Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:320/23.6BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:ERRO NA FORMA DE PROCESSO
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - O erro na forma do processo, constitui uma nulidade de conhecimento oficioso, decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, aferida pelo pedido.
II – Se o pedido formulado é tempestivo e adequado à nova forma do processo, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal impõe-se a convolação da petição inicial de reclamação de ato do órgão de execução fiscal em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I – RELATÓRIO

Vem M…, LDA., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que absolveu da instância a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira quanto ao pedido de repetição da citação e julgou improcedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal quanto ao pedido de anulação do ato reclamado.

A Recorrente, nas suas alegações, formulou conclusões nos seguintes termos:

“A. O presente recurso tem como objeto a sentença proferida no âmbito de reclamação de atos do órgão de execução fiscal, na parte em que se decidiu: (i) na apreciação da matéria de exceção invocada pela Exma. RFP, pela ocorrência de um erro na forma do processo quanto ao pedido de repetição da citação, sem haver lugar à convolação no meio adequado; (ii) na apreciação da matéria de facto carreada para os autos, pela fixação do ponto 3 do probatório, que capta, de forma equívoca, o objeto, os pedidos e as causas de pedir da reclamação; e (iii) na apreciação da matéria de direito, pela improcedência da reclamação quanto ao pedido de anulação dos atos reclamados, assente na desadequação da fundamentação.

B. O Tribunal a quo não compreendeu o objeto, os pedidos e as causas de pedir da reclamação, o que condicionou a apreciação da matéria de exceção, dos factos e da
fundamentação de direito: dos segmentos decisórios recorridos perpassa a ideia de que, o ato reclamado é o ato de citação, individualmente considerado, com total independência do teor imediatamente lesivo das decisões tomadas pelo órgão de execução textualmente referidas nesse ato, e o pedido de repetição da citação, na medida em que concretiza a sanação de formalidades da citação. Não é verdade.

C. Nas presentes alegações refutam-se os segmentos decisórios recorridos identificados, e, em caso de provimento do presente recurso, caso este Tribunal ad quem, dentro dos seus poderes de cognição, venha a conhecer do mérito da reclamação, remete-se, por brevidade, para tudo quanto se disse na petição, nomeadamente para o Capítulo III da p.i. (arts. 23.º a 184.º), e para o pedido de reenvio prejudicial sugerido no Capítulo III das presentes alegações, por tudo quanto respeita aos fundamentos que não façam parte do objeto do recurso, sem prejuízo da possibilidade prevista nos nºs 2 e 3 do artigo 665.º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º e artigo 281.º do CPPT.

D. Os erros de julgamento incorridos têm um denominador comum: a total incompreensão do objeto da reclamação, dos pedidos formulados e das causas de pedir, no caso concreto, compulsados todos os articulados constantes dos autos e a prova documental junta aos autos.

E. A reclamação apresentada tem como objeto três decisões do órgão de execução fiscal, passíveis de autonomização, e que essencialmente constam textualmente do ato de citação para o processo ou são inferidas desse ato e da ausência de resposta a pedidos formulados pela executada previamente. As decisões são (i) a de não admissão da possibilidade de prestação de garantia idónea, (ii) a de não admissão da possibilidade de pagamento da dívida em prestações, (iii) e ainda a de não reconhecer qualquer efeito suspensivo a eventual oposição à execução a deduzir.

F. A primeira decisão contraria frontalmente as normas processuais aplicáveis à execução fiscal no nosso ordenamento jurídico, com total independência da natureza das dívidas exequendas em causa, nomeadamente as contidas nos artigos 169.º e 190.º, n.º 2 do CPPT e 52.º da LGT, a segunda decisão nos artigos 189.º e 196.º e seguintes do CPPT, e a terceira decisão nos artigos 169.º, 204.º e 212.º do CPPT. Nenhuma destas decisões tem amparo noutro normativo, orientação jurisprudencial ou princípio, conforme densificado nos arts. 36.º a 58.º das presentes alegações.

G. Foram formulados dois pedidos ao Tribunal a quo: o de anulação de cada uma dessas decisões contidas no ato de citação, mediante a apreciação da ilegalidade das mesmas à luz das normas processuais aplicáveis ao processo de execução fiscal, da ausência de regulamentação nacional específica em cobrança coerciva de auxílios de Estado, e da regulamentação e jurisprudência europeias nesta matéria, e, concluindo pela ilegalidade das decisões, lesivas dos direitos e interesses desta, a ordenar a reposição da legalidade com estas decisões, nomeadamente através da repetição do ato de citação expurgadas as decisões inquinadas de ilegalidade por ser a única medida de reposição da legalidade plausível, à luz do n.º 1 do artigo 100.º da LGT.

H. Não obstante essas decisões constarem do ato de citação, por ter sido o momento e o local processuais escolhidos pelo órgão de execução fiscal para delas dar conhecimento à executada, as mesmas não perdem a sua autonomia enquanto decisões sindicáveis na reclamação, na medida em que, o órgão de execução, ao recusar, na citação, o efeito suspensivo pleno no processo executivo em que a dívida exequenda tenha origem ou causa em auxílios de Estado, cada uma delas corresponde a uma atuação ilegal explícita daquele órgão e que afeta os direitos e interesses legítimos da executada.

I. Essas decisões resultam da interpretação que o órgão da execução fez da regulamentação europeia e nacional existente sobre a recuperação dos auxílios de Estado em causa, e que é entendimento preconizado pela AT e pela Exma. RFP na sua resposta, no sentido de não ser possível obter efeito suspensivo no processo executivo em causa, em derrogação das normas aplicáveis, mas sem que tal pudesse advir da aplicação de dispositivo legal ou de princípio norteador.

J. Não é por essas decisões constarem do ato de citação que se está perante nulidades nominadas da citação, na aceção dos artigos 191.º do CPC, subsidiariamente aplicável, e 165.º, n.º 2; nulidades essas que a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem vindo a subsumir em casos bem distintos do que aquele que nos ocupa, nomeadamente a não indicação do prazo de reação ou a errónea identificação da dívida exequenda.

K. A ilegalidade da interpretação do órgão de execução quanto às dívidas exequendas com origem ou causa na recuperação de auxílios de Estado perpetuada nas decisões reclamadas não se confunde com a eventual ilegalidade ou nulidade do ato de citação, que comunica aquelas à executada, vedando quaisquer possibilidades de ter efeito suspensivo no processo executivo; quando muito a segunda ilegalidade é consequência natural da primeira; a que tem de ser discutida a montante na reclamação é a primeira, para depois ser reposta a legalidade.

L. Os argumentos esgrimidos na reclamação e revisitados nos Capítulos II e III das presentes alegações, que têm por referência, para além das normas processuais que vimos atrás, a regulamentação europeia e nacional aplicável, os princípios e o lastro jurisprudencial europeu e constitucional evocáveis, assim como o próprio regime da reclamação (em detalhe, o artigo 278.º, n.os 3, 6 e 8 do CPPT), apontam todos no sentido de que devem ser asseguradas as garantias vedadas, daí que as decisões tomadas pelo órgão de execução sejam reclamáveis e devam ser substituídas por outras conformes com as normas legais e os princípios citados.

M. A reclamação tem como causas de pedir a admissibilidade da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal (com a indicação do valor a garantir), do pagamento em prestações e da dedução de oposição à execução com efeito suspensivo, o que foi previamente decidido negar pelo órgão de execução fiscal.

N. Tendo em conta a prova documental produzida nos autos (documentos n.os 1, 3, 4 e 5), e os princípios de interpretação das declarações negociais aplicáveis à interpretação das peças processuais constantes dos autos (petição inicial e os articulados subsequentes, assim como a resposta da Exma. RFP, e o requerimento inicial e os articulados da providência cautelar apensa), impugna-se expressamente o facto dado como provado no ponto 3. do probatório da sentença recorrida, por erro na apreciação da matéria de facto, em cumprimento do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT.

O. Os concretos meios probatórios atrás identificados impõem que o ponto 3. seja alterado do seguinte modo: “3. Recebida a citação pela aqui Reclamante, em que não era admitida a prestação de garantia com vista à suspensão do processo de execução fiscal em causa, o pagamento da dívida em, prestações, nem era reconhecido o efeito suspensivo da eventual oposição à execução a deduzir, considerando a natureza da dívida exequenda (pontos 3 e 4 da citação) veio a mesma apresentar a presente reclamação, formulando como pedidos o de anulação das decisões reclamação e o de repetição da citação como medida de reposição da legalidade, e como causas de pedir a admissibilidade de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal (com a indicação do valor da dívida para esse efeito), a admissibilidade do pagamento em prestações e admissibilidade de efeitos suspensivos do processo de execução fiscal da eventual oposição à execução a deduzir (cfr. teor da p.i. de reclamação e articulados, documentos n.os 1, 3 a 5 da p.i. e processo de execução fiscal em suporte virtual)”.

P. As três decisões do órgão de execução fiscal, que consubstanciam atos praticados em sede de execução fiscal pelo órgão competente com imediata lesividade para os direitos e interesses legítimos da executada, isto é, com repercussão negativa imediata na sua esfera, por não poder ser diferida por meios administrativos de impugnação, constituem o objeto da presente reclamação, não se podendo deixar de reconhecer à executada “o direito de solicitar imediatamente a intervenção do tribunal, como modo de assegurar a tutela judicial”, ao abrigo do artigo 103.º, n.º 2 da LGT, dos artigos 276.º e seguintes do CPPT, e dos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, ambos da CRP como, aliás, sancionado pelo STA no Acórdão de 24-04-2019, prolatado no processo n.º 1956/18.2BEBRG.

Q. Se aquela não reage diretamente, com a sua reclamação, contra o ato de citação propriamente dito, “mas expressamente e diretamente contra o ato que indeferiu” a
prestação de garantia, de pagamento em prestações ou de efeito suspensivo a eventual oposição, “imputando-lhe vícios próprios”, atos estes praticados “no âmbito de execução fiscal pelo respetivo órgão competente e potencialmente lesivo, logo reclamável (artigo 276.º do CPPT), e não há erro na forma do processo”, conforme decidiu o TCAN no Acórdão de 13-04-2023, proferido no processo n.º 00088/23.6BEBRG.

R. Estando na presença de um “comportamento imediatamente lesivo dos direitos do executado, este pode arguir essa ilegalidade diretamente perante o juiz e através do meio processual previsto no artigo 276.º e segs. do CPPT, não tendo previamente que suscitar a questão perante o órgão da execução fiscal”, citando o STA (processo n.º 1956/18.2BEBRG), razão pela qual a reclamação deverá ser julgada a final procedente, por se entender ser o meio processual adequado à satisfação da pretensão da ora Recorrente.

S. E caso se viesse a entender que tais vícios das decisões deveriam ser subsumidos, ao invés, a nulidades de citação, por resultarem de preterição de formalidades essenciais do ato de citação, no que não se concede, mas que apenas se admite por mero dever de patrocínio, os nossos tribunais superiores já entenderam que quando tais nulidades são invocadas como vícios invalidantes “do próprio acto reclamado ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, deve[m] ser analisada[s] por constituir[em] fundamento da ilegalidade do despacho reclamado, sendo do conhecimento oficioso e pode[m] ser arguida[s] até ao trânsito em julgado (artigo 165.º, n.º 4 do CPPT)”, como consta do Acórdão do STA de 02-04-2014, proferido no processo n.º 0217/14, citado no Acórdão do TCAS de 29-09- 2022, processo n.º 24/22.7 BEALM. No limite, dentro do controlo judicial que é exigido neste contexto, sempre se poderia ter conhecido dessas irregularidades por terem sido arguidas enquanto vícios geradores da ilegalidade das decisões reclamadas.

T. E caso assim não se admitisse, ainda que com condição subsidiária, a reclamação deveria ter sido convolada em requerimento de arguição de nulidades, seja porque foi apresentada no prazo de 10 dias, dentro do prazo legalmente previsto para o dito requerimento, seja porque a Exma. RFP admitiu essa possibilidade no processo; seja porque o mesmo Tribunal decidiu, noutro processo com o n.º 318/23.4BEFUN, que a convolação sempre seria de se impor à luz dos artigos 98.º, n.º 4 do CPPT, e 97.º, n.º 3 da LGT, “uma vez que o efeito jurídico pretendido assim com os respetivos fundamentos de facto e de direito em que assenta” são adequados ao requerimento, como também ensinou o STA nos Acórdãos de 17-03-2004 e de 04-03-2015, proferidos nos processos n.os 0929/03 e
01271/13, respetivamente.

U. O Tribunal a quo deveria ter ainda apreciado, em homenagem aos princípios da economia processual e da tutela jurisdicional efetiva, a legalidade das decisões reclamadas, cuja anulação havia sido peticionada e, ponderadas, com rigor, as normas processuais, a regulamentação europeia e nacional aplicável à recuperação de auxílios de Estado, assim como os princípios e o lastro jurisprudencial europeu e constitucional aplicáveis, deveria ter rejeitado a inadmissibilidade das garantias identificadas que perpassa das decisões reclamadas, e concluído pela ilegalidade dessas decisões, que deveriam ser substituídas por outras conformes.

V. Até porque essa ilegalidade, contrariamente ao afirmado pelo órgão recorrido, afeta o processo executivo na sua substância, que a reclamação teve subida imediata para o tribunal de primeira instância, sendo tramitada como processo urgente, pela iminente situação de prejuízo irreparável, sancionada pelo próprio, e reconhecido o efeito suspensivo da reclamação admitido no n.º 8 do artigo 278.º do CPPT, porquanto o objeto da mesma, pelas matérias a tratar, afeta a totalidade da tramitação da execução.

W. Em qualquer caso, e a título meramente subsidiário, para o caso de este Tribunal ad quem concluir no sentido da existência de uma dúvida contendente com o Direito da União, que justifique a suspensão da instância, para pronúncia pelo Tribunal de Justiça, ao abrigo do mecanismo de cooperação jurisdicional ínsito ao artigo 267.º do TFUE, sugere-se a este douto Tribunal a elaboração de questão ou questões, com as formulações propostas no art. 126.º das presentes alegações.

X. Por tudo o que vem dito nestes autos, e considerando o disposto no n.º 2 do artigo 286.º do CPPT, mais se requer que seja atribuído efeito suspensivo do recurso interposto da sentença recorrida, ainda que proferida numa reclamação de subida imediata, urgente, que afeta a totalidade da tramitação da execução, com o alcance possível para o processo executivo em causa (até à decisão definitiva da reclamação), por forma a evitar ou pelo menos a minorar os prejuízos irreparáveis já identificados que poderão resultar do efeito meramente devolutivo do recurso, nomeadamente com a promoção de diligências executivas, na sua pendência, sem que se justifique a prestação de garantia para o efeito.

NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E CONCEDIDO PROVIMENTO, POR PROVADO E FUNDADO, COM A CONSEQUENTE REVOGAÇÃO DOS SEGMENTOS DECISÓRIOS RECORRIDOS CONSTANTES DE SENTENÇA PROFERIDA NOS PRESENTES AUTOS E SUBSTITUIÇÃO DESTES POR OUTROS EM QUE SE:
1) JULGUE A PRESENTE RECLAMAÇÃO DE ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL UM MEIO PROCESSUAL ADEQUADO À APRECIAÇÃO DOS DOIS PEDIDOS FORMULADOS: O DE ANULAÇÃO DAS DECISÕES RECLAMADAS, CONSTANTES DO ATO DE CITAÇÃO, E O DE ORDEM DE REPETIÇÃO DESSE ATO, COMO ÚNICA MEDIDA DE REPOSIÇÃO DA LEGALIDADE PLAUSÍVEL, COM A SUPRESSÃO DESSAS DECISÕES ILEGAIS, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SUPRA INVOCADOS;
2) ALTERE O PONTO 3. DO PROBATÓRIO NO SENTIDO DE CAPTAR DEVIDAMENTE O OBJETO, OS PEDIDOS E AS CAUSAS DE PEDIR DA RECLAMAÇÃO, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SUPRA INVOCADOS;
3) JULGUE PROCEDENTE A RECLAMAÇÃO DE ATOS DO ÓRGÃO DE EXECUÇÃO FISCAL, POR PROVADA E FUNDADA, NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS SUPRA INVOCADOS, COM TODAS AS DEVIDAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
MAIS SE REQUER QUE SEJA CONCEDIDO O EFEITO SUSPENSIVO AO PRESENTE RECURSO.”.
* *
A Recorrida não apresentou contra-alegações.
* *
A Exmª. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu douto parecer defendendo seja negado provimento ao recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objeto do recurso pelas conclusões das alegações da Recorrente, importa decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter absolvido da instância a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira quanto ao pedido de repetição da citação e julgou improcedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal quanto ao pedido de anulação do ato reclamado.

Importa ainda decidir do efeito fixado ao presente recurso, porquanto no despacho de admissão do recurso pelo Tribunal a quo foi fixado o efeito meramente devolutivo peticionando a Recorrente a fixação do efeito suspensivo.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Em face da prova carreada para os autos, o Tribunal julga provados os factos seguintes:
1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal - 1 foi instaurado contra M…, LDA., o
processo de execução fiscal n.º 2810202301166964, por dívidas de IRC – recuperação de auxílios (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

2. Aquele Serviço de Finanças enviou então a citação do processo de execução fiscal à aqui Reclamante (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);

3. Recebida a citação pela aqui Reclamante, veio a mesma apresentar a presente reclamação, formulando como pedidos o de anulação do ato reclamado e o de repetição da citação, e como causas de pedir que a citação não fixou o valor da dívida para efeitos de prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal, que proibiu o pagamento em prestações e que determinou que a oposição não terá efeitos suspensivos do processo de execução fiscal (cfr. teor da p.i. de reclamação e processo de execução fiscal em suporte virtual).
*
Factos não provados:
Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.
*
Motivação:
A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).”.

* *
Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em alterar a redação do ponto 3 do probatório, passando a ter a seguinte redação:

3. Na sequência da citação para o processo de execução fiscal, a Requerente apresentou em 20/10/2023 uma petição inicial de Reclamação de Ato de Órgão de Execução Fiscal na qual consta o seguinte:
Tendo por objeto o ato (de citação) praticado pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 que não fixou o valor da dívida para efeitos de prestação de garantia para suspensão do processo de execução enquanto a liquidação de imposto subjacente à execução está a ser discutida judicialmente e, consequentemente, não facultou a possibilidade contida no art. 169º do CPPT, como também proibiu o pagamento em prestações e determinou que a oposição à execução (art. 204º do CPPT) não terá efeitos suspensivos da execução”.
(cfr. cfr. doc. 005114069 07-11-2023 20:26:37 numeração SITAF)

E, ainda nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, acorda-se em aditar ao probatório os seguintes pontos:

4) Na petição inicial de reclamação de decisão do órgão de execução fiscal mencionada no ponto anterior é formulado o seguinte pedido:
Termos em que, sem prejuízo da faculdade de revogação do acto que é conferida pelo nº 2 do art. 277º do CPPT ao órgão da execução fiscal, se requer a V. Exª que julgue procedente a presente Reclamação, devendo ser anulado o ato reclamado e repetida a citação contendo o valor a garantir para uso da faculdade contida no artigo 169º do CPPT, a possibilidade de o pagamento ser feito em prestações, como ainda o efeito suspensivo de eventual oposição à execução deduzida nos termos do art. 204º do CPPT.” (cfr. doc. 005114069 07-11-2023 20:26:37 numeração SITAF)

5) Por ofício datado de 02/09/2023, emitido pelos serviços da AT, foi a Reclamante citada no âmbito do processo de execução fiscal nº 2810.2023/01166964, do qual consta, nomeadamente, o seguinte:

“Fica citado(a)1 da instauração do processo de execução fiscal identificado para cobrança da seguinte dívida:

1) A dívida em causa decorre do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira 2, podendo ser consultada na sua área reservada do Portal das Finanças3.

2) A contar da presente citação deverá pagar a totalidade da dívida no montante total de € 3.865.936,58, no prazo de 30 dias, (…);

3) Pode ainda, no referido prazo de 30 dias, querendo:

a) Requerer Dação em Pagamento4, através de bens móveis e imóveis;

b) Apresentar Oposição Judicial5, com os fundamentos previstos da lei não revestindo este meio de defesa carácter suspensivo da execução atendendo à natureza da dívida em causa.

4) Face às características da dívida, não poderá requerer o pagamento em prestações.
Data

Emissão

ImpostoPeríodo do ImpostoQT. ExequendaJuros de Mora
2023-08-29IRC2018€71.252,24€0,00
Total: € 71.252,24 € 0,00

Custas6: € 313,17

Total a pagar: € 71.565.41

Nota:

1Citação – artigos 189º, 190º e 192º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).

2 Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão de 4 de dezembro de 2020 relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex-2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III, publicado no Jornal Oficial da União Europeia nº L217/49 de 28-08-2022.

3Área reservada no Portal das Finanças(…)

4Dação em Pagamento – artigo 201º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).

5Oposição – artigo 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…).

6As custas foram calculadas em função da fase processual e dos encargos.

O Director de Finanças” (…)
(cfr. doc. nº 005114072 07-11-2023 20:26:37 numeração SITAF).


Pese embora a Recorrente tenha impugnado a matéria de facto, mais concretamente o ponto 3 dos factos assentes e tenha cumprido com o seu ónus probatório respeitando os requisitos enunciados no art. 640º do CPC, contudo, a requerida alteração à redação do ponto 3 fica prejudicada face à alteração e aditamento realizada por este Tribunal ao abrigo do art. 662º do CPC.

* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais importa decidir do efeito a fixar ao presente recurso porquanto no despacho de admissão do recurso jurisdicional proferido pelo Tribunal a quo, foi fixado o efeito meramente devolutivo, com o qual a Recorrente discorda, defendendo que o recurso deve ter efeito suspensivo face aos elevados prejuízos que resultam da atribuição do efeito meramente devolutivo.

Vejamos

Como se afirma no Acórdão do STA de 02/204/2020 – proc. 0600/19.5BELLE
Os recursos podem dois efeitos: devolutivo ou suspensivo. Todos os recursos têm efeito devolutivo, que consiste na devolução da competência para conhecer da questão decidida ao tribunal de hierarquia superior, para que este anule ou reveja a decisão recorrida, revogando-a ou confirmando-a; quanto à eficácia da decisão recorrida na pendência do recurso, ela em nada é afectada, tudo se passando como se o recurso não tivesse sido interposto, podendo, em regra, a decisão recorrida ser executada de imediato. O efeito suspensivo, que pode acrescer ao efeito devolutivo, manifesta-se por dois modos, que podem ocorrer simultaneamente: efeito suspensivo da decisão, que impede a execução da sentença ou a produção dos efeitos por ela visados, e efeito suspensivo da marcha do processo, que implica que o processo não prossiga no tribunal onde foi proferida a decisão até estar decidido o recurso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume IV, nota 10 ao art. 279.º, pág. 332, e notas 6 a 9 ao art. 286.º, págs. 508 a 510.
Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 2009, 9.ª edição, págs. 186/187.).
Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 286.º do CPPT, «Os recursos têm efeito meramente devolutivo, salvo se for prestada garantia nos termos do presente Código ou o efeito devolutivo afectar o efeito útil dos recursos».
Porque no caso não foi prestada garantia, o efeito suspensivo só poderá ser decretado ao abrigo da segunda parte da norma transcrita. Assim, será que o mero efeito devolutivo afecta o efeito útil do recurso?
Como bem salientou o Procurador-Geral-Adjunto no seu parecer, estamos perante um processo de reclamação de acto que subiu imediatamente a tribunal, ao abrigo do disposto no art. 278.º do CPPT. Ora, se é certo que actualmente (Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, na alínea n) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando anteriormente dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») e na alínea d) do art. 101.º da LGT (que passou a dizer «O recurso dos actos praticados na execução fiscal, no próprio processo ou, nos casos de subida imediata, por apenso», quando antes dizia «O recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal») – a subida da reclamação a tribunal deixou de ser efectuada no próprio processo de execução fiscal, passando a sê-lo por apenso. De igual modo, as alterações introduzidas no art. 278.º do CPPT pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2015 – eliminação, na epígrafe da norma, da referência ao “efeito suspensivo” e previsão no n.º 5 de que «A cópia do processo executivo que acompanha a subida imediata da reclamação deve ser autenticada pela administração tributária») o efeito suspensivo dessa reclamação sobre a execução fiscal não tem consagração legal expressa, a jurisprudência deste Supremo Tribunal consolidou-se no sentido de que a reclamação com subida imediata mantém o efeito suspensivo do acto reclamado ou mesmo da execução fiscal (Que, antes das alterações referidas na nota anterior, decorria, de facto, da remessa do processo de execução fiscal a tribunal, como salienta JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., IV volume, anotação 2 d) ao art. 278.º, págs. 302/303), sob pena de inutilidade prática e consequente violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado no art. 268.º, n.º 4, da CRP (Cfr. entre muitos outros e por mais recentes, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 21 de Fevereiro de 2018, proferido no processo com o n.º 91/18, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a58f7880e2f3cc3e8025823d00565c63;
- de 20 de Junho de 2018, proferido no processo com o n.º 480/18, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/a3eb60b6ea69023f802582b4004bb488;
- de 26 de Junho de 2019, proferido no processo com o n.º 23/18.3BEBJA (821/18), disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/d32ba0c39ecb9d758025842c0051c950;).
Ora, esse efeito suspensivo, que, no caso, é não só do acto reclamado como do próprio processo de execução fiscal (estando em causa a validade da citação, o efeito suspensivo da reclamação sobre o acto reclamado implica a suspensão da própria execução fiscal), deve manter-se até que a decisão a proferir na reclamação judicial transite em julgado.
Assim, é de deferir a pretensão da Recorrente, de alteração do efeito do recurso.”.

No caso em apreço deve salientar-se que o Tribunal a quo na sentença recorrida, aquando do saneamento dos autos, reconhece o regime de subida imediata da reclamação com conhecimento imediato da mesma nos termos do nº 3 do art. 278º do CPPT por forma a assegurar a tutela jurisdicional efetiva e a utilidade da reclamação.

Ora seguindo o entendimento jurisprudencial acima exposto somos de concluir que o efeito suspensivo decorrente da subida imediata da reclamação do ato do órgão de execução deve manter-se no recurso jurisdicional, pelo que, concluindo, revoga-se o despacho que conferiu o efeito meramente devolutivo ao presente recurso, fixando-se ao invés efeito suspensivo.

Prosseguindo.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal absolveu da instância a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira quanto ao pedido de repetição da citação e julgou improcedente a reclamação de ato do órgão de execução fiscal quanto ao pedido de anulação do ato reclamado.

O Tribunal a quo, assentou a sua decisão no seguinte discurso fundamentador:
Quanto à exceção do erro na forma do processo, a qual se afere pelo(s) concreto(s) pedido(s) formulado(s), o que resulta da p.i. é que foram formulados pela Reclamante dois pedidos diferentes: o de anulação do ato reclamado e o de repetição da citação.
Daqui resulta que se aquele primeiro pedido de anulação do ato reclamado é próprio do presente meio processual – dado que é precisamente a anulação de um ato que se pretende com a apresentação do presente meio impugnatório, o de repetição da citação já não o é, antes sendo competente para o mesmo o Órgão de Execução Fiscal onde tramitar o processo de execução fiscal.
Ocorre então, de facto, um erro na forma do processo, mas apenas quanto ao pedido de repetição da citação.
Sucede que, tendo sido formulado um (outro) pedido próprio deste meio, o erro na forma do processo importa apenas a nulidade parcial do processo, sem que haja lugar à convolação do processo no meio adequado para o conhecimento ou apreciação do pedido desadequado (neste caso, a convolação em requerimento de repetição da citação junto do Órgão de Execução Fiscal).
Com efeito, sendo naquela parte nulo o presente processo, por erro na forma de processo, nos termos do n.º 1 do art.º 193.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não se procede ainda assim à convolação da p.i. em requerimento junto do Órgão de Execução Fiscal, precisamente porque também foi formulado um pedido próprio do meio “reclamação”, antes se considerando assim sem efeito o pedido para o qual o presente processo não é adequado, e absolvendo-se nessa parte a Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira da instância (cfr. al. b) do n.º 1 do art.º 278.º e al. b) do art.º 577.º, ambos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), mas prosseguindo o processo quanto ao demais, isto é, para apreciação do pedido próprio deste meio - cfr., neste sentido, na doutrina, JORGE LOPES DE SOUSA, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 10 e) ao art.º
98.º, págs. 92/93, e volume III, anotação 14 ao art.º 165.º, págs. 146/147, e, na jurisprudência, e entre outros, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11/01/2018, tirado no processo n.º 338/17.8BESNT, ou os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 07/05/2014 e 05/02/2020, tirados, respetivamente, nos processos n.ºs 0198/14 e 01323/18.8BEAVR, arestos todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.”.

E quanto às ilegalidades invocadas pela Reclamante decidiu que:
O meio processual “reclamação”, de que a Reclamante lançou mão com os presentes autos, visa, como resulta do respetivo enquadramento legal, reagir contra as decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro (cfr. art.º 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Trata-se assim do meio processual colocado à disposição do Executado (ou de terceiro), de modo a que este possa impugnar, à luz de um processo de matriz urgente, a legalidade de determinado ato praticado pelo Órgão de Execução Fiscal.
Aqui chegados, as eventuais ilegalidades da citação não constituem fundamento da reclamação prevista nos art.ºs 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
Com efeito, o processo executivo fiscal, como qualquer execução, é um processo judicial, cfr. art.º 103.º da Lei Geral Tributária. Porém, nos termos do art.º 149.º e do n.º 1 do art.º 152.º, inter alia, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, é ao Órgão de Execução que cabe promovê-lo e dirigi-lo de ordinário e, assim, nele praticar a generalidade dos atos que a sua tramitação e condução implicam. Por seu turno, ao Juiz tributário, enquanto Juiz da execução, cabe o conhecimento e decisão dos conflitos que nela se gerem, máxime com e por causa da atuação do Órgão de Execução, art.ºs 151.º e 276.º e ss. do mesmo diploma adjetivo.
Assim, na dúplice condução e decisão do processo executivo tributário, da arguição de invalidades, cabe em primeira linha decisão do próprio Órgão de Execução, mediante requerimento para o efeito do Executado (no caso de invalidades da citação, a apresentar no prazo de oposição – 30 dias -, nos termos do n.º 2 do art.º 191.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi al. e) do art.º 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), e, não concordando com a decisão o seu destinatário, poderá então recorrer dessa decisão para o Juiz da execução, nos termos consignados nos art.ºs 276.º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o que constituirá, como já se apontou, um processo judicial de matriz urgente, incidental da execução fiscal (cfr., no mesmo sentido, acórdão do Pleno da SCT do Supremo Tribunal Administrativo de 19/09/2012, tirado no processo n.º 1075/11, disponível para consulta in www.dgsi.pt).
Assim, entendendo a Reclamante que algo estava em falta padecendo a citação de
ilegalidades, deveria apresentar requerimento junto do Órgão de Execução Fiscal a arguir tais invalidades, e da decisão deste, sempre poderia, como se disse, lançar mão da reclamação prevista no art.º 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
E assim porque as ilegalidades eventualmente praticadas pelo Órgão de Execução Fiscal na citação não afetam o processo de execução fiscal na sua substância, antes obrigam o Órgão de Execução Fiscal à repetição do ato inválido, reparando as ilegalidades primariamente cometidas, dado que a emissão de uma citação para um processo de execução fiscal é uma competência exclusiva do Órgão de Execução Fiscal (cfr. n.ºs 1 dos art.ºs 152.º e 188.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
Ora, não constituindo as ilegalidades da citação fundamento próprio do meio processual de reclamação, cabe daí retirar as devidas consequências.
E, tendo sido formulado um pedido próprio deste meio, a alegação de questões ou causas de pedir que não se enquadrem neste meio processual, não conduz ao erro na forma do processo (o qual como já se disse, se afere em função do concreto pedido formulado), e ponderação de uma eventual convolação em requerimento de arguição de ilegalidades junto do Órgão de Execução Fiscal, mas sim à improcedência da reclamação nessa parte e com esse fundamento de desadequação, uma vez que está em causa a viabilidade do pedido corretamente formulado pela Reclamante.
Neste sentido podem ver-se, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 03/06/2020, tirado no processo n.º 01824/18.8BEBRG e o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17/09/2020, tirado no processo n.º 98/19.8BELRS, ambos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.
Pelo que, e concluindo, improcede a reclamação quanto ao pedido relativo à anulação do ato Reclamado”.

Dissente do assim decidido veio a Reclamante interpor o presente recurso alegando para o efeito e em síntese, que a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito porquanto em seu entender, o Tribunal a quo não compreendeu o objeto, os pedidos e as causas de pedir da reclamação.

Para o efeito afirma que a reclamação apresentada tem como objeto três decisões do órgão de execução fiscal passíveis de autonomização, e que essencialmente constam textualmente do ato de citação para o processo ou são inferidas desse ato e da ausência de resposta a pedidos formulados pela executada previamente. As decisões são;
(i) a de não admissão da possibilidade de prestação de garantia idónea,
(ii) a de não admissão da possibilidade de pagamento da dívida em prestações,
(iii) e ainda a de não reconhecer qualquer efeito suspensivo a eventual oposição à execução a deduzir.
Recorda ainda que foram formulados dois pedidos ao Tribunal a quo; o de anulação de cada uma dessas decisões contidas no ato de citação, mediante a apreciação da ilegalidade das mesmas à luz das normas processuais aplicáveis ao processo de execução fiscal, da ausência de regulamentação nacional específica em cobrança coerciva de auxílios de Estado, e, da regulamentação e jurisprudência europeias nesta matéria; sendo de concluir pela ilegalidade das decisões, lesivas dos seus direitos e interesses, ordenar a reposição da legalidade mediante repetição do ato de citação expurgadas as decisões inquinadas de ilegalidade.

Alega que a reclamação tem como causas de pedir a admissibilidade da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal (com a indicação do valor a garantir), do pagamento em prestações e da dedução de oposição à execução com efeito suspensivo, o que foi previamente decidido negar pelo órgão de execução fiscal.

Mais invoca, a título subsidiário, que caso se entenda que tais vícios das decisões deveriam ser subsumidos a nulidades de citação, por resultarem de preterição de formalidades essenciais do ato de citação, a reclamação deveria ter sido convolada em requerimento de arguição de nulidades.

Considera ainda que o Tribunal a quo deveria ter apreciado, ao abrigo dos princípios da economia processual e da tutela jurisdicional efetiva, da legalidade das decisões reclamadas, e concluído pela ilegalidade dessas decisões, que deveriam ser substituídas por outras conformes. Em qualquer caso, e a título subsidiário, caso este Tribunal ad quem conclua no sentido da existência de uma dúvida com o Direito da União, que justifique a suspensão da instância, seja solicitada pronúncia pelo Tribunal de Justiça, ao abrigo do mecanismo de cooperação jurisdicional ínsito ao artigo 267.º do TFUE.

Vejamos então.


A Recorrente, face ao teor da citação emitida em 02/09/2023 (como consta do ponto 5 por nós aditado ao probatório), reagiu, apresentando reclamação nos termos do art. 276º do CPPT, mencionando expressamente na petição inicial “Tendo por objeto o ato (de citação) praticado pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 que não fixou o valor da dívida para efeitos de prestação de garantia para suspensão do processo de execução enquanto a liquidação de imposto subjacente à execução está a ser discutida judicialmente e, consequentemente, não facultou a possibilidade contida no art. 169º do CPPT, como também proibiu o pagamento em prestações e determinou que a oposição à execução (art. 204º do CPPT) não terá efeitos suspensivos da execução” e formulou o seguinte pedido “Termos em que, sem prejuízo da faculdade de revogação do acto que é conferida pelo nº 2 do art. 277º do CPPT ao órgão da execução fiscal, se requer a V. Exª que julgue procedente a presente Reclamação, devendo ser anulado o ato reclamado e repetida a citação contendo o valor a garantir para uso da faculdade contida no artigo 169º do CPPT, a possibilidade de o pagamento ser feito em prestações, como ainda o efeito suspensivo de eventual oposição à execução deduzida nos termos do art. 204º do CPPT” como consta do ponto 3 e 4 do probatório acima reformulado.

Importa desde já salientar que o erro na forma do processo consubstancia nulidade processual de conhecimento oficioso (artigos 193º e 196º do CPC) sendo que a causa de pedir é irrelevante para efeitos de exame do eventual erro na forma do processo, para os quais apenas interessa considerar o pedido formulado pela parte (cfr. Ac. do STA de 21/11/2019 – proc. 0670/15.5BEAVR).

Da mesma forma, no processo judicial tributário, o erro na forma do processo configura uma nulidade processual de conhecimento oficioso, sendo sanada mediante convolação para a forma do processo correta, importando, apenas a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr. artigo 97.º, n.º 3, da LGT e artigo 98.º, n.º 4, do CPPT).

Na verdade a convolação processual apenas deve ser afastada quando se mostre inviável perante a inidoneidade da petição inicial, a manifesta improcedência da pretensão ou a extemporaneidade da petição em função do meio processual adequado (cfr. Ac. STA de 16/05/2012 – proc. 0409/12).

In casu, atenta a indicação expressa pela Reclamante na petição inicial que o ato reclamado é a citação (invocando que a reclamação tem como causa de pedir; a admissibilidade da prestação de garantia para suspensão do processo de execução fiscal - com a indicação do valor a garantir; do pagamento em prestações e; da dedução de oposição à execução com efeito suspensivo), e formulado o pedido de anulação do ato reclamado (citação) e repetição da citação contendo o valor a garantir para uso da faculdade contida no artigo 169º do CPPT, a possibilidade de o pagamento ser feito em prestações, como ainda o efeito suspensivo de eventual oposição à execução, resulta evidente que o objeto e o pedido da reclamação apresentada reporta-se à citação.

O art. 190º do CPPT consagra as formalidades das citações, sendo que de acordo com o nº 2 dessa disposição legal “A citação é sempre acompanhada da nota indicativa do prazo para oposição, ou para dação em pagamento, nos termos do presente título, bem como da indicação de que, nos casos referidos no artigo 169.º e no artigo 52.º da lei geral tributária, a suspensão da execução e a regularização da situação tributária dependem da efectiva existência de garantia idónea, cujo valor deve constar da citação, ou em alternativa da obtenção de autorização da sua dispensa”.

O pedido da Reclamante de anulação do ato reclamado e de repetição da citação com os elementos acima mencionados, assenta em alegadas irregularidades da citação, cuja verificação é fundamento para a nulidade da mesma (art. 191.º do CPC ex vi do art. 2.º, alínea e), do CPPT).

Salienta-se ainda que o conhecimento de vícios que possam ter ocorrido no processo de execução fiscal por violação de regras relativas à citação do executado, quer formais, quer materiais, é da competência do órgão da execução fiscal ao abrigo do disposto no art. 10.º, n.º 1, alínea f), do CPPT.

Qualquer irregularidade cometida no ato de citação, seja por omissão ou por violação de formalidades legais, não é suscetível de reclamação direta do executado para o Tribunal Tributário, constituindo o meio processual previsto no art. 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário um meio inadequado à pretensão da tutela jurídica, devendo ao invés, ser suscitada no processo de execução fiscal mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.

Concluindo, entendemos ser de conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, declarar a nulidade processual de erro na forma do processo e, consequentemente, convolar a petição inicial de reclamação de ato do órgão de execução fiscal em requerimento de arguição de nulidade da citação dirigido ao órgão de execução fiscal, devendo os autos baixar à 1ª instância para os devidos efeitos.

Em face da presente decisão fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos invocados pela Recorrente.
* *
V- DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência as juízas da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em:
i) Revogar o despacho que fixou ao recurso efeito meramente devolutivo, fixando-se efeito suspensivo;
ii) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, declarar a nulidade processual de erro na forma do processo e, consequentemente, convolar a petição inicial da presente reclamação em requerimento de arguição de nulidade da citação dirigido ao órgão de execução fiscal, devendo os autos baixar à 1ª Instância para os devidos efeitos.

Custas pela Recorrida (que não são devidas nesta instância por não ter contra-alegado).
Lisboa, 14 de Março de 2024
Luisa Soares
Isabel Maria Fernandes
Catarina Almeida e Sousa