Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:281/14.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:11/10/2022
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO
AMBIGUIDADE DA DECISÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CASH POOLING/ IS
Sumário:I - A nulidade de uma decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença; daquilo que se trata é de um vício lógico da sentença/acórdão.

II - Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado.

III - A nulidade por omissão de pronúncia só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar.

IV - As operações de cash pooling estão sujeitas à tributação em imposto de selo nos termos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e verba 17.1.4 da TGIS.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO

G …………………. PORTUGAL, LDA., veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida da decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº ……………………….210, apresentada contra os atos de autoliquidação de Imposto do Selo (IS) referentes aos meses de fevereiro de 2011 a dezembro de 2012, no valor de € 463.358,37.

Finalizou as respectivas alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo:

«1.ª A sentença recorrida padece de nulidade prevista no nº1 do artigo 125º do CPPT, qual seja a oposição entre os fundamentos de facto dados por provados e a decisão, porquanto o julgamento de facto, num processo lógico, conduziria à qualificação como depósitos das transferências de excedentes de tesouraria efetuadas nos anos de 2011 e 2012, ao abrigo do contrato de centralização de tesouraria celebrado entre a ora Recorrente e a E…-2, sobre as quais se discute a incidência ou não de Imposto do Selo, tendo a sentença decidido qualificá-los como mútuos;

2.ª Com efeito, resulta do probatório da sentença que no âmbito do contrato em apreço “(…) os excedentes de tesouraria da 1.ª [a Recorrente] são canalisados para a 2.ª [a E....-2], através do seu depósito e transferência entre contas bancárias tituladas pelas partes, (…), mediante procuração passada para o efeito pela Impugnante (…)”;

3.ª Saliente-se, desde logo, que o próprio contrato de centralização de tesouraria estabelece os conceitos nele empregues, determinando que “(…) depósito significa uma transação inter-societária entre a aderente e a E…-2 pela qual a aderente disponibiliza a liquidez à E…-2 (…)” (cf. doc. n.º5 da reclamação graciosa, sublinhado nosso);

4.ª Consta ainda do probatório da sentença recorrida que ao abrigo do contrato em questão foram contratadas “(…) operações (…) de curto prazo (…)”, estipulando a cláusula 8.2 daquele contrato que “A menos que a aderente notifique a E....-2 de que uma transferência de excesso de liquidez deve ter uma qualificação diferente, essa transferência será considerada um depósito de curto prazo (…)” (cf. doc. n.º 5 da reclamação graciosa, sublinhado nosso);

5.ª Resulta, pois, evidente que as operações de transferência dos excedentes de tesouraria em crise nos autos, se tratam de depósitos;

6.ª Ora, a oneração em Selo da entidade alemã Adam …………….. só ocorreria se aquela contraísse e utilizasse um crédito em Portugal e a existência de tal facto tributário não consta em nenhum ponto do probatório;

7.ª Pese embora as transferências/operações de tesouraria descritas se rejam pela lei alemã, também à luz dos conceitos de Direito português tais operações configuram depósitos, uma vez que a Adam …………… não tem um direito a dispor de determinado montante como sucederia num crédito.

8.ª Sucede outrossim que a Recorrente tem a faculdade (e não a obrigação) de transferir fundos, dependendo o “se” e o “quantum” do seu livre arbítrio, bem como a restituição dos fundos a todo o tempo, tal como decorre da alínea C) do probatório;

9.ª Assim, resulta da alínea C) da factualidade dada como provada que a Recorrente efetuou vários depósitos junto da Adam ………….. e não ficou de modo algum provado que aquela última tivesse contraído e utilizado um crédito;

10.ª Sucede que, incompreensivelmente e em clara oposição com os fundamentos de facto da sentença, acima enunciados, o Tribunal a quo decidiu que as operações de transferências entre a conta da aderente e a conta da entidade centralizadora têm a natureza de “empréstimos”;

11.ª Em face de todo o exposto resulta, assim, evidente que os fundamentos constantes da decisão conduzem, necessariamente, a um julgamento de direito oposto ao adotado pela sentença recorrida, o que consubstancia nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 125.º do CPC;

12.ª Caso se entenda que não se verifica aquela oposição, o que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre haverá, no limite, obscuridade entre aqueles fundamentos e a decisão, que a tornam ininteligível, o que igualmente é causa de nulidade da sentença, por termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT;

13.ª Assim não se entendendo, o que apenas por cautela de patrocínio se equaciona, acresce que sempre padecerá a sentença recorrida de erro de julgamento na subsunção dos factos à norma de incidência, qual seja, a verba 17.1 da Tabela Anexa ao Código do Imposto do Selo;

14.ª De acordo com o julgamento vertido na sentença recorrida as operações em causa subsumem-se à referida verba, ou seja, o Tribunal a quo responde positivamente à questão de saber se, em concreto, tais operações consubstanciam uma operação de concessão de crédito em favor do devedor, donde resulta um o errado julgamento na subsunção dos factos à norma de incidência;

15.ª De facto, atentas as características acima referidas das transferências de excedentes de tesouraria efetuadas nos anos de 2011 e 2012, ao abrigo do contrato de centralização de tesouraria celebrado entre a ora Recorrente e a E....-2, sobre as quais se discute a incidência ou não de Imposto do Selo, dadas por provadas na sentença recorrida, só poderia o Tribunal a quo ter decidido pela qualificação daquelas como contrato de depósito e nunca como um mútuo;

16.ª A qualificação das transferências de fundos em apreço como depósitos resulta, desde logo, do próprio contrato de centralização de tesouraria que assim as caracteriza e que estabelece ainda uma presunção de que toda a transferência de excesso de liquidez se considera um depósito a curto prazo, a menos que a aderente notifique a E....-2 que aquela deve ter uma qualificação diferente (cf. cláusula 8.2 do contrato);

17.ª Também à luz dos conceitos de Direito português, e tendo presentes os artigos 1185.º, 1194º, 1205º e 1206º, do Código Civil acima citados e para onde se remete, em face das características das operações em apreço julgadas provadas, só poderia o Tribunal a quo ter qualificado aquelas operações como depósitos, mais concretamente como depósitos irregulares, e nunca como mútuos;

18.ª De facto, verifica-se que a ora Recorrente entrega à E....-2 quantias em dinheiro, respeitantes aos seus excessos de tesouraria, isto é, coisas fungíveis, devendo a última restituir à primeira dinheiro em igual quantia, tal como acontece nos depósitos irregulares (cf. artigos 1185º e 1205º, do Código Civil;

19.ª Por outro lado, afirma-se na sentença recorrida que os excedentes de tesouraria transferidos para a E....-2, consistindo em “(…) operações contratadas de curto prazo (…)”, são “(…) imediatamente exigíveis pelas entidades concedentes (…)”, o que evidencia que apesar de se estipular um prazo para o depósito, o qual é de duas semanas, nos termos do contrato (cf. cláusula 5.1, (a), do contrato, que constitui o doc. n.º 5, da reclamação graciosa), a Recorrente pode, a qualquer momento antes do termo do prazo, solicitar a restituição das quantias depositadas;

20.ª Conclui-se, pois, o prazo dos depósitos é estabelecido a favor do depositante, como é característico dos depósitos (cf. artigo 1194º do Código Civil);

21.ª Refira-se ainda que a doutrina tem estabelecido a distinção entre o mútuo e o depósito irregular a partir do critério do fim principal do contrato, ou seja, dos interesses prosseguidos pelas partes;

22.ª Assim, se a entrega do objeto é efetuada no interesse do tradens, isto é, com vista à sua guarda, ainda que acessoriamente a lei atribua ao accipiens poderes de disposição, o contrato constituirá depósito irregular, se é realizada no interesse do accipiens, com o principal intuito de que este se sirva dela, o contrato será um mútuo;

23.ª Entende-se ainda na doutrina que no depósito irregular, é o depositante quem vai entregar o dinheiro ao depositário, sem este o haver solicitado, nem dele carecer, sem prévia fixação do seu montante, enquanto no mútuo, é o mutuário quem procura o mutuante e a este solicita o empréstimo duma quantia por aquele fixada, porque desta carece;

24.ª Ora, resulta evidenciado no probatório da sentença que, no caso vertente, a iniciativa da disponibilização dos excedentes de tesouraria pertence à Recorrente e a mesma pode igualmente, a todo o momento, exigir as quantias entregues à E....-2, pelo que se conclui que o interesse predominante no negócio é o da primeira entidade e não o da utilização dos fundos por parte da E....-2;

25.ª Com efeito, a aplicação dos excedentes não depende, no presente caso, das necessidades de financiamento da E....-2 nem da sua solicitação, mas do interesse de gestão de tesouraria da Recorrente, com vista à rendibilidade do seu capital;

26.ª Deste modo, à luz do critério distintivo entre o depósito irregular e o mútuo estabelecido pela doutrina, qual seja o fim preponderante do contrato ser em benefício do tradens ou do accipiens, as transferências de fundos em apreço só podem qualificar-se como depósitos e,

não, como erradamente julgou a sentença, como mútuos;

27.ª De facto, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, porquanto o fim principal do contrato não é, ao contrário do que se decidiu na sentença, a disponibilidade dos montantes pela E....-2, mas sim a guarda das quantias depositadas pela Recorrente, para que as aplique, em conjunto com os excedentes de outras entidades do Grupo, e obtenha uma melhor rentabilidade, do que aquela que a Recorrente lograria obter se ela própria investisse aquelas quantias, restituindo-lhas, não in natura, mas em igual quantidade, logo que esta lhos solicite;

28.ª Por estes motivos só poderia concluir-se na sentença recorrida que as aplicações dos excedentes configuram um depósito, sobre o qual não incide Imposto do Selo, porquanto não compreendido na verba 17.1 da TGIS, e nunca um mútuo;

29.ª E o facto de a Recorrente receber juros sobre o capital transferido para a E....-2, e posteriormente levantado, em nada altera aquela conclusão, porquanto as partes podem celebrar um contrato de depósito em benefício do tradens, que estabeleça uma obrigação acessória de juros, em face da possibilidade do uso por parte do accipiens, o que se verifica no presente caso;

30.ª Em consequência, verifica-se um erro de julgamento na subsunção dos factos à norma de incidência constante da verba 17.1 da TGIS, uma vez que as operações em crise configuram depósitos e não mútuos, não caindo na previsão da referida verba;

31.ª Acresce que também à luz da lei alemã, aplicável à interpretação dos termos do contrato em causa, por força da sua cláusula 24., de acordo com a qual se elege a lei alemã como lei que o rege, bem como do artigo 3.º, n.º 1 da Convenção de Roma, segundo o qual o contrato se rege pela lei escolhida pelas partes, as operações de transferência de fundos em apreço configuram um depósito;

32.ª Saliente-se que a lei alemã, enquanto direito estrangeiro, é de conhecimento oficioso do tribunal, conforme decorre do disposto no artigo 348.º do Código Civil e é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.04.2005, proferido no âmbito do processo n.º 3706/04);

33.ª Por último, na subsunção das operações de transferência de fundos à verba 17.1 da TGIS, impunha-se que o Tribunal a quo procedesse à correta interpretação da aludida verba, em particular do conceito “utilização de crédito”, atendendo à razão de ser daquela norma de tributação;

34.ª Sendo certo que o fundamento da tributação da referida verba será forçosamente uma causa assente no princípio da capacidade contributiva, decorrente do princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.º da CRP, apenas será legítima a tributação da operação financeira que, de algum modo, revele rendimento ou riqueza;

35.ª Ora, assumindo-se que esta incidência tributária apenas se salva da inconstitucionalidade se se entender que a tributação assenta num enriquecimento temporário virtual ou aparente, decorrente de um aumento de liquidez financeira do beneficiário em dado momento enquanto, por contraposição, a dívida se encontrará disseminada por um prazo médio a longo, verifica-se que tal não acontece no caso das transferências de fundos em apreço;

36.ªAs concretas transferências de fundos da Recorrente para a E....-2 não lhe proporcionam um qualquer aumento de liquidez financeira ao contrário do que sucede num contrato de mútuo, na medida em que são canalizadas para a última sem qualquer solicitação desta e que os excedentes são exigíveis pela Recorrente à E....-2 em qualquer momento, sem penalização, podendo, no limite, a última ter de devolver os fundos no instante imediatamente após a sua receção;

37.ª Deste modo, a falta de fundamento da tributação das concretas transações só poderia impedir o Tribunal a quo de as considerar incluídas na norma de incidência em apreço, qual seja a verba 17.1 da TGIS, conjugada com o artigo 1.º, n.º 1, do CIS, sob pena de, considerando-se que quaisquer transferências de fundos entre duas entidades caem na previsão dos aludidos normativos, estes serem materialmente inconstitucionais por violação do princípio da capacidade contributiva decorrente dos artigos 13.º e 104.º da CRP;

38.ª A ora Recorrente alegou e carreou para o processo os necessários elementos que permitem demonstrar que as transferências de fundos que efetuou para a E....-2, nos anos de 2011e 2012, ora em análise, configuram depósitos;

39.ª Deste modo, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 75.º da LGT, sempre terão de presumir-se verdadeiros os dados inscritos na contabilidade da Recorrente, designadamente os lançamentos que constam das subrubricas #1431 – Outros ativos financeiros e # 7916 – Juros obtidos de outras aplicações de tesouraria, nas quais são registados os excedentes de tesouraria e os juros liquidados, respetivamente;

40.ª Acresce que, em face do alegado pela Recorrente, a administração tributária não apontou no processo qualquer facto ou indício que permitisse colocar em crise os dados que resultam da contabilidade da Recorrente;

41.ª Deste modo, no limite, poderia o Tribunal a quo ter concluído pela existência de fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, a qual, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 100.º do CPPT, sempre seria resolvida a favor da Recorrente, determinando-se a anulação dos atos tributários impugnados;

42.ª Por não ter assim entendido, tendo concluído pela qualificação das transferências de fundos como mútuos, sem que tal tivesse sido demonstrado nos autos, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, que impõe a revogação da sentença recorrida;

43.ª Por fim, quanto à última questão invocada na petição inicial nos artigos 139.º e ss. - a questão da violação da norma de incidência territorial (artigo 4.º do Código do Imposto do Selo) –, considera a Recorrente que se verifica uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, porquanto não foi emitida qualquer pronúncia quanto a esta;

44.ª Conforme se invoca na petição inicial, mesmo que se considerasse aplicável a norma de incidência objetiva e se pudesse considerar que a atividade da E....-2 de gestão de tesouraria consubstancia uma utilização de crédito sujeita a Imposto do Selo, verificar-se-ia a violação do artigo 4.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, porque o facto tributário, a existir, não ocorre em território português no caso vertente;

45.ª E sobre esta questão alegada na petição inicial não se descortina na sentença recorrida qualquer pronúncia;

46.ª Só assim não seria, ou seja, apenas poderia aventar-se a hipótese de existir uma remota pronúncia sobre esta questão, caso se considerasse erroneamente que o imposto incide sobre a “concessão de crédito”, que não a mera utilização, como parece conceber a sentença recorrida;

47.ª Ora, perante tal hipótese, sempre incorrerá a sentença em erro de julgamento por errónea interpretação do disposto nos n.os 1 e 2, alínea b) do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo;

48.ª O facto tributário na verba em causa não pode ser dúplice – a concessão e a utilização de crédito –, ou seja, ser a mesma operação tributada duas vezes, na esfera do concedente do crédito e na esfera do utilizador do crédito/mutuário;

49.ª Não há, de facto, sujeição a Imposto do Selo, nos termos do artigo 4.º do Código, quando o facto tributário ocorre fora do território português e o beneficiário não é residente pois, se interpretássemos que nas situações em que o beneficiário é não residente o facto tributário deixa de ser a utilização de crédito para passar a ser a concessão de crédito, tal interpretação normativa padeceria de discriminação e restrição à livre circulação de capitais, proibida pelo Direito Comunitário (cf. artigo 63° TFUE e ao artigo 40° do Acordo EEE, aplicável não só em relação a outros Estados-membros mas também em relação a países terceiros);

50.ª Aliás, se existisse efetivamente um financiamento obtido pela E....-2 em território português, que não existiu, sempre tal financiamento beneficiaria da isenção prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, na redação à data, sob pela de violação do Direito Comunitário;

51.ª Assim, uma vez que o facto tributário a existir seria a utilização de crédito e esta última indubitavelmente não se pode ter por verificada em território português no caso vertente, não pode senão concluir-se que não tem aplicação o artigo 4.º, n.º 1, do CIS e também com este fundamento se deverá revogar a sentença recorrida e determinar a procedência da impugnação judicial.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida e anulação do ato tributário em crise nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»


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Não há registo de contra-alegações.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«A) A impte procedeu à autoliquidação do imposto de selo respeitante aos meses de Fevereiro de 2011 a Dezembro de 2012, no montante total de € 463.358,38 , por aplicação da taxa prevista no ponto 17.1.4, da Tabela anexa ao Código de Imposto de Selo aos saldos médios mensais dos depósitos resultantes de excedentes de tesouraria efectuado junto da sociedade alemã “Adam ……………….”, comumente designada por “E....- 2”, tendo pago ao Estado as referidas quantias autoliquidadas. –cfr documentos de pagamento de fls 196 a 222 e mapas de apuramento mensal de imposto, de fls 223 a 245, do proc. recl. Apenso aos autos.

B) Da auto liquidação de imposto mencionada supra foi apresentado reclamação graciosa com fundamento no entendimento sufragado pela Administração Fiscal vertido nas conclusões dos relatórios, Pareceres e Despachos elaborado pela I.T. em resultado de diversas acções inspectivas externas realizada ao sujeito passivo aos exercícios de 2006 a 2010, cujos Relatórios Finais consta designadamente, que:
“ Da análise às contas do razão …. Verifica-se a movimentação contabilística em disponibilidades à relevação de importâncias relativas à cedência de excedentes de tesouraria para a sociedade “E....-2.”, ao abrigo de um acordo de centralização de tesouraria, o qual se destina a cobrir carências de tesouraria e de aplicação de excedentes por parte das sociedades aderentes, tendo-se apurado nos exercícios em análise na cedência de excedentes de tesouraria para aquela entidade, tendo o s.p. recebido juros dessa cedência movimentadas a crédito da conta de juros obtidos em outras aplicações financeiras por contrapartida da conta de outras aplicações de tesouraria... tal transferência dos excedentes de tesouraria corresponde a uma operação financeira de concessão de crédito sob a forma de fundos… sob a forma de conta corrente, não se encontrando isentas de Imposto de selo.. procedeu-se ao respectivo cálculo, determinando os saldos em dívida… apurou-se o valor de imposto em falta.. resultante da aplicação da verba 17.1.4, da Tabela Anexa ao Código, ao crédito concedido pelo s.p. à “.E…..- 2.”, de acordo com os cálculos desenvolvidos no respectivo anexo do relatório, determinado sobre a média mensal, obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente durante o mês e dividido por trinta, aplicando-se a taxa de 0,04% fixada na verba 17.1.4 da tabela anexa…”.

C) A impte celebrou com a “E....-2” um “Contrato de Centralização de Tesouraria”, no âmbito do qual os excedentes de tesouraria da 1ª são canalisados para a 2ª, através do seu depósito e transferência entre contas bancárias tituladas pelas partes, respectivamente, mediante procuração passada para o efeito pela impte, passando a “E....-2” a dispor e a utilizar as quantias depositadas, quer investindo tais quantias, quer disponibilizando fundos às aderentes daquele contrato de centralização, sendo as operações contratadas de curto prazo e imediatamente exigíveis pelas entidades concedentes, renovam-se automaticamente e são remuneradas a uma taxa de juro diária liquidada no final do período considerado, transferidos para a impte apos comunicação para o efeito, sendo que nos casos de empréstimo da “E....-2” aos aderentes serão devidos os juros definidos contratualmente. - cfr artºs 11º a 24º da p.i. e cópia do contrato de centralização, de fls 160 a 193, do proc. recl. apenso.

D) Da liquidação de imposto referido em a), foi deduzido reclamação graciosa a qual foi indeferida por despacho proferido em 19.12.2013 pelo Chefe de Divisão de Gestão e Assistência Tributária da Unidade de Grandes Contribuintes- cfr Despacho aposto sobre Parecer e Informação de fls 46 a 50, dos autos , e requerimento de fls. 4 e segs, do Proc. Recl. Graciosa apenso aos autos.


X

Factos Não Provados



Dos factos constantes da impugnação, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

X

Motivação da Decisão de Facto



A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais, não impugnados, que dos autos contam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.»

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- De Direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, mantendo o ato contestado e não reconhecendo o direito da Impugnante, ora Recorrente, a juros indemnizatórios.

A Recorrente discorda do decidido pelo TAF de Sintra, pondo em evidência diferentes questões que pretende ver apreciadas por este Tribunal de recurso.

Comecemos pelas nulidades assacadas à sentença.

Nas conclusões 1ª a 11ª, defende a Recorrente que a sentença é nula por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão, remetendo para o nº1 do artigo 125º do CPPT. Em resumo útil, pode ler-se na conclusão 1ª (com desenvolvimentos nas seguintes) que a nulidade em causa assenta no seguinte: “… o julgamento de facto, num processo lógico, conduziria à qualificação como depósitos das transferências de excedentes de tesouraria efetuadas nos anos de 2011 e 2012, ao abrigo do contrato de centralização de tesouraria celebrado entre a ora Recorrente e a E....-2, sobre as quais se discute a incidência ou não de Imposto do Selo, tendo a sentença decidido qualificá-los como mútuos”.

Vejamos.

De modo sintético, por pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores, pode dizer-se que a nulidade de uma decisão por oposição entre os fundamentos e a decisão sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença, ou seja, daquilo que se trata é de um vício lógico da sentença/acórdão.

Dir-se-á, nestes casos, que, na fundamentação da sentença, o julgador segue uma determinada linha de raciocínio que aponta para uma determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente. Se assim for, a sanção legal é, nos termos apontados, a nulidade da decisão – artigo 125º do CPPT.

Não se trata, portanto, de um simples erro material (em que o julgador, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, numa diferente direção.

Diga-se ainda, que tal vício, conforme descrito, não se confunde com o erro de julgamento, ou seja, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal, nem sequer a uma errada interpretação da norma aplicada, vícios estes sindicáveis em sede de recurso jurisdicional.

Feito este enquadramento e lida atentamente a decisão impugnada, dúvidas não nos restam que a estrutura lógica da mesma não sofre do vício que lhe vem apontado, pois inexiste qualquer oposição entre a fundamentação nela expressa e o decisório extraído pelo julgador.

Vejamos a razão para assim concluirmos.

Bem ou mal – isso, para já, é irrelevante – o tribunal manteve as liquidações de IS por ter entendido, face à diferente qualificação que fez do contrato celebrado entre a Recorrente e a E....-2, que era devido imposto de selo por aplicação da taxa prevista no ponto 17.1.4 da Tabela Anexa ao CIS. Com efeito, partindo da matéria de facto provada, em especial dos termos e conteúdo do “Contrato de Centralização de Tesouraria” celebrado entre as mencionadas partes, o Tribunal qualificou diferentemente a natureza do acordo firmado entre as partes, considerando as transferências de excedentes de tesouraria como mútuos e não como depósitos, como defendia a Recorrente. Consequentemente, concluiu pela legalidade do IS autoliquidado.

Lê-se na sentença sobre escrutínio, além do mais, o seguinte:

“Vejamos então a questão da consideração daqueles montantes transferidos através de uma conta corrente incluída na rubrica de disponibilidades em favor de uma entidade gestora centralizadora de tesouraria, no âmbito de uma Convenção de Centralização de Tesouraria por si subscrita, cujo objecto se destina a ocorrer a carências de tesouraria e a efectuar aplicações de excedentes de tesouraria dos respectivos aderentes através daquela sociedade gestora de tesouraria: Ora, Atento a natureza daquele sistema de gestão centralizada de tesouraria e respectivo objecto social, dúvidas não se põem no presente caso quanto a se traduzirem em operações de transferências entre a conta da aderente e a conta da entidade centralizadora quanto aos excedentes colocados à disposição daquela entidade centralizadora, o que não impede que a mesma possa comportar os excedentes de fundos disponibilizados pela entidade centralizadora em benefício das aderentes, tendo em consideração que quer uns quer outros consubstanciam financiamentos obtidos pela cessionária ou por si concedidos, na medida em que os investe junto de terceiros ou disponibilizando fundos aos aderentes, sendo que o interesse relevante do negócio celebrado pelas partes é o da disponibilidade dos montantes em causa por parte do accipiens – daí que o tradens receba a retribuição do capital disponibilizado sob a forma de juros, e não simplesmente a guarda da coisa entregue, o que confere ao acto “a natureza de empréstimo”, nas palavras dos Iltes juristas Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado2- 2º Vol. 1ª ed. 1968, em anotação aos artºs 1205º e 1206º, do C.Civil, pags 541 e 543, respectivamente, pelo que a concessão/ utilização do crédito estão sujeitas a imposto, sendo as entidades domiciliadas em território nacional responsáveis pela liquidação e entrega do imposto, independentemente do apuramento que se faça da matéria colectável do imposto. – cfr nesse sentido J. Rebouta in “Contextualização Fiscal da Gestão Centralizada de Tesouraria em Ambiente Internacional” acessível através da consulta do “site” da Internet devidamente identificado para o efeito. Quanto a esta última ter – se - á de considerar aqueles montantes que não se enquadram naquelas operações de concessão de crédito ( os designados reembolsos do capital concedido) e do apuramento do saldo da conta corrente para efeitos do imposto – vd. mesmo autor e obra supra citada. Atento a que nos presentes autos não se apontam quaisquer montantes de reembolso de capital concedido naquela conta corrente, nem o impte invoca ou demonstra tal afectação ao capital concedido pela entidade gestora, não se verifica aquela exclusão tributária. Quanto à determinação da base do cálculo de incidência do imposto, verifica-se o apuramento dos saldos credores diários (crédito concedido), os quais foram somados, sendo o produto obtido dividido por 30 e apurado a média mensal da concessão do crédito, pelo que foi correctamente aplicado a taxa de imposto devida pelas referidas operações de tesouraria, não relevando nesta sede a sua contabilização numa conta de disponibilidades e não numa conta de terceiros, atento a prevalência da substância económica do negócio que se traduz num tipo de financiamento do devedor pela concessão do crédito.- cfr verba 17.1 da Tabela Geral do imposto.

Quanto à caracterização de um contrato de conta corrente para as operações em causa importa referir que a regra de incidência objectiva do imposto diz respeito a utilização do crédito, seja o mesmo utilizado sob a forma de conta corrente ( que considera os montantes mutuados e os montantes reembolsados do capital disponibilizado), quer sobre qualquer outra forma cujo prazo de utilização não seja determinado ou determinável, na expressão da sub- verba 17.1.4, da Tabela geral”.

Da transcrição que antecede resulta claro que, nos termos em que o contrato foi qualificado e considerando o quadro legal aplicável, o TAF de Sintra – mal ou bem, por agora não é o que estamos a analisar – considerou que a situação em causa enquadra-se no previsto na verba 17.1.4 da Tabela anexa ao CIS.

Pode até suceder que o Tribunal tenha cometido um erro de interpretação e aplicação da lei ou até que tenha feito uma errada subsunção dos factos ao direito aplicável. Contudo, se isso aconteceu é questão que desemboca num erro de julgamento e não na invocada nulidade da decisão por oposição entre os fundamentos de facto e a decisão.

A sentença em análise, tal como se mostra estruturada, apresenta-se lógica e coerente, ainda que – repete-se – possa estar errada ou simplesmente não merecer a concordância da impugnante.

Em suma, não se vislumbrando qualquer erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto (ou numa diferente direção), não podemos concluir pela nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão.

Nesta conformidade, e sem necessidade de mais nos alongarmos, há que julgar improcedentes as conclusões que vimos de analisar.


*

Prosseguindo.

Na conclusão 12ª defende a Recorrente que “sempre haverá, no limite, obscuridade entre aqueles fundamentos e a decisão, que a tornam ininteligível, o que igualmente é causa de nulidade da sentença” nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, alínea c), do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT.

Também aqui a razão não está com a Recorrente.

Vejamos.

Em traços gerais, uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado. A obscuridade de uma sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade. Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se.

Ora, manifestamente não é esse o caso, ainda que se perceba, nalguma medida, o alcance da crítica feita à sentença que, de facto, não se apresenta como um modelo de clareza.

Porém, a verdade é que da transcrição antes feita resulta medianamente percetível o percurso argumentativo e a decisão do TAF, pelo que não se pode dizer que estamos perante uma decisão ambígua, de sentido equívoco ou vaga. Com efeito, lida a decisão, compreende-se que o raciocínio do julgador se manteve, ainda, dentro daquilo que nesta matéria é juridicamente correto.

No seu conjunto, a sentença – independentemente do seu sentido decisório estar, ou não, correto – apresenta-se coerente e esclarecedora quanto ao sentido do decidido e ao percurso argumentativo adotado para chegar à improcedência da impugnação.

Nestes termos, sem necessidade de mais, improcede esta segunda questão.


*

Avancemos para a terceira nulidade invocada.

Trata-se de uma nulidade por omissão de pronúncia, a que respeitam as conclusões 43ª a 46ª. Diz a Recorrente, a este propósito, que a sentença não apreciou a questão relacionada com a invocada violação da norma de incidência territorial (artigo 4.º do Código do Imposto do Selo), sendo certo – prossegue – que na p.i se defendeu que “…o facto tributário, a existir, não ocorre em território português no caso vertente”.

Vejamos, o que dizer a este propósito, lembrando que, nos termos do disposto no artigo 125º, nº1 do CPPT, constitui causa de nulidade da sentença a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Como é sabido, a nulidade por omissão de pronúncia [também prevista no atual artigo 615º, nº1, alínea d) do CPC], só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas, naturalmente, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de J. Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139).

Ora, no caso em apreciação, temos, tal como resulta daquilo que deixámos dito, que a alegada omissão de pronúncia radica no apontado não conhecimento da violação da norma de incidência territorial, em concreto a circunstância de o facto tributário, a existir, não ocorrer em território português.

Da leitura da sentença resulta, em nossa opinião, que o Tribunal não descurou a questão em causa e teve-a em conta quando, ainda que de forma breve, escreveu o seguinte: “…pelo que a concessão/ utilização do crédito estão sujeitas a imposto, sendo as entidades domiciliadas em território nacional responsáveis pela liquidação e entrega do imposto, independentemente do apuramento que se faça da matéria colectável do imposto”.

Tanto basta para concluirmos que a decisão recorrida não omitiu pronúncia, pelo que improcede também este fundamento do recurso.


*

Vejamos, por último, o erro de julgamento a que se reportam as restantes conclusões da alegação de recurso.

Sobre este aspeto defende a Recorrente, em discordância com a sentença, o seguinte:

- o Tribunal deveria ter concluído, relativamente ao contrato firmado que prevê as transferências de excedentes de tesouraria efetuadas nos anos de 2011 e 2012, que o mesmo é de qualificar como contrato de depósito e nunca como um mútuo, considerando que a Recorrente entrega à E....-2 quantias em dinheiro, respeitantes aos seus excessos de tesouraria, isto é, coisas fungíveis, devendo a última restituir à primeira dinheiro em igual quantia, tal como acontece nos depósitos irregulares e, ainda, porque a Recorrente pode, a qualquer momento, antes do termo do prazo, solicitar a restituição das quantias depositadas;

- o fim principal do contrato não é, ao contrário do que se decidiu na sentença, a disponibilidade dos montantes pela E....-2, mas sim a guarda das quantias depositadas pela Recorrente, para que as aplique, em conjunto com os excedentes de outras entidades do Grupo e obtenha uma melhor rentabilidade, o que mostra que as aplicações dos excedentes configuram um depósito, sobre o qual não incide Imposto do Selo;

- o fundamento da tributação será forçosamente uma causa assente no princípio da capacidade contributiva, decorrente do princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.º da CRP, pelo que apenas será legítima a tributação da operação financeira que, de algum modo, revele rendimento ou riqueza, o que não é o caso;

- no limite, poderia o Tribunal a quo ter concluído pela existência de fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, a qual, nos termos do disposto no nº1 do artigo 100.º do CPPT, sempre seria resolvida a favor da Recorrente, determinando-se a anulação dos atos tributários impugnados.

Vejamos o que dizer sobre o invocado erro de julgamento, esclarecendo, desde já, que as questões aqui invocadas foram anteriormente apreciadas, em termos muito idênticos aos que aqui vêm suscitados, pelos Tribunais Superiores, seja por este TCA, seja pelo STA. Deste modo, considerando nós ser de acompanhar as apreciações já feitas sobre a sujeição da IS no caso de contratos como aquele que aqui está em causa (de resto, em processos em que é parte a ora Recorrente), será por apelo a tal jurisprudência que passamos a decidir o que se segue.

“(…)

O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/6/2014, proc.6726/13).

O Imposto do Selo foi introduzido no sistema tributário português pelo dec.lei 12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, ambos os diplomas tendo sofrido muitas alterações posteriores. Este tributo podia definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.272 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.edição, Livraria Almedina, 1996, pág.595 e seg.; J.J. Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 1977, pág.349).

Com a Lei 150/99, de 11/9, e posterior reforma do património (cfr.dec.lei 287/2003, de 12/11), o tributo em análise mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro imposto incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza (cfr. preâmbulo do dec. lei 287/2003, de 12/11; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 2011, pág.359 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc.7066/13).

Revertendo ao caso dos autos, deve, em primeiro lugar, fazer-se uma abordagem, ainda que sucinta, do fenómeno da gestão centralizada de tesouraria (cash pooling), visto que, de acordo com a factualidade provada, a A. Fiscal concluiu pela existência de um acordo desses no relacionamento entre a sociedade impugnante/recorrente e a empresa do mesmo grupo “G……. ………… AB” (G…………) entidade com sede na Suécia (cfr.nºs.2 e 6 do probatório).

Os centros de gestão de tesouraria ou a gestão centralizada de tesouraria têm como objectivo a gestão consolidada da tesouraria de diversas empresas de um grupo de sociedades através de uma dessas empresas ou através de uma empresa especificamente constituída ou destinada para o efeito. Tal acordo visa permitir relacionar saldos devedores e saldos credores junto de uma instituição financeira. Este tipo de operações permite a compensação do saldo devedor de algumas das empresas pelo saldo credor das restantes, além de que o centro de gestão de tesouraria pode recorrer aos fundos gerados para financiar as empresas do grupo.

Uma convenção de gestão de tesouraria é normalmente firmada entre empresas do mesmo grupo económico, locais (residentes) e no estrangeiro (não residentes), e a partir do qual a gestão da tesouraria é efectuado de maneira e lógica centralizada. Assim, tal convenção é caracterizada, entre outros, pelos seguintes aspectos:

1-Definição de uma entidade centralizadora e dos participantes (aderentes);

2-Definição de regras e procedimentos de gestão de tesouraria a acordar com as instituições financeiras, segundo os quais os excedentes de tesouraria (a) são mantidos nas contas de cada empresa, ainda que com fusão para cálculos dos juros (notional cash pooling) ou (b) transferidos para a entidade centralizadora (zero balancing);

3-Pelo mecanismo inverso, e em contrapartida, as necessidades financeiras de cada participante serão cobertas pela transferência de fundos da entidade centralizadora;

4-Por princípio, será da responsabilidade da entidade centralizadora, a negociação de recursos globais e das aplicações dos excedentes globais;

5-Os saldos dos fluxos são susceptíveis de gerar juros (a favor ou contra) para cada participante.

Três alternativas de abordagem se colocam, pelo que a constituição dos referidos centros depende da celebração de uma de três das seguintes convenções de “cash-pool”:

1-Notional cash-pooling;

2-Cash concentration “Zero-balancing”;

3-Adiantamentos de tesouraria.

Na modalidade de Cash concentration, a centralização de tesouraria é operada em conta da entidade centralizadora constituída junto do Banco, sendo titular uma das sociedades do grupo (a entidade centralizadora). Tendo por base o enquadramento do contrato de centralização de tesouraria, realizam-se efectivas transferências de capital para a conta global, ou seja, os fundos são fisicamente direccionados para uma única conta bancária agregada. Nesta modalidade a denominada opção "zero balancing" é a mais comum, pois todas as contas bancárias são colocadas a zero no movimento de transferência para a conta global, consequentemente os saldos devedores são cobertos por um movimento de transferência inverso da conta global a favor da conta bancária devedora (cfr.José Fernando Abreu Rebouta, Contextualização fiscal da gestão centralizada de tesouraria - cash pooling - em ambiente internacional, Pós-Graduação em Direito Fiscal, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Outubro de 2005, pág.3 e seg.).

"In casu", de acordo com a factualidade provada (cfr.nº.6 do probatório) estamos na presença da modalidade de cash pooling designada por "cash concentration", pois nesta modalidade, a centralização de tesouraria é operada em conta da entidade centralizadora, tudo conforme já mencionado acima. Concretizando, a entidade centralizadora é, no caso concreto, a dita G……….., para tanto tendo aberto uma conta bancária no Deutsche …………………., a qual é exclusivamente usada para as transferências verificadas entre as companhias do grupo aderentes (como a impugnante/recorrente) e a mesma G…………... No exercício objecto de análise (2006), a relação entre a impugnante/recorrente e a G……….. consistiu na cedência de excedentes de tesouraria da primeira à segunda.

Ora, as operações financeiras, nas quais se inclui a concessão e utilização de crédito a qualquer título, estão sujeitas a Imposto do Selo, atento o disposto na verba 17, da Tabela Geral do Imposto de Selo.

Nestes termos, deve fazer-se a exegese da norma constante da verba nº.17, da Tabela Geral do Imposto de Selo, aprovada pela Lei 150/99, de 11/9, e na redacção resultante do dec.lei 287/2003, de 12/11, a aplicável ao caso "sub judice" (cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil) com a seguinte redacção:

17 - Operações financeiras:

17.1 - Pela utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato - sobre o respectivo valor, em função do prazo:

17.1.1 - Crédito de prazo inferior a um ano - por cada mês ou fracção . . . . . . . . . . .0,04%

17.1.2 - Crédito de prazo igual ou superior a um ano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0,50%

17.1.3 - Crédito de prazo igual ou superior a cinco anos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .0,60%

17.1.4 - Crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 0,04%

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).

Por outro lado, releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/9/2015, proc.7066/13).

A norma sob exegese, a verba nº.17, da Tabela Geral do Imposto de Selo (T.G.I.S.), sujeita a incidência de imposto de selo as operações financeiras tendo em conta a sua substância económica e desconsiderando a forma jurídica subjacente aos contratos, denotando-se uma preocupação crescente com o princípio da igualdade fiscal.

O imposto sobre a utilização de crédito previsto na referida verba 17.1. da T.G.I.S. incide sobre todas as operações de natureza financeira, realizadas por qualquer entidade, e a qualquer título, de que resulte a disponibilização de crédito sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, abrangendo na sua incidência, quer os actos de tomada de fundos disponibilizados em território nacional a entidades aqui não domiciliadas, quer as operações desta natureza realizadas a favor de entidades aqui domiciliadas, ainda que o facto tributário - o saque dos fundos - se deva considerar localizado fora do território nacional.

Pese embora algumas dúvidas possam ser suscitadas a respeito desta matéria, motivadas pela relativa equivocidade da regra da territorialidade do imposto vertida no artº.4, do Código do Imposto do Selo (C.I.S.), esta conclusão afigura-se, no entanto, irrecusável face, não só à configuração das entidades mutuárias como sujeito passivo deste imposto, nos termos do disposto no artº.2, al.d), do C.I.S., como ainda à manifesta intenção do legislador de impedir a deslocalização das operações sujeitas a imposto com o único intuito de evitar a tributação. É que, com a Lei de Orçamento do Estado para o ano de 2002 foi alterado o referido artº.4, do C.I.S. (cfr.artº.37, da Lei 109-B/2001, de 27/12), alteração esta que, esclarecendo as eventuais dúvidas, consagrou expressamente o alargamento da incidência do imposto às operações de crédito realizadas a favor de quaisquer entidades domiciliadas no território nacional.

Já a verba 17.1.4, supra exposta, tributa a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, de duração de utilização indeterminado ou indeterminável, sendo sujeito à taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30. No caso da utilização do crédito acordada por ou com a intermediação de uma instituição financeira não residente em Portugal, o imposto do selo deverá ser pago e constitui encargo da sociedade residente em Portugal no final de cada mês no caso de descoberto bancário ou de concessão de crédito por prazo não determinado ou indeterminável (cfr.artºs.4, 5, 23 e 44, do C.I.S.). Nesta verba, a incidência de imposto deriva do sujeito favorecido com a operação de crédito beneficiar de um aumento de liquidez financeira num momento actual, sendo que a situação passiva colateral - o encargo ou dívida - se encontra disseminada num médio ou longo prazo (variando a taxa de tributação precisamente nessa função "pro rata temporis"), considerando o legislador suficiente para efeitos de tributação esse “súbito enriquecimento aparente” resultante de uma disponibilidade monetária instantânea. Por força da amplitude da referida norma de incidência estarão, assim e necessariamente, sujeitos a este imposto, quer os excedentes de fundos disponibilizados pela entidade centralizadora às aderentes, quando do seu saque por parte destas, quer em sentido inverso, os excedentes por estas colocadas à disposição da entidade centralizadora de tesouraria, no momento em que sejam objecto de levantamento. As entidades responsáveis pela liquidação e entrega do imposto junto dos cofres do Estado serão sempre, em qualquer dos casos, as entidades domiciliadas em território nacional (cfr.Carlos Baptista Lobo, As operações financeiras no Imposto do Selo: Enquadramento Constitucional e Fiscal, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 1, n.º1, Edições Almedina, 2008, pág.73 e seg.; José Fernando Abreu Rebouta, ob.cit., pág.16 e seg.).

No caso "sub judice", a transferência dos excedentes de tesouraria da conta do impugnante/recorrente (através do Deutsch ……………) para a G…………, corresponde a uma operação financeira de concessão de crédito (disponibilização de fundos), a qual ocorre em território nacional, dado que o recorrente tem sede em Portugal (entidade mutuante). O sujeito passivo de imposto, responsável pela liquidação e entrega do tributo é o recorrente, atento o disposto nos artºs.2, nº.1, al.b), 23, nº.1, e 41, todos do C.I.S.

Mais se deve vincar, conforme defende a Fazenda Pública, que embora pertencendo ao mesmo grupo empresarial, as operações financeiras entre o recorrente e a G…………. não beneficiam da isenção subjectiva consagrada no artº.7, nº.1, als.g) e h), do C.I.S., já que para tal deveriam:

1-Ser operações financeiras com prazo não superior a um ano;

2-Destinar-se exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria;

3-Serem realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação não inferior a 10% e desde que tenha permanecido na sua titularidade por um período mínimo de um ano consecutivo ou desde a constituição da sociedade participada.

No caso em apreço não se verificam o segundo e terceiro pressupostos acabados de mencionar, visto que, embora as operações tenham um prazo não superior a um ano, elas não se destinam exclusivamente a cobertura de carências de tesouraria e o recorrente não possui qualquer participação directa na G………… (cfr.nº.6 do probatório).

Por último, sempre se dirá que, contrariamente ao defendido pelo recorrente, não exige a verba 17.1.4, da T.G.I.S., cuja exegese supra se realizou, a prova da existência de um contrato de conta-corrente, como pressuposto da incidência do tributo.

A conta-corrente comercial é um negócio típico e nominado (cfr.artº.344, do C. Comercial), a qual implica, antes de mais, uma obrigação, assumida pelas partes contratantes de manter uma determinada relação de negócios sob a forma contabilística de uma conta-corrente, a qual tem, ínsita, uma função de crédito: consoante o sentido do saldo e até ao encerramento da conta, as partes podem ficar, reciprocamente, na situação de credor e de devedor.

Já a conta-corrente bancária constitui uma espécie de conta-corrente comercial que se integra, com outros elementos, num contrato mais vasto de abertura de conta, normalmente celebrado entre o banqueiro e o seu cliente (cfr.António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª. edição, 2014, Almedina, pág.552 e seg.).

Voltando à norma constante da verba 17.1.4, da T.G.I.S., tributa a mesma a utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, assim não erigindo o contrato de conta-corrente como pressuposto da incidência do tributo, no que diz respeito à forma contratual a empregar pelo sujeito passivo de imposto em sede de utilização do crédito.

(…)” – fim de citação do acórdão deste TCA Sul, de 03/12/15, proferido no processo nº 06974/13, o qual – repete-se – é aqui aplicável com as necessárias adaptações.

No mesmo sentido, veja-se o acórdão do STA, de 28/11/18, proferido em recurso de revista, no processo nº 06/11.4BESNT, no qual foram identificadas as seguintes duas questões a apreciar, as quais se colocam aqui em idênticos termos:

- saber se a disponibilização de fundos no âmbito de um contrato de centralização de tesouraria (contrato de “cash pooling” na modalidade de “cash concentration”), nos termos do qual uma sociedade canaliza os seus excedentes de tesouraria para uma entidade centralizadora pertencente ao mesmo grupo de sociedades, podendo esta entidade investir os excedentes de tesouraria globais junto de entidades terceiras ou disponibilizá-los a outras sociedades do mesmo grupo em situação deficitária, e devendo restituir os excedentes de tesouraria daquela sociedade sempre e quando aquela o solicitar, configura uma operação de crédito sujeita a IS nos termos da verba 17.1.4 da TGIS;

- saber se o crédito sob a forma de conta corrente, concedido por uma entidade com sede em território português a uma entidade com sede noutro Estado, no qual se procederá à utilização do crédito, é sujeita a IS em Portugal ao abrigo do disposto no artigo 4.º n.º1, do CIS.

Lê-se no referido acórdão do STA o seguinte:

“(…)

Dispõe a verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de selo que, o crédito utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outra forma em que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30.

Resumidamente, a situação de facto é a seguinte: a A………., Lda (A……..) celebrou um contrato com a A’……….. (A’………), pelo qual se comprometeu a transferir todos os excedentes de tesouraria para esta A’……….., entidade responsável pela gestão centralizada de tesouraria do grupo A…….. Por outro lado, passou a poder beneficiar dos fundos da A’……….., no caso de necessitar dos mesmos.

Pelas transferências de fundos realizadas a A………… recebeu juros no montante € 3.626.988,59.

A A………… tem sede em Portugal e a A’………… tem sede na Suécia.

Não há dúvida, porque está provado documentalmente, que a impugnante e a referida A’………… fazem parte de um acordo de gestão integrada de tesouraria em que perante a existência de excedentes de tesouraria, no caso da impugnante, tais excedentes foram remetidos à A’………… que os utilizou no auxilio a outras empresas que necessitavam de capital e em contrapartida pagou juros à impugnante pela disponibilização desses excedentes com os quais contribuiu para a o referido acordo de gestão integrada.

Ocorreu, portanto, uma ou mais operações de transferência de saldos entre a(s) conta(s) da impugnante e a(s) conta(s) da entidade centralizadora, a A’…………, que não podem deixar de consubstanciar financiamentos concedidos através da realização de operações de tesouraria, verificando-se, assim, a concessão de crédito a que alude a referida verba 17.1.4 da TGIS.

Com esta verba do IS pretende-se tributar as transferências de saldos entre a impugnante, enquanto empresa nacional, e a entidade centralizadora, sedeada na Suécia, devendo tais transferências de saldos ser qualificadas como financiamentos concedidos também para efeitos do disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS. Portanto, no caso concreto, incumbiria à impugnante a liquidação do imposto de selo, na qualidade de concedente do crédito, que seguidamente o deveria debitar à A’………… não residente.

E tais transferências de saldos, tanto são tributadas quando ocorrem entre empresas nacionais, entre empresas de estados-membros ou até entre empresas de estados-membros e de países terceiros, aplicando-se sempre as normas constantes dos artigos 1º. n º 1, 2º, b), 3º, n.º 1, f), 4º, n.º 1, 23º, n.º 1, 41º e 44º, todos do CIS.

Nesta medida, não se vislumbra que sejam ofendidas as normas do artigo 63º do TFUE e 40º do Acordo EEE, que consagram a livre circulação de capitais, uma vez que estas normas relativas ao IS são aplicadas indistintamente a todas as operações económicas legalmente previstas, sem discriminação em função da nacionalidade ou do território, quando duas empresas operem nas mesmas condições e sujeitas aos mesmos acordos que a impugnante e a A’………., em sentido coincidente, onde se decidiu que o direito da União era ofendido por haver um tratamento diferente em razão do território, pode ver-se o acórdão do TJUE proferido no processo n.º C-439/97.

Efectivamente a operação de transferência de capitais realizada entre a impugnante e a dita A’…………, e ao contrário do que defende a impugnante, tem que ser necessariamente subsumida ao disposto no artigo 4º, n.º 1 do CIS e respectiva verba 17.1.4 da TGIS, desde logo porque tem que ser qualificada como uma operação de crédito com contrapartida, isto é, remunerada por via do pagamento dos juros calculados a uma taxa acordada entre as partes e durante o período de tempo de duração da cedência do capital. E sempre que haja a utilização desse mesmo capital por parte da A’………..–crédito utilizado- ocorre a possibilidade de tributação ao abrigo das normas respeitantes ao CIS e à TGIS atrás indicadas.

Podemos, assim, concluir que não procede o recurso que nos vinha dirigido, respondendo-se às duas questões colocadas em sentido contrário ao pretendido pela impugnante”.

A análise levada a cabo pelos arestos transcritos dispensa-nos de considerações mais desenvolvidas sobre as questões aqui colocadas, pelo que improcedem as correspondentes conclusões.

Como dissemos, a Recorrente defende ainda que, no caso, poderia o Tribunal a quo ter concluído pela existência de fundada dúvida sobre a existência do facto tributário, a qual, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 100.º do CPPT, sempre seria resolvida a favor da Recorrente, determinando-se a anulação dos atos tributários impugnados.

Nenhuma razão tem a Recorrente. É que, como se sabe, o artigo 100º do CPPT – “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado” – contém uma norma que se reporta à questão do ónus da prova, destruindo a presunção legal a favor da AT (in dubio pro Fisco), estabelecendo uma verdadeira repartição do ónus da prova (que se coloca apenas em relação a questões de facto), de acordo com os princípios da legalidade e da igualdade, e em termos de que a incerteza sobre a realidade dos factos tributários reverte, em regra, contra a AT, não devendo ela efetuar a liquidação se não existirem indícios suficientes daqueles.

Ora, nada disto se verifica no caso, pois inexiste qualquer incerteza ou hesitação quanto ao quadro factual; o que há - isso sim - é uma divergência na qualificação jurídica correspondente, na aplicação do direito aos factos.

Improcede, pois, esta questão que nos vinha dirigida.

Igual desfecho tem a alegação correspondente à seguinte asserção: “o fundamento da tributação da em causa verba será forçosamente uma causa assente no princípio da capacidade contributiva, decorrente do princípio da igualdade fiscal previsto no artigo 13.º da CRP, pelo que apenas será legítima a tributação da operação financeira que, de algum modo, revele rendimento ou riqueza, o que não é o caso”.

Como se escreveu no acórdão arbitral, de 11/02/19, processo nº 277/2018-T:

“Não está em causa, ao contrário do que a Requerente pretende, a constitucionalidade de qualquer interpretação da verba 17.1. da Tabela Geral.

Está em causa apenas a questão da mera legalidade, nos termos do nº 1 do art. 11º da LGT, da interpretação feita pela Requerente dessa verba 17.1., no sentido da qualificação como operações de crédito das operações de transferência de saldos entre as contas individuais da Requerente e a conta centralizadora da C... SGPS SA, que, no entender da AT, consubstanciam financiamentos obtidos/concedidos através da realização de operações de tesouraria.

Ou seja, apenas existe uma divergência sobre o enquadramento jurídico-tributário dos factos que fundamentam a pretensão da Requerente, cuja apreciação não depende de qualquer juízo sobre a compatibilidade com o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade, da verba 17.1. da TGIS.

Na concessão de crédito em “cash-pooling”, a capacidade contributiva deve, aliás, ser aferida relativamente aos membros do grupo beneficiários dos financiamentos.

Está associada à aquisição pelos beneficiários, nos mesmos termos do mútuo, da vantagem económica resultante do financiamento.

Provando-se o financiamento, não poderia, assim, deixar de ser aplicada a verba 17.1. da TGIS”.

Em suma, e sem necessidade de maiores considerações, improcedem todas as conclusões da alegação de recurso, mantendo-se a sentença recorrida.


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Atenta a circunstância de as questões em apreciação já terem sido objeto de apreciação jurisprudencial e considerando a conduta processual das partes, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

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III - Decisão





Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em:


- negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida;


- fixar as custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os € 275.000,00.

Registe e Notifique.

Lisboa, 10/11/22


Catarina Almeida e Sousa

Isabel Fernandes

Lurdes Toscano