Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 1718/23.5BELSB |
Secção: | CA |
Data do Acordão: | 03/19/2024 |
Relator: | MARCELO MENDONÇA |
Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES ACES INSTITUTO PÚBLICO ARTIGOS 33.º E 35.º DO ESTATUTO DO SNS LEGITIMIDADE PASSIVA |
Sumário: | I - A consideração da natureza jurídica do ACES como instituto público, preconizada no n.º 1 do artigo 33.º do novo Estatuto do SNS, aprovado pelo DL n.º 52/2022, de 04/08, depende da subsequente intermediação que é conferida pela aprovação e entrada em vigor do diploma próprio que proceda à sua criação, nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 35.º do mesmo Estatuto, em consonância, aliás, com o imperativamente estipulado nos artigos 1.º, n.º 2, e 9.º, n.º 1, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos. II - Na falta de tal diploma próprio, ao ACES Sintra não pode ainda ser concedida essa nova natureza jurídica de instituto público, que se mantém, por enquanto, como uma unidade integrada na ARSLVT, a esta última competindo, por ora, como pessoa colectiva de direito público que é, a legitimidade passiva no processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, enquanto pressuposto processual vertido no n.º 1 do artigo 105.º do CPTA. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção COMUM |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:
I - Relatório. Administração Regional de Saúde de L…., I.P., doravante Recorrente, no âmbito do processo de intimação para a prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões que lhe foi deduzido pela Ordem dos Enfermeiros, doravante Recorrida, em que esta pediu informação sobre a identificação dos sistemas de informação na saúde que suportam a actividade diária dos profissionais de saúde na “Unidade de Cuidados na Comunidade de Sintra Salutem”, bem como a indicação do número mecanográfico de uma profissional de enfermagem, com o qual a mesma acede aos sistemas de informação da referida unidade, mostra-se inconformada com a sentença de 21/07/2023 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que decidiu, por um lado, julgar improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da ora Recorrente, e, por outro lado, ajuizar procedente o pedido de intimação. A Recorrente vem agora interpor recurso ordinário de apelação contra a sentença do Tribunal a quo, limitando-o, todavia, ao segmento decisório que incidiu sobre a matéria de excepção, pois a Recorrente considera que é parte ilegítima e, como tal, deve ser absolvida da instância. Para tanto, a Recorrente apresenta alegações de recurso, nas quais formula as seguintes conclusões:
“IV – CONCLUSÕES A – A A./Recorrida instaurou no Tribunal a quo ação de intimação contra a R./Recorrente com vista a obter a sua condenação a fornecer-lhe informação que se encontra no domínio do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Sintra, e fundamentou a respetiva pretensão no facto de ter previamente solicitado tal informação ao Diretor Executivo do dito ACES e não ter obtido resposta no prazo legal. F - Sucede que, o DL 28/2008 foi revogado pelo DL n.º 52/2022, de 4 de agosto, que aprovou o Novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, com efeitos a partir de 01.01.2023 (cfr. arts. 105.º e 106.º do Novo Estatuto do SNS e Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro). G – Concomitantemente, o Novo Estatuto do SNS (DL 52/2022) veio introduzir alterações significativas no regime jurídico dos ACES, constantes do respetivo Capítulo III, desde logo a alteração da respetiva natureza jurídica, referindo o seu art.º 33.º/1 que: “1 - Os ACES são institutos públicos de regime especial integrados na administração indireta do Estado, dotados de autonomia administrativa e podendo deter património próprio, constituídos por centros de saúde.” I - Com efeito, o art.º 8.º alterou o disposto no artigo 3.º do DL 22/2012, de 30/01, que aprovou a orgânica das ARS, IP, retirando a estas entidades as competências no âmbito da prestação de cuidados de saúde, e o art.º 16.º revogou o disposto no art.º 2.º/3 do DL 22/2012, segundo o qual: “3 - As ARS, I. P., dispõem de serviços desconcentrados designados por agrupamentos de centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde (ACES), nos termos do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 102/2009, de 11 de Maio.”, com efeitos a partir da data de entrada em vigor da LOE 2023, ou seja, 01.01.2023. J - Nestes termos, com a publicação e entrada em vigor do Novo Estatuto do SNS e do DL 61/2022, a 01.01.2023, os ACES deixaram de ser serviços desconcentrados das ARS, IP, passando a assumir a natureza de institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio, passando, por isso, a dispor de personalidade e capacidade jurídica, sendo, como tal, representados, em juízo ou na prática de atos jurídicos, pelos seus próprios órgãos, no caso, pelo respetivo Diretor Executivo (art.º 43.º, al. a) e 45.º, n.º 1, al. i) do Novo Estatuto do SNS). K - A douta sentença recorrida, assentando na revogação do DL 28/2008, concluiu que o referido ACES continua a ser um órgão dependente da ARSLVT, estribando esta conclusão no disposto no art.º 35.º/1 do Novo Estatuto do SNS, segundo o qual “A criação e a delimitação da área geográfica dos ACES são estabelecidas por diploma próprio, ouvidos os municípios da área abrangida, sob proposta fundamentada da ARSLVT”., e no facto de ainda não ter sido publicado novo diploma a criar o ACES Sintra, julgamento com o qual a aqui Recorrente não se pode conformar. L - Em primeiro lugar porque, o diploma próprio a que alude o citado art.º 35.º não consubstancia uma alteração legislativa necessária à execução do Novo Estatuto do SNS, conforme resulta do disposto no seu art.º 103.º/1, com a epígrafe “Alterações legislativas e regulamentares”, que não prevê nesse elenco “a criação e a delimitação da área geográfica dos ACES”. M – Por outro lado, nos termos do art.º 103.º/2 do Novo Estatuto do SNS até à aprovação das referidas alterações legislativas e regulamentares “mantém-se os diplomas atualmente em vigor em tudo o que não contrarie o presente decreto-lei”. Ou seja, mesmo que se admitisse, ainda que teoricamente, que o diploma relativo à criação e delimitação da área geográfica dos ACES era necessário à execução do Novo Estatuto do SNS, o que só por cautela de patrocínio se admite, uma vez que tal não resulta da lei (art.º 103.º, n.º 1), o DL 28/2008, apenas se manteria em vigor (até sobrevir o referido diploma sobre a criação dos ACES) em tudo o que não contrariasse o Novo Estatuto do SNS (art.º 103.º, n.º 2). N - O que significa que, as disposições do citado DL 28/2008 que configuram os ACES como serviços desconcentrados das ARS, I.P., sujeitos ao seu poder de direção, nunca se poderiam manter em vigor, por contrariarem expressamente o disposto no Novo Estatuto do SNS, concretamente, no artigo 33.º, n.º 1, relativo à natureza jurídica dos ACES, e nos arts. 34.º e seguintes do referido diploma. O - Em segundo lugar ainda, do disposto nos arts. 104.º (com a epígrafe Norma transitória) e 105.º (com a epígrafe Norma Revogatória) do Novo Estatuto do SNS resulta que, apenas se poderão considerar como não revogadas as disposições do DL 28/2008 relativas ao regime de exercício de funções dos Diretores Executivos e membros do conselho clínico dos ACES (respeitantes designadamente às matérias relativas à duração do mandato, possibilidade de renovação, faltas e impedimentos, remuneração e suplementos remuneratórios). E apenas quanto aos Diretores Executivos e membros do Conselho Clínico designados à luz da legislação anterior, e enquanto se mantiverem os respetivos mandatos. P - Pelo que, e em suma, com exceção da matéria relativa ao regime de exercício de funções dos Diretores Executivos e dos membros dos conselhos clínicos dos ACES, o DL 28/2008, de 22/02, encontra-se revogado, assim como o n.º 3 do art.º 2.º do DL 22/2012 (orgânica das ARS) e as disposições do Novo Estatuto do SNS são imediatamente aplicáveis aos ACES já constituídos, entre os quais, o ACES Sintra, desde a data da sua entrada em vigor. AC – E em terceiro lugar porque, a referida Portaria apenas criou os ACES atualmente existentes, ao abrigo do disposto no art.º 4.º do revogado DL 28/2008, estabelecendo a respetiva identificação, sede, área geográfica de atuação, centros de saúde abrangidos e respetiva população, e recursos humanos afetos, identificados por grupo profissional. AD - E esta portaria não foi revogada precisamente porque o que o legislador pretendeu foi a aplicação imediata das novas disposições do Estatuto do SNS aos ACES atualmente existentes, criados através da dita Portaria. AD - O que, de resto, se está a verificar com efetividade, como resulta, a título meramente enunciativo, do Despacho n.º 1737/2023, do Ministro da Saúde, publicado no DR, II Série, n.º 25, de 3 de fevereiro de 2023. AE - Através deste Despacho foi nomeado o Diretor Executivo do ACES de Lisboa Central, criado pela referida Portaria 394-B/2012 (que aliás é mencionada no despacho) tendo a referida designação obedecido ao disposto no artigo 44.º do Novo Estatuto do SNS, por ter sido feita pelo membro do governo responsável pela área da saúde, sob proposta fundamentada da Direção Executiva do SNS. AF - E não, conforme plasmado no art.º 19.º, n.º 1 do revogado DL 28/2008, pelo membro do governo responsável pela área da saúde sob proposta fundamentada do Conselho Diretivo da ARS respetiva. AG – Acresce que, e contrariamente ao decidido, o ACES Sintra já não é um órgão dependente da ARSLVT, encontrando-se já inscrito no Registo Nacional de Pessoas Coletivas enquanto pessoa coletiva de direito público, tendo-lhe sido atribuído o NIPC 517 615 720 (cfr. DOC. 1). AG - Nestes termos, ao julgar improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por traduzir interpretação e aplicação erróneas do disposto no Novo Estatuto do SNS, concretamente nos artigos 33.º, 35.º, 105.º e 106.º assim como do disposto nos artigos 8.º e 16.º do DL 61/2022, e nos arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º º 394-B/2012, e ainda do disposto nos artigos 7.º e 9.º do Código Civil e, por arrastamento, do disposto nos artigos 10.º, n.º 1 e 2, e 105.º, n.º 1 ambos do CPTA. Motivo pelo qual deverá ser revogada por douto Acórdão que declare a ilegitimidade passiva da R./Recorrente nos presentes autos e, em consequência, a absolva da instância, em conformidade com o disposto no n.º 2 e da alínea e), do n.º 4, do artigo 89.º do CPTA.” A Recorrida apresentou contra-alegações, expressando as seguintes conclusões: “… A. No dia 21 de julho de 2023, o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou a Intimação para a prestação de informação e consulta de documentos apresentada pela aqui Recorrida procedente e, em consequência, intimou a ARSLVT a disponibilizar à aqui Recorrida, a identificação dos Sistemas de Informação na Saúde que suportam a atividade diária dos profissionais de Saúde, na Unidade de Cuidados na Comunidade Sintra Salutem, bem como o número mecanográfico da Enfermeira V..., com o qual a mesma acede aos sistemas de informação na Unidade de Cuidados na Comunidade Sintra Salutem, entendendo, no essencial, que: d. “(...) atendendo que a pretensão informativa dirigida pela Requerente à Administração ainda não se encontra satisfeita, a obrigação legal de facultar o acesso à informação solicitada deverá ser cumprida pela Entidade Requerida, de acordo com o estabelecido nos artigos 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 13.º, n.º 1, e 15, n.º 1, da LADA”. B. A ARSLVT, inconformada com a decisão, interpôs Recurso de Apelação, alegando que a sentença recorrida se encontra ferida de erro de interpretação e aplicação de normas, designadamente dos artigos 33.º, 35.º, 105.º e 106.º, do Novo Estatuto do SNS, dos artigos 8.º e 16.º, do Decreto-Lei n.º 61/2022, dos artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 394-B/2012 e dos artigos 10.º, n.º 1 e 2 e 105.º, n.º 1, ambos do CPTA, concluindo não ser parte legítima no processo.
ii. Do pedido de informação no âmbito do processo administrativo C. Ora, a Recorrente começa por referir que o ACES Sintra tem personalidade jurídica e, consequentemente, judiciária (nos termos do artigo 11.º, do CPC) e corrobora a sua posição no facto de a Requerente, aqui Recorrida, ter notificado o Diretor Executivo do referido ACES, em sede de processo disciplinar, para prestar a informação solicitada no âmbito dos presentes autos. D. Contudo, o Regulamento Disciplinar da Ordem dos Enfermeiros não exige o envio de notificação e pedidos de informação a pessoas coletivas dotadas de personalidade jurídica e judiciária, sendo, aliás, o Diretor Executivo do ACES Sintra um órgão desprovido de capacidade jurídica e judiciária. E. Contudo, ainda que a legitimidade de uma entidade como destinatária de pedido de informação em sede de processo disciplinar da Ordem dos Enfermeiros se relacionasse com a legitimidade passiva em sede de processo de intimação para prestação de informações e acesso a documentos – o que se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio –, nos termos do artigo 10.º, n.º 4, do CPTA, é admissível a proposição de uma ação tanto contra um órgão (que no caso seria o Diretor Executivo do ACES), como contra pessoa coletiva (no caso, a ARSLVT), considerando-se a ação regularmente proposta, assumindo a Recorrente a posição de contraparte na relação controvertida, tal como configurada pela Recorrida. F. Em face do exposto, é evidente a legitimidade passiva da Recorrente pelo que o recurso interposto deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. iii. Da revogação do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro G. A Recorrente alega, no seu recurso, que o Novo Estatuto do SNS alterou a natureza jurídica dos ACES, passando o ACES Sintra, a partir de 01 de janeiro de 2023, a ser considerado um instituto público de regime especial, com personalidade e capacidade jurídica e judiciária (cfr. artigos 33.º, n.º 1, 105.º e 106.º, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto e o Decreto-Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro). H. Contudo, tal como entende a sentença recorrida, a aprovação do Novo Estatuto do SNS não efetivou as alterações nele previstas, uma vez que, nos termos do artigo 35.º, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, “[a] criação e a delimitação da área geográfica dos ACES são estabelecidas por diploma próprio, ouvidos os municípios da área abrangida, sob proposta fundamentada da ARS, I. P.” (destaque nosso). I. Visto que, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, não foi ainda proferido novo diploma que crie o ACES Sintra dotado de capacidade judiciária, atualmente, este ainda é um órgão dependente da Recorrente, conforme disposto no de 30 de janeiro, sendo a Recorrente parte legítima do processo, conforme decidiu o Tribunal a quo. J. Neste mesmo sentido foi o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 576/23.4BELSB, no dia 25/08/2023 (ainda não transitado em julgado), que, numa situação em tudo idêntica à que se discute nos presentes autos, entendeu que com a publicação e entrada em vigor do Novo Estatuto do SNS e do DecretoLei n.º 61/2022, em 01 de janeiro de 2023, os ACES não deixaram de ser serviços desconcentrados das ARS, I.P., nem passaram a assumir efetivamente a natureza de institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio, carecendo para tal de regulamentação, como seja a criação dos ACES (artigo 35.º, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto). K. Assim, dúvidas não restam de que o ACES não é, ao momento, um serviço desconcentrado da ARSLVT, carecendo de regulamentação para a sua criação enquanto instituto público de regime especial, dotado de autonomia administrativa e património próprio. L. No mesmo sentido, também por aplicação do artigo 10.º, n.º 3, do CPTA, é a Recorrente parte legítima no processo, uma vez que o ACES ainda não se encontra, ainda, instituído de personalidade jurídica por diploma próprio. M. Em face do exposto, é evidente a legitimidade passiva da Recorrente pelo que o recurso interposto deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. iv. Da vigência da Portaria n.º 394-B/2012, de 29 de novembro P. Assim, ainda que seja intenção do legislador a autonomia administrativa e património próprio dos ACES, tornando-os entidades independentes, não se pode afirmar que tal intenção se encontre positivada no nosso ordenamento jurídico. Q. Em face do exposto, é evidente a legitimidade passiva da Recorrente pelo que o recurso interposto deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. v. Da aplicação do n.º 2, do artigo 103.º, do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, ao caso concreto S. Contudo, da análise à redação o n.º 2, do artigo 103.º, compreende-se que a expressão “mantêm-se os diplomas atualmente em vigor em tudo o que não contrarie o presente decreto-lei” refere-se apenas às alterações legislativas e regulamentares previstas no n.º 1, do mesmo artigo. T. De facto, no n.º 1, do mesmo artigo, não é feita qualquer referência ao estatuto jurídico do ACES, tal como confessa a Recorrente no artigo 38.º, das Alegações de Recurso, pelo que não versando o n.º 1, do artigo 103.º sobre o estatuto jurídico do ACES, então o n.º 2 não se deverá aplicar ao caso concreto, como a Recorrente quer fazer crer nos artigos 37.º a 42.º, das Alegações de Recurso. U. Não tendo, até ao momento, sido publicado qualquer diploma que permita a execução das alterações quanto aos ACES, a Recorrente continua a ser, à data, parte legítima no processo, tal como decidiu o Tribunal a quo (no mesmo sentido veja-se o já referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do processo n.º 576/23.4BELSB, no dia 25/08/2023), pelo que não colhe a argumentação da Recorrente, devendo manter-se a decisão recorrida. vi. Da inscrição no Registo Nacional de Pessoas Coletivas W. Ainda que se admita que com a revogação do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, se procedeu a uma reformulação da missão da ARS, a uma reformulação da respetiva estrutura orgânica, bem como a uma alteração da natureza jurídica dos ACES, que passaram a ser considerados institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e de património próprio, sempre seria necessário, conforme vem sendo demonstrado, a criação de um diploma próprio, para além daquele que regula a criação do mesmo. X. Por outro lado, sempre teria de ser tido em conta o estabelecido Lei-Quadro dos Institutos Públicos, Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, designadamente no atinente à sua criação, uma vez que os Institutos Públicos são pessoas coletivas de direito público, que se regem pelas disposições aplicáveis às pessoas coletivas públicas em geral (cfr. artigos 1.º, n.º 2, 4.º, 9.º e 12.º, todos da Lei-Quadro). Assim, sempre teria de existir um diploma próprio que criasse o ACES Sintra, que definisse a sua designação, jurisdição territorial, fins ou atribuições, membro do Governo da tutela, órgãos e respetivas competências e os meios patrimoniais e financeiros atribuídos, assim como a elaboração dos respetivos Estatutos. Y. Certo é que após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 04 de agosto, não foi proferido novo diploma que crie o ACES Sintra, dotando-o de personalidade jurídica e judiciária (cfr. artigo 11.º, do CPC), sendo ainda um órgão dependente da Recorrente, pelo Z. Note-se que no próprio site da ARSLVT (https://www.arslvt.min-saude.pt/ - https://www.arslvt.min-saude.pt/quem-somos/) consta informação referente à organização interna da ARSLVT, I. P., designadamente de que a mesma é constituída por serviços centrais e ainda por serviços desconcentrados designados por Agrupamentos de Centros de Saúde do Serviço Nacional de Saúde (ACES). AA. Ora, ainda que tenha sido intenção do legislador reconhecer a autonomia administrativa e património próprio dos ACES, tal como refere a Recorrente, a verdade é que não se pode afirmar que tal intenção se encontre positivada no nosso ordenamento jurídico, visto que ainda não foi publicado diploma próprio nos termos dos artigos 9.º e 12.º, da Lei-Quadro, tal como prevê o artigo 35.º, n.º 2, do Novo Estatuto do SNS. Mantém-se, assim, o regime precedente previsto no Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de fevereiro, designadamente quanto à estrutura orgânica do ACES enquanto serviço desconcentrado da ARSLVT, sujeito ao seu poder de direção. BB. Assim, dúvidas não restam de que a Recorrente é, ao momento, parte legítima no processo, pelo que o recurso interposto deve ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida. CC. Em face do exposto, a sentença recorrida não padece de qualquer erro de julgamento, aplicando e interpretando corretamente o disposto nos artigos 33.º, 35.º, 103.º, 105.º e 106.º, do Novo Estatuto do SNS, nos artigos 8.º e 16.º, do Decreto-Lei n.º 61/2022, de 23 de setembro, nos artigos 1.º e 2.º, da Portaria n.º 394-B/2012, de 29 de novembro e ainda nos artigos 7.º e 9.º, do Código Civil, no artigo 11.º, do CPC e nos artigos 10.º, n.º 1 e 2 e 105.º, n.º 1, ambos do CPTA.” *** II - Delimitação do objecto do recurso.Considerando que são as conclusões do recurso a delimitar o seu objecto, nos termos conjugados dos artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, cumpre apreciar e decidir no caso vertente, resumidamente, a seguinte questão: - Saber se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, no que respeita ao julgamento de improcedência que fez sobre a excepção dilatória de ilegitimidade passiva da Recorrente, em rigor, a única que foi submetida à sindicância deste TCAS pelo recurso “sub judice”, se encontra eivada, ou não, do erro de direito que lhe vem apontado, mormente, importa dilucidar se a decisão recorrida, relativamente à qualificação da natureza jurídica do “Agrupamento de Centros de Saúde Sintra” (ACES), fez uma correcta interpretação e aplicação conjugada do previsto, nomeadamente, nos artigos 33.º, n.º 1, 35.º, n.º 1, 103.º, 105.º e 106.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (doravante apenas o ESNS), aprovado pelo DL n.º 52/2022, de 04/08, assim como, do disposto nos artigos 8.º e 16.º do DL n.º 61/2022, e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º º 394-B/2012, e ainda do disposto nos artigos 7.º e 9.º do Código Civil, e, por inerência, do disposto nos artigos 10.º, n.ºs 1 e 2, e 105.º, n.º 1, ambos do CPTA. *** III - Fundamentação de facto.A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: “A) Em 12.07.2022, deu entrada no Conselho Jurisdicional Regional da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros, uma participação com o seguinte teor: «(…) Venho por este meio efectuar uma denúncia/queixa da Enfermeira V... que exerce funções na UCC Sintra Salutem. Verifiquei que a Enfermeira V... tem consultado várias vezes informação referente à minha área pessoal do SNS 24 (informação clínica), sendo que eu nunca me desloquei a esta unidade de saúde, nunca fiz qualquer tipo de tratamento ou outros nessa unidade. Desta forma, não compreendo a motivação e intenção desta Enfermeira e o que a leva a consultar por várias vezes informações pessoais e sigilosas. B) Em 24.11.2022, na sequência da participação referida na alínea anterior, a 1.ª Secção do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros deliberou proceder à abertura de um processo disciplinar (cfr. documento n.º 2 junto com o requerimento inicial). C) Em 24.01.2023, o Conselho Jurisdicional Regional da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros emitiu o ofício com a referência «SAI-OE/2023/855», dirigido ao Diretor Executivo do Agrupamento de Centros de Saúde - ACES Sintra, com o seguinte teor: «(…) Na sequência de queixa, remetida a 12/07/2022 à Ordem dos Enfermeiros pela , a l.ª Secção do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, em reunião de 24/11/2022, deliberou a instauração de procedimento disciplinar, melhor identificado acima, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 40.º, n.º 3, do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Enfermeiros. D) Em 14.04.2023, o Conselho Jurisdicional Regional da Secção Regional do Sul da Ordem dos Enfermeiros emitiu o ofício com a referência «SAI-OE/2023/4439», dirigido ao Diretor Executivo do Agrupamento de Centros de Saúde- ACES Sintra, com o seguinte teor: «(…) *** IV - Fundamentação de Direito.A Recorrida, com vista à instrução de procedimento disciplinar, requereu a intimação da Recorrente para prestar informação sobre a identificação dos sistemas de informação na saúde que suportam a actividade diária dos profissionais de saúde na “Unidade de Cuidados na Comunidade de Sintra Salutem”, bem como a indicação do número mecanográfico de uma profissional de enfermagem, com o qual a mesma acede aos sistemas de informação da referida unidade. A ora Recorrente, em articulado de resposta ao processo de intimação, suscitou a excepção dilatória da sua ilegitimidade. O Tribunal a quo julgou improcedente a referida excepção de ilegitimidade passiva, decisão contra a qual se mostra inconformada a Recorrente. Indo já para a apreciação e decisão do presente recurso, importa dizer que a temática fundamental que nos traz o presente dissídio já foi objecto do acórdão anteriormente proferido pela Secção de Contencioso Administrativo deste TCAS, em 25/08/2023, no âmbito do processo sob o n.º 576/23.4BELSB (com trânsito em julgado) - não disponibilizado pelo sítio da internet www.dgsi.pt, mas consultável na plataforma electrónica do SITAF. A similitude entre os processos de intimação é inquestionável, porquanto, não só as partes são as mesmas (Ordem dos Enfermeiros v. Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P.), como têm ambos os recursos a mesma questão fundamental sujeita à apreciação deste TCAS: a decisão do Tribunal a quo que julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pela ora Recorrente, Administração Regional de Saúde de L…, I.P., e que, no essencial, demanda a sindicância das mesmas normas legais. Sendo assim, não vemos razões para, neste caso concreto, nos afastarmos do julgamento e da decisão precedentemente tomada por este TCAS no processo sob o n.º 576/23.4BELSB, que neste recurso será, igualmente, mantida, atentas não só razões de consistência e uniformização decisórias, mas também do mérito da fundamentação de direito e da justeza decisória que transparece da posição propugnada pelo acórdão antecedentemente identificado. Por se revelarem deveras esclarecedores da posição que aqui, do mesmo modo, sufragamos, passamos a transcrever os fundamentos basilares do supra citado acórdão, nos seguintes moldes: “Dúvidas inexistem de que à luz do Decreto-Lei n.º 28/2008, de 22 de Fevereiro, as ARS, I.P. são as pessoas coletivas de direito público a que pertencem os ACES (seus serviços desconcentrados), e como tal as entidades a demandar judicialmente sempre que estejam em causa actos imputáveis aos órgãos dos ACES. Acontece que o DL 28/2008 foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de Agosto que aprovou o Novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2023, data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2023 (Lei n.º 24- D/2022, de 30 de Dezembro). Conforme se refere no preâmbulo do Novo Estatuto do SNS (DL 52/2022): “(…) Ao elencar as unidades prestadoras de cuidados de saúde que integram o SNS - os agrupamentos de centros de saúde (ACES), os hospitais, os centros hospitalares, os institutos portugueses de oncologia e as unidades locais de saúde (ULS), integrados no setor empresarial do Estado ou no setor público administrativo -, o Estatuto do SNS aproveita para rever os seus regimes de criação, organização e funcionamento e respetivos estatutos, atualizando-os. Destaca-se a alteração da natureza jurídica dos ACES, que são considerados institutos públicos de regime especial, dotados de autonomia administrativa e património próprio, com responsabilidades de contratualização da prestação de cuidados de saúde primários com a ACSS, I.P., à semelhança do que acontece com as unidades hospitalares. (…)” Alterações legislativas e regulamentares
Artigo 106.ºEntrada em vigor e produção de efeitos 1 - O presente decreto-lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação. 2 - As disposições constantes do capítulo iii e a alínea c) do artigo anterior produzem efeitos com a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2023 O Capítulo III do referido Diploma, sob a epígrafe: Regime de criação, organização e funcionamento dos agrupamentos de centros de saúde, consta dos artigos 33º a 62º), destacando-se: Artigo 33.º Natureza jurídica 1 - Os ACES são institutos públicos de regime especial integrados na administração indireta do Estado, dotados de autonomia administrativa e podendo deter património próprio, constituídos por centros de saúde. Artigo 35º 1 - A criação e a delimitação da área geográfica dos ACES são estabelecidas por diploma próprio, ouvidos os municípios da área abrangida, sob proposta fundamentada da ARS, I. P. b) A área geográfica e a população abrangidas por cada um desses centros de saúde; II - A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente. (…) V - Mas além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os quais se tenta determinar o espírito da lei, a sua racionalidade ou a sua lógica. (…)”. A unidade do sistema jurídico (cfr. art.º 9.º, n.º 1 do CC) deve ser atendida na interpretação e aplicação do direito. Segundo Castro Mendes “A ordem jurídica forma um sistema, de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras - cada norma e conjunto de normas funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação" (Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1977, pág. 361). *** Custas a cargo da Recorrente – cf. artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º e 189.º do CPTA, e 12.º, n.º 1, alínea b), do RCP.*** Em conclusão, é elaborado sumário, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 663.º, n.º 7, do CPC, aplicável “ex vi” do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA, nos seguintes moldes:I - A consideração da natureza jurídica do ACES como instituto público, preconizada no n.º 1 do artigo 33.º do novo Estatuto do SNS, aprovado pelo DL n.º 52/2022, de 04/08, depende da subsequente intermediação que é conferida pela aprovação e entrada em vigor do diploma próprio que proceda à sua criação, nos termos do previsto no n.º 1 do artigo 35.º do mesmo Estatuto, em consonância, aliás, com o imperativamente estipulado nos artigos 1.º, n.º 2, e 9.º, n.º 1, da Lei-Quadro dos Institutos Públicos. II - Na falta de tal diploma próprio, ao ACES Sintra não pode ainda ser concedida essa nova natureza jurídica de instituto público, que se mantém, por enquanto, como uma unidade integrada na ARSLVT, a esta última competindo, por ora, como pessoa colectiva de direito público que é, a legitimidade passiva no processo de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, enquanto pressuposto processual vertido no n.º 1 do artigo 105.º do CPTA. *** V - Decisão.Ante o exposto, acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores que compõem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional, e, em consequência, manter a sentença na parte recorrida. Custas pela Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 19 de Março de 2024. Marcelo Mendonça – (Relator) Lina Costa – (1.ª Adjunta) Ricardo Ferreira Leite – (2.º Adjunto) |