Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1274/10.4 BELRA
Secção:CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO
Data do Acordão:06/07/2018
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC
LIQUIDAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I. O dever de fundamentação dos actos tributários tem suporte no artigo 268.º, n.º 3, da CRP e artigo 77.º da LGT. Da conjugação destes preceitos resulta que a fundamentação do ato tributário háde ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão, clara/acessível, permitindo que, através dos seus termos, se compreendam os factos e o direito com base nos quais se decide, suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.

II. Está suficientemente fundamentado o acto de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Tributária a liquidar o imposto em causa.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I.RELATÓRIO
E....., S.A., [anteriormente E….. – ….., S.A., sociedade incorporada, por fusão] recorre para este Tribunal Central Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida na sequência do indeferimento da reclamação graciosa oportunamente apresentada contra actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2007, no montante global de €58.905,29.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. O Tribunal a quo motivou a sua decisão sobre a matéria de facto dada como provada na sentença ora em crise, no depoimento das testemunhas arroladas pela impugnante, bem como no da testemunha arrolada pela AT:

2. E em sede de fundamentação de Direito, entendeu o que (...) competia à impugnante o ónus da prova da indispensabilidade dos custos para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, como decorre do art.º23º do CIRC e que (...) Não obstante o contrato celebrado em 01/01/2007 impendia sobre a impugnante o ónus de especificar a natureza concreta dos serviços realizados e demonstrar que os mesmos foram efectivamente prestados (cfr art.º74º nº1 da LGT e 342º/1 do Código Civil), "Não tendo a impugnante logrado fazer essa prova, é forçoso concluir que improcedem nessa parte as suas alegações.

3. Aquele decisório revela manifesto erro na apreciação da prova carreada para os autos e consequente errada aplicação de Direito.

4. Desde logo, as duas testemunhas arroladas pela impugnante depuseram de forma espontânea e credível, tendo bem explicado as relações entres as empresas figurantes no contrato, os serviços contratados, a forma de imputação dos respectivos custos, bem como a sua imprescindibilidade para a actividade da empresa impugnante.

5. E se atentarmos no depoimento da testemunha indicada pela Impugnada, Maria ....., é flagrante o erro da decisão recorrida, já que esta testemunha cuja razão de ciência lhe advém de ser inspectora tributária e ter procedido à inspecção em causa e ter elaborado o relatório que suportou a decisão de não admissibilidade da dedutibilidade do IVA em causa nos autos, foi peremptória ao afirmar a "Nunca foi posta em causa que a C..... fornecesse trabalho administrativo, de marketing...", Assim como perguntada se foi posta em causa a sua imprescindibilidade? Respondeu: Não, nunca foi... (...) a natureza do serviço nunca foi posto em causa nem que fosse imprescindível ao funcionamento da E..... cfr.01:19:46, bem como afirmou que "Nunca foi posto em causa os serviços serem necessários ...cfr 01:21:26 dos depoimentos.

6. Como pode a sentença recorrida ter considerado não provados factos que a AT confessou ter sempre admitido como verificados e que nunca foram postos em causa pela mesma?

7. Da conjugação do contrato considerado pela decisão recorrida com os depoimentos prestados, resultaram provados os factos que, incompreensivelmente, a sentença não considerou como tal e que impunham, a procedência da impugnação apresentada pela ora Recorrente.

8. Daquela ponderação e análise crítica teriam de incluir a matéria provada quer a natureza dos custos, a sua efectiva prestação à impugnante, bem como a imprescindibilidade dos mesmos e a sua efectiva ligação à obtenção de proveitos no desenvolvimento da actividade da impugnante.

9. E a imprescindibilidade dos mesmos, à luz dos ensinamentos de António Moura Portugal, que ora se dão por reproduzidos, citados na sentença, não podia ter-se como não assentida.

10. Aliás, no caso dos autos, tal imprescindibilidade, com o devido respeito, resulta até do conhecimento geral - qual é a empresa que vende bebidas alcoólicas para o mercado externo, funciona sem serviços de contabilidade? E de tesouraria? E financeiros? E de Recursos Humanos, de Marketing, de Informática?

11. Uma vez demonstrado, como se crê que o foi sobejamente, que a impugnante não tinha ao seu serviço funcionários administrativos gerais, mas tão só os necessários ao desenvolvimento da sua actividade específica, de exportação, com tarefas muito próprias de facturação para o mercado externo, os referidos custos não podem deixar de ter-se como absolutamente indispensáveis ao funcionamento da empresa Recorrente, à prossecução da sua actividade e, consequentemente, à sua obtenção de proveitos.

12. Os depoimentos das duas testemunhas arroladas pela impugnante, bem como da testemunha arrolada pela AT são absolutamente consonantes com a matéria de facto dada como provada sob os pontos A. e B e a sua devida valoração implicaria desde logo que o tribunal tivesse decidido em sentido diverso, atenta a necessidade de ter dado como provada a natureza dos serviços prestados, a sua efectiva prestação à impugnante, bem como a sua imprescindibilidade, de ter dado como cumprido o disposto no artº23º do CIRC.

13. Também quanto à questão da falta de fundamentação do ato de liquidação invocada pela impugnante ora recorrente, igualmente desatendida pela sentença ora em crise, não pode a recorrente conformar-se, já que, a passagem transcrita pela sentença recorrida como suporte da liquidação em causa, a permitir alguma conclusão sobre a fundamentação da liquidação em causa, seria exactamente a oposta da "alcançada" pelo Tribunal.

14. Da citação do relatório resulta a necessidade de justificação material dos serviços em causa bem como a imputação do respectivo valor à E....., SA.- refere-se pois à natureza dos serviços e sua efectiva prestação, bem como ao critério de imputação dos respectivos custos.

15. Não faz o trecho em análise qualquer referência à fixação dos preços dos serviços, pelo que a fundamentação da sentença recorrida quanto à questão da falta de fundamentação da liquidação adicional em causa é, em si própria, inequívoco sinal da sua falta de fundamentação.

16. Na verdade, a liquidação padece de falta de fundamentação que permita, quer à impugnante, quer ao próprio Tribunal "apreender o iter cognoscitivo seguido" pela mesma.

17. Sem necessidade de mais considerações, não pode deixar de concluir-se que também quanto a este ponto, mal andou o Tribunal Recorrido.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao recurso ora interposto, revogando-se sentença recorrida como é de Direito e de JUSTIÇA.»

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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer de fls. 201/204 dos autos, no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir em conferência.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Da leitura das conclusões de recurso as questões a decidir são as seguintes:
(i) se a sentença incorreu em erro na valoração da prova e erro de julgamento quando manteve a liquidação adicional de IRC na parte em que esta teve origem na correcção do lucro tributável por a Administração Tributária e Aduaneira dada a desconsideração fiscal dos custos aqui questionados.
(ii) se a liquidação adicional de IRC referente ao ano de 2007 padece de falta de fundamentação.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a fundamentação respectiva nos seguintes termos:
«1. No dia 01 de Janeiro de 2007, foi celebrado um acordo denominado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, entre a sociedade C....., S.A. e diversas sociedades, entre as quais a Impugnante, E....., S.A., nos termos do qual, além do mais, aquela assumiu a obrigação de prestar serviços de contabilidade, financeiros, controlo e gestão, informática, recursos humanos, cobrança e gestão de crédito, marketing, enologia e gestão logística, cabendo à Impugnante suportar uma parte dos custos incorridos com as referidas prestações de serviços – cfr. fls. 76 a 78 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
2. A imputação dos custos nas empresas do “Grupo” foi realizada de acordo com o volume de serviços ou negócios efectuados – cfr. depoimento das testemunhas da Impugnante.
3. Em 28 de Julho de 2008, a sociedade C....., S.A. transmitiu à Impugnante a sua posição contratual no contrato de prestação de serviços referido em 1., mediante acordo de “CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL EM CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS” – cfr. fls. 79 a 81 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Com base na ordem de serviço n.º OI....., emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ….., em 10 de Fevereiro de 2009, a Impugnante foi alvo de uma acção de inspecção externa de âmbito parcial (IRC e IVA), incidente sobre os exercícios de 2007 e 2008, que teve início em 05 de marco de 2009, prorrogada por mais três meses e concluída em 16 de Novembro de 2009 – cfr. relatório de inspecção tributária (RIT) constante de fls. 25 a 60 do processo de reclamação graciosa apenso.
5. No âmbito do procedimento inspectivo referido no ponto antecedente, a Impugnante foi notificada pessoalmente no dia 17 de Novembro de 2009, na pessoa do seu Director Administrativo e Financeiro, do projecto de relatório de inspecção para exercício do direito de audição – cfr. fls. 23 do processo de reclamação graciosa apenso.
6. Por requerimento, com data de entrada em 02 de Dezembro de 2008, a Impugnante exerceu o seu direito de audição prévia, peticionando que fossem dadas sem efeito as correcções propostas em sede de IRC e IVA para os exercícios de 2007 e 2008 – cfr. fls. 68 a 75 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. No dia 04 de Dezembro de 2009, foi emitido pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..... relatório de inspecção tributária relativo ao procedimento inspectivo referido no ponto 4. que antecede, onde ficou consignado na parte que ora importa, o seguinte:
“I. CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
Da análise externa em sede de IRC efectuada ao sujeito passivo resultaram as seguintes correcções meramente aritméticas:
I.1 - Em sede de IRC
              Apuramento da Matéria Colectável a Acrescer
Rúbrica
    Pto Relatório
    Correcção
    Exercício
III
Conta 622368 Serviços Gestão e Administrativos
    III.2.1
75.214,79 €
    2007
Conta 622361 Assessoria Jurídica e Técnica
    III.2.1
130.679,71 €
    2007
Conta 6931 Perdas em Existências - Sinostros
    III.3.1
7.353,44 €
    2007
Conta 622368 Serviços Gestão e Administrativos
    III.2.2
184.488,32 €
    2008
Total
397.736,26 €
[...]

I.3 - Em síntese

Exercício de 2007
Lucro TributávelDeclaradoCorrecçãoValor Proposto
4.177,83 €213.247,94 €217.425,77 €
[...]
II. OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA ANÁLISE EXTERNA
[...]
II.3- Outros
II.3.1- Descrição da Actividade
A E....., SA tem como actividade principal o «COMÉRCIO POR GROSSO DE BEBIDAS ALCOOLICAS», CAE 46341.
A E..... iniciou a sua actividade em 15/3/2005, tendo registado operações activas apenas a partir de Fevereiro de 2007. [...]
[...]
No exercício de 2007, ano de arranque propriamente dito da actividade, o Sujeito Passivo, registou um volume de negócios de 6.051.894,70€, enquanto que no exercício de 2008 o valor ascendeu a 7.041.125,58€ evidenciando um crescimento de cerca de 9%.
No que respeita ao resultado do exercício de 2007, apresentou pela primeira vez lucro fiscal no valor de 4.177,83€ face ao prejuízo fiscal de 2.672,18€ do exercício anterior. Por outro lado em 2008, apresentou prejuízo fiscal de 83.455,70€.
[...]
II.3.2- Organização contabilística / fiscal
O sujeito passivo possui contabilidade organizada nos termos da Lei Fiscal e Comercial encontrando-se enquadrado no regime geral de tributação em sede de IRC. [...]
A E..... SA tem cumprido com as suas obrigações declarativas em sede de IVA e de IRC, no entanto, não tem assumido a existência de operações vinculadas com empresas relacionadas na Declaração Anual de Rendimentos (IES – Informação Empresarial Simplificada), nem possui Dossier de Preços de Transferência, factos estes que constituem uma infracção ao preceituado no artigo 58º do Código do IRC.
[...]
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL
III.1 – Diligências efectuadas
Para análise dos valores declarados pelo Sujeito Passivo para a matéria colectável, foram solicitados elementos, designadamente respeitantes a prestações de serviços diversas. Foram apresentadas cópias de documentos de despesa e outros elementos para suportar e justificar as prestações de serviços em causa, nomeadamente as adquiridas a empresas com as quais a E..... SA, tem relações especiais.
Após apreciação, os elementos apresentados mostraram-se insuficientes para comprovar todos os serviços em causa, pelo que não nos foi possível aferir da imprescindibilidade dos custos, mencionados nos sub pontos seguintes, para a realização de proveitos da sociedade, violando o Sujeito Passivo o disposto no artigo 17º conjugado com o artigo 23º, ambos do Código do IRC.
Constatou-se ainda que, para além dos valores das prestações de serviços, realizadas por empresas com as quais tem relações especiais, serem de montante elevado, os documentos de despesa não cumpriam com os requisitos do artigo 36.º (antigo 35º) do Código do IVA, por apresentarem descrições vagas, que não permitem estabelecer a necessária relação com a realização de operações tributáveis. São exemplo dessas descrições as seguintes: “Cedência de pessoal”, “Prestação de serviços de vendas”, “Serviços de Gestão de Projectos”, “Serviços de Marketing e Serviços de Gestão de Recursos Humanos”, “Reembolso de Despesas – Paulo .....”, “Combustíveis – Gasóleo”, “Prestação de Serviços Administrativos” e “Comunicações”. Também os documentos anexos, principalmente quadros resumo, em Excel, se mostraram insuficientes e pouco esclarecedores quanto às tarefas desempenhadas.
Sendo a actividade da E..... SA, o comércio por grosso de bebidas alcoólicas, aproveita-lhe a prestação de serviços administrativos, serviços de marketing e gestão de projectos, serviços de vendas, combustíveis, entre outros, não sendo condição suficiente a vontade das partes repartir custos, pois o que está em causa é o facto tributário e este tem a ver com a dispensabilidade ou indispensabilidade dos mesmos na E..... SA e que esta não explicou.
Deve o sujeito passivo ficar ciente de que a relação tributária não é disponível e modificável por vontade das partes devendo a este respeito ser observado o disposto no artigo 36º, nº1 e nº2 da LGT – Lei Geral Tributária.
[...]
Neste âmbito foi solicitado ao Sujeito Passivo por meio de Notificação, datada de 13 de Maio, do corrente ano, que apresentasse os seguintes esclarecimentos, relativamente ao exercício de 2008:
[...]
Em resposta à notificação o Sujeito Passivo, não apresentou elementos diferentes dos já recolhidos no âmbito da acção de inspecção e que de forma concreta e objectiva justificassem e evidenciassem materialmente os serviços em causa bem como a imputação do respectivo valor à E..... SA. Mantêm-se assim as mesmas dúvidas quanto à imprescindibilidade das referidas despesas.
[...]
A Administração Fiscal não logrou obter forma de averiguar a razoabilidade dos custos imputados pelas empresas do Grupo E….. à E..... SA pelo que, decidiu efectuar novo pedido de esclarecimentos ao Sujeito Passivo dirigido específica e concretamente, aquelas tipologias de despesas.
Assim, na prossecução do objectivo da inspecção tributária de apuramento da verdade material dos factos tributários procedemos, novamente, à Notificação do Sujeito Passivo, em 1 de Setembro, sendo os esclarecimentos/elementos solicitados os que a seguir se transcrevem, dirigidos ao exercício de 2007 e 2008:
[...]
O Sujeito Passivo, em resposta à Notificação supra transcrita, apresentou-nos o Acordo de Prestação de Serviços, relativo à prestação de serviços administrativos da “C.....”, quanto à prestação de serviços administrativos da “Enoport SGPS” e à prestação de serviços de gestão de projectos e serviços de marketing, são apresentados Mails enviados pelo administrador Nuno ..... a comunicar a imputação desses serviços. No entanto, da leitura do Acordo e dos Mails, não resultam quaisquer esclarecimentos específicos sobre as tarefas a desempenhar pelos funcionários e sobre as razões de serem imputados individualmente de forma diferente, nem qualquer clarificação sobre os critérios utilizados para a repartição do custo entre a “C.....” e a E..... SA assim como, entre a “E..... SGPS” e a E..... SA. Apenas é feita referência à natureza dos custos e nada é dito quanto aos cálculos, aos motivos para ajustamentos, aos valores estimados, à especificidade dos trabalhos a prestar, bem como à sua possível comparabilidade com o custo de serviços da mesma natureza a fornecer por entidades independentes. Estas circunstâncias de esclarecimento não permitiram determinar o carácter de imprescindibilidade daqueles custos e deixa dúvidas quanto ao montante, face às necessidades e capacidades objectivas do Sujeito Passivo. O mesmo se constata com os custos facturados pela “E..... Serviços” à E..... SA. Estas questões são ainda mais prementes, quando se tratam de prestações de serviços entre entidades do grupo, as quais devem ser o mais claras possível, nos termos definidos na Lei quanto a operações entre entidades relacionadas.
Acresce ainda referir, que os documentos apresentados como sendo Acordo de Prestação de Serviços e os Mails, não correspondem às características de um acordo/contrato, o qual se pressupõe sempre como uma forma escrita de consenso entre duas entidades. O Acordo e os Mails apresentados aos serviços de inspecção são uma mera comunicação de intenções unilateral das empresas prestadoras para a E..... SA, transferindo para esta determinados custos. O Acordo é assinado apenas pela entidade emitente. [...]
Como conclusão, não existe nenhum documento, acta, contrato ou acordo de imputação e repartição de custos entre as sociedades que, entre outros aspectos:
-descreva objectivamente os serviços subjacentes;
-identifique os encargos estimados;
-evidencie os métodos utilizados para a repartição dos custos, incluindo os cálculos a efectuar para determinar a contribuição de cada participante;
-descreva os métodos utilizados para efectuar possíveis ajustamentos na contribuição de cada participante, motivados por alterações nos pressupostos que serviram de base ao acordo.
Nas operações comerciais, em que o Sujeito Passivo esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, como previsto no artigo 58º do Código do IRC.
[...]
De facto, o Sujeito Passivo não logrou demonstrar, por insuficiência dos elementos apresentados, a indispensabilidade desses custos nem a sua efectiva ligação à obtenção de proveitos “Comércio por Grosso de Bebidas Alcoólicas”.
III.2. – Custos não Manifestamente Necessários à Manutenção da Fonte Produtiva
Foram registados na Conta “..... Serviços de Gestão e Administrativos” os custos da tipologia supra referida, os quais respeitam, como foi amplamente explanado, a despesas relativamente às quais os Serviços de Inspecção não conseguiram aferir da sua imprescindibilidade para a realização dos proveitos sujeitos a imposto, conforme exige o nº1, do artigo 23º do Código do IRC para que os mesmos possam ser aceites como custos fiscais.
Na conta “..... Assessoria Jurídica e Técnica” foram contabilizadas notas de débito referentes a “Reembolsos de Despesas” como se discrimina no quadro infra. Estas notas de débito não cumprem os requisitos do artigo 36º do Código do IVA (antigo artigo 35º) na medida em que, a descrição das despesas bem como os elementos em anexo, não discriminam os trabalhos em causa, as datas em que foram colocados à disposição nem a forma de quantificação daqueles valores, factos que não permitem aferir da imprescindibilidade daqueles serviços à realização dos proveitos da E..... SA, da razoabilidade ou razão daqueles valores, nem da sua relação com operações tributáveis em IVA.
De acordo com os elementos que nos foram facultados, para esclarecimento de uma das Notas de Débito, obtidos pelo Sujeito Passivo na contabilidade da emitente, (empresa do grupo), verificou-se, que os custos se referem a serviços facturados pela empresa onde o Director de Exportação, à data, era sócio.
Tendo-se solicitado ao Sujeito Passivo o esclarecimento de tais montantes e a eventual contratação dos mesmos, constatou-se que não existe nenhum contrato ou outros elementos que permitam aferir quais os trabalhos de consultoria e gestão que estiveram ali subjacentes. O único dado é que se tratam de empresas do grupo a debitar serviços relativamente aos quais não é possível aferir do seu carácter de imprescindibilidade para a manutenção da finte produtora ou para a realização de proveitos. Assim sendo e nos termos do artigo 23º do Código do IRC, estes custos não podem ser aceites como custos fiscais.
Importa referir e acrescentar que, também neste caso, a transparência nas relações intra-grupo não é evidente, como preconiza o artigo 58º do Código do IRC.
III.2.1 – EXERCÍCIO DE 2007
[...]
IRC
Neste contexto o Sujeito Passivo com os documentos apresentados, não demonstra que tais custos são manifestamente imprescindíveis à manutenção da fonte produtora nos termos do n.º 1 do artigo 23º e do artigo 42º, ambos do CIRC.
De notar que os custos a que acima nos referimos e que entendemos dever ser desconsiderados fiscalmente, afiguram-se lesivos da transparência que os artigos 17º, 23º e 42º exigem no apuramento dos resultados fiscais, mais parecendo terem servido à transferência de custos entre as empresas do grupo provocando erosão nos resultados fiscais da E..... SA, já que os emitentes dos documentos que os suportam têm prejuízos fiscais. Com a agravante de não ter sido respeitado o que a lei impõe quanto à existência de relações especiais, como era o caso e a que já nos referimos.
Face ao exposto, o Sujeito Passivo deve acrescer à matéria tributável o valor de 205.894,50€ no exercício de 2007 [...]
[...]
III.3 – Indemnizações com risco segurável
III.3.1 – EXERCÍCIO DE 2007
Da verificação da “Conta ..... Perdas em Existências – Sinistros” constatou-se que está contabilizado um valor relativo ao custo de indemnização ao cliente “AS MEDIATO”, no âmbito de problemas de qualidade do produto fornecido, facto que não se enquadra na alínea j) do artigo 23º do CIRC, [...], uma vez que, o custo suportado pela E..... SA se deve exclusivamente ao facto do valor coberto pelo seguro de responsabilidade civil ser de valor inferior ao valor do “produto não conforme” -sinistro, quando podia ser igual ou superior. Assim, o custo não é aceite nos termos do artigo 42º, nº1, alínea e).[...]
[...]
Pelo que, o Sujeito Passivo deverá acrescer à matéria colectável, o valor de 7.353,44€ (7.353,44€=41.698,26€-34.344,82€).
[...]
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
[...]
Conclusão
Na conformidade do supra exposto, mantém-se as correcções propostas no Projecto de Relatório quer em termos de IVA quer de IRC.
[...]” – cfr. RIT constante de fls. 25 a 60 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

8. Sobre o relatório de inspecção referido no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Chefe de Divisão, por delegação de competências do Director de Finanças de ....., datado de 04 de Dezembro de 2009 – cfr. fls. 25 do processo de reclamação graciosa apenso.

9. A Impugnante foi notificada pessoalmente do aduzido relatório de inspecção tributária e do despacho que sobre ele recaiu, no dia 04 de Dezembro de 2009, na pessoa do seu Director Administrativo e Financeiro – cfr. fls. 24 do processo de reclamação graciosa apenso.

10. Em 18 de Dezembro de 2009, na sequência das correcções efectuadas ao lucro tributável em sede inspectiva, foi emitida em nome da Impugnante liquidação adicional de IRC nº2009 ....., referente ao exercício de 2007, e respectivos juros compensatórios, no montante global de €58.905,29, com data limite de pagamento voluntário a 27 de Janeiro de 2010 – cfr. fls. 18 do processo de reclamação graciosa apenso.

11. A Impugnante apresentou, no dia 27 de maio de 2010, junto do Serviço de Finanças de ....., reclamação graciosa da liquidação mencionada no ponto antecedente – cfr. fls. 02 a 08 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

12. No dia 28 de Julho de 2010, foi proferido pela Chefe de Divisão de Justiça Tributária, por delegação de competências do Director de Finanças de ....., em concordância com anteriores informações, despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 107 a 112, 116 e 117 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

13. A Impugnante foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 05 de agosto de 2010, por ofício n.º ..... – cfr. fls. 119 a 121 do processo de reclamação graciosa apenso.

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FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa, atenta a causa de pedir.

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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A decisão da matéria de facto, efectuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, do processo administrativo apenso e do processo de reclamação graciosa apenso, referidos em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova.
A convicção do Tribunal alicerçou-se também no depoimento das testemunhas arroladas pela Impugnante, especialmente no que concerne ao facto elencado no ponto 2. do probatório.
Efetivamente, as testemunhas Orlando ..... e Maria ....., demonstraram ter conhecimento directo acerca dos factos em causa nos autos, nomeadamente no que concerne ao critério de imputação de custos que foi adoptado pelo Grupo, prestando depoimentos credíveis, seguros e objectivos, que convenceram o Tribunal da sua veracidade.
As referidas testemunhas explicitaram a forma como os custos eram imputados nas empresas do Grupo, tendo o seu depoimento sido positivamente valorado para a fixação do ponto 2. da matéria assente.
Todavia, a testemunha Maria ..... esclareceu que não havia folhas de horas ou serviço relativas aos funcionários ou trabalhadores que estavam afectos à Impugnante e a testemunha Orlando ..... afirmou, também, que não era possível discriminar os serviços realizados, nem tal resultava das facturas.
O depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, Maria ....., inspectora tributária, relevou para a confirmação dos factos descritos no relatório inspectivo.»

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B.DE DIREITO
A liquidação adicional na parte aqui sindicada resultou da desconsideração, pela Administração Tributária de custos contabilizados pela «E.....- ....., Lda» (doravante Impugnante/recorrente) nas seguintes rúbricas: € 75.214,79 na conta ..... “Serviços Gestão e Administrativos”, €130.679,71 na conta ..... “Assessoria Jurídica e Técnica” na consideração de que «(…) não existe nenhum documento, acta, contrato ou acordo de imputação e repartição de custos entre as sociedade, que, entre outros aspectos: descreva objectivamente os serviços subjacentes; identifique os encargos estimados, evidencie os métodos utilizados para a repartição dos custos, incluindo os cálculos a efectuar para determinara a contribuição de cada participante, descreva os métodos utilizados para efectuar ajustamentos na contribuição de cada participante, motivados por alterações nos pressupostos que serviram de base ao acordo.». Com base em tal argumentação, a Administração Tributária concluiu que: « (…) não é possível aferir o seu caracter de imprescindibilidade para a manutenção da fonte produtora ou para a realização de proveitos. Assim sendo e nos termos do artigo 23.º do Código do IRC, estes custos não podem se aceites como custos fiscais.».
O contrato celebrado em 01 de Janeiro de 2007, impendia sobre a Impugnante o ónus de especificar a natureza concreta dos serviços realizados e demonstrar que os mesmos foram efectivamente prestados – cfr. art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e art.342.º, n.º 1 do Código Civil – ónus que incumpriu, como se viu.» veio a julgar improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação sindicada.
Segundo a Impugnante, em alegações de recurso a sentença recorrida incorreu em erro na apreciação da prova carreada para os autos e consequente errada aplicação de Direito.
Vejamos, se lhe assiste razão.
A Constituição da República Portuguesa prevê no seu artigo 104º algumas regras sobre a tributação do rendimento, do património e do consumo.
No que se refere à tributação do rendimento das empresas, estatui que ela incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, não excluindo, portanto, que outros princípios – por exemplo, universalidade, igualdade, praticabilidade e operacionalidade - possam ser invocados para justificar algum desvio àquela tributação do rendimento real, visando atingir o objectivo do sistema fiscal que é o de satisfazer «as necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas» e obter «uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza» (Cfr. artigo 103º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa).
A tributação das empresas, como se deu nota, incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real. A expressão «rendimento real» não se contrapõe a rendimento presumido, mas a «rendimento normal», englobando quer o rendimento efectivo, quer o presumido. Em ambos os casos se trata de um rendimento líquido (Principio do rendimento liquido objectivo) na definição do artigo 3.º n.º 2 do CIRC, «o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação».
Nos termos do disposto no artigo 23° do CIRC consideram-se como custos fiscais ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
Assim, para que os custos tipificados no artigo 23.° do CIRC sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais é necessário, que se verifique, dois tipos de requisitos, uns de natureza previa à analise da dedubilidade fiscal, a saber:
1. Que o custo foi efectivamente suportado pelo SP e não por terceiros, na medida em que o custo só poderá relevar fiscalmente e contabilisticamente se efectivamente incorrido pelo SP;
2. Inscrição do custo na contabilidade do SP.
E, a segunda categoria de requisitos, também de verificação cumulativa, respeitam:
1. Que sejam comprovados através de documentos emitidos nos termos legais;
2. Que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.
No caso, trazido a juízo resulta da declaração fundamentador das correcções sindicadas que a Administração Tributária não colocou em causa a efectividade do custo, portanto, a questão a decidir prende-se com o pressuposto da “indispensabilidade”, sabendo-se que que os custos indispensáveis serão aqueles que correspondam a gastos realizados no interesse da sociedade, sendo excluídos os que não se insiram no interesse da sociedade, isto é que foram incorridos para outros fins.
No entanto, essa análise pressupõe que apreciemos, previamente, os concretos serviços prestados, de modo a posteriormente se apurar a indispensabilidade dos custos inerentes.
Assente nos autos, temos que, foi celebrado em 01.01.2007, um acordo denominado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, entre a sociedade C....., S.A. e diversas sociedades, entre as quais a Impugnante, nos termos do qual, além do mais, aquela assumiu a obrigação de prestar serviços de contabilidade, financeiros, controlo e gestão, informática, recursos humanos, cobrança e gestão de crédito, marketing, enologia e gestão logística, cabendo à Impugnante suportar uma parte dos custos incorridos com as referidas prestações de serviços [cfr. ponto 1 do probatório] e que «A imputação dos custos nas empresas do “Grupo” foi realizada de acordo com o volume de serviços ou negócios efectuados – cfr. depoimento das testemunhas da Impugnante.» [cfr. ponto 2 do probatório].
Contudo, como bem refere a sentença ora recorrida « (…) a Impugnante não logrou justificar, em concreto, os serviços prestados, comprovando os serviços que foram realizados, quando e onde foram realizados (designadamente o número de horas), por que foram realizados e a relevância dos mesmos para a sua atividade, circunstâncias essenciais para aferir da especificidade dos trabalhos a prestar, assim como à sua possível comparabilidade com o custo de serviços da mesma índole a fornecer por entidades independentes.
Para este efeito, não basta a afirmação genérica de que a Impugnante precisava de serviços de contabilidade ou de marketing, como resultou do depoimento das testemunhas inquiridas, é necessário demonstrar quando é que tais serviços foram realizados e por quem e, para tanto, é necessário haver o suporte documental (nomeadamente, folhas de horas por funcionários) das despesas apresentadas na contabilidade.».
E, adiante, explicou que: «Somente com a alegação (e prova) destes factos ficaria a Administração Tributária e o Tribunal em condições de poder controlar a veracidade dos elementos constantes da contabilidade e aferir da dedutibilidade do respectivo custo em sede do IRC – alegação e prova que a Impugnante não fez.
E não se diga que dos depoimentos das testemunhas inquiridas resultou que nunca foi colocado em causa pela Administração Tributária a imprescindibilidade dos serviços em causa, ou que decorre de tais depoimentos que a sociedade C..... prestou serviços de recursos humanos e marketing para a Impugnante, de molde a justificar o cumprimento do ónus decorrente do art.23º do CIRC, uma vez que o que é exigível em face da lei é que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade e veracidade das actuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da Administração Tributária, e isso não foi feito “in casu”.
Em suma: não obstante o contrato celebrado em 01 de Janeiro de 2007, impendia sobre a Impugnante o ónus de especificar a natureza concreta dos serviços realizados e demonstrar que os mesmos foram efectivamente prestados – cfr. art. 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e art.342.º, n.º 1 do Código Civil – ónus que incumpriu, como se viu.».
Ora, concordamos inteiramente com este entendimento que se veio de reproduzir. Tudo o que pudéssemos dizer por palavras próprias mais não seria que uma repetição de tal entendimento.
Alega, ainda a recorrente que contrariamente ao decidido em 1ª Instância a liquidação de IRC sindicada padece de falta de fundamentação, mas sem razão, como adiante fica demonstrado.
Como refere o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 06.05.2015, proferido no recurso n.º 0291/13:« De harmonia com o disposto no artigo 77.º, nº1 da Lei Geral Tributária a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
A jurisprudência e a doutrina têm também consagrado o entendimento de que um acto se encontra suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática. (Ver neste sentido, os acórdãos 01.04.1992, AD de 22.02.1995, pag. 590, de 28.5.87, in AD 315, 367, de 12.02.87, in AD 317, 581, de 11.05.89, in AD 335, 1398, de 19.05.88 in Ad 325, 38, de 25.10.88, in AD 327, 37, e de 10.01.1989, in AD 339, 303, todos citados no Código de Procedimento Administrativo, anotado e comentado, de José Manuel Botelho, Pires Esteves e José Cândido de Pinho, 2ª edição, pags. 396 e segs.)
Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto de liquidação, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
Como ficou dito no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11. 12.2007, recurso 615/04, in www.dgsi.pt «o grau de fundamentação há-de ser o adequado ao tipo concreto do acto e das circunstâncias em que o mesmo foi praticado, de molde a satisfazer a divergência existente entre a posição da Administração Fiscal e a do contribuinte». (disponível em texto integral em www.dgsi)
No caso e, novamente, com o respeito devido, por diferente entendimento, do Relatório de Inspecção constam as razões de facto e de direito que sustentam as correcções conforme melhor se extrai do seguinte excerto: « O Sujeito Passivo, em resposta à Notificação supra transcrita, apresentou-nos o Acordo de Prestação de Serviços, relativo à prestação de serviços administrativos da “C.....”, quanto à prestação de serviços administrativos da “E..... SGPS” e à prestação de serviços de gestão de projectos e serviços de marketing, são apresentados Mails enviados pelo administrador Nuno ..... a comunicar a imputação desses serviços. No entanto, da leitura do Acordo e dos Mails, não resultam quaisquer esclarecimentos específicos sobre as tarefas a desempenhar pelos funcionários e sobre as razões de serem imputados individualmente de forma diferente, nem qualquer clarificação sobre os critérios utilizados para a repartição do custo entre a “C.....” e a E..... SA assim como, entre a “E..... SGPS” e a E..... SA. Apenas é feita referência à natureza dos custos e nada é dito quanto aos cálculos, aos motivos para ajustamentos, aos valores estimados, à especificidade dos trabalhos a prestar, bem como à sua possível comparabilidade com o custo de serviços da mesma natureza a fornecer por entidades independentes. Estas circunstâncias de esclarecimento não permitiram determinar o carácter de imprescindibilidade daqueles custos e deixa dúvidas quanto ao montante, face às necessidades e capacidades objectivas do Sujeito Passivo. O mesmo se constata com os custos facturados pela “E..... Serviços” à E..... SA. Estas questões são ainda mais prementes, quando se tratam de prestações de serviços entre entidades do grupo, as quais devem ser o mais claras possível, nos termos definidos na Lei quanto a operações entre entidades relacionadas.».
Alias, como bem adiantou a sentença sob recurso da concatenação da petição inicial é possível discernir com segurança que o Impugnante percebeu “in totum” o itinerário cognoscitivo e valorativo levado a cabo pela Administração Tributária.
Assim improcede, também, esta questão do recurso.
IV.CONCLUSÕES
I. O dever de fundamentação dos actos tributários tem suporte no artigo 268.º, n.º 3, da CRP e artigo 77.º da LGT. Da conjugação destes preceitos resulta que a fundamentação do ato tributário háde ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão, clara/acessível, permitindo que, através dos seus termos, se compreendam os factos e o direito com base nos quais se decide, suficiente, possibilitando ao contribuinte um conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo que a decisão constitua a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação.
II. Está suficientemente fundamentado o acto de liquidação adicional se as conclusões do relatório da fiscalização esclarecem, minimamente, o contribuinte, que dele foi notificado, das razões de facto e de direito que levaram a Administração Tributária a liquidar o imposto em causa.
V.DECISÃO
Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da recorrente.
Lisboa, 7 de Junho de 2018.

[Ana Pinhol]

[Jorge Cortês]

[Cristina Flora]