Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03847/10
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:10/26/2010
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRC. ACTIVIDADE. PREJUÍZOS
Sumário:1. Nos termos do art. 46.º n.º 7 CIRC (aditado pela L. 39 -B/94 de 27.12.) «O previsto no n.º 1 deste artigo deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida. ».
2. Por definição comum, uma alteração substancial consiste na mudança da substância, da essência, do núcleo fundamental, estruturante, de uma coisa/actividade, que, por efeito dessa transformação, se passa a apresentar ou desenvolver em moldes diferentes, com características próprias, quantitativa e/ou qualitativa, nitidamente, diversas das antecedentes.
3. No específico espectro jurídico-tributário, a análise de situações deste jaez não pode olvidar a presença e valoração de aspectos com matriz e relevância fiscal, sob pena de serem defraudados os propósitos do legislador, no sentido de evitar abusos, actuações fraudulentas, com relação ao funcionamento do mecanismo da dedução de prejuízos fiscais; que não de prejuízos económico-financeiros.
4. O versado art. 46.º n.º 7 CIRC ao colocar, em alternativa, a modificação do desiderato societário e a alteração substancial da natureza da actividade exercida, patenteia que se trata, para o efeito, de realidades díspares e, plenamente, independentes.
5. Na medida em que a impugnante objectivou deduzir prejuízos fiscais acumulados até 31.8.1995, na importância total de 46.536.420$00, quando, na prática, se dedicou à compra, venda e reparação de automóveis, seria incongruente e fiscalmente injustificável que o fizesse à custa de proveitos decorrentes de exclusiva facturação referente à prestação de serviços administrativos e publicitários e comissões por venda agenciada de viaturas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I
A...– SOCIEDADE PORTUGUESA DE COMÉRCIO DE ÓLEOS E CARBURANTES, L.DA, contribuinte n.º ...e com os demais sinais constantes dos autos, impugnou judicialmente liquidação adicional de IRC, derrama e juros compensatórios, do ano de 1996.
Proferida, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, sentença que julgou a impugnação improcedente, não se conformando com o judiciado, a impugnante interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação se mostra rematada pelas seguintes conclusões: «
1- A douta sentença recorrida é ilegal, porque incorre em violação do disposto no n.º 7 do artigo 46.º do CIRC (redacção em vigor à data da liquidação), e faz uma errada interpretação do texto da lei em face dos factos demonstrados e provados nos autos.
2- Na verdade o Meritíssimo Juiz a quo conclui que a liquidação de IRC do ano de 1996 é legal, porquanto a partir de 1996 houve uma alteração relevante da actividade da impugnante, uma vez que esta deixou de adquirir viaturas para revenda, passando a receber comissões de uma outra sociedade, sedeada nas suas instalações (B...) pela venda de viaturas, pelo que não lhe era lícito deduzir prejuízos no exercício de 1996 de anos anteriores.
3- A questão fundamental que se coloca é a de saber se, em face dos factos apurados e demonstrados houve, ou não, alteração substancial da actividade exercida pela impugnante a partir do exercício de 1996 que lhe proíbam a necessidade de dedução de prejuízos de exercícios anteriores.
4- Dos factos vertidos nos autos não ficou assente que a impugnante tivesse alterado, de forma SUBSTANCIAL, A NATUREZA OU A “ESSÊNCIA” DA SUA ACTIVIDADE: como se descreve:
a) A “essência” da actividade da recorrente não ficou afectada pelo facto de ver reduzido o volume de negócios em relação ao que se verificava nos exercícios anteriores ao de 1996, como se pretende definir na douta sentença e já citado.
b) O objecto social e a actividade da recorrente sempre foi e continuou a ser o comércio de automóveis, actividade que nunca deixou de exercer, mesmo a partir de 1996, aos olhos do público em geral, e, o facto de existirem proveitos com proveniência distinta da compra para revenda pura, apenas visou garantir a sobrevivência financeira da impugnante.
c) A partir de 1996 foi acordado entre as sociedades B... e A...(ambas com o mesmo objecto social) que a recorrente passasse ela também a vender veículos da marca comercializada por aquela (Volkswagen), embora mediante uma comparticipação fixa (comissão) por veículo vendido, não ficando, porém, a impugnante impedida de continuar ela própria a adquirir e a revender viaturas (como aliás aconteceu no exercício de 1998).
d) O acordo celebrado entre a recorrente a a sociedade B... e o regime de remuneração acordado entre elas não descaracterizou a recorrente, quer para efeitos comerciais, quer mesmo fiscais, uma vez que tal opção cai no âmbito da liberdade de gestão e iniciativa económica das empresas com a qual a Administração Fiscal não se deve imiscuir ou exercer controlo administrativo sobre o mérito concreto das decisões empresariais.
5- Haveria “Alteração substancial” da actividade” da recorrente se, por exemplo, esta passasse a alugar viaturas ou ao comércio de vestuário, caso em que ficaria afectada a essência da actividade que sempre a caracterizou, a venda de viaturas (muito embora as marcas fossem diferentes).
6- Em face de que houve uma alteração na actividade da recorrente, quer em termos quantitativos quer qualitativos, todavia, essa alteração não foi substancial, porquanto a sua essência não foi afectada (a venda de viaturas novas e usadas).
7- A MUDANÇA DE ACTIVIDADE É ADMITIDA POR LEI, AQUILO QUE O LEGISLADOR QUIS CONSAGRAR NO TEXTO DA LEI, FOI A PROIBIÇÃO DE UMA MUDANÇA SUBSTANCIAL PARA EFEITOS DE DEDUÇÃO DE PREJUÍZOS DOS EXERCÍCIOS ANTERIORES.
8- Se no caso sub-judice, concluirmos que estamos em face de uma mudança substancial, então perde-se a margem de interpretação para saber o que é uma mudança não substancial (será fica com a actividade igual?), pior ainda, como a distinguimos de uma mudança para um ramo de actividade diferente? Pronto a vestir ou comércio alimentar?.
Será tudo mudança substancial porque convém à tributação? A FAZENDA DEIXA-NOS NA IGNORÂNCIA DE FICAR A SABER QUE TIPO DE ALTERAÇÕES PODEM SER PERMITIDAS OU “NÃO SUBATANCIAS”.
Não terá sido esta a intenção do legislador.
8- Em face de que a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 46.º n.º 7 do CIRC, fazendo uma errada interpretação da letra da lei em face dos factos vertidos nos autos, pelo que deve de ser anulada.

TERMOS EM QUE, e nos demais de direito, com o douto suprimento de V/Ex.ªs, deve o presente Recurso proceder, por provado, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por veneranda decisão que julgue procedente a impugnação da liquidação do IRC de 1996 com fundamento na sua ilegalidade.
Com a devida vénia, assim se fará a costumada JUSTIÇA! »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
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II
Mostra-se exarado, na sentença: «
II. Fundamentação
i) de Facto
Atenta a prova documental produzida, dão-se como provados os seguintes factos com relevância para a decisão:
A) A impugnante foi alvo de uma acção inspectiva de análise à declaração de IRC Modelo 22, respeitante ao ano de 1996, que culminou com a elaboração do Projecto de Correcções de fls. 11 a 13 do p.a., que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
«I - FUNDAMENTAÇÃO DAS CORRECÇÕES
O Sujeito Passivo em análise encontra-se colectado em IRC e IVA pelo Serviço de Finanças de Torres Novas, pela actividade de “comércio de veículos automóveis”.
Até 31/12/1995 a empresa dedicou-se à reparação e venda de viaturas, enquanto concessionária de uma marca de automóveis. A partir de 1/1/1996, e embora formalmente prosseguindo o mesmo objecto social, foi vendida a outros sócios que abandonaram a anterior actividade e passaram a ceder a exploração do seu estabelecimento a um outro concessionário. A facturação da empresa, a partir de 1/1/1996 limitou-se à emissão de facturas de “Prestação de serviços administrativos e publicitários” e de “Comissões por venda de viaturas”. Verificou-se apenas uma excepção no exercício de 1998 em que a empresa vendeu três viaturas usadas.
Em termos substanciais, a nosso ver, esta alteração real da actividade enquadra-se no disposto no nº 8 do artº 46º do Código do IRC que prevê a não possibilidade de dedução de prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores ao exercício em que tenha sido “... alterada de forma substancial a natureza da actividade anteriormente exercida
Nesta base não aceitamos que o Sujeito Passivo tenha deduzido aos Lucros Tributáveis apurados a partir de 1996 os prejuízos fiscais apurados pela empresa até 31/12/1995 (enquanto a sua actividade real foi a reparação e venda de viaturas automóveis).
Dado que o Lucros tributáveis declarados pelo Contribuinte entre 1996 e 1999 foram sendo sempre integralmente absorvidos pelos Prejuízo Fiscal apurado em 1995 - 46.536.420$00 - não aceitando estas deduções, obtemos as seguintes Matérias Colectáveis, por exercício:
MATÉRIAS COLECTÁVEIS, POR EXERCÍCIO
ANOS LUCRO TRIBUTÁVEL PREJUÍZO FISCAL MATÉRIA COLECTÁVEL
1996 11.592.245$00 0$00 11.592.245$00
1997 8.543.970$00 0$00 8.543.970$00
1998 8.553.092$00 0$00 8.553.092500
1999 9.845.875$00 0$00 9.845.875$00

(…). »
B) Decorrido o prazo para o exercício do direito de audição da impugnante, foi elaborado o Relatório/Conclusões de fls. 15 a 19 do p.a., que também se dá aqui por integralmente reproduzido, com o seguinte teor:
«I - FUNDAMENTAÇÃO DAS CORRECÇÕES
1. Prejuízos fiscais
O Sujeito Passivo em análise encontra-se colectado em IRC e IVA pelo Serviço de Finanças de Torres Novas, pela actividade de “Comércio de veículos automóveis”.
Até 31/12/1995 a empresa dedicou-se à reparação e venda de viaturas, enquanto concessionária de uma marca de automóveis. A Empresa no entanto só teve actividade até 31 de Agosto de 1995, data em que as suas quotas foram integralmente adquiridas por novos sócios por 15 000 000$00, livres de quaisquer ónus ou encargos, tendo os cedentes assumido (como consta a “escritura de cessão de quotas”):
- “... a responsabilidade por todo o passivo, incluindo quaisquer taxas ou impostos da “Trenauto”, nesta data existentes ou reportado a factos ocorridos até hoje, pelo que, no caso de o pagamento ser exigido à mesma sociedade Trenauto, se obrigam a efectuá-lo por esta ou a reembolsa-la de tudo quanto a este título tenha dispendido.”
(...)
- “As cedentes obrigam-se ainda a entregar a sociedade sem quaisquer trabalhadores ou contratos de trabalho em vigor e, se porventura algum destes existir ainda, assumem todos os encargos e responsabilidades pela sua rescisão ou conversão”
Após esta aquisição, o activo da empresa A...era composto apenas por um terreno na Zona Industrial de Torres Novas e pelo direito ao arrendamento de um espaço - stand de exposições para automóveis - situado na mesma cidade, não tendo qualquer tipo de passivo.
Ou seja, com a cedência das quotas supra referida, a empresa passou a não ter quaisquer dívidas a pagar ou outro tipo de obrigações decorrentes da actividade desenvolvida até 31/08/95, ficando mesmo sem qualquer trabalhador.
Parece lícito concluir que houve um “corte” com o passado da empresa, passando esta a ser uma empresa “limpa” de quaisquer dívidas ou encargos. Todos os encargos suportados e assumidos pela empresa A...até 31/08/95, do qual resultaram os prejuízos acumulados de Esc: 46.536.420$00, foram como que anulados.
E a actividade de comercialização de viaturas novas e usadas, bem como a manutenção e reparação de viaturas, e ainda, a comercialização de óleos e carburantes, só foi exercida até àquela data. A partir de 1996, a A...viu reduzida a sua actividade à prestação de serviços à empresa B..., com a qual celebrou um contrato de agência, segundo o qual, era atribuída a título de comissão a quantia de Esc: 75.000$00, por cada viatura vendida pela B... - a qual ficava obrigada à prestação de serviços de pós-venda -, nos concelhos de Torres Novas, Ourém, Fátima e Entroncamento.
No entanto, todos os vendedores, bem como a pessoa que estava no stand da Trenauto, eram empregados na B..., não tendo aquela, quaisquer empregados. Ora uma empresa sem passivo, com uma margem bruta de vendas sobre o custo de 433% em 1996, não necessita que outros suportem custos que sejam da sua responsabilidade com o fim de “... se conseguir uma viabilização e recuperação mais rápida”.
Em resumo, a actividade da Trenauto, após o exercício de 1996, inclusive, foi a cedência de um espaço à B..., para que esta empresa, tivesse um local em Torres Novas para expor as viaturas de que era representante, recebendo aquela empresa uma quantia por cada viatura vendida a clientes residentes nas regiões referidas no contrato de agência supra referido, facturando ainda, determinados montantes a titulo de serviços administrativos e publicitários. É de notar que esta actividade, em condições de total independência entre as empresas determinaria a existência de um mero contrato de arrendamento, em que a única obrigação da “B...” perante a “Trenauto” seria o pagamento do valor da renda acordada.
Ora, todas estas actividades, e a forma como são exercidas, são substancialmente diferentes da actividade exercida pela A...até 31/08/95, e da qual resultaram os prejuízos acumulados de Esc: 46.536.420$00.
Em termos substanciais, a nosso ver, esta alteração real da actividade enquadra-se no disposto no n° 7 do art° 46° do Código do IRC que prevê a não possibilidade de dedução de prejuízos fiscais acumulados em exercícios anteriores ao exercício em que tenha sido “... alterada de forma substancial a natureza da actividade anteriormente exercida”
Nesta base não aceitamos que o Sujeito Passivo tenha deduzido ao Lucro Tributável apurado em 1996 os prejuízos fiscais apurados pela empresa até 31/12/1995 (enquanto a sua actividade real foi a reparação e venda de viaturas automóveis).
2. Facturação não aceite
Pelo despacho nº 498/2001 de 7 de Junho do Sr. Ministro das Finanças ao recurso hierárquico apresentado pela “B...”, não foram aceites como custo nesta empresa 9.360,000$00 que a “Trenauto” lhe facturou em 1996 a título de “Prestação de Serviços Administrativos e de Publicidade”. Por essa razão também não os consideraremos como proveitos na “Trenauto”.
(...)
Dado que o Lucro Tributável declarado pelo Contribuinte em 1996 foi integralmente absorvido pelo Prejuízo Fiscal apurado em 1995 - 46.536.420$00 - não aceitando esta dedução, obtemos uma Matéria Colectável igual ao Lucro Tributável por nós corrigido que se cifra em 2.232.245$00.
(…) »
C) Consequentemente, foi emitida a liquidação de IRC do ano de 1996 e juros compensatórios, de fls. 21 do p. a..
D) Em Agosto de 1995, os anteriores sócios da impugnante venderam as respectivas quotas.
E) Até então, a sociedade impugnante era concessionária da Renault, vendia veículos automóveis desta marca, bem como carburantes.
F) Em 02.01.1996, a impugnante, na qualidade de Agente, e a B... - Agência de Representações e Automóveis, Lda, na qualidade de concessionário, outorgaram o contrato que designaram de “Concessão”, de fls. 13 a 17, com as Adendas de fls. 25 a 26 e 27, que se dão por integralmente reproduzidos.
G) A impugnante passou a vender veículos de marca Volkswagen e recebia um valor fixo por cada veículo que vendia.
H) As facturas referentes aos veículos vendidos pela impugnante eram emitidos pela B....
I) A garantia dos veículos vendidos pela impugnante era dada pela B....
J) A impugnante recebia, mensalmente, da B..., um montante fixo para fazer face às suas despesas de funcionamento e instalação.
K) No ano de 1996, o exercício da actividade da impugnante foi assegurado pelos respectivos novos sócios.

Com interesse para a decisão, não se provaram outros factos.
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A convicção do tribunal baseou-se no teor dos documentos mencionados em cada uma das alíneas antecedentes, bem como na prova testemunhal produzida. »
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A única problemática que o apelo da Recorrente/Rte coloca relaciona-se com a atribuição de errado julgamento, à sentença recorrida, por considerar que houve alteração substancial da actividade que exercia, circunstância impeditiva, segundo a normação aplicável, de poder deduzir prejuízos anteriores aos lucros do exercício de 1996 e seguintes. Assim, para solucionar, temos a questão de saber se, em função da factualidade julgada provada na 1.ª instância e acima transcrita, foi ou não violado o disposto no art. 46.º n.º 7 CIRC (1).
O veredicto, do tribunal recorrido, de improcedência da impugnação, surge apoiado em discurso argumentativo de que, com interesse e relevo, colhemos as seguintes passagens: «
(…), ocorre alteração substancial da natureza da actividade quando esta (mantendo-se, embora, a mesma) sofra uma modificação, de quantidade ou qualidade considerável, relativamente ao conjunto de elementos que fazem dela aquilo que ela é, sua essência.
(…).
Na situação vertente, o que resulta da prova testemunhal produzida, é que, anteriormente a Agosto de 1995, a impugnante era concessionária da Renault, portanto, exercia a sua actividade de venda de veículos nos mesmos moldes que as demais concessionárias: comprava os veículos ao importador da marca; emitia facturas, em seu nome, aos respectivos clientes; prestava serviços de assistência pós-venda; tinha um contrato com o importador daquela marca, prevendo direitos e obrigações a cujo cumprimento estava adstrita, sob pena de perder a concessão (tal como, ao que se apurou, veio a acontecer); tinha funcionários ao seu serviço, nomeadamente, vendedores de automóveis, pessoal administrativo, etc.
Diferentemente, a partir de 1996, a impugnante deixou de adquirir veículos automóveis, já que a “B...” colocava veículos no stand da impugnante para que esta os vendesse; a impugnante recebia uma comissão por cada veículo que vendia, bem como um montante mensal fixo para fazer face às suas despesas de funcionamento e instalação. Só por aqui é possível concluir que, na realidade, houve uma alteração substancial da natureza da actividade exercida anteriormente.
Com efeito, anteriormente, a impugnante estava no mercado em condições de igualdade com os demais concorrentes, suportando integralmente os riscos inerentes à actividade que desenvolvia, de forma autónoma. A partir de 1996, a impugnante passou a comercializar os veículos que a “B...” queria, ou deixava, sendo que era esta outra entidade quem suportava, integralmente, os riscos da actividade da impugnante. Ou seja, para além da comissão referente à venda de cada veículo, a impugnante recebia, mensalmente, um valor fixo para suportar os seus custos “de estrutura”. Montante esse que, repete-se, era fixo e, portanto, independente de a impugnante efectuar 2, 10, 20 ou nenhuma venda.
(…), não obstante a actividade que a impugnante desenvolveu a partir de 1996 poder ser, ainda, qualificada como de venda de veículos automóveis, esta sofreu alterações relevantes quanto à natureza com que anteriormente era exercida. »
Com todo o respeito, este núcleo da fundamentação eleita pela sentença, mostrando-se, em primeira linha, erigido na consideração estrita e salvaguarda do sentido da matéria de facto assente, apresenta-se-nos, outrossim, como traduzindo correcta percepção e avaliação dos aspectos jurídicos da lide. Efectivamente, os fundamentos em apreço apontam, por contraposição, os moldes em que se desenvolvia a actividade, da impugnante, do “comércio de veículos automóveis”, até 31.12.1995 e após 1.1.1996, marcando, com ênfase, a alteração que consistiu no exercício da mesma enquanto concessionária da Renault e na condição de “vendedora/agenciadora” da B.... Assim, com particular relevo, constata-se que aquela, do primeiro para o segundo momento, deixou de comprar automóveis e de facturar a sequente venda dos mesmos aos seus clientes, bem como, de prestar assistência pós-venda, às viaturas que transaccionava, na qualidade de vendedora; depois do início de 1996, somente vendia carros que eram colocados no seu stand pela B..., da qual recebia uma comissão pela alienação da cada unidade. A alteração, mesmo sem curarmos, alongadamente, de outros pormenores disponíveis, como, por exemplo, a circunstância de a facturação da impugnante, a partir de 1.1.1996, apenas patentear facturas de “Prestação de serviços administrativos e publicitários” e de “Comissões por venda de viaturas”, e o facto de, desde então, não ter quaisquer empregados, é óbvia e entra pelos olhos adentro …
Admitindo, aliás, a Rte que houve alteração na natureza da actividade exercida, o dissenso reside, pois, na qualificação da mesma, se é ou não “substancial”. Na perspectiva daquela, a alteração foi não substancial porque, em síntese, se manteve o objecto social, não passou a “alugar viaturas ou ao comércio de vestuário”, a essência da sua actuação (venda de viaturas novas e usadas) não foi afectada.
Por definição comum, uma alteração substancial consiste na mudança da substância, da essência, do núcleo fundamental, estruturante, de uma coisa/actividade, que, por efeito dessa transformação, se passa a apresentar ou desenvolver em moldes diferentes, com características próprias, quantitativa e/ou qualitativa, nitidamente, diversas das antecedentes. Sem prejuízo de, em função dos concretos contornos que assuma, a alteração poder ser mais ou menos impressiva e, por isso, resultar pacífica para a generalidade dos analistas, temos de, obviamente, afastar qualquer critério de avaliação que se sustente na exigência, incontornável, de concomitante mutação da actividade empreendida; se esta muda, por natureza, não se pode alterar, ainda que, substancialmente. Acresce que, no específico espectro jurídico-tributário, como o presente, a análise de situações deste jaez não pode olvidar a presença e valoração de aspectos com matriz e relevância fiscal, sob pena de serem defraudados os propósitos do legislador, no sentido de evitar abusos, actuações fraudulentas, com relação ao funcionamento do mecanismo da dedução de prejuízos fiscais; que não de prejuízos económico-financeiros.
Dito isto, com facilidade, se percebe e pode afirmar a inconsistência e inconsequência dos argumentos, invocados pela Rte, referentes à manutenção do objecto social da empresa e à circunstância de não ter mudado para a actividade do aluguer de viaturas ou comércio de vestuário. No primeiro caso, aliás, o versado art. 46.º n.º 7 CIRC ao colocar, em alternativa, a modificação do desiderato societário e a alteração substancial da natureza da actividade exercida, patenteia que se trata, para o efeito, de realidades díspares e, plenamente, independentes. Quanto a não ter sido afectada a essência da sua actuação traduzida na venda de viaturas novas e usadas, pretendendo a Rte que, especificamente, se confira relevância ao facto de, no exercício de 1998, haver vendido três veículos usados, desde logo, ressalta a inviabilidade, por objectiva desconformidade temporal, de qualquer possível valorização deste argumento, com respeito ao discutido, neste processo, ano tributário de 1996. Contudo, sempre o mesmo seria inócuo porque, como supra concluímos, a impugnante além de ter deixado de comprar carros, depois de Janeiro de 1996, somente passou a vender os que lhe eram entregues pela B..., no âmbito de um contrato intitulado de “agência”; ou seja, a tal venda de 1998 só pode ter-se tratado de um acto esporádico, desgarrado, cuja justificação se desconhece.
Finalmente, na medida em que a impugnante objectivou deduzir prejuízos fiscais acumulados até 31.8.1995, na importância total de 46.536.420$00, quando, na prática, se dedicou à compra, venda e reparação de automóveis, seria incongruente e fiscalmente injustificável que o fizesse à custa de proveitos decorrentes de exclusiva facturação referente à prestação de serviços administrativos e publicitários e comissões por venda agenciada de viaturas, o que, em consonância com a supra aludida necessidade de valorar aspectos de cariz fiscal, reforça a nossa conclusão no sentido de que ocorreu alteração substancial da natureza da actividade (comercial) desenvolvida pela impugnante, prevista no art. 46.º n.º 7 CIRC, normativo que, por isso, não foi desrespeitado no correcto julgamento, efectivado em 1.ª instância.
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III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 26 de Outubro de 2010

ANÍBAL FERRAZ
EUGÉNIO SEQUEIRA
JOSÉ CORREIA



1- Aditado pela L. 39 -B/94 de 27.12., com a seguinte redacção: «O previsto no n.º 1 deste artigo deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida. ». Por seu turno, o n.º 1 do art. 47.º CIRC, contemporaneamente, dispunha: « Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, (…), serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores. »