Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1290/06.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
EXTRAPOLAÇÃO POR EXERCÍCIOS E SEM CONEXÃO
REGIME SIMPLIFICADO VS CONTABILIDADE ORGANIZADA
REGIME OPTATIVO VINCULADO
Sumário:I - Decorre do artigo 104.º, nº2 da CRP, que deve evitar-se a existência de imposto sem rendimento efetivo, contudo a tributação pelo rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excecionalmente, desvios ou exceções.
II-Compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação;
III - A legitimação da avaliação indireta, não pode apoiar-se em juízos conclusivos, em premissas sem expressividade, inventariação física sem respaldo nos exercícios em contenda, realidades de facto que permitiram fundar, justamente, a realização de correções técnicas, e na existência de relações especiais e operações simuladas sem qualquer conexão com os exercícios visados.
IV - A existência de irregularidades contabilísticas, só permite fundamentar a tributação presuntiva quando for impossível quantificar diretamente a matéria coletável, sendo que a morosidade, a excessiva onerosidade e a dificuldade não podem ser aventadas como justificação para a avaliação indireta.
V - O regime simplificado, em termos de IRC, é aplicável aos sujeitos passivos que não tenham atingido, no exercício da sua atividade, um valor superior ao estabelecido como limite e que não tenham optado pelo regime de contabilidade organizada.
VI - O referido no ponto anterior permite inferir a existência de um regime de tributação optativo cujo exercício de opção encontra-se legalmente condicionado, na medida em que estabelece o momento até ao qual o ato pode ser praticado e decorrido o mesmo extingue-se o direito a praticar o ato e consequentemente o direito que se pretendia obter.
VII - A AT pode utilizar, simultaneamente, a aplicação de métodos indiretos e de correções técnicas, porquanto, como visto, o recurso à avaliação indireta representa, efetivamente, uma última ratio fisci, o que significa, portanto, que é, naturalmente, possível cindir a determinação da matéria coletável.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

A DIGNa REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por “L… Joalheiros, Lda”, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e respetivos juros compensatórios (JC), respeitantes aos exercícios de 2001 e de 2002, no valor €24.527,87.


***


A Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando, as conclusões que infra se reproduzem:

“A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a Impugnação deduzida por L… JOALHEIROS LDA, e em consequência, determinou a anulação das liquidações adicionais de IRC e respetivos juros compensatórios dos anos de 2001 e 2002, no montante global de € 27.108,80, apuradas por métodos indiretos, por considerar que a AT não comprovou a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria tributável da Impugnante, considerando ainda que as correções técnicas ao lucro tributável efetuadas ao exercício de 2002, pela aplicação do regime de tributação simplificado, sofrem de vício de violação de lei.

B. Ora, salvo o devido respeito, a douta sentença incorre em erro de julgamento que resulta não só da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e violação da lei.

C. Atenta a factualidade devidamente fundamentada no RIT, que possui força probatória plena, pelo douto tribunal a quo não foram devidamente valorados os factos constatados pela IT no âmbito de análise contabilístico-fiscal efetuada à impugnante, os quais, consubstanciando factos de maior relevo na demonstração da necessidade inelutável de recurso a métodos indiretos, deveriam, pela sua pertinência, ter sido valorados, nomeadamente:

1) O procedimento inspetivo teve origem na verificação de uma situação permanente de crédito em sede de IVA, de montantes elevados, e consistindo a atividade da impugnante no comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria, em princípio, só em períodos pontuais de investimento é que se encontraria nessa situação, pelo que foi desencadeado o procedimento para se apurar a situação real da sociedade;

2) O procedimento começou com a inventariação física das existências, e analisados os elementos recolhidos, foi a Impugnante notificada para apresentar uma tabela de equivalências entre as referências de compra e de venda dos artigos comercializados nos anos de 2001 a 2004, a qual não foi disponibilizada com o argumento de que a apresentação de tais elementos comprometeria o sigilo comercial por que se pautava a impugnante;

3) Apuradas as quantidades de artigos comprados e vendidos em cada ano, e determinadas as Existências que deveriam constar em cada final de ano, foi a impugnante notificada para indicar os documentos comprovativos da compra (fornecedor e n° de fatura), tendo a IT concluindo pela omissão de compras de 199 artigos no montante de € 79.573,59 e pela omissão de vendas de 694 artigos;

4) Foram recolhidos dois documentos comprovativos de vendas efetuadas a não residentes nos montantes de 10.000,00 € e de 430,00 €, dos quais não foi emitido o correspondente documento de venda, o que demonstrou que a omissão de vendas era uma realidade constatada;

5) Num trabalho longo e exaustivo de análise às relações comerciais da impugnante com outros sujeitos passivos de IVA com quem a mesma tem relações especiais, constatou a IT, após cruzamento de informação, que as faturas emitidas a esses sujeitos passivos titulavam operações simuladas e que os bens faturados a preço de custo tinham sido vendidos a consumidores finais a preços de mercado, vendas essas omitidas no momento em que tiveram lugar, traduzindo-se numa vantagem patrimonial em sede de IVA e IRC;

6) Os livros de escrita apresentados pela impugnante encontravam-se escriturados até 31.12.2003, sendo o seu Termo de Abertura de 21.03.2005 – o que poderia permitir efetuar lançamentos de 2003 até àquela data; e que os movimentos relativos ao exercício de 2004 apenas foram impressos em 01.08.2005, o que poderia originar a alteração dos registos contabilísticos de 2004 até essa data;

7) A impugnante possuía uma conta bancária, mas que não eram efetuados os registos contabilísticos de todos os movimentos nela efetuados, não sendo feita qualquer reconciliação bancária, tendo sido apurado um diferencial de € 1.004,258,08, de 2001 a 2004, entre as vendas declaradas sem IVA e os créditos efetuados na referida conta.

D. E importa ainda referir que no decurso do procedimento inspetivo, a impugnante foi formalmente interpelada pela IT, pelo menos por três vezes, para: 1) apresentar uma tabela de equivalências entre as referências de compra e de venda dos artigos, 2) indicar os documentos comprovativos da compra (fornecedor e nº de fatura) dos artigos discriminados e constantes do Inventário Final de 31.12.2004, 3) para indicar os documentos comprovativos da venda correspondentes a 47 talões selecionados relativos aos quatro exercícios, tendo optado por não entregar os documentos solicitados, alegando até sigilo profissional para sustentar a sua recusa, o que constitui, salvo o devido respeito por melhor entendimento, uma violação reiterada do princípio da colaboração, (art. 59º, n.º 4 da LGT).

E. Ora, todo este conjunto de factos, dados como provados, levaram, entre outras, à conclusão por parte da IT de que os registos contabilísticos não ofereciam qualquer fiabilidade, nem refletiam a situação patrimonial da impugnante, “sendo impossível a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável” pelo que estavam “reunidos os pressupostos para se proceder à aplicação de métodos indiretos nos exercícios de 2001 a 2004, para determinação do volume de negócios e do lucro tributável, ao abrigo dos art° 87° a 89° da Lei Geral Tributária por força dos art° 52° do Código do IRC e 84° do Código do IVA”

F. Assim, não pode proceder a conclusão de falta de indicação dos motivos que levaram à opção pela avaliação por métodos indiretos, como se demonstrou, e aqui, formalmente se alega. Aliás, e salvo o devido respeito, o tribunal a quo não apresenta qualquer fundamentação que permita estabelecer com rigor a razão pela qual chegou àquela conclusão, fazendo prevalecer a posição da impugnante. Ou seja, não foi apresentado um percurso lógico que permita entender o raciocínio que levou à consideração de que os elementos carreados pela AT para os autos não demonstram, inequivocamente, a comprovação da verificação dos pressupostos do recurso a métodos indiretos.

G. O recurso a métodos indiciários para determinar a matéria tributável é de aplicação subsidiária ao apuramento dos rendimentos com base nos elementos declarados pelo contribuinte, e encontrará a sua justificação, sempre que, por circunstâncias a que a AF seja alheia, se mostre inviável a determinação concreta, efetiva e credível da realidade a considerar para efeitos tributários.

H. E o que importa para que a AF recorra à metodologia indiciária, é que indicie, com foros de credibilidade e segundo juízos de razoabilidade e normalidade adequada, que a contabilidade contém erros e omissões e que esses erros e omissões, seja enquanto considerados no seu conjunto, seja enquanto considerados parcelarmente, impliquem a extrapolação conclusiva da impossibilidade de quantificação direta da matéria tributável, sendo que quanto ao afastamento da presunção de veracidade dos seus elementos de escrita, é outro axioma que, sendo aquele independente da regularidade meramente formal da contabilidade, ele se verifica sempre que a contabilidade não espelhe, com transparência, a realidade do contribuinte sujeita a tributação.

I. No caso dos autos, resulta claramente do RIT e da Ata de decisão da Comissão de Revisão que a Impugnante não dispunha de elementos suficientemente claros e precisos que permitissem apurar diretamente o lucro tributável, tendo sido detetadas irregularidades e omissões que retiraram à contabilidade a sua credibilidade, o que levou à conclusão de que a contabilidade não foi elaborada de acordo com a normalização contabilística, nos termos do artigo 17º, n.º 3 do CIRC, nem observava o preceituado no artigo 115º do mesmo diploma legal.

J. Assim, encontrando-se demonstrado nos autos que a contabilidade da Impugnante é repleta de irregularidades, inexatidões e omissões - o que foi constatado em sede de exame à escrita e não contrariado validamente por prova adequada -, não refletindo de forma clara os movimentos resultantes da atividade comercial desenvolvida, e não podendo também no caso, operar-se apenas com correções técnicas no apuramento da matéria coletável, pois o que se encontra em causa, é uma falta generalizada de credibilidade da escrita comercial da impugnante, pelos apontados vícios, e não uma ou outra operação mal contabilizada, em que apenas haveria que a desconsiderar no apuramento da matéria coletável,

K. então, aberto se encontrava o caminho para a AF, que no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da atuação dos contribuintes com a lei, atua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, lançar mão dos métodos indiciários para apuramento desse lucro tributável.

L. E assim sendo, cabia à impugnante, no âmbito do ónus probatório que sobre ela impende, ter vindo trazer aos autos prova certa e segura, tendo em vista os indícios em que a AF se fundou para a passagem aos métodos indiciários. No entanto, a verdade é que a impugnante não articulou factualidade concreta, precisa e relevante, que possa ser objeto de prova, limitando-se a meras conjecturas e generalidades insusceptíveis de serem apreendidas, encontrando-se longe de colocar em dúvida séria e fundada, os indícios supra referidos.

M. O dever de descoberta da verdade material tem sempre como limite a falta de cooperação pelo sujeito passivo, sendo que, a partir do momento em que o mesmo não reflecte na sua contabilidade, de forma inequívoca e clara, os movimentos resultantes da actividade comercial por si desenvolvida e não presta esclarecimentos necessários, a AT procede, de forma fundamentada, à correcção da matéria coletável que entende ser mais adequada, de acordo com o enquadramento da situação concreta nas normas jurídicas vigentes.

N. Logo, e contrariamente ao que entende o Ilustre Tribunal “a quo”, a AT logrou provar, nos termos do disposto nos art. 52º do CIRC e 87º a 89º da LGT, os factos constitutivos do seu direito, com base em informações oficiais prestadas pela IT, fundamentadas e baseadas em critérios objectivos e que, portanto, “fazem fé”, pelo que possuem força probatória plena (vide n.º 1 do art. 76.º da LGT, n.º 1 do art. 115º do CPPT e art. 371.º do CC).

O. Estamos, portanto, perante uma situação de prova legal plena, que só pode ser contrariada por meio de prova em contrário, ou seja, que mostre não ser verdadeiro o facto dela objecto, como se estipula no art. 347.º do Código Civil, o que a Impugnante, ora recorrida, não veio fazer nos presentes autos, como lhe competia.

P. Pelo que, encontra-se demonstrada a legalidade das correções efetuadas em sede de IRC, apuradas de acordo com a avaliação indireta da matéria coletável, assim como a legalidade dos atos de liquidação adicional sindicados.

Q. Por outro lado, e relativamente às correções técnicas ao lucro tributável efetuadas com referência ao exercício de 2002, pela aplicação do regime de tributação simplificado, considerou o douto tribunal que tendo a Impugnante optado pelo regime geral na declaração de rendimentos, a AT não lhe podia aplicar o regime simplificado. Contudo, não podemos concordar com tal conclusão. Vejamos,

R. A opção pelo regime geral, a que se reportava o nº1 do artigo 53.º do CIRC, deveria ser formalizada na declaração de início de actividade ou na declaração de alterações, até ao fim do 3º mês do período de tributação do início da aplicação do regime (cfr. nº 7 do artigo 53º do CIRC).

S. Não sendo exercida tal opção pela aplicação do regime geral e verificando-se os requisitos de enquadramento no regime simplificado, este regime era aplicado automaticamente por um período de 3 exercícios, sendo prorrogado por iguais períodos (cfr. nº 9 do artigo 53º). Caso o sujeito passivo não pretendesse ver prorrogada a aplicação do regime simplificado, deveria comunicar a opção de transitar para o regime geral, mediante declaração de alterações, no prazo antes mencionado.

T. Ora, retomando o caso dos autos, temos que, no exercício de 2001, a impugnante foi enquadrada no regime simplificado em virtude de no exercício de 2000 não ter exercido atividade (não obteve proveitos) e não ter exercido no exercício do início da atividade a opção pelo regime geral de tributação.

U. No exercício de 2002, não obstante a impugnante ter apresentado a declaração Mod. 22 de IRC do exercício de 2002, enquadrada no regime geral, o certo é que a mesma não exerceu a opção pela aplicação desse regime, nem na declaração de início de atividade nem na declaração de alterações a apresentar até ao fim do 3º mês do período de tributação do início da aplicação do regime (al. b) do n.º 7 e nº 9 ambos do art. 53º do CIRC), pelo que foi enquadrada no regime simplificado e aplicado o disposto nos artigos 52º a 57º do CIRC.

V. Não sendo relevante o enquadramento que o sujeito passivo decida fazer na Declaração de Rendimentos, então, bem andou a IT ao determinar a matéria tributável de IRC da impugnante no exercício de 2002, segundo as regras do regime simplificado.

W. Por todo o exposto, e em consequência do que supra explanamos, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, a douta sentença proferida padece de erro de julgamento da matéria de facto e de direito, na medida em que as provas produzidas nos autos de primeira instância e a que supra aludimos são suficientes para infirmarem a conclusão diversa de considerar que a AT não comprovou a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria tributável da Impugnante, e que a AT não poderia enquadrar a impugnante no exercício de 2002 no regime simplificado, em violação dos artigos 52º a 57º do CIRC, 87º a 89º da LGT, vigentes à data dos factos.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada, JUSTIÇA!”


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A Recorrida devidamente notificada, optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir.

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II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve:

“A) A Impugnante dedica-se ao comércio a retalho de relógios e artigos de ourivesaria (cf. ponto II, do Relatório de Inspeção Tributária, a fls. 229 do PA);

B) Em 2002.05.06, a Impugnante preencheu e entregou declaração de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 2001, constante de fls. 2 de doc. nº 003895215 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, no qual assinalou, no quadro 03, optar pelo regime geral de tributação dos rendimentos;

C) Em 2005.04.18, a Impugnante submeteu via internet declaração de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 2001, constante de fls. 5 de doc. nº 003895215 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, no qual assinalou, no quadro 03, optar pelo regime simplificado de tributação dos rendimentos;

D) Em 2003.05.28, a Impugnante preencheu e entregou declaração de rendimentos modelo 22, relativa ao exercício de 2002, constante de fls. 9 de doc. nº 003895215 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, no qual assinalou, no quadro 03, optar pelo regime geral de tributação dos rendimentos;

E) Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 01200500727 os exercícios de 2001 e 2002 da Impugnante foram alvo de ação inspetiva externa, de âmbito parcial (cf. fls. 222 do PA);

F) Os Serviços de Inspeção Tributária, Divisão II– Equipa 44, da Direção de Finanças de Lisboa, concluiu verificarem-se motivos para aplicação de métodos indiretos nos exercícios de 2001 e 2002, fixando a matéria tributável em € 19 554,70 no exercício de 2001 e em € 99 799,48 no exercício de 2002 (cf. fls. 39 de doc. nº 003895213 registado em 17-05-2006 às 12:27:29);

G) Do relatório da Inspeção Tributária de 2005.08.24, constante de fls. 225 a 270 do processo administrativo (PA) e que aqui se dá como integralmente reproduzido, transcreve-se:

(…)
IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
No decurso da ação inspetiva foram efetuados os seguintes procedimentos:
I – INVENTARIAÇÃO DAS EXISTÊNCIAS FÍSICAS DE 2004.12.31
Nos dias 21 e 22 de fevereiro de 2005 os Serviços de Inspeção Tributária (SIT) procedeu-se à inventariação física das existências constantes do inventário final de 31/12/2004, nos termos do artigo 79° do CIVA, de acordo com o Despacho DI200500427.
O Inventário é formado por 4 grupos de artigos, Joalharia, Ouro, Prata e Relojoaria.
Desta contagem física efetuada, foi elaborado o termo de declarações, de acordo com o n.º 3 do artigo 56° do RCPIT (pág. 99 do Anexo).
Para além da inventariação foram retirados os preços de venda ao público dos 400 artigos constantes no Inventário, o que permitiu determinar a Margem Bruta de Comercialização por grupos de artigos.
Todos os artigos foram exibidos à exceção dos 4 artigos que se referenciaram no termo de declarações, os quais foram exibidos posteriormente.
2 – ANÁLISE DOS DOCUMENTOS DE COMPRAS E VENDAS
O exercício da atividade foi iniciado em outubro de 2001 tendo sido efetuadas as primeiras compras e vendas nesse mês.
Para controle de existências foi notificada a sociedade para apresentar uma tabela de equivalências entre as ref.ª de compra e as ref.ª de venda dos artigos comercializados nos anos de 2001 a 2004 (pág. 87 do Anexo).
Essa tabela não foi apresentada com o argumento de que estes elementos não se apresentam visto fazerem parte do sigilo comercial por que se pauta o contribuinte (pág. 90 do Anexo, ponto 4).
Foram analisados todos os documentos de compra e de venda e foram registadas as compras nos Quadros 1, 2, 3, 4 (pág. 1 a 8 do Anexo) e as vendas nos Quadros 5, 6, 7, 8 (pág. 9 a 15 do Anexo), discriminadas pelos 4 grupos de artigos referidos, Joalharia, Ouro, Prata e Relojoaria.
Neste trabalho foram apuradas as quantidades de artigos comprados e vendidos em cada ano, tendo sido elaborado o Quadro 9 (pág. 16 do Anexo) onde foram determinadas as Existências que deveriam constar em cada final de ano.
Constata-se da análise desse Quadro que as quantidades de artigos constantes nos Inventários declarados em cada ano não correspondem às quantidades apuradas com base nas compras e vendas declaradas, verificam-se diferenças positivas e negativas.
As diferenças negativas significam que houve omissão de vendas e as diferenças positivas significa que houve omissão de compras.
No Quadro 10 — Resumo (pág. 17 do Anexo) são ainda apurados o custo das mercadorias vendidas total e as quantidades totais dos artigos dos quais foi omitida a venda nos quatro exercícios, com base nas compras e vendas declaradas e na inventariação física efetuada.
Constatada a omissão de compras, verificou-se se os artigos constantes do Inventário de 31/12/2004 constavam nos documentos de compra dos anos de 2001 a 2004 que constam no processo, tendo verificado que não constam nos documentos de compra parte dessas existências, confirmando assim a omissão de compras.
Foi notificado o sujeito passivo em 28/06/2005 (ponto 2 da notificação) para indicar os documentos comprovativos da compra (fornecedor e n° de fatura) dos artigos constantes do Inventário Final de 31/12/2004 discriminados nos quadros das págs. 9 a 16 do Anexo à referida notificação, os quais não tinham sido encontrados nos documentos de compra na primeira análise feita a todos os documentos de compra.
Em resposta a essa notificação foram indicados os documentos que constam na coluna 8 dos Quadros 11, 12, 13 e 14 (págs. 18 a 35 do Anexo).
Apesar de não ter sido apresentada a tabela de equivalências entre as ref.ª de compra e as ref. ª de venda atrás referida, efetuada a análise constatou-se que nos documentos indicados não constam os artigos, ou os nº das faturas indicadas não existem ou constam os artigos, mas não correspondem às referências do Inventário.
Na coluna de Observações desses quadros constam as notas correspondentes a cada situação.
Foram separados os artigos que possuem documentos de compra dos artigos que não possuem documentos de compra, sendo assim discriminados no Quadro C, as quantidades e valor dos artigos que não possuem documentos de compra.

Esta omissão de compras no total de 199 artigos no montante de 79.573,59 €, foi acrescida no Quadro D da página seguinte para apurar a quantidade de artigos em falta.
Tendo sido consideradas como vendas efetuadas, as Vendas a Dinheiro n° 45 e 60 referidas no número 1.2 do capítulo III, que respeitam à venda de 9 relógios, e a venda de 2 relógios mencionados nos documentos ¯TAX FREE, esta quantidade foi considerada vendida para a determinação da quantidade de artigos em falta. Assim aos 506 artigos apurados no Quadro 10 foram acrescidos os 199 artigos das compras omitidas e foram deduzidos os li relógios das vendas omitidas que constam no Quadro A1 pág. 7 do capítulo III, sendo assim 694 o total de artigos em que foi omitida a venda, conforme se discrimina por grupos no Quadro D da página seguinte. A venda destes artigos foi quantificada no capítulo V, Quadro I.
QUADRO D - APURAMENTO DAS QUANTIDADES DAS VENDAS OMITIDAS
(…)
Conforme foi dito no número 1.2 do capítulo III dos elementos da contabilidade foram recolhidos dois documentos comprovativos de vendas efetuadas a não residentes nos montantes de 10.000,00 € e de 430,00 €, dos quais não foi emitido o correspondente documento de venda.
Este facto demonstra que a omissão de vendas é uma realidade constatada.
3 - ANÁLISE PRÉVIA DAS DECLARAÇÕES PERIÓDICAS DO IVA DE 2004 E DA DECLARAÇÃO ANUAL DE 2003
(…)
4- ANÁLISE DAS CONTAS 7111 - VENDAS DE MERCADORIAS E 24331121 - IVA LIQUIDADO E DECLARAÇÕES PERIÓDICAS DO IVA
(…)
5- FACTURAS EMITIDAS A SUJEITOS PASSIVOS COM OS QUAIS A LC JOALHEIROS, LDA. TEM RELAÇÕES ESPECIAIS
A sociedade L… Joalheiros, Lda. tem sócios e técnicos de contas comuns, com os Sujeitos Passivos indicados no Quadro G.



«Imagem em texto no origina»


Conforme já foi referido no número 4 deste capítulo, a sociedade L… Joalheiros, Lda., emitiu nos exercícios de 2003 e 2004 aos sujeitos passivos com os quais tem relações especiais, as sete faturas que constam nas págs. 39-A a 39-L do Anexo, que se indicam no Quadro H.
(…)
Relativamente às faturas emitidas em 2004, na L… Joalheiros elas foram lançadas com data de 31/12/2004 nas contas 7111 — Vendas de Mercadorias e 24331121 — IVA liquidado, em data posterior à entrega da 1ª declaração periódica do IVA do período 0412 T, uma vez que elas não constam nessa declaração entregue dentro do prazo.
(…)
CONCLUSÃO
Todos os procedimentos efetuados no decurso da ação de inspeção descritos neste capítulo demonstram a falta de verdade e credibilidade dos factos relacionados com as faturas em causa.
Por tudo o que foi exposto relativamente às faturas emitidas aos sujeitos passivos com os quais a L… Joalheiros tem relações especiais, conclui-se que as faturas em causa titulam operações simuladas e que as mercadorias que nelas constam não foram transmitidas aos Sujeitos Passivos a quem elas foram emitidas, mas foram transmitidas a consumidores finais, das quais foi omitida a venda no momento em que ela se efetuou, pelo que no capítulo V será quantificada a margem de comercialização dos artigos constantes nas faturas.
Relativamente às faturas emitidas em 2004, os motivos pelos quais elas foram emitidas são claros e inequívocos.
Foi demonstrado no número 2 deste capítulo e no número 1.2 do capítulo III que são omitidas compras e vendas.
A omissão de compras determinada respeita apenas às mercadorias que estavam em existências em 3 1/12/2004 e que foi possível apurar.
A omissão de vendas implica que os artigos que já foram vendidos, se mantenham nos Inventários de cada exercício sem existirem fisicamente.
A não existência física dos artigos significa que o artigo é vendido e não é emitido o documento comprovativo da venda, operação que faria sair o artigo do inventário. Não sendo emitido esse documento o artigo mantém-se no inventário, mas não existe fisicamente. A apresentação do Inventário de 31/12/2004 e a sua inventariação física implicou a exibição dos artigos existentes e o seu quantitativo era de cerca de 41 % das existências iniciais declaradas.
A diminuição tão significativa entre o inventário inicial declarado e o inventário físico final, implicou um aumento do mesmo valor no Custo das Mercadorias Vendidas
As vendas do trimestre estavam contabilizadas e declaradas na 1ª declaração periódica do IVA, como se pode constar pela declaração do IVA e lançamentos contabilísticos efetuados nas contas 7111 — Vendas de Mercadorias e 24331121 - IVA liquidado (pág. 69, 70 e 71 do Anexo), conforme já foi referido nos números 3 e 4. Tendo por base estes elementos foi determinada no Quadro E2 da página 12 deste relatório a Margem Bruta sobre as Vendas, constatando-se que ela é negativa de - 232,76 %.
A solução encontrada para corrigir esta margem negativa foi a emissão das faturas para as empresas constituídas por familiares, as quais foram efetuadas a preços de custo.
O valor das faturas de 2004 é de 163.293,57 €, alterou o valor das vendas de 74.636,54 para 237.930,12 o que implica alterar a margem negativa de -232,76% para -4,25%, conforme se determina no Quadro E3.
Foi notificada a sociedade para justificar a margem negativa de -4,25%, tendo apresentado um relatório elaborado pela técnica de contas M... no qual refere que o custo das mercadorias vendidas é de 219.784,53 €, sendo a margem bruta sobre as vendas positiva em 7,97% (págs. 100 a 112 do Anexo).
Sobre o diferencial na margem de -4,25 % para 7,97 % ver número 8.
A emissão das faturas em causa visa a obtenção para o emitente e para os utilizadores das faturas uma vantagem patrimonial à custa do Estado, pelo que incorrem na infração tipificada como fraude fiscal e descrita na al. c) do 0 1 do art° 103° do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Aquela vantagem patrimonial é concretizada com a entrega das declarações de IRS ou IRC e com a entrega das declarações periódicas do IVA através das quais o utilizador reduz o montante das suas obrigações tributáveis ou poderão ficar em situação de crédito ou de reembolso perante o Estado.
No emitente o IVA é exigido nos termos da alínea c) do n° 1 do art. 2° e do n° 2 do art° 26° do CIVA.
Nos utilizadores o IVA não é dedutível por força do n° 3 do art° 19° do CIVA.
6 - LIVROS DE DIÁRIO, INVENTÁRIO E BALANÇO
A ação de inspeção aos exercícios de 2001 e 2002 foi iniciada em 21/03/2005 e nesse dia foi solicitada a apresentação dos livros de Diário, Inventário e Balanço.
Foi afirmado pelo técnico de contas que não os tinha na sua posse, mas que existiam e que os tinha entregue à sociedade.
A sócia gerente da sociedade L… afirmou desconhecer o paradeiro desses livros.
Nesse mesmo dia foram apresentados os referidos livros escriturados até 31/12/2003, cujo Termo de Abertura é datado desse dia 21/03/2005 (pág. 72 e 73 do Anexo).
A escrituração do exercício de 2003 efetuada em 21/03/2005 pode permitir efetuar lançamentos de 2003 até àquela data.
Em 01/08/2005 foram impressos os movimentos relativos ao exercício de 2004.
Tal situação poderia originar a alteração dos registos contabilísticos de 2004 até essa data.
Nos termos do n° 4 do art° 115º do CIRC não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês a que as operações respeitam.
O atraso na escrituração de livros de escrita é punível nos termos do art° 121° do Regime Geral das Infrações Tributárias.
7 - CONTA BANCÁRIA EM NOME DA SOCIEDADE
A sociedade possui uma conta bancária a conta n° 4-2571648 000 001 do B..., mas não são efetuados os registos contabilísticos de todos os movimentos nela efetuados.
Foram solicitados e entregues no decurso da ação de inspeção fotocópias dos extratos bancários da referida conta, tendo constatado que nela são efetuados os movimentos relativos à atividade empresarial, nomeadamente, os créditos por vendas em TPA (recebimentos pela utilização de cartões de débito ou crédito), os depósitos bancários e as transferências e cheques emitidos. Na contabilidade são efetuados apenas pequenos movimentos, pagamentos de telefone, eletricidade, juros devedores, pagamentos à R... e alguns cheques emitidos.
Não são contabilizados os movimentos a crédito da conta nomeadamente os créditos por vendas em TPA (recebimentos pela utilização de cartões de débito ou crédito), os depósitos bancários e as transferências.
Não é feita, portanto qualquer reconciliação bancária.
Dos extratos bancários foram retirados os movimentos a crédito (exceto as transferências dos sócios ou de terceiros para a sociedade), créditos por vendas em TPA, depósitos bancários e outros, cujos totais se discriminam por ano.
As vendas declaradas sem IVA nos exercícios de 2001 a 2004 totalizam 908.129.47 €, incluindo 330.334,47 € que respeitam às faturas as quais não foram pagas, pelo que as vendas que foram cobradas são de 577.795,00 (908.129,47 - 330.334,47).
Verifica-se um diferencial de 1.004.258,08 € entre os créditos constantes no quadro acima e as vendas declaradas sem IVA (1.582.053,08 — 577.795,00).
A L… Joalheiros foi notificada em 28/06/2005 (pág. 87 do Anexo para justificar o diferencial de 1.004.258,08 €, argumentou que até 3 1/12/2004 não eram obrigatórios os registos contabilísticos das movimentações bancárias.
Tal argumento não corresponde à verdade e a Administração Fiscal não confirma conforme é referido no ponto 5 dos esclarecimentos prestados pelo advogado (pág. 91 do Anexo). O que não era obrigatória era a existência de conta bancária titulada em nome da empresa, até 31/12/2004. Mas a sociedade L… Joalheiros possuía conta bancária através da qual efetuou os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial e nos termos da alínea b) do n° 3 do art° 17° do CIRC a contabilidade deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, pelo que eram obrigatórios os registos contabilísticos dos movimentos bancários efetuados pela sociedade.
Argumentou ainda que o diferencial se deve a movimentos interbancários entre a estrutura familiar e a empresa e anexa relações de movimentos de transferências de contas cujo total a crédito é de 422.361,11 €, assim discriminado por ano:
Como se pode constatar no quadro da página anterior, o diferencial de 1.004.258,08 € não inclui os movimentos de transferências dos sócios ou terceiros para a sociedade, porque se estivessem incluídos o diferencial seria de 1.426.619,19€.
Desta forma o diferencial de 1.004.258,08 € não foi justificado. Este diferencial justifica a omissão de vendas, omissão da venda de 694 artigos demonstrada no número 2 e a omissão da venda ao público dos artigos constantes nas faturas referidas no número 5, cujos valores da venda foram cobrados.
Foram solicitados os talões que documentam os créditos por vendas em TPA (créditos na conta bancária resultantes dos recebimentos resultantes da utilização de cartões de débito ou de crédito dos clientes) que constam nos extratos bancários e cujos movimentos não foram contabilizados.
Esses talões foram entregues quase na totalidade.
Constatou-se que alguns desses talões diziam respeito à utilização dos cartões de débito pessoais dos dois sócios gerentes C… e L…, num total de 30.084,00 €, assim discriminado por ano:
Estes movimentos não foram contabilizados, mas se o fossem seriam em empréstimos de sócios.
No quadro da página 31 na coluna CV / TPA (créditos por vendas em TPA) não está incluído este montante conforme nota (a) desse quadro.
Da análise aos talões comprovativos dos créditos atrás referidos e das Vendas a Dinheiro, não foi possível efetuar a correspondência entre esses talões e as Vendas a Dinheiro emitidas, pelo que a L… Joalheiros foi notificada em 28/06/2005 (pág. 87 do anexo) para indicar os documentos comprovativos da venda correspondentes a 47 talões selecionados relativos aos quatro exercícios que constituem as págs. 1 a 8 do Anexo dessa notificação.
A resposta foi elaborada pelo advogado Dr. L…, os documentos comprovativos da venda não foram apresentados e argumentou que ¯.... à data em referência não era obrigatória a existência de conta bancária titulada em nome da empresa pelo que se afigura como impossível justificar o controle individual de cada movimento bancário. Tal exigência só entrou em vigor a partir de 2005, pelo que até essa data os movimentos bancários eram apurados através de montantes globais calculados mês a mês.
Este argumento já foi comentado nos números anteriores, mas mais urna vez se defende que não sendo obrigatória existência de conta bancária titulada em nome da empresa, até 31/12/2004, dado que a sociedade L… Joalheiros possuía conta bancária através da qual efetuou os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial, nos termos da alínea b) do n° 3 do art° 17º do CIRC a contabilidade deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, pelo que eram obrigatórios os registos contabilísticos dos movimentos bancários efetuados pela sociedade.
Quanto aos montantes globais calculados mês a mês não se sabe a que movimentos se está a referir, dado que na conta 12 — B… não estão lançados quaisquer montantes globais.
Também estes factos demonstram que a contabilidade não merece credibilidade e indiciam a prática de omissão de vendas relativamente aos recebimentos através dos cartões de débito e crédito utilizados pelos clientes.
8- REGULARIZAÇÃO DE EXISTÊNCIAS - SINISTROS
No exercício de 2004 foi contabilizado a crédito da rubrica 382 — Regularização de existências e a débito da rubrica 6931 - Custos extraordinários — Sinistros o montante de 27.898,17 € que respeita aos preços de custo de 2 relógio nos montantes de 15.264.90 € e de 12.633.27 €.
Os lançamentos efetuados de operações diversas n° 10.003/5 e 10.004/5 com a descrição¯relógio roubado têm como suporte documental os seguintes documentos:
- O lançamento n° 10.003/5 relativo ao valor de 15.264,90 € tem anexados três documentos, o primeiro é uma informação emitida pela Policia de Segurança Pública dirigida à sociedade L… Joalheiros, na qual informa que o expediente elaborado em 19/10/2002 na 4 Esquadra com o NUIPC 728/02.0 PFLSB relacionado com o furto ocorrido no estabelecimento foi enviado ao DIAP.
O segundo documento é dirigido à S…, a informar essa sociedade de seguros a ocorrência de um furto de um relógio, marca U… refª U322 -88, na loja n° … do T… na Av. da Liberdade, indica que foi adquirido ao fornecedor D... através da fatura 012858 de 09/07/2002. Este documento não possui qualquer identificação nem assinatura, indica o dia 20 de outubro como data do furto e não indica qual o ano.
O terceiro documento é um Termo de Notificação emitido pela Policia Judiciária o qual notifica o lesado L…, da possibilidade de apoio judiciário. Este documento é datado de 31 de janeiro de 2002 e não possui a assinatura da pessoa notificada.
A data de 31 de janeiro de 2002, que consta no terceiro documento é anterior às datas da fatura da compra do relógio que é 09/07/2002 e à data do primeiro documento.
Desta forma os elementos apresentados como justificativos de roubo não demonstram inequivocamente que respeitam ao roubo do relógio em causa, não são suficientes, pelo que o custo extraordinário não está devidamente documentado.
Para efeitos fiscais este custo extraordinário não é dedutível ao abrigo da al. g) do n° 1 do art° 42° do CIRC.
- O lançamento 10.004/5 relativo ao valor de 12.633,27 € tem anexados dois documentos, o primeiro é uma carta do DIAP datada de 26/05/2003, dirigida a L… e L… a qual comunica que foi proferido pelo Ministério Público, despacho de Arquivamento no inquérito relativo ao NUIPC 359/02. 5JDLSB-02 relativo a furto.
O segundo documento é idêntico ao segundo documento anexo ao lançamento 10.003/05 dirigido à S… a informar o roubo de um relógio Marca G… em ouro rosa no montante de 12.633,27. Também este documento não possui qualquer identificação nem assinatura, indica o dia 30 de janeiro como data do furto e não indica qual o ano.
Os elementos apresentados como justificativos de roubo não demonstram inequivocamente que respeitam ao roubo do relógio em causa, não são suficientes, pelo que o custo extraordinário não está devidamente documentado.
Para efeitos fiscais este custo extraordinário não é dedutível ao abrigo da al. g) do n° 1 do art° 42° do CIRC.
Tendo sido refletido na conta de custos extraordinários e em regularização de existências o custo destes relógios, o custo das mercadorias vendidas ficou influenciado, tendo diminuído o seu quantitativo no montante da regularização de existências, sendo então de 219.784,53 €, conforme consta no Quadro 04 do Anexo A da Declaração Anual de 2004. Com o custo das mercadorias de 219.784,53 € a margem de comercialização é de 7,97%.
Constata-se que o montante de 27.898,17 (15.264,90 + 12.633,27) foi acrescido no Quadro 07 da Declaração Modelo 22 do exercício de 2004, e desta forma não influenciou o resultado fiscal declarado.
Não tendo sido considerados como roubados, estes dois relógios, eles estão incluídos nos 52 relógios em que foi omitida a venda apurada no Quadro D da página 11 do relatório.
CONCLUSÃO
Os factos relatados nos capítulos anteriores que demonstram a omissão de vendas e a consequente falta de liquidação de IVA justificam a situação permanente de crédito de IVA verificada nesta sociedade.
Os factos expostos neste relatório, demonstram que a contabilidade não reflete a verdadeira situação patrimonial, sendo impossível a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável.
Deste modo estão reunidos os pressupostos para se proceder à aplicação de métodos indiretos nos exercícios de 2001 a 2004, para determinação do volume de negócios e do lucro tributável, ao abrigo dos art° 87° a 89° da Lei Geral Tributária por força dos art° 52° do Código do IRC e 84° do Código do IVA.
Para a determinação por métodos indiretos, do lucro tributável e do IVA liquidado procedeu-se em conformidade com o n° 1 do art.° 90º da LGT da forma descrita no capítulo V.
V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS.
No número 2 do capítulo anterior, no Quadro C da página 10 deste relatório consta o montante da omissão da compra de 199 artigos e no Quadro D da página 11 foram determinadas as quantidades de artigos dos quais foi omitida a venda sendo 694 artigos.
Deste modo, nos termos do art° 80º do Código do CIVA, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos que não se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade.
1- COMPRAS PRESUMIDAS
O montante das compras presumidas é o valor de parte das mercadorias que constam no Inventário de 31/12/2004 as quais não possuem documento de compra, discriminadas nos Quadros 11 a 14 do Anexo e resumidas no Quadro C do relatório no montante de 79.573.59 €.
Foram imputadas pelos 4 exercícios na mesma proporção que as compras declaradas, de acordo com o Quadro P (página 42 do relatório).
2- VENDAS PRESUMIDAS
2.1 - O montante das vendas presumidas dos 694 artigos foi determinado no Quadro 1 da página seguinte, da seguinte forma:
- Foi determinado nesse Quadro o Custo Médio Unitário de cada grupo de artigos tendo por base o custo das mercadorias declarado;
- As margens de comercialização correspondem às margens de comercialização de 400 artigos, determinadas nos Quadros 15 a 18 (pág. 74 a 85 do Anexo) cujos artigos são os que constam no Inventário de 31/12/2004;
- Ao custo médio unitário das mercadorias vendidas são aplicadas essas margens de comercialização e determina-se o montante das Vendas Brutas Presumidas na coluna 8;
- Foi abatida às vendas presumidas brutas uma percentagem de 4,5% tendo em conta que as comissões cobradas nos pagamentos através de cartões de débito e crédito é em média essa percentagem e tendo em conta eventuais descontos de pronto pagamento concedidos;
- Na coluna 10 foram apuradas as vendas presumidas líquidas de IVA.
(…)
3- CORRECÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL
O lucro tributável dos exercícios de 2001 e 2002 é determinado segundo as regras do regime simplificado previsto no artigo 53º CIRC.
No exercício de 2001 o Sujeito Passivo ficou enquadrado no regime simplificado previsto no artigo 53/1 CIRC, uma vez que no exercício de 2000 não exerceu a atividade (não teve proveitos) e porque não optou pelo regime geral de tributação.
O nº 10 do mesmo artigo estabelece que cessa a aplicação do regime simplificado, quando o limite total anual dos proveitos a que se refere o nº1 for ultrapassado num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que o regime geral de determinação do lucro tributável se aplica a partir do exercício seguinte ao da verificação desse facto.
No exercício de 2002 foi ultrapassado o limite de 25%, mas nos termos do nº 10 do artigo 53º, neste exercício aplica-se o regime simplificado e só nos exercícios de 2003 e seguintes é aplicável o regime geral de tributação
O Sujeito Passivo apresentou indevidamente a declaração Modelo 22 do exercício de 2002 enquadrado no regime geral de tributação, pelo que será enquadrado no regime simplificado.
O nº 12 do mesmo artigo estabelece que em caso de correção aos valores de base contabilísticos, previsto no nº 11 desse mesmo artigo, por recurso a métodos indiretos de acordo com o previsto no artigo 90º da LGT é aplicável o disposto nos artigos 52º a 57º do mesmo Código.
Desta forma, nos termos do nº 4 do artigo 53º, o lucro tributável é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao total dos proveitos.
O lucro tributável corrigido e as correções a efetuar ao lucro tributável dos exercícios de 2001 e 2002 foram determinados no Quadro O
O montante de € 60 835,49 não corresponde ao lucro tributável declarado, corresponde a 20% das vendas declaradas. O lucro tributável declarado foi de € 2 825,99, determinado indevidamente pelas regras do regime geral de tributação pelo que a correção ao lucro tributável é de € 96 973,49 (99 799,48 – 2 825,99). Esta alteração ao valor da correção ao lucro tributável não provoca qualquer acréscimo ao imposto a pagar uma vez que o lucro tributável corrigido de € 99 799,48 que vai ser objeto de tributação não foi alterado.
(…)

H) Sobre o relatório dos Serviços de Inspeção Tributária identificado na alínea que antecede recaiu despacho de 2005.08.29, do Chefe de Divisão, por Subdelegação, constante de fls. 222 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual se transcreve:

“Concordo com o parecer do chefe de equipa e com a informação prestada pelo Técnico em anexo.
Dos fundamentos constantes do relatório resulta que o contribuinte liquidou IVA que não entregou nos cofres do Estado e deduziu indevidamente imposto
Por outro lado, verificou-se que a contabilidade não reflete a verdadeira situação patrimonial sendo impossível a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável pelo que foram aplicados métodos indiretos de acordo com os artigos 87º a 89º da LGT.
Em consequência desta situação foram apurados os seguintes valores:
IRC
2001 lucro € 19 554,70
2002 lucro € 99 799,48
(…)
Notifique-se o Contribuinte com remessa de cópia do Despacho, Parecer e da informação
(…);

I) A Impugnante foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária através do ofício constante de fls. 39 de doc. nº 003895213 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, que aqui se dá por integralmente reproduzido;

J) A Impugnante solicitou a revisão da matéria tributável e indicou perito (cf. fls. 45 de doc. nº 003895213 registado em 17-05-2006 às 12:27:29);

K) Em 2005.11.10, reuniu-se a Comissão de Revisão, constituída pelo perito da Fazenda Pública e pelo perito indicado pela Impugnante que não chegaram a acordo, (cf. ata nº 50/05 – fls. 22 de doc. nº 003895214 registado em 17-05-2006 às 12:27:29);

L) Do laudo da vogal da Fazenda Pública constante de fls. 24 de doc. nº 003895214 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, e que aqui se dá como integralmente reproduzido, com relevo para a decisão, transcreve-se:

(…)
Nos dias 21 e 22/02/2005 os serviços de inspeção procederam à inventariação física das existências constantes do inventário final de 31/12/2004. Este (...) foi assinado e considerado correcto pelos responsáveis da empresa, tendo sido exibidos todos os artigos que dele constam. (...) se analisarmos a VD 7 de 2001/11/13 verifica-se que as 10 peças em falta foram acrescidas e na coluna das quantidades figura uma só não tendo havido alteração no preço (...). Na fatura 13577 do fornecedor D… o facto de ter sido referido como relógio o que parece ser uma bracelete só desloca a quantidade do artigo pois em termos de valor os campos inventariados nos 1/2/3 e 4, com base nas faturas dos fornecedores estão correctos, desprezando uma pequena gama de artigos marca D… que foram desde logo excluídos, (...) pela fatura, não se trata de uma correia qualquer (...) mas sim de uma "B… Rosa" cujo preço de custo é de € 6.776,00 mais cara que a (...) maioria dos relógios vendidos (...) como se confirma pelo inventário. (...) A quantificação dos métodos indirectos assentou no controlo exaustivo das compras, vendas e existências por quantidades (...) Admite-se que possa existir erros de pormenor na qualificação dos artigos, mas não passam disso mesmo e não põem em causa todo o trabalho efetuado." .

M) Em 2005.11.23, foi proferida pelo Diretor de Finanças decisão fundamentada constante de fls. 473 do PA, e que aqui se dá como integralmente reproduzida, que manteve os valores fixados pelos Serviços de Inspeção Tributária;

N) Em 2005.07.11, foi emitida a liquidação adicional de IRC do exercício de 2001 nº 20052310036522, constante de fls. 444 do PA e que aqui se dá por integralmente reproduzida;

O) Com data de compensação de 2005.12.15, foi emitida a demonstração e acerto de contas relativa ao exercício de 2001, constante de fls. 34 de doc. nº 003895213 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, que aqui se dá como integralmente reproduzida, com saldo a pagar de € 1 549,43 e data limite de pagamento de 2006.01.23;

P) Com a mesma data de compensação foi emitida a demonstração de liquidação de juros compensatórios, relativa ao exercício de 2001, constante de fls. 35 de doc. nº 003895213 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, no montante global de € 651,22;

Q) Com data de compensação de 2005.12.15, foi emitida a demonstração e acerto de contas relativa ao exercício de 2002, constante de fls. 36 de doc. nº 003895213 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, que aqui se dá como integralmente reproduzida, com saldo a pagar de € 22 978,44 e data limite de pagamento de 2006.03.06;

R) Com a mesma data de compensação foi emitida a demonstração de liquidação de juros compensatórios, relativa ao exercício de 2002, constante de fls. 37 de doc. nº 003895213 registado em 17-05-2006 às 12:27:29, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, no montante global de € 1 929,71;

S) Em 2006.04.24, a presente impugnação deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa -3 (cf. carimbo aposto a fls. 2 de doc. nº 003895213 registado em 17-05-2006 às 12:27:29);

T) Em 2009.04.17, no processo que correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 1592/06.6BELSB, em que a mesma Contribuinte impugnou as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2001 e 2002, foi proferida sentença que transitou em julgado, constante de fls. 4 a 13 de doc. nº 005081519 registado em 27-05-2009 às 14:37:37, que aqui se dá por integralmente reproduzida, que julgou procedente a impugnação e anulou as liquidações de IVA e de juros, com os nº 05357461, 05357462, 05357464, 06012246, 06012248, 06012250, 06012252, 06012253, 06012251, 06012249 e 06012248, por não estarem reunidos pressupostos para a Fazenda Pública proceder ao cálculo imposto através do recurso a métodos indiretos e pela ilegalidade das correções técnicas.”


***


A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte:

“Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.”


***


A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte:

“A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informação constantes do processo.”



***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, quer na parte atinente às correções dimanantes de avaliação indireta, quer na concernente às correções técnicas ao lucro tributável efetuadas ao exercício de 2002, decorrentes do enquadramento no regime geral de tributação.

Mais importa ter presente que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos legais de facto e de direito:

- na medida em que ajuizou que não se encontravam reunidos os pressupostos para a determinação da matéria coletável através do recurso aos métodos indiretos;

- porquanto ajuizou que foi validamente efetuada a opção pelo regime geral de tributação, desrespeitando, assim, o regime consignado no nº1 do artigo 53.º do CIRC.

- Procedendo o erro de julgamento atinente aos pressupostos da determinação da matéria coletável através da avaliação indireta, importa julgar, em substituição, e aferir se a ora Recorrida demonstrou o excesso de quantificação na determinação da matéria tributável;

- Procedendo, por seu turno, o erro de julgamento concernente à falta de opção válida da determinação da matéria coletável pelo regime de contabilidade organizada e inerente manutenção no regime simplificado, julgar em substituição, e aferir:

  • se a AT podia ter recorrido simultaneamente a métodos indiretos e correções aritméticas;
  • se as correções técnicas padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, porquanto devidamente documentadas, não consubstanciando omissão de proveitos;
  • se, no limite, há que convocar o consignado no artigo 100.º do CPPT, e prevalecer a favor do sujeito passivo o princípio do in dubio contra fiscum;


Vejamos, então.

De relevar, ab initio, que a Recorrente não impugna a matéria de facto, nada requerendo em termos de aditamento por complementação ou supressão ao probatório, ao abrigo do artigo 640.º do CPC, e por assim ser, a matéria de facto encontra-se, devidamente, estabilizada, competindo, nessa medida, aquilatar do aduzido erro de julgamento, por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo não valorou adequada e acertadamente todas as premissas que legitimaram o recurso à avaliação indireta, as quais permitem, no seu conjunto, justificar o uso dessa metodologia, donde, a manutenção das correções.

Advoga, para o efeito, que a própria origem do procedimento inspetivo, concretamente, de uma situação permanente de crédito de imposto, permite inferir e validar a metodologia utilizada, sendo que esse mesmo procedimento começou com a inventariação física das existências, não tendo a Recorrida apresentada uma tabela de equivalências entre as referências de compra e de venda dos artigos comercializados nos anos de 2001 a 2004, não obstante ter sido, expressamente, requerida e com a invocação do sigilo comercial.

Defende, outrossim, que na sequência da notificação para indicar os documentos comprovativos da compra, e da análise desses mesmos elementos, concluiu pela omissão de compras de 199 artigos no montante de € 79.573,59 e pela omissão de vendas de 694 artigos.

Densifica, ainda, que há que valorar os dois documentos comprovativos de vendas efetuadas a não residentes nos montantes de 10.000,00 € e de 430,00 €, dos quais não foi emitido o correspondente documento de venda, o que demonstrou que a omissão de vendas era uma realidade constatada.

Convoca, in fine, a existência de operações simuladas, que os livros de escrita apresentados apenas se encontravam escriturados até 31 de dezembro de 2003, sendo que o seu termo de abertura data de 21 de março de 2005, e bem assim que não eram efetuados os registos contabilísticos de todos os movimentos bancários efetuados, e sem que existisse qualquer reconciliação bancária.

Desfecha, então, que inversamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, tais pressupostos permitem sustentar a conclusão de que os registos contabilísticos não ofereciam qualquer fiabilidade, nem refletiam a situação patrimonial da impugnante, legitimando, portanto, a avaliação indireta.

O Tribunal a quo, esteou o seu raciocínio convocando, desde logo, as decisões prolatadas no âmbito dos processos de impugnação judicial nº 1592/06, e 2790/06, e onde foram impugnadas as liquidações de IVA respeitantes aos anos de 2001 e 2002 e 2003 e 2004, respetivamente, com identidade fática com as correções, ora, em contenda dimanantes do mesmo Relatório Inspetivo, relevando, expressamente, que “[a] Autoridade Tributária e Aduaneira convoca irregularidades na contabilidade da Contribuinte, mas não demonstra de que forma essas irregularidades foram impeditivas do recurso à determinação e quantificação da matéria coletável, ou seja, que tornam impossível o recurso à avaliação direta. Em suma: a Autoridade Tributária e Aduaneira não comprovou a verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indireta da matéria tributável da Impugnante.”

E a verdade é que, não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha incorrido no erro de julgamento que lhe vem assacado pela Recorrente, na medida em que realizou uma correta e adequada interpretação da situação jurídica com a devida transposição para a realidade de facto em apreço, porquanto as premissas e pressupostos avançados pela AT consubstanciam juízos conclusivos ou baseados em premissas incompletas, não legitimando, por conseguinte, o recurso à avaliação indireta.

Senão vejamos.

Para o efeito, há, desde logo, que atentar no respetivo regime normativo, e aquilatar em que situações é legítimo lançar mão dos métodos indiretos de fixação da matéria tributável, e estabelecer depois a competente transposição para o caso sub judice.

Atentemos, então, no quadro normativo, tecendo os considerandos de direito que se reputam de relevo para o caso vertente.

O recurso aos métodos indiretos só deve ser utilizado quando configure a única solução para se chegar à identificação do valor da matéria tributável efetiva. Assume, portanto, a natureza subsidiária e residual (cfr. artigo 85.º, n.º 1, da LGT). Uma “ultima ratio fisci”, para que a AT possa cumprir o poder/dever que lhe está cometido de diligenciar no sentido de que todos os contribuintes paguem os impostos devidos.

“É, de facto, doutrinária e jurisprudencialmente líquido que a AT apenas estará legitimada a recorrer a presunções, na tarefa de encontrar a matéria tributável do contribuinte, -ainda que, por natureza e norma, meramente aproximativa da efectiva, quando este tenha rompido com o seu dever de colaboração para com aquela na medida em que, por um lado, a declarada, nos termos do princípio vigente neste domínio, não mereça credibilidade, por se indiciar fundadamente, que não tem aderência à realidade e, por outro, porque não haja metodologia alternativa que permita a sua fixação directa e exacta (correcções técnicas), sendo, ao caso e atento o imposto liquidado, relevante o preceituado nos art.ºs 82.º, 83.º e 84.º do CIVA e no art.º 81.º, do CIRS” (1-Vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no recurso nº 2016/07, de 14 de novembro de 2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt).

Neste particular, importa, desde logo, ter presente o consignado no artigo 81.º da LGT, o qual preceitua que:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Preceituando, por seu turno, o normativo 83.º da LGT, sobre os fins da avaliação direta e bem assim indireta, no sentido que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

Daí que, a determinação da avaliação direta, tenha como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, os quais se presumem verdadeiros.

Preceituando, neste âmbito, o artigo 75.º, nº1, da LGT, de que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. O princípio da verdade declarativa coloca, assim, na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados.

Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. Nessa medida, se por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no citado normativo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a AT fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, preferencialmente com recurso aos métodos diretos ou, quando tal não seja, de todo, possível, a métodos indiretos.

Note-se que, como decorre do citado normativo, concretamente, do seu nº2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “[o]missões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Daí que, tenha existido a preocupação legal de se objetivarem as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através de métodos indiretos, consagração legislativa taxativa, na medida em que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

O mesmo é dizer que, se não obstante a existência de irregularidades contabilísticas, for, ainda assim, possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.

No tocante à concreta enumeração, como visto, taxativa, há que chamar à colação o plasmado nos normativos 87.º e 88.º da LGT.

Preceituando, para o efeito, o citado artigo 87.º, n.º 1, da LGT:

“1 - A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;

b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objetivos da atividade de base técnico-científica referidos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;

e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.

f) Existência de uma divergência não justificada de, pelo menos, um terço entre os rendimentos declarados e o acréscimo de património ou o consumo evidenciados pelo sujeito passivo no mesmo período de tributação.”

Esclarecendo, por seu turno, o artigo 88.º da LGT, no atinente à impossibilidade de determinação direta e exata da matéria tributável que:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;

b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;

c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.

d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.

Importando, ainda, ter presente que no domínio da errónea quantificação compete ao sujeito passivo provar -após demonstração por parte da AT que se mostram adequadamente fundamentados os pressupostos e critérios adotados para o recurso à avaliação indireta- que a utilização de tais critérios conduziu, sem margem para dúvidas, a um resultado final sem qualquer aderência à realidade.

Sendo certo que, não se pode perder de vista que a avaliação indireta representa, em bom rigor, uma aproximação da realidade tributária, donde a provável falibilidade, e inverosimilhança da quantificação é resultado da inevitabilidade em acionar o método indireto ou presuntivo, derradeira possibilidade de repor a legalidade e apurar uma determinante e insubstituível matéria tributável que, apenas por motivos, deficiências, imputáveis ao sujeito passivo, não pode estabelecer-se com recurso à via direta e normal, ou seja, mediante os seus elementos de contabilidade (1-Vide, designadamente, Acórdão do TCAN, proferido no processo n.º 00235/04.7BEPNF de 25.01.2007.).

Como doutrinado, no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0537/11, datado de 21 de setembro de 2011:

“I - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à AF o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.°, n.° 3 da LGT).

II - Não logrando o contribuinte provar a existência de tal excesso, nem se afigurando evidente para o Tribunal que o alegado excesso na quantificação resulte das regras da experiência comum ou que seja manifesto, notório ou ostensivo, é de manter o “quantum” tributável fixado pela AF, desde que devidamente fundamentado.”

Aqui chegados, e uma vez que, como já densificado anteriormente, compete à AT demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação por métodos indiretos e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação, importa, então, atentar no preenchimento do respetivo ónus probatório, aquilatando, para o efeito, se bem decidiu a sentença quando julgou que a AT não estava legitimada a proceder à determinação da matéria coletável por via presuntiva.

Vejamos, então.

No caso vertente, conforme resulta expressamente do Relatório de Inspeção Tributária, a fundamentação legal para o recurso à avaliação indireta assenta no disposto nos artigos 52.º do CIRC, 84.º do CIVA, 87.º, nº1, alínea b), e 88º, alínea a) da LGT.

Entendeu, pois, a AT que se estava perante a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável do imposto, resultante da “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”.

Evidenciou, para o efeito, no aludido Relatório Inspetivo, como circunstâncias fáticas impeditivas de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis ao correto apuramento e quantum direto e exato, as que infra se descrevem:

· Início da atividade em outubro de 2001.
· Para efeitos de controlo das existências foi a sociedade notificada para apresentar uma tabela de equivalências entre as referências da compra e de venda dos artigos comercializados, sem que tenha cumprido essa apresentação, com o fundamento do sigilo comercial;
· A 21 e 22 de fevereiro de 2005, foi efetuada a inventariação física das existências constantes do inventário final de 31 de dezembro de 2004, nele se tendo constatado que:
o O inventário é formado por quatro grupos de artigos, a saber, joalharia, ouro, prata e relojoaria. Foram também retirados os preços de venda ao público dos 400 artigos constantes no inventário, permitindo determinar a margem bruta de comercialização por grupos dos artigos;
o Foram apuradas as quantidades de artigos comprados e vendidos em cada ano, concluindo-se que as quantidades de artigos constantes dos inventários declarados em cada ano, não correspondem às quantidades apuradas com base nas compras e vendas declaradas, verificando-se diferenças positivas (omissão de compras) e diferenças negativas (omissão nas vendas);
o Parte dos artigos constantes do inventário de 31.12.2004, não constavam nos documentos de compra dos anos de 2001 a 2004, confirmando assim a omissão de compras;
· Desconformidade em alguns documentos de compra, por reporte ao inventário de 2004;
· As faturas emitidas aos sujeitos passivos com os quais a Impugnante tem relações especiais, titulam operações simuladas em que as mercadorias que nelas constam não foram transmitidas aos sujeitos passivos a quem foram emitidas, mas a consumidores finais, tendo sido omitida a venda no momento em que se efetuou.
· Constatação de dois documentos comprovativos de vendas efetuadas a não residentes, nos montantes de €430,00 e de €10.000,00, sem que tenham sido localizados os respetivos documentos de venda;
· Os livros de escrita apresentados, encontravam-se escriturados até 31.12.2003, mas o Termo de Abertura data de 21.03.2005;
· Em 01.08.2005 foram impressos os movimentos relativos ao exercício de 2004.
· A Impugnante possui uma conta bancária, mas não forem efetuados os registos contabilísticos de todos os movimentos nela efetuados, nomeadamente os movimentos a crédito da conta por vendas em TPA, depósitos bancários e transferências. Não é feita qualquer reconciliação bancária.

Conclui, assim, que os factos apurados e que constam do Relatório de Inspeção Tributária, demonstram a omissão de vendas e a consequente falta de liquidação de IVA. Logo, face à impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável/imposto dos exercícios de 2001 a 2004, encontram-se reunidos os pressupostos para se proceder à aplicação de métodos indiretos nos visados exercícios, para determinação do volume de negócios e do lucro tributável, ao abrigo dos artigos 87.° a 89.° da LGT por força do disposto nos artigos 52.° do CIRC e 84° do CIVA.

Vejamos, então, se tais realidades permitem legitimar o recurso à avaliação indireta.

Da concreta circunstância do início da atividade, só ter ocorrido em outubro de 2001, nada é possível inferir no atinente a quaisquer irregularidades contabilísticas, e concreta legitimação da avaliação indireta podendo até militar no sentido inverso, na medida em que um dos exercícios visados respeita precisamente ao ano de 2001, logo ano do início, efetivo, de atividade.

Em nada podendo, per se, habilitar uma avaliação indireta a circunstância da sociedade se encontrar em situação de crédito de imposto, quando, ademais, não encontra concatenação com os exercícios, ora, abrangidos e inclusive ponderando o próprio início de atividade.

É certo que a falta entrega da tabela de equivalências entre as referências da compra e de venda dos artigos comercializados, revela, inequivocamente, uma falta de colaboração, mas, é, igualmente, certo que sem a concreta substanciação de que forma a mesma inviabiliza o apuramento da matéria coletável pela via direta, a mesma não permite, sem mais, estribar a metodologia adotada pela AT.

No concernente à inventariação física há, desde logo, que ter presente que a mesma remonta a fevereiro de 2005, e tem por base as existências constantes do inventário final de 31 de dezembro de 2004, logo sem o devido respaldo nos exercícios em contenda.

Por outro lado, é a própria AT que evidencia que da análise desse mesmo inventário, e retirados os respetivos preços de venda ao público dos 400 artigos constantes no mesmo é possível apurar a margem bruta de comercialização por grupos dos artigos, reconhecendo, igualmente, que mediante apuramento das quantidades de artigos comprados e vendidos em cada ano, se consegue encontrar um diferencial entre as quantidades apuradas com base nas compras e vendas declaradas.

Ora, tal fundamentação não permite, de todo, fundar, por um lado, uma irregularidade contabilística que permita apartar e desconsiderar, por completo, os elementos contabilísticos, e por outro lado, que inviabilize a determinação da matéria coletável pela via direta. Aliás, as asserções supra expendidas, permitem inferir a possibilidade de realização de correções técnicas, mediante a ponderação desses concretos valores diferenciais.

Note-se que, a AT limita-se a evidenciar essas realidades de facto, mas nada avança e justifica que permita alicerçar, de forma fidedigna e inequívoca que estava, de todo, inviabilizado o apuramento pela via direta.

Até porque, como é consabido, não é qualquer irregularidade contabilística que permite legitimar a avaliação indireta, mas apenas e só aquelas irregularidades que inviabilizam e impossibilitam, de todo, a quantificação direta da matéria coletável, não sendo, assim, suficiente a evidenciação de que os artigos constantes do inventário de 31.12.2004, não constavam nos documentos de compra dos anos de 2001 a 2004.

Acresce, outrossim, que não resulta patenteado no Relatório de Inspeção Tributária que a mesma tenha realizado qualquer circularização aos fornecedores, extratos de conta corrente e controlo da respetiva faturação, na qual pudesse, efetivamente, ser estabelecido um concreto nexo que, sendo caso disso, apenas determinaria a correção mediante avaliação direta.

Por outro lado, a circunstância dos livros de escrita se encontrarem escriturados até 31 de dezembro de 2003, nada nos permite alicerçar e fundamentar a avaliação indireta. Com efeito, se é certo que o termo de abertura data de 21 de março de 2005, e que tal circunstância poderia levar –em tese- a manipulação de resultados, é, igualmente, certo que não foi retirada e demonstrada essa concreta manipulação. Note-se que, o que era importante era densificar-se se essa existiu ou não essa concreta manipulação e, essencialmente, existindo, de que forma a mesma era, de todo, impeditiva de realização correções técnicas, mormente, mediante o acréscimo de concretas realidades omitidas ao rendimento coletável.

Ora, de uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária, nada disso é feito, não podendo relevar, neste e para este efeito, a mera alusão de que a 1 de agosto de 2005, foram impressos os movimentos relativos ao exercício de 2004, quando, ademais, no caso nos encontramos perante os anos de 2001 e 2002, e reitere-se a Recorrida apenas iniciou atividade no final de 2001.

No concernente ao facto de não terem sido efetuados os registos contabilísticos de todos os movimentos nela efetuados, nomeadamente os movimentos a crédito da conta por vendas em TPA (recebimentos pela utilização de cartões de débito ou crédito), depósitos bancários e transferências, mais uma vez, não permite justificar e fundamentar o recurso à avaliação presuntiva, na medida em que, nada é externado pela AT, no sentido de que está inviabilizada qualquer acréscimo à matéria tributável tendo por base, justamente, esse cruzamento.

Ademais, é a própria AT no Relatório de Inspeção Tributária a evidenciar que foram solicitados os talões que documentam os créditos por vendas em TPA que constam nos extratos bancários e cujos movimentos não foram contabilizados, e esses talões foram entregues quase na sua totalidade, ficando, assim, por justificar a insusceptibilidade de correções aritméticas quando se encontrava, assumidamente, na posse desses documentos, e era, portanto, possível estabelecer um confronto, nexo, e materializar o competente diferencial.

E no mesmo sentido se terá de concluir quanto à inexistência de qualquer reconciliação bancária, na medida em que a mesma não permite demonstrar, conforme aduz a AT, que a contabilidade não reflete a verdadeira situação patrimonial, sendo impossível a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável.

Não podendo, outrossim, lograr provimento o advogado pela Recorrente quanto aos dois documentos comprovativos de vendas efetuadas a não residentes nos montantes de 10.000,00 € e de 430,00 €, na medida em que, para além de nos encontrarmos perante uma realidade pouco expressiva, não permitindo, sem mais, avançar para a avaliação indireta, a verdade é que essas realidades permitem fundar o oposto, ou seja, a realização de correções técnicas. Aliás, tanto assim é que foram, justamente, essas correções que, nesse concreto particular, foram materializadas pela AT, conforme dimana, claramente, do Relatório de Inspeção Tributária.

Logo, o expendido não só não tem o alcance e almejo que lhe foi granjeado pela Recorrente, como, aliás, tais realidades de facto permitiram a realização das competentes correções técnicas, donde, em nada podem relevar para efeitos de legitimação da avaliação indireta, bem pelo contrário, como é bom de ver.

Por fim, a questão das relações especiais e das operações simuladas, para além de estar alocada temporalmente aos exercícios de 2003 e 2004, logo sem respaldo na realidade aqui em apreço, a mesma é passível de ser perfeitamente identificada, como aliás o foi, e resulta claramente do Relatório de Inspeção Tributária, mormente, no ponto 5, particularmente, quadros G), H), donde, a existir qualquer correção a mesma em nada podia assumir a natureza de avaliação indireta, e menos ainda legitimar qualquer correção em exercícios temporais sem conexão com os mesmos.

Para além de todo o exposto, importa, igualmente, adensar e sublinhar que o modus operandi, e as premissas foram, na generalidade, alocadas a exercícios não concatenados com o dos autos. Com efeito, foram relevadas realidades concatenadas com outros exercícios, mormente, 2003 e 2004, na medida em que no ano de 2001 foram corrigidos 32.116,04 (444.207,22€*7,23%) e no ano de 2002 €148.786,97 (444.207,22€*33,49%), ou seja, mediante ponderação de um resultado presumido por quadriénio 2001/2004, quando, ademais, reitere-se a atividade da Recorrida apenas se iniciou, efetivamente, em outubro de 2001.

Sendo, ainda, de avançar que é o próprio perito da AT que no seu laudo, reconhece que podem, efetivamente, existir realidades que não foram, devidamente, ponderadas, e ainda assim, nada se adensou em sede de pedido de revisão da matéria coletável, quando, ademais, o contribuinte junta um manancial de informação e documentação, bastante expressivo, que foi completamente descurado, e quando, em rigor, convoca realidades de facto que se prendem com o facto de que a mercadoria não identificada -considerada pela AT como vendas omitidas- constar de Vendas a Dinheiro por um valor superior.

É certo que, tal poderia traduzir um trabalho de campo moroso e implicar, inclusive, um dispêndio adicional de tempo na fiscalização aos exercícios de 2001 e 2002, no entanto, como é consabido, a morosidade, a excessiva onerosidade e dificuldade não podem ser aventadas como justificação para a avaliação indireta.

Ora, tendo presente as asserções fáticas que determinaram o recurso à avaliação indireta supra expendidas, entende-se que nenhuma censura pode ser apontada à decisão recorrida quando ajuizou que não estavam reunidos os pressupostos para a tributação presuntiva, na medida em que as mesmas não se afiguram, efetivamente, impeditivas de comprovar e quantificar, de forma direta e exata, a matéria tributável do imposto.

Este foi, igualmente, o sentido decisório nos processos nºs 1592/06, e 2790/06, ambos transitados em julgado, sendo que no último dos processos a sentença foi confirmada mediante recente Acórdão deste TCAS, datado de 15 de fevereiro de 2024, na qual a ora Relatora interveio como 1ª Adjunta e do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“Constitui jurisprudência fiscal firme a de que «mesmo quando o sujeito passivo viole os deveres de cooperação, a primeira forma a que se deve recorrer para fixar a matéria colectável é a avaliação directa (v.g. correcções técnicas), mais devendo ser efectuada a devida fundamentação relativamente à inviabilidade desta, antes de se recorrer à avaliação indirecta. Por outras palavras, a Administração Fiscal deve justificar, motivar e comprovar a relação de causa/efeito entre a acção/omissão do contribuinte e a impossibilidade de aplicar o método de avaliação directa (cfr.artº.77, nº.4, da L.G.T.). // O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de ¯ultima ratio fisci e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.artº.81, nº.1, da L.G. Tributária)»12. No caso em exame, a justificação da impossibilidade da avaliação directa da matéria coletável não logrou ter sido feita.”

Face ao exposto, inexiste o apontado erro de julgamento quanto à falta de demonstração dos pressupostos de avaliação indireta, resultando, nessa medida, prejudicada a apreciação de qualquer realidade atinente ao excesso de quantificação, porquanto a prova da AT é a montante, e como visto, não foi realizada.

E por assim ser, improcede, na íntegra, o recurso quanto a este segmento.


***


Atentemos, ora, nas correções técnicas ao lucro tributável efetuadas com referência ao exercício de 2002, pela aplicação do regime simplificado de tributação.

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao ter considerado que tendo a Impugnante, ora, Recorrida optado pelo regime geral na declaração de rendimentos Modelo 22 de IRC, a AT não lhe podia aplicar o regime simplificado, na medida em que tal entendimento viola o nº1, do artigo 53.º do CIRC, o qual preceitua, de forma expressa, que a opção teria de ser formalizada na declaração de início de atividade ou na declaração de alterações, até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.

Conclui, assim, que não obstante a Recorrida, no exercício de 2002, ter apresentado a declaração Modelo 22 de IRC, enquadrada no regime geral, o certo é que a mesma não exerceu a opção pela aplicação desse regime, nem na declaração de início de atividade, nem na declaração de alterações a apresentar até ao fim do 3.º mês do período de tributação do início da aplicação do regime (al. b) do n.º 7 e nº 9 ambos do artigo 53º do CIRC), razão pela qual foi enquadrada no regime simplificado e aplicado o disposto nos artigos 52.º a 57.º do CIRC.

O Tribunal a quo esteou a procedência após convocar o respetivo quadro normativo, relevando, designadamente, o seguinte:

“[o] regime simplificado tem como pressuposto uma opção fiscal do contribuinte que renuncia ao seu direito de ser tributado de acordo com as regras contabilísticas, podendo este optar pelo regime que mais lhe conviesse.(…)
o regime simplificado criado com a reforma fiscal de 2000 (Lei 30- G/2000, de 29 de dezembro) constitui um regime não vinculativo, válido apenas para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada. (…)
Todavia, no caso em análise a Impugnante optou pelo regime geral na declaração de rendimentos, logo, a Autoridade Tributária não lhe podia aplicar o regime simplificado(…)
Na verdade, a Autoridade Tributária decidiu alterar unilateralmente o regime da tributação para passar a tributar a empresa pelo regime simplificado. Atente-se, aliás, que a lei então em vigor (anterior à redação introduzida ao artigo 28/5 pela Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro), não previa qualquer período mínimo de permanência no regime geral (…) encontrando-se a Impugnante no regime da contabilidade organizada (tal como expressamente manifestou na declaração de rendimentos), e tendo a Autoridade Tributária procedido, oficiosamente, relativamente ao IRC de 2002, à determinação dos rendimentos da empresa pelo regime simplificado, a liquidação sindicada sofre de vício de violação de lei: não pode manter-se.”

Vejamos, então, começando por convocar o respetivo quadro normativo.

Importa, desde já, convocar o normativo 53.º do CIRC.


Dispunha o citado preceito legal, sob a epígrafe de “Regime simplificado de determinação do lucro tributável” que:

“1 - Ficam abrangidos pelo regime simplificado de determinação do lucro tributável os sujeitos passivos residentes que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, não isentos nem sujeitos a algum regime especial de tributação, com exceção dos que se encontrem sujeitos à revisão legal de contas, que apresentem, no exercício anterior ao da aplicação do regime, um volume total anual de proveitos não superior a 30000000$00 (euro) 149639,37) e que não optem pelo regime de determinação do lucro tributável previsto na secção II do presente capítulo.
2 - No exercício do início de atividade, o enquadramento no regime simplificado faz-se, verificados os demais pressupostos, em conformidade com o valor total anual de proveitos estimado, constante da declaração de início de atividade, caso não seja exercida a opção a que se refere o número anterior.
3 - O apuramento do lucro tributável resulta da aplicação de indicadores de base técnico-científica definidos para os diferentes sectores da atividade económica, os quais devem ser utilizados à medida que venham a ser aprovados.
4 - Na ausência de indicadores de base técnico-científica ou até que estes sejam aprovados, o lucro tributável, sem prejuízo do disposto no nº 11, é o resultante da aplicação do coeficiente de 0,20 ao valor das vendas de mercadorias e de produtos e do coeficiente de 0,45 ao valor dos restantes proveitos, com exclusão da variação da produção e dos trabalhos para a própria empresa, com o montante mínimo igual ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado.
5 - Em lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças são determinados os indicadores a que se refere o nº 3 e, na ausência daqueles indicadores, são estabelecidos, pela mesma forma, critérios técnicos que, ponderando a importância relativa de concretas componentes dos custos das várias atividades empresariais e profissionais, permitam proceder à correta subsunção dos proveitos de tais atividades às qualificações contabilísticas relevantes para a fixação do coeficiente aplicável nos termos do nº 4.
6 - Para os efeitos do disposto no nº 4, aplica-se aos serviços prestados no âmbito de atividades hoteleiras e similares, restauração e bebidas, bem como ao montante dos subsídios destinados à exploração que tenha por efeito compensar reduções nos preços de venda de mercadorias e produtos, o coeficiente de 0,20 aí indicado.
7 - A opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável deve ser formalizada pelos sujeitos passivos:
a) Na declaração de início de atividade;
b) Na declaração de alterações a que se referem os artigos 110º e 111º, até ao fim do 3º mês do período de tributação do início da aplicação do regime.
8 - A opção referida no número anterior é válida por um período de três exercícios, findo o qual caduca, exceto se o sujeito passivo manifestar a intenção de a renovar pela forma prevista na alínea b) do número anterior.
9 - O regime simplificado de determinação do lucro tributável mantém-se, verificados os respetivos pressupostos, pelo período mínimo de três exercícios, prorrogável automaticamente por iguais períodos, salvo se o sujeito passivo comunicar, pela forma prevista na alínea b) do nº 7, a opção pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável.
10 - Cessa a aplicação do regime simplificado quando o limite do total anual de proveitos a que se refere o nº 1 for ultrapassado em dois exercícios consecutivos ou se o for num único exercício em montante superior a 25% desse limite, caso em que o regime geral de determinação do lucro tributável se aplica a partir do exercício seguinte ao da verificação de qualquer desses factos.
11 - Os valores de base contabilística necessários para o apuramento do lucro tributável são passíveis de correção pela Direcção-Geral dos Impostos nos termos gerais sem prejuízo do disposto na parte final do número anterior.
12 - Em caso de correção aos valores de base contabilística referidos no número anterior por recurso a métodos indiretos, de acordo com o artigo 90º da lei geral tributária, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 52º a 57.º
13 - As entidades referidas na alínea b) do nº 1 do artigo 6º são abrangidas pelo disposto no presente artigo aplicando-se, para efeitos do disposto no nº 4, os coeficientes previstos no nº 2 do artigo 31º do Código do IRS.
14 - Sempre que, da aplicação dos indicadores de base técnico-científica a que se refere o nº 3, se determine um lucro tributável superior ao que resulta dos coeficientes estabelecidos no nº 4, pode o sujeito passivo, no exercício da entrada em vigor daqueles indicadores, optar, nos termos previstos no nº 7, pela aplicação do regime geral de determinação do lucro tributável, ainda que não tenha decorrido o período mínimo de permanência no regime simplificado.”

Resulta, assim, do normativo legal supratranscrito que o regime simplificado, em termos de IRC, é aplicável aos sujeitos passivos que não tenham atingido, no exercício da sua atividade, um valor superior ao estabelecido como limite e que não tenham optado pelo regime de contabilidade organizada.


Dimanando, por sua vez, da conjugação do nº 7, alínea b), do nº8 e do nº 9 do citado artigo 53.º do CIRC que a opção pelo regime de contabilidade organizada tem de ser formalizada ou na declaração de início de atividade ou na declaração de alterações a que se referem os artigos 110.º e 111. º do CIRC e até ao fim do terceiro mês do período de tributação do início da aplicação do regime. E bem assim que essa opção é válida por um período de três exercícios, findo o qual caduca.


Aqui chegados, e tendo presente que no caso vertente, é não controvertido, que a opção pelo regime de contabilidade organizada, não foi formalizada, nem na declaração de início de atividade, nem na declaração de alterações, apenas tendo existido uma menção na Declaração Modelo 22 de IRC, respeitante ao exercício de 2002, no quadro atinente ao efeito do regime de tributação, ter-se-á de concluir que o Tribunal a quo não terá feito a melhor interpretação que dimana do aludido quadro normativo à luz do recorte fático dos autos.


Note-se que, encontramo-nos perante um regime de tributação optativo cujo exercício de opção encontra-se legalmente condicionado, na medida em que estabelece o momento até ao qual o ato pode ser praticado e decorrido o mesmo extingue-se o direito a praticar o ato e consequentemente o direito que se pretendia obter. Até porque, a entender-se de forma diferente estar-se-ia a esvaziar de conteúdo útil a consagração do prazo legal constante no normativo em apreço, e bem assim a permitir que a opção pelo regime de contabilidade organizada pudesse ser formalizada em qualquer data. [Vide, neste sentido, designadamente, Acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 0874/08, de 10.12.2008, 205/08, de 18.06.2008, TCAS, 01639/07, de 26.06.2007, e TCAN 01254/05, de 12.01.2012].


Sendo, outrossim, de relevar que não se vislumbra, de todo, qualquer aceitação tácita relativamente ao regime geral de contabilidade organizada pela AT, bem pelo contrário, conforme resulta, expressamente, da sua atuação e fundamentação constante no Relatório de Inspeção Tributária.


E por assim ser, a declaração de Rendimentos Modelo 22, respeitante ao exercício de 2002, onde a Recorrida manifesta a opção pelo regime de contabilidade organizada não pode, inversamente ao propugnado na decisão recorrida, produzir quaisquer efeitos, não sendo, igualmente, correta a assunção atinente ao prazo de três anos, porquanto no caso do IRC, inversamente ao aduzido no âmbito do IRS, existia, à data, efetivamente, uma vinculação legal do prazo do triénio.


E por assim ser, procede o recurso da DRFP neste concreto particular, devendo, por conseguinte, ser mantida a sujeição do regime simplificado conforme determinado pela AT, havendo, por conseguinte, que proceder ao julgamento em substituição.


Comecemos pela questão atinente à insusceptibilidade de aplicação simultânea de correções técnicas e correções dimanantes da avaliação indireta.


Relevando, desde logo, que não assiste, efetivamente, razão à Impugnante, na medida em que a AT pode utilizar, simultaneamente, a aplicação de métodos indiretos e de correções técnicas, porquanto, como visto, o recurso à avaliação indireta representa, efetivamente, uma ultima ratio fisci, o que significa, portanto, que é, naturalmente, possível cindir a determinação da matéria coletável.


Com efeito, e como doutrinado no Acórdão deste TCAS, proferido no processo nº 07215/13, de 13 de março de 2014: “a circunstância da contabilidade ser una não colide com a sua correcção, por parte da A. Fiscal, através da utilização simultânea de correcções técnicas e métodos indirectos, como acontece no caso "sub judice". A utilização simultânea de tais metodologias alternativas quando, em face dos factos patrimoniais sujeitos a registo, se apresente possível, torna-se, não só uma faculdade, mas um poder/dever da Fazenda Pública na medida em que impliquem uma maior proximidade à realidade a tributar.” (no mesmo sentido vide, designadamente, Acórdão TCAN, proferido no processo nº 00614/07, de 14 de outubro de 2021).


Uma nota final para evidenciar ainda que, inversamente ao aduzido pela Impugnante na p.i., e sem bem interpretamos as suas alegações, inexistiu qualquer adicionamento arbitrário das correções técnicas às correções presuntivas, com ilegal sujeição ao regime simplificado, porquanto o que existiu, e sem que nenhuma ilegalidade daí possa advir, nesses concretos moldes, foi o apuramento individual das correções mediante metodologias alternativas e simultâneas, computando-as no seu total para efeitos de valor de vendas omitidas, e concreta aplicação da percentagem dimanante da aplicação do regime simplificado.


Com efeito, as vendas omitidas determinadas por recurso a métodos indiretos no total de €444.207,22 foram repartidas pelos quatro exercícios, e as vendas omitidas com a natureza de correções técnicas no valor de €46.032,97, concernentes a 2002, foram imputadas a esse exercício para efeitos de cálculo do lucro tributável.


Improcede, por conseguinte, o supra aludido.


Atentemos, ora, no erro sobre os pressupostos de facto e de direito.


A Impugnante na sua petição inicial, e ainda de que forma absolutamente conclusiva, aduz que a AT no exercício de 2002, considerou como omissão de vendas o montante de €46.032,97, materializando as competentes correções técnicas mas as mesmas padecem de erro, porquanto o argumento avançado pela AT atinente à anulação das vendas a dinheiro e falta de apresentação dos originais está eivado de erro, existindo falta de aderência à realidade, porquanto existem esses documentos, remetendo, para o efeito, para o documento 23, junto com a petição inicial.


Mas, a verdade é que não lhe assiste razão, por um lado, porque a fundamentação das correções técnicas é mais abrangente do que o alvitrado pela Impugnante, e por outro lado, porque a aludida prova documental não a permite, de todo, apartar.


Atentando, ora, no Relatório de Inspeção Tributária, valida-se, efetivamente, a existência de correções técnicas nesse montante, no entanto, as mesmas são subdivididas em duas realidades de facto e com pressupostos díspares.


Com efeito, convoca a existência de dois documentos comprovativos de vendas efetuadas a não residentes com a menção “TAX FREE” nos montantes de 430,00 e de €10.000,00, datados de 11.04.2002 e de 01.08.2002, respetivamente, que respeitam à venda de dois relógios e não foram localizados os documentos comprovativos de venda, o que determinou a competente correção em sede de IRC, e por outro lado, a existência da anulação de várias vendas a dinheiro emitidas a não residentes, cujos originais estavam na posse do emitente, à exceção das vendas a dinheiro nº 45, de 08.05.2002 e a nº 60, de 10.07.2002, que respeitam à venda de oito relógios cujos originais não foram apresentados.


Ora, face ao supra expendido e à prova documental carreada aos autos, não resulta, minimamente, demonstrado o erro apontado pela Impugnante, porquanto os documentos não têm a mínima conexão com essa realidade de facto, em nada se reportando às realidades objeto de correções, não permitindo, por conseguinte, afastar os pressupostos de facto avançados pela AT.


Subsiste, in fine, aferir da fundada dúvida quanto às aludidas correções técnicas, relevando que não pode relevar nesta sede e com o alcance almejado pela Impugnante o princípio consignado no artigo 100.º do CPPT.


Senão vejamos.

Dispõe expressamente o citado normativo sob a epígrafe de “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos” que : “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, resultando, assim, do seu teor literal um princípio estruturante do direito tributário que estabelece, per se, que a fundada dúvida alicerçada na prova produzida -e não na inércia probatória- terá de reverter a favor do contribuinte.

Daí que, doutrine Alberto Xavier que a AT só deve praticar o ato tributário-liquidação, quando : “formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável” (3-Alberto Xavier-Conceito e natureza do acto tributário, página 150.). Significa isto que, em caso de subsistência de dúvida “acerca do objeto do processo deve a Administração Fiscal abster-se de praticar o ato tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum” (4-vide ob. citada, páginas 158 e 169.)

Ora, no caso vertente, não se verifica a convocada preterição ao referido princípio, na medida em que a dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, sobre quem recaía o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º, nº 1, do Código Civil e 74.º da LGT). Ora, in casu, não tendo a Impugnante cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, e aplicação da regra ínsita no seu nº1.

Destarte, face a todo o expendido, o presente recurso procede parcialmente, mantendo-se, portanto, o ajuizado erro sobre os pressupostos de facto e de direito relativamente à determinação da matéria coletável por recurso à avaliação indireta, revogando-se, no entanto, a sentenciada procedência relativamente às correções técnicas e concreta validade de opção do regime de contabilidade organizada, julgando-se, em substituição, que as correções técnicas não padecem de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, devendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, conforme infra se indica:

- Negar provimento ao recurso da DRFP na parte respeitante às correções realizadas por recurso à avaliação indireta, com a consequente manutenção do vício de violação de lei e inerente anulação do ato de liquidação nesse segmento;

- Conceder provimento ao recurso da DRFP, revogando-se a decisão na parte respeitante às correções técnicas impugnadas, e concreta validade de opção do regime de contabilidade organizada, e em substituição, julgar improcedente a impugnação, com a consequente manutenção do ato impugnado, nessa exata proporção.

Custas pela Recorrente e pelo Recorrido, que se fixam em 63% e 37%, respetivamente.

Registe. Notifique.



Lisboa, 04 de abril de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Sara Diegas Loureiro)