Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 3080/12.2 BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 02/29/2024 |
Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
Descritores: | OPOSIÇÃO RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA GERÊNCIA DE FACTO ERRO DE JULGAMENTO / ERRÓNEA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO |
Sumário: | I - A responsabilidade subsidiária assenta numa presunção de culpa funcional relacionada com o exercício efetivo das funções por parte do gerente/administrador, pelo que não basta a mera qualidade jurídica de gerente ou administrador, competindo à exequente fazer a prova dos factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto, de acordo com a regra de que quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigos 342º, n.º 1 do CC e 74.º n.º 1 da LGT). II - Constituindo, o exercício da gerência, uma atividade continuada, a prática de um ato isolado, em nome de determinada sociedade, não é tem, per si, força capaz de, à luz das regras de experiência comum, conduzir à conclusão de que o seu praticante, se encontra no exercício de funções de gerência da sociedade que naquele momento representa. |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul 1 – RELATÓRIO F........, melhor identificado nos autos, veio, na qualidade de responsável subsidiário, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º ........62 e apensos, instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 5 contra a sociedade M........, Lda., e contra si revertida para cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e retensões na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos exercícios de 2009 e 2010. O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença proferida em 3 de dezembro de 2019, julgou , julgou verificada a ilegitimidade do Oponente e, em consequência, determinou a extinção da execução contra o mesmo. Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões: «A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida. B. Na presente oposição, considerou o douto Tribunal que o facto da Fazenda Pública, apenas ter junto um requerimento em que o recorrido assina como gerente da devedora originária e no qual solicitava o pagamento da dívida exequenda em prestações, não é suficiente para concluir pela gerência de facto. C. Salvo o devido respeito, por opinião contrária, não pode a Fazenda Pública concordar com tal decisão, pois o facto de apenas ter sido colhido para os autos esse documento, não significa que não existam outros. D. Importa, contudo, reiterar que de acordo com a jurisprudência assente, a lei não exige que os gerentes, exerçam uma administração continuada, sendo apenas exigido que pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto. E. No caso sub júdice acresce ainda o facto de que, após o falecimento de F........, em 25-10-2008, para a executada primitiva se vincular em todos os seus atos e contratos, era indispensável a intervenção do seu gerente único, o Oponente, ora recorrido. F. O douto Tribunal não teve em atenção, salvo a devida vénia, que uma sociedade não pode permanecer em atividade sem que a única pessoa com exclusividade para a vincular o faça efetivamente, na documentação que houver para assinar, designadamente perante bancos, fornecedores, clientes, AT, Segurança Social, entre outras. G. Perante tal quadro factual não pode a Fazenda Pública concordar com a desconsideração de tais funções percorrida na sentença em mérito, pois provando-se que a oponente foi nomeada gerente e que no período temporal a que se reportam as dívidas exequendas assinou documentos necessários ao giro comercial da sociedade, vinculando-a perante terceiros, tem-se por verificada a gerência de facto. H. Assim e salvo o devido respeito, a prova ínsita nos autos e, as consequências necessárias que dali de aferem sustentam a posição da Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário, devendo ser considerada legitima a reversão contra o recorrida. I. Por todo o exposto, deveria determinar-se a improcedência da oposição pela convicção da gerência de facto do oponente/recorrido, formada a partir do exame crítico das provas. »« O Recorrido, F........, devidamente notificado para o efeito, nada disse. »« A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso. »« Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetidos à conferência desta Subsecção para decisão.
2 - OBJETO DO RECURSO Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que nos vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT). Na situação sub judice as questões suscitadas pela recorrente (FP) consistem em saber se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação da matéria de facto dada por provada e bem assim se, à luz da prova produzida, se mostra acertada a decisão recorrida, quanto à prova quanto ao não exercício da gerência de facto por parte do Oponente. »« 3 - FUNDAMENTAÇÃO A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados: «1) Em 07-08-1986, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a constituição da sociedade por quotas designada "M........, Lda.” constando como gerentes o ora Oponente, L........ e F........ (cf. certidão a fls. 31 e 32 dos autos); 2) Com data de 27-03-2008, foi elaborada uma ata da sociedade descrita em 1) na qual se declara que o Oponente cedeu a totalidade da sua participação no capital social daquela ao sócio F........, renunciando também à gerência (cf. documento a fls. 55 a 58 dos autos); 3) Em 25-10-2008, ocorreu o óbito de F........ (cf. fls. 33 dos autos) 4) Entre 10-11-2009 e 16-03-2010, o OEF instaurou contra a sociedade descrita em 1) os PEF n.° ........62, ........00, .........41, .........27, .........90, ……64, ……71 e ……43 para cobrança de dívidas referentes a falta de pagamento de IVA e retenção na fonte de IRS dos exercícios de 2009 e 2010 (cf. fls. 20 a 27 dos autos); 5) Em 23-03-2010, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a cessação da gerência da sociedade descrita em 1) pelo Oponente, por renúncia, com data de 27-03-2008, e de L........, por óbito, com data de 22-08-1998 (cf. certidão a fls. 31 e 32 dos autos); 6) Na mesma data, foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa a transmissão de quotas da sociedade descrita em 1), constando como sujeito ativo F........ e como sujeito passivo o Oponente (cf. certidão a fls. 31 e 32 dos autos); 7) Em 25-03-2010, deu entrada nos serviços do OEF um requerimento em nome da sociedade descrita em 1), com vista ao pedido de pagamento em prestações dos PEF descritos em 2), constando no final o carimbo da referida sociedade e de forma manuscrita a assinatura "F........." (cf. requerimento a fls. 34 dos autos) 8) Em 18-09-2012, o Chefe do OEF proferiu o seguinte despacho: «Face às diligências de fls., e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra F........ [...] na qualidade de Responsável Subsidiário, pela divida abaixo discriminada. (cf. fls. 17 dos autos); 9) Em 19-09-2012, os serviços do OEF emitiram em nome do Oponente o ofício n.° 7565, registado com aviso de receção, com assunto "CITAÇÃO (Reversão)" (cf. fls. 15 e 16 dos autos); 10) Em 25-09-2012, foi assinado um aviso de receção de citação via postal emitido pelo OEF em nome da Oponente, constando assinalado no mesmo o campo "Este AVISO foi Assinado Por pessoa a quem foi entregue a Carta e que se comprometeu após a devida advertência a entregá-la prontamente ao Destinatário" (cf. fls. 28 dos autos); 11) Em 27-09-2012, os serviços do OEF emitiram em nome do Oponente o ofício n.° 7497 com assunto "ART 241° DO CÓDIGO PROCESSO CIVIL" (cf. fls. 30 dos autos); 12) Em 30-10-2012, a presente petição de oposição foi remetida ao OEF por via postal através de carta com aviso de receção (cf. carimbo constante do talão de aceitação dos CTT a fls. 98 dos autos); 13) Em 10-12-2012, deram entrada neste Tribunal os presentes autos (cf. registo do SITAF); * Consideram-se não provados os seguintes factos: a) Foi exigido ao Oponente a assinatura do requerimento mencionado na alínea 7) da matéria de facto provada, tendo este sido induzido em erro para o fazer, por parte de funcionário do OEF;. * Não existem outros factos, provados ou não, com interesse para a decisão da causa. * A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, assim como nos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PEF apenso aos autos. Quanto ao facto não provado em a), resulta de nada ter sido carreado para os autos no sentido pugnado. »« De direito Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a oposição por provada concluindo que o Oponente é parte ilegítima na execução face à falta de prova por parte da Fazenda Publica dos pressupostos de que depende a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários, nomeadamente do requisito a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 204.° do CPPT. Para assim concluir, o Mmo. Juiz a quo alicerçou o seguinte discurso fundamentador: “(…) a reversão das dívidas cobradas coercivamente na execução de que a presente oposição depende é regulada nos termos da LGT, prevendo o artigo 23.°, quanto à responsabilidade tributária subsidiária, que: “1 - A responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal. 2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão”. E o artigo 24.°, sob a epigrafe “Responsabilidade dos membros de corpos sociais e responsáveis técnicos”, indica que: "1 - Os administradores, diretores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si: a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação; b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”. Do teor do normativo legal exposto resulta que a reversão depende da inexistência de bens suficientes do devedor originário para solver a dívida, sem prejuízo do benefício da excussão prévia, e da gerência de facto do responsável subsidiário. Verificados estes pressupostos, o regime de responsabilidade do gestor varia de acordo com a data em que ocorreu o facto constitutivo da dívida, derivando desta uma repartição distinta do ónus da prova de culpa, por um lado, cabendo à AT comprovar que o gerente teve culpa na insuficiência do património da devedora originária para fazer face ao tributo em dívida, nos termos da alínea a) e, por outro, pertencendo ao responsável demonstrar que não teve tal culpa, nos termos da alínea b). A culpa aqui relevante é reportada à omissão da diligência exigível a um gerente, que deve aferir-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias do caso concreto e em termos de causalidade adequada, a qual não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano (neste sentido, vide Ac. do STA n.° 01209/02, de 2003-03-12, e n.° 01013/11, de 2012-06-20, ambos disponíveis em www.dgsi.pt). Assim, há que verificar, operando a teoria da causalidade, se o Oponente logrou demonstrar que a sua atuação como gerente da sociedade originária devedora, concretizada quer em atos positivos quer em omissões, foi prudente e adequada às circunstâncias concretas, arredando assim a presunção de culpa pela insuficiência do património societário para a satisfação dos créditos exequendos. Não podemos também olvidar que esta presunção, por ser legal, é suscetível de ilisão pela prova do contrário, ou seja, pela prova capaz de criar no espírito do julgador a convicção da realidade dos factos que permitam concluir que a atuação do gerente não tem qualquer relação causal com a insuficiência do património social para a satisfação dos créditos, não bastando a criação de dúvidas a esse propósito (cf. artigo 350.°, n.° 2, do Código Civil). Independentemente da reversão do PEF contra o responsável subsidiário se fundamentar na alínea a) ou na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.° da LGT é à AT que cabe, sempre, fazer a prova do exercício efetivo, ou de facto, da gerência da Oponente na sociedade devedora originária. Isto é também o que resulta do artigo 74°, n.° 1, da LGT, onde se dispõe que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, assim como do artigo 342.°, n.° 1, do Código Civil, ex vi do artigo 2.°, alínea d), da LGT, que determina que àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. Assim, a gerência de facto, real e efetiva, constitui um requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito. Enquanto titular do direito de reversão, impende sobre a AT o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter o PEF contra o gerente da devedora originária, bem como os factos que integram o exercício efetivo dessa gerência e que permitam concluir que, no presente caso, o Oponente controlava os desígnios da sociedade de forma clara e consciente. Estabelece o artigo 260.°, n.° 1, do mesmo Código, que a vinculação da sociedade se efetiva através dos atos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhe confere, vinculando-a perante terceiros, mediante atos escritos apondo a sua assinatura com a indicação dessa qualidade. No quadro legal estabelecido pelo artigo 24.° da LGT, apela-se a um exercício amplo e abrangente da gerência, abrangendo a prática de atos por quem, ainda que não estando em condições legais para vincular a sociedade, dirige efetivamente a empresa e a vincula perante terceiros. E, de acordo com a jurisprudência, o gerente goza de poderes representativos se o ato respeita às relações da sociedade com terceiros, e goza de poderes administrativos se o ato em causa respeita às relações internas entre a sociedade e quem a administra (cf., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 08-05-2012, proc. n.° 5392/12, e de 31-10-2013, proc. n.° 6732/13). Importa, assim, apurar se no caso em apreço há elementos que permitem concluir que o Oponente, praticou atos que consubstanciam o exercício efetivo dessa gerência. Atenta a matéria de facto provada nestes autos em 1), decorre que o Oponente foi designado gerente da sociedade devedora originária em 07-08-1986, mas, conforme a ata descrita na factualidade em 2), renunciou àquela gerência em 27-03-2008. Apesar de aquela renúncia ter sido registada em momento posterior, não assiste razão à Fazenda Pública quanto à possibilidade de se presumir judicialmente a gerência de facto com base nos dados constantes de registo comercial, não podendo o Tribunal inferir da gerência de direito, sem mais, a gerência de facto, conforme a jurisprudência já decidiu e onde se pode ler que «[...] provada que seja a gerência de direito, continua a caber-lhe provar que à designação correspondeu o efectivo exercício da função, posto que a lei se não basta, para responsabilizar o gerente, com a mera designação, desacompanhada de qualquer concretização.» (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.° 0474/12, de 21-11-2012, disponível em www.dgsi.pt). No que respeita ao alegado pela Fazenda Pública quanto à sociedade ter continuado o exercício da sua atividade sem qualquer responsável pelos seus atos por o sócio remanescente ter falecido em 2008, tal argumento não prova o exercício da gerência de facto do Oponente. Considerando as suprarreferidas regras do ónus de prova aplicáveis ao caso em apreço, nos termos das quais recai sobre Fazenda Pública enquanto exequente e como titular do direito de reversão o ónus de alegar e provar os factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto, tal argumento, para consubstanciar prova, teria forçosamente de ser acompanhado por elementos de prova adicionais, que atestassem a efetiva e concreta intervenção do Oponente na atividade da devedora originária. Contudo, sucede que o único elemento que a Fazenda Pública junta aos autos e que se pode traduzir num putativo ato de gerência efetiva é o requerimento assinado pelo Oponente, descrito em 7), através do qual terá agido em representação daquela. Efetivamente, sendo este o único ato de gerência provado nos autos, em que o Oponente terá agido em representação da devedora originária, não é viável à luz das regras da experiência comum, concluir, só por isso, que o Oponente exerce a gerência efetiva da mesma. Com efeito, as decisões da jurisprudência são constantes no entendimento que da prática de um ato isolado não se infere a gerência de facto, ainda que este ato indicie o exercício do poder representativo típico de um gerente por vincular a sociedade perante terceiros e com eficácia externa. Neste sentido, já foi decidido que «[...] Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, não podendo a mesma ser atestada pela prática de actos isolados, mas antes pela existência de uma actividade continuada. De um acto isolado praticado pelo oponente, em que terá agido em representação da executada originária num momento temporal concreto, sendo que tal acto de representação da sociedade nada tem a ver com o objecto social da empresa, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o revertido exerceu, de facto, a gerência da sociedade.» (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 05665/12, de 21-05-2015, disponível em www.dgsi.pt). Assim, na esteira da jurisprudência citada, a Fazenda Pública não juntou prova suficiente que permita concluir-se pela atividade continuada do Oponente na vida da devedora originária. Sendo a alegação e demonstração do exercício da gerência de facto por parte do Oponente um ónus da Fazenda Pública, contra si deve ser valorada a ausência dessa prova, atentas as regras relativas à repartição do ónus da prova contidas no n.° 1 do artigo 342.° do Código Civil e artigo 516.° do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do artigo 2.° do CPPT.” – fim de citação Diga-se, desde já, que acompanhamos, na íntegra o assim decidido. Quanto aos fundamentos do recurso constatamos, que a Recorrente (FP) não impugnou a matéria de facto e não nos vislumbrando quaisquer razões para, oficiosamente, proceder à sua alteração, considera-se a assente a materialidade fixada em 1.ª instância. Conforme decorre do salvatério a Recorrente (FP) vem arguir à sentença erro de julgamento, por considerar que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que foi alicerçada a decisão proferida e põe em causa o julgamento valorativo que na sentença se faz, quanto ao facto de o recorrido ter assinado como gerente da devedora originária um requerimento a solicitar o pagamento da dívida exequenda em prestações – concls. A) e B) A este propósito importa ter presente que, como temos vindo a dizer, apelando ao princípio da livre apreciação da prova ínsito no n.º 5 do artigo 607.º do CPC que, por força do estatuído no artigo 2.º alínea e) do CPPT, que o que a lei impõe ao juiz do processo é que aprecie “livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, com exceção dos “factos para cuja prova a lei exija formalidade especial” e bem assim, daqueles que “só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” No mesmo sentido o n.º 4 da mesma disposição legal vem impor também ao julgador judicial que na fundamentação da sentença proceda à enunciação dos factos que julga provados e não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, sem desconsiderar os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. Donde se depreende que a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto deve incluir não só os elementos de prova que assenta cada um dos factos que ali se consideram provados como também a indicação dos elementos de prova que contribuíram para a formação da convicção do julgador, bem como a respetiva apreciação critica de forma a ser possível conhecer as razões porque se decidiu no sentido em que o foi e não noutro. Dito isto regressamos ao caso em análise tendo presente que a prova que no entender da Recorrente foi erradamente valorado se reporta ao facto assente no ponto 7) do probatório, designadamente no que respeita às consequências que a sentença retirou quanto ao requerimento que o recorrido assina como gerente da devedora originária e no qual solicitava o pagamento da dívida exequenda em prestações. A este respeito, como se pode ler no texto decisório, o Mmo. Juiz a quo referiu que sendo aquele o único ato provado nos autos, “em que o Oponente terá agido em representação da devedora originária, não é viável à luz das regras da experiência comum, concluir, só por isso, que o Oponente exerce a gerência efetiva da mesma”. Discorda a Fazenda Pública por considerar que “o facto de apenas ter sido colhido para os autos esse documento, não significa que não existam outros” – concl. C. Todavia, não logrou em momento algum do procedimento e bem assim no âmbito dos presentes autos proceder à apresentação quaisquer outros elementos donde fosse possível retirar a conclusão pretendida, confinando a sua defesa, à ideia de que “de acordo com a jurisprudência assente, a lei não exige que os gerentes, exerçam uma administração continuada, sendo apenas exigido que pratiquem atos vinculativos da sociedade, exercitando desse modo a gerência de facto” - concl. D. E na verdade a lei não especifica o que o interprete deve entender por “funções de administração ou gestão em pessoas coletivas”, nem, teria que o dizer, já essas funções variam em função da giro empresarial e da natureza da pessoa coletiva em causa, porém, no que se refere aos critério de aferição da responsabilidade subsidiária do gerente na gestão do património societário, relevam as regras de experiência comum e não a lei, uma vez que se trata de um elemento subjetivo de atuação. Contudo, a esse respeito a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem vido a seguir pacificamente o entendimento de que a gerência de facto de uma sociedade comercial passa, desde logo, pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações do gerente ou administrador com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Sendo que a responsabilidade subsidiária assenta numa presunção de culpa funcional relacionada com o exercício efetivo das funções por parte do gerente/administrador, pelo que não basta a mera qualidade jurídica de gerente ou administrador, competindo à exequente fazer a prova dos factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto, de acordo com a regra de que quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigos 342º, n.º 1 do CC e 74.º n.º 1 da LGT). Ora na situação em apreço, nada foi demonstrado no sentido de o Recorrido ter desempenhado, ao tempo, a função de órgão atuante da sociedade, designadamente, que tenha tomando a decisões aquiescidas pelo facto de ser, ainda que, indiciariamente, o administrando e representante da empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros Neste sentido torna-se para nós, óbvio que a circunstância de o Recorrido ter assinado em 25/03/2010, um requerimento em nome da sociedade devedora originária com vista ao pedido de pagamento em prestações das dividas constates em processos executivos, não se revela suficiente para que daí se possa inferir que esse constitua um ato de gerência e muito menos, que o seu apresentante o tenha feito no exercício efetivamente do cargo de gerência da sociedade devedora originária. Isto porque constituindo, como deixamos referido, o exercício da gerência uma atividade continuada, a prática de um ato isolado, em nome de determinada sociedade, não é tem, per si, força capaz de, à luz das regras de experiência comum, conduzir à conclusão de que o seu praticante, se encontra no exercício de funções de gerência da sociedade que naquele momento representa. Para finalizar dir-se-á que, do mesmo modo, não vimos em que medida é que os argumentos esgrimidos nas conclusões recursivas E. a final, possam conduzir à asserção de que o Recorrido exerceu de facto a gerência da sociedade devedora originária e por essa via ser subsidiariamente responsável pelas dividas tributárias contra ele revertidas, sendo que, na verdade, a recorrente também ali não o esclarece. Com efeito, queda-se com argumentos hipotéticos sem base factual ou legal incapazes de atribuir ao Recorrido a responsabilidade funcional pela gerência da sociedade devedora originária. Com efeito, não se vê como é que o falecimento de F........, em 25/10/2008, pode acarretar para o Recorrido qualquer responsabilidade nos desígnios da sociedade, quando se encontra documentalmente provado que este (o Recorrido) havia anteriormente, (em 27/03 desse mesmo ano), renunciado à gerência da sociedade, data em que, também cedeu a totalidade da sua participação no capital social da mesma sociedade ao sócio, entretanto falecido (F........). Aqui chegados, imperioso se torna concluir, como o fez a sentença recorrida que o Recorrido é parte ilegítima na execução uma vez que não resultam dos autos quaisquer elementos capazes de demonstrar provados os pressupostos de que depende a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários. Termos em que, acordam os juízes desta Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que assim se mantém na ordem jurídica. Custas pela recorrente. Lisboa, 29 de fevereiro de 2024 Hélia Gameiro Silva – Relatora Isabel Vaz Fernandes – 1.º Adjunta Lurdes Toscano– 2.º Adjunta (Assinado digitalmente) |