Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1577/09.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:PRESCRIÇÃO
PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
Sumário:I - A prescrição do procedimento por contra-ordenação prevista e punida pelo art. 114.º do RGIT tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de seis anos (art. 28.º, n.º 3, do RGCO).
II - A suspensão da prescrição nos procedimentos pendentes não pode ultrapassar seis meses (art. 27.º-A, n.º 2, do RGCO).
III - A prescrição do procedimento por contra-ordenação é questão de conhecimento oficioso.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente o recurso de contraordenação apresentado por K....., S.A., tendo declarado a existência de nulidade insuprível prevista na alínea d) do nº 1 do art. 63º do RGIT e anulado a decisão de aplicação da coima proferida no processo de contraordenação nº 310…..

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:














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A Recorrida não apresentou resposta.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Foi suscitada a questão da prescrição do procedimento contraordenacional e, tendo as partes sido notificadas para, querendo, se pronunciarem, veio a Recorrida defender a prescrição do procedimento contraordenacional.

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Com dispensa dos vistos legais dada a simplicidade da questão a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.

II- OBJECTO DO RECURSO

Nos presentes autos importa desde logo decidir da questão da prescrição do procedimento contraordenacional suscitada oficiosamente.
E não se verificando a prescrição do procedimento, aferir, como alega a Recorrente, se a sentença recorrida padece de nulidade por não especificação dos fundamentos de facto da decisão.

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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos com interesse para a decisão da mesma:
1)A Arguida K....., SA, com o NIF 507…., entregou a declaração do art.98.º do CIRS fora de prazo, o que constitui infração às normas previstas no art. 98.º do CIRS punível pelo art.114.° n.° 2 e 26.° n.° 4 do RGIT - Atraso na entrega da prestação tributária.

2)O auto de notícia deu origem ao processo de contraordenação fiscal, n.º 310…., cuja parte administrativa correu seus termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8.

3) Da decisão da fixação da coima dá-se aqui por reproduzida para todos os efeitos legais.

Factos não provados
Dos factos, com interesse para a questão em apreciação, constantes da acusação do Digno Magistrado do Ministério Público e dos alegados pela Recorrente, todos objeto de análise concreta, não se provaram outros, suscetíveis de afetar a decisão e que, importe registar como não provados.
Motivação
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base nas informações constantes dos autos, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”.
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Por se mostrarem relevantes para a decisão da causa e resultarem da prova documental junta aos presentes autos, nos termos do art. 431º, alínea a) do CPP, aplicável por remissão do nº 1 do art. 41º do RGCO ex vi da alínea b) do art. 3º do RGIT, importa alterar a redacção de parte da factualidade mencionada em III), em virtude de resultarem dos autos elementos documentais que exigem tal alteração.

Nesse seguimento, procede-se à alteração da redacção dos factos que infra se identificam, com referência à sua enumeração efetuada em 1.ª instância:

1) Em 31/05/2008 foi levantado auto de notícia a K....., S.A., dele constando como elementos da infracção:
“Normas infringidas: Art° 27° n° 1 e 41º nº 1 a) CIVA – Apresentação dentro do prazo D.P., s/ meio de pagamento ou c/ pagamento insuficiente (M)
Normas punitivas: Art° 114 n°2 e 26 n°4 do RGIT - Falta entrega prestação tributária dentro prazo (M)
Valor da prestação tributária em falta: 40.794,27 Eur
Data do cumprimento da obrigação: 09/05/2008
Período a que respeita a infracção: 2008/03
Termo do Prazo para cumprimento da obrigação: 12/05/2008.
(cfr. teor de fls. 62 do doc. nº 0043…. 20-08-2009 12:45:59 - numeração SITAF)

3) Em 03/11/2008 foi fixada à Recorrente, coima no montante de 9.044,09€, constando do despacho proferido, designadamente, o seguinte:
"Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: os quais se dão como provados. Número de Liquidação L.2008.807….
Normas Infringidas e Punitivas
Normas infringidas: Art° 27° n° 1 e 41º, nº 1 a) CIVA – Apresentação dentro do prazo D.P., s/ meio de pagamento ou c/ pagamento insuficiente (M)
Normas punitivas: Art° 114 n°2 e 26 n°4 do RGIT - Falta entrega prestação tributária dentro prazo (M)
Período de Tributação: 200803
Data da Infracção: 2008/05/12
Coima Fixada: 9.044,09 (...)
(cfr. teor de fls. 66/67 do doc. nº 004… 20-08-2009 12:45:59 - numeração SITAF)

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

No âmbito do processo de contraordenação nº 310….. foi apresentado recurso da decisão de aplicação da coima no montante de € 9.044,09, tendo o Tribunal Tributário de Lisboa julgado o recurso procedente por considerar existir nulidade insuprível.

Discordando do decidido veio a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira apresentar recurso alegando em síntese que a sentença recorrida procedeu a deficiente fixação da matéria de facto pertinente, por omissão de factos, com subsequente errónea subsunção dos factos às normas jurídicas, mais alegando nulidade da sentença por não especificação dos fundamentos de facto da decisão (cfr. conclusões D), P) e Q) das alegações de recurso).

Contudo, tendo sido suscitada oficiosamente a questão da prescrição do procedimento contraordenacional, e, sendo esta questão de conhecimento oficioso, a sua análise irá preceder o conhecimento dos demais fundamentos do presente recurso.

A prescrição, que consiste na extinção de um direito por motivo do decurso de um certo lapso de tempo estabelecido na lei, constitui causa de extinção do procedimento contraordenacional, que deve ser conhecida oficiosamente em qualquer estado do processo, enquanto este não tiver terminado, obstando à apreciação do mérito da causa e gerando o arquivamento dos autos (cf. arts. 33.º, n.º 1, 61.º, alínea b), 77.º, n.º 1, do RGIT e Acórdão do STA de 20/05/2020, proc. n.º 01901/15.7BELRA).

Seguiremos, com as necessárias adaptações, o entendimento vertido no Acórdão do STA de 12/05/2021- proc 02248/15, que pela sua clareza, sufragamos sem qualquer reserva.

O procedimento por contraordenação extingue-se, por efeito da prescrição, decorridos cinco anos sobre a prática do facto (cfr. art. 33º, nº 1 do RGIT).

Para determinar o momento da prática da infração é necessário ter em conta que o facto se considera praticado no momento em que o agente atuou ou, no caso da omissão no momento em que deveria ter atuado ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido (art. 5.º, n.º 1 do RGIT), sendo que “As infracções tributárias omissivas se consideram praticadas na data em que termine o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários” (art. 5.º, n.º 2 do RGIT).
Contudo, nos termos do n.º 2 do art. 33.º do RGIT, o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária quando a infracção depender daquela liquidação.
Para efeitos deste dispositivo legal, o STA tem entendido que a infracção depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infracção ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida (cfr Acórdão do STA de 28 de Abril de 2010, proferido no processo com o n.º 777/09).
Trata-se de um prazo especial relativamente ao n.º 1, sendo casos em que a existência da contraordenação depende da liquidação da prestação tributária os previstos nos arts. 108.°, n.°1, 109.°, n.° 1, 114.°, 118.° e 119.°, n.° 1, todos do RGIT (nesse sentido, v. Jorge Lopes de Sousa, e Manuel Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias – anotado, 3.ª ed., anotação ao art. 33.º , Áreas Editora, p. 320).

E como se sumariou no acórdão do TCAS de 16/12/2020, proc. n.º 1579/13.2BESNT:
I-Para efeitos de aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 33.º do RGIT, deve entender-se que a infração depende da liquidação sempre que a determinação do tipo de infração ou da sanção que lhe é aplicável depende da prévia determinação do valor da prestação tributária devida.
II-Tendo sido imputada infração à Arguida punida pelo artigo 114.º, nºs. 2, e 5, al. f), do RGIT, e estando a mesma dependente do apuramento do imposto em falta o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional tem de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.º, nº.4, da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.”

No caso em apreço, estando em causa a contra-ordenação prevista pelo art. 114.º do RGIT e punível pelo mesmo artigo com coima cujo montante se determina pelo valor da prestação devida, pois os respectivos limites mínimo e máximo são fixados tendo por referência o valor do imposto em falta (cfr. Acórdão do STA de 30 de Abril de 2019, proferido no processo com o n.º 679/11.8BEALM), o prazo de prescrição do procedimento por contra-ordenação é reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária, ou seja, é reduzido a quatro anos, a contar do início do ano civil seguinte (dado estarmos perante a falta de pagamento do IVA), de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT.
Nos termos do disposto no art. 28.º, n.º 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações, (RGCO), “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição, acrescido de metade”.
Conforme a jurisprudência do STA, esta norma é também aplicável, subsidiariamente, ao procedimento contra-ordenacional tributário, ex vi o disposto na alínea b) do art. 3.º do RGIT (Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Fevereiro de 2020, no processo n.º 273/12.6BEALM; de 20 de Maio de 2020, no processo n.º 1901/15.BELRA; de 16 de Setembro de 2020, proferido no processo n.º 1476/15.7BELRA e de 7 de Abril de 2021 no processo com o n.º 635/15.7BEVIS).

Assim, e para os efeitos do citado artigo 28.º, n.º 3, do RGCO, a prescrição do procedimento terá lugar quando, desde a data em que se verificou o facto tributário, tiver decorrido o prazo de quatro anos, acrescido de metade.

Vejamos o caso em apreço.

Como resulta do probatório estamos perante uma infracção praticada em 03/2008 (cfr. ponto 1) do probatório) decorrente da falta de entrega de prestação tributária (IVA), prevista e punida pelo art. 114º, nº 2 e 26º nº 4 do RGIT pelo que o prazo de prescrição decorreu desde 01/01/2009 até 31/12/2014 (4 anos + 2).

Contudo importa atender ainda na contagem do prazo de prescrição, ao tempo de suspensão, que todavia, nos termos do n.º 2 do artigo 27.º-A do RGCO, não pode ultrapassar seis meses.

Destarte conclui-se que, na data em que foi proferida a sentença em 1ª instância (14/01/2020) já o procedimento contraordenacional se encontrava prescrito, o que conduz à sua extinção, nos termos da alínea b) do art. 61.º do RGIT, devendo ser determinado o arquivamento do processo nos termos do art. 77.º do RGIT, e art. 64.º, n.º 3 do RGCO.

E, perante a prescrição do procedimento contraordenacional fica prejudicada a apreciação dos demais fundamentos invocados pela Recorrente.
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V- DECISÃO


Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
I) Julgar extinto o processo de contraordenação, por prescrição, e, em consequência, determinar o seu arquivamento;
II) Não se conhecer, por prejudicado, o objecto do recurso interposto pela Fazenda Pública.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Maio de 2022

Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto