta a inspecção; i) Descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas; j) Indicação das infracções verificadas, dos autos de notícia levantados e dos documentos de correcção emitidos; l) Descrição sucinta dos resultados dos actos de inspecção e propostas formuladas; m) Identificação dos funcionários que o subscreveram, com menção do nome, categoria e número profissional; n) Outros elementos relevantes. 4 – (…)». Pois bem, como se alcança do probatório, o princípio estruturante da participação ou do contraditório em processo tributário, foi cumprido, na medida em que o contribuinte foi notificado do projecto de conclusões do relatório para audição prévia e exerceu esse direito (cf. art.º 60.º, n.º 1 alínea e) e n.º 3, da LGT). Por aqui, não ocorre no procedimento qualquer preterição de formalidade invalidante. E ocorrerá falta de fundamentação das liquidações originadas na acção inspectiva? A resposta, a nosso ver, é negativa. Com efeito, se bem vemos, o relatório final de inspecção tributária, previsto no art.º 62.º do RCPITA, estrutura-se como o acto do procedimento que contém a fundamentação das liquidações resultantes da acção inspectiva. E, a ser assim, não pode sustentar-se que as liquidações padeçam de falta de fundamentação, bastando para tanto atentar na matéria do relatório vertida no ponto L) do probatório, que permitem a qualquer destinatário médio compreender as razões de facto e de direito que motivaram a decisão correctiva, sendo certo que o relatório definitivo contém as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, cumprindo a exigência do n.º 2 do art.º 77.º da Lei Geral Tributária. É certo que na leitura da Recorrente, que aliás foi aquela que o Mmº juiz a quo também fez, a notificação das liquidações precedeu a notificação do relatório final. No entanto, essa circunstância não comporta qualquer vício de forma ou formalidade invalidante das liquidações, porque a fundamentação existe, pode é não ter sido comunicada ao contribuinte. Mas a ser assim, ao contribuinte, confrontado com a notificação das liquidações, cabia lançar mão da faculdade prevista no art.º 37.º do CPPT, que estabelece: «Artigo 37.º Comunicação ou notificação insuficiente 1 - Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento. 2 - Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida. 3 – (…)». Ou seja, lançando mão desta faculdade, o contribuinte não vê minguada qualquer das suas garantias processuais, seja no acesso à impugnação administrativa, seja no acesso à impugnação contenciosa, que é, no fundo, o que importa acautelar – uma defesa esclarecida (cf. art.º 20.º da CRP). Neste modo de ver, forçoso é concluir que a alegada circunstância de a Recorrente ter sido notificada das liquidações fundadas na acção inspectiva com anterioridade à notificação do relatório final de inspecção tributária, não constitui vício de forma ou formalidade invalidante das liquidações, nomeadamente, por falta de fundamentação, cabendo ao contribuinte, em tal situação, lançar mão da faculdade prevista no art.º 37.º do CPPT sem que tal redunde em qualquer prejuízo para as suas garantias de defesa, legal e constitucionalmente estabelecidas. Se bem interpretamos, foi também esta a linha decisória do acórdão arbitral de 29/03/2023, proferido no Processo nº 98/2022-T, em que se deixou consignado, a propósito da questão em análise: « - Falta de notificação do Relatório Final da Inspeção: Resultou provado nos autos que o Relatório Final, elaborado após a apreciação do direito de audição prévia da Requerente, lhe foi notificado por ofícios da Direção de Finanças de Lisboa, remetidos por via postal na mesma data, ambos sujeitos a registo, a seguir identificados: (…) Sem prejuízo, sempre se concordaria que uma eventual irregularidade na notificação do RIT não afetaria a participação da Requerente no procedimento, como não afetou, tendo esta sido exercida pela Requerente através da sua Audição Prévia e correspondente apreciação em sede de RIT. E sempre cumpriria ter em atenção o disposto no artigo 37.º do CPPT, nºs 1 e 2, do CPPT: (…) Ou seja, “faltando” a Relatório definitivo, que contém a fundamentação das liquidações impugnadas, caberia à Requerente o ónus de diligenciar pelo seu envio. O mesmo é dizer que, mesmo existindo omissão da notificação do RIT definitivo, o que não é o caso, tal nunca seria razão invalidante das liquidações impugnadas». Improcede, pelas indicadas razões, este segmento do recurso. Outrossim, pretende a Recorrente que a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir que a administração tributária recolheu indícios seguros e credíveis de que as facturas contabilizadas dos emitentes … (2010, 2011 e 2012) e A… (2012) não correspondem a reais e efectivas operações económicas, razão por que veio a corrigir o IVA nelas liquidado e relativamente ao qual a impugnante exerceu o direito à dedução. Como tem sido realçado, reiterada e uniformemente, pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente por este Tribunal Central Administrativo, quando a Administração tributária desconsidera as facturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova do art.º74.º da LGT, competindo à Administração fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação, ou seja, de que existem indícios sérios de que as operações constantes das facturas não correspondem à realidade. Feita esta prova, e só então, passa a recair sobre o sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção – vd., entre muitos outros, os acórdãos do STA, de 20/11/2002, proc.º 01483/02 e do TCA Norte de 24-01-2008, processo n.º 01834/04 Viseu, de 24-01-2008, processo n.º 2887/04 Viseu, de 27-01-2011, processo n.º 455/05.7BEPNF e de 18-03-2011, processo n.º 456/05BEPNF. Assim sendo, importa analisar se a Administração tributária fez a prova que lhe competia da verificação de indícios que permitem concluir que às facturas da S… e A… contabilizadas pela impugnante, ora Recorrente, não subjazem as operações que, alegadamente, teriam implicado a respectiva emissão. Tenha-se em conta, como também é aceite, que não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” – cfr. Alberto Xavier, “Conceito e Natureza do Acto Tributário”, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o acórdão do TCAN, de 26/04/12 (processo nº 00964/06.0 BEPRT). Ou seja, a Administração Tributária não tem que demonstrar a falsidade das facturas, bastando-lhe evidenciar a consistência desse juízo (Acórdão do STA de 27/10/04, Processo 810/04), invocando factos que traduzem uma probabilidade elevada de as operações referidas nas facturas serem simuladas, probabilidade elevada capaz de abalar a presunção legal de veracidade das declarações dos contribuintes e dos dados constantes da sua contabilidade – artigos 78.º do CPT e 75º da LGT. Os indícios são definidos por João de Castro Mendes como aqueles factos que “permitem concluir pela verificação ou não verificação de outros factos, em virtude de leis naturais conhecidas pelos homens e que funcionam como máximas de experiência” - citado por Saldanha Sanches, “A Quantificação da Obrigação Tributária”, 2ª edição, pág. 311. Nesta tarefa e como é salientado no Acórdão do TCA Norte de 28/02/2013, proferido no proc.º00383/08.4BEBRG, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado, revelando-se, até, a fiscalização cruzada, um procedimento crucial no combate à fraude e evasão fiscais. Vertendo aos autos os considerandos doutrinais e jurisprudenciais expostos, constata-se que a AT recolheu indicadores de falsidade das facturas com relação aos sujeitos passivos emitentes, bem como indicadores reportados à concreta relação dos emitentes com o utilizador, no caso, a impugnante, destacando-se dos mencionados no RIT, os seguintes: a) Facturas emitidas sem os requisitos exigidos no n.º 5 do art.º 36.º do CIVA, não se encontrando especificados os serviços facturados e respectiva quantificação; b) Pagamento das facturas em numerário, não permitindo identificar o beneficiário/ destinatário efectivo desses pagamentos, comprometendo uma credível conciliação dos pagamentos com os valores facturados; c) Utilização para pagamento de facturas de cheques ao portador levantados ao balcão por funcionários da impugnante, ou dos emitentes, S… ou A…; d) Não existem contratos, orçamentos, autos de medição referenciados aos serviços facturados, nem quaisquer outros elementos extra contabilísticos de controlo da execução da obra; e) No caso particular do emitente A…, iniciou actividade em 01/0472012 e cessou em 30/09/2012; f) Pagamentos ao emitente em valor superior ao facturado; g) Existem cheques emitidos ao portador levantados pelos sócio C… ou por funcionários da impugnante R…. h) Falta de estrutura empresarial dos emitentes para os serviços facturados (inexistência de trabalhadores e bens de equipamento ou outros susceptíveis de serem utilizados na actividade); i) Os identificados emitentes contabilizam facturas de outras entidades em situação fiscal irregular. Os factos descritos constituem, na sua globalidade, indicadores sérios e credíveis de que as facturas emitidas por S… e A… não representam reais e efectivas operações. A partir daqui, cabia à impugnante/ recorrente demonstrar mediante prova positiva e concludente que, não obstante os indícios de falsidade, as facturas que lhe foram emitidas por S… e A… correspondem a reais e efectivas operações económicas. Sucede, todavia, que não há no probatório quaisquer factos que permitam concluir pela efectividade dos serviços facturados, como não há nos autos elementos de prova que permitam referenciar pagamentos a facturas; no caso concreto da alocação de trabalhadores das subcontratadas S… e A… ao cliente S…, embora os depoimentos refiram, em desacordo com o relatado no RIT, que havia registo dos movimentos de entrada e de saída desses trabalhadores na unidade fabril, a verdade é que nada de concreto foi evidenciado, nomeadamente, não foi ensaiada qualquer conciliação entre as operações descritas nas facturas daqueles emitentes e os movimentos de entrada e saída dos seus trabalhadores da unidade fabril do cliente, que então representava cerca de 90% do volume de facturação da impugnante . Outrossim, refere a recorrente que a AT teria cumprido muito deficientemente o princípio do inquisitório a que está adstrita nos termos do disposto no art.º 58.º da LGT. Porém, este dever do inquisitório não pode, nem deve, ser dissociado do regime de repartição do ónus da prova estabelecido no art.º 74/1 da mesma LGT e que em matéria de facturação falsa é o que acima deixamos enunciado. E, como dissemos, o acervo de factos indiciantes descritos no relatório de inspecção tributária mostra-se fundado e suporta o juízo conclusivo que dele extraiu a AT quanto à existência de facturação falsa, isto é, que não tem subjacente reais e efectivas operações económicas ou aquelas operações que descreve como titulando. E não representa qualquer contra-senso a AT admitir no procedimento que a impugnante até teria fornecido a clientes seus, pelo menos, em parte, serviços titulados por facturas da S… e A…, pois recorrentemente, é isso mesmo que se passa, as facturas falsas servirem para a cobertura de operações reais de terceiros não emitentes, que por via deste expediente se furtam à declaração dos correspondentes proveitos. Acresce que admitir a AT que a S… e a A… tenham efectuado “alguns serviços” à impugnante, ora Recorrente, não envolve para a AT o ónus acrescido de determinar e identificar que operações facturadas correspondem afinal a operações reais. Posta fundadamente em crise a credibilidade dos elementos declarativos e de contabilidade da impugnante (art.º 75/2 da LGT), sobre esta passa a recair o ónus de demonstrar a realidade das operações facturadas pela S… e A… que a AT desconsiderou para efeitos fiscais, posto que se arroga o direito à dedução do IVA mencionado em facturas que contabilizou daqueles emitentes (artigos 74/1 da LGT e 341.º e 342/1 do Código Civil). Cumprirá também dizer, porque a Recorrente aflora tal questão na perspectiva da directiva constitucional da tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real (art.º 104/2 da CRP), que a desconsideração de facturas contabilizadas pelo utilizador não envolve, necessariamente, o recurso a métodos indirectos quando os títulos de despesa não aceites para efeitos de dedutibilidade possibilitem apurar com base certa os elementos essenciais do imposto e sua quantificação, que é o caso. O IVA cuja dedutibilidade não foi aceite pela AT é o mencionado nas facturas contabilizadas dos emitentes S… e A… que supostamente não têm subjacente operações reais e que serviram de título (documento de despesa) para o utilizador exercer o seu direito de crédito sobre o Estado. Assim, e salvo o devido respeito, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, a AT não lançou mão de métodos indirectos na determinação da matéria tributável do imposto (artigos 83/2 e 85.º da LGT), nem tinha de o fazer. A circunstância de se ter admitido no RIT a possibilidade de existirem serviços efectivamente prestados pela S… e A… à impugnante não se mostra incongruente com a desconsideração da globalidade das facturas contabilizadas desses emitentes porque foi fundadamente posta em crise a credibilidade e fiabilidade desses títulos como suporte documental de operações reais. E, assim sendo, era à impugnante – que se arroga o direito à dedução do imposto sem que se possa privilegiar de qualquer presunção legal de veracidade declarativa ou documental (art.º 75.º, n.º 1 e 2 da LGT) – que competia demonstrar a materialidade das operações supostamente representadas por tais títulos, o que não logrou fazer. Não ocorrem pois, no procedimento, os apontados vícios de forma e de fundo, nomeadamente, por preterição do inquisitório e da verdade material na determinação da materialidade das operações descritas nas facturas desconsideradas (art.º 58.º da LGT), como não ocorre qualquer ilegalidade por utilização disfarçada de métodos indirectos no apuramento da matéria tributável do imposto (art.º 81/1, 83/2 e 85.º da LGT), nem ocorre violação do critério legal de repartição do ónus da prova em matéria de facturação fictícia (artigos 74/1 e 75, n.ºs 1 e 2, alínea a) da LGT). Por último, pretende a Recorrente que, com prejuízo da sua defesa tutelada constitucionalmente, se viu impossibilitada de contraditar elementos de prova, na medida em que o relatório de inspecção tributária transcreve excertos de inquirições das testemunhas M… e F…, cujo auto de declarações não integra o relatório. Todavia, não tem razão, porquanto, tais elementos de prova foram recolhidos no âmbito de uma precedente acção inspectiva levada a efeito ao emitente “S…, LDA.”, não se trata de elementos de prova recolhidos na acção inspectiva a que foi sujeita a impugnante, ora recorrente, disso mesmo dando a conta a sentença recorrida, em termos que acompanhamos integralmente: «Contrariamente ao alegado pela Impugnante, os depoimentos em causa não são os elementos de prova apurados pela AT e que sustentam as liquidações adicionais de IVA, mas, apenas, um dos elementos que serviu de base ao apuramento dos factos que sustentaram a abertura do procedimento de inspecção à Impugnante. Os factos e elementos de prova, que sustentam as correcções efectuadas em sede de IVA, apurados pelos serviços de inspecção no âmbito do procedimento inspectivo à Impugnante, encontram-se amplamente analisados no ponto III. 1. do RIT (cf. alínea L) do probatório). Trata-se dos registos contabilísticos da Impugnante e elementos de suporte, designadamente as facturas emitidas à Impugnante, os pagamentos e documentos comprovativos, como cheques, e informação prestada pelas entidades bancárias, o depoimento de N…, sócio-gerente da “A…, Lda”, (anexo 20 do RIT).». E, acrescentamos nós, sobre a prova recolhida na acção inspectiva a que foi sujeita a impugnante e os factos dela extraídos, a recorrente teve oportunidade de se pronunciar e contraditar em sede de audição prévia sobre o projecto de conclusões do relatório, não se vendo que tenha sido coarctado qualquer dimensão do direito de defesa constitucionalmente tutelado. A sentença recorrida não padece de nulidade, nem incorreu nos erros de julgamento, de facto e de direito, que lhe são apontados, merecendo ser inteiramente confirmada. O recurso não merece provimento. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Susana Barreto ________________________________ Jorge Cortês |