Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1840/21.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:ANA CRISTINA DE CARVALHO
Descritores: IRS
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:A ilegalidade na emissão de liquidação oficiosa de IRS, por erro nos seus pressupostos determina a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido por este ser imputável à administração fiscal.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por D…, contra o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2021 5000049058 e juros compensatórios referentes ao ano de 2018, veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo terminando as suas alegações de recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«4.1. Visa o presente recurso reagir contra a Douta decisão que julgou parcialmente extinta a instância, quanto ao pedido de anulação da liquidação ora impugnada (no montante de €9.142,03), com fundamento em inutilidade superveniente da lide, e procedente o pedido de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, na Impugnação judicial, intentada pelo ora recorrido, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3085202104003942 por si apresentada da liquidação de IRS n.º 2001 5000049058, do ano de 2018, no montante total de 9.142,03 €.

4.2. Como fundamentos da impugnação invocou o impugnante a ilegalidade da liquidação impugnada, alegando para tanto, e em síntese:

- A falta de fundamentação do acto tributário impugnado;

- A violação do princípio da livre circulação de capitais, consagrado no n.º 1 do artigo 63.º e no n.º 3 do artigo 65.º, ambos do TFUE.

4.3. Conclui peticionando a procedência da impugnação e, em consequência, a anulação do acto tributário impugnado, bem como ser a Administração Tributária condenada no pagamento de juros indemnizatórios.

4.4. Quanto ao pedido deduzido pelo impugnante de condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, entendeu o Ilustre Tribunal recorrido que “…terá assim de ser procedente o respetivo pedido, o que a seguir se determinará. Ante o exposto, há, assim, direito a juros indemnizatórios impondo-se a condenação da Entidade Impugnada no respetivo pagamento, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito.”.

Ora,

4.5. é com este último descrito segmento decisório com o qual a Fazenda Pública, com o devido respeito, não concorda, com ele não se conformando, considerando a Fazenda Pública que o Ilustre Tribunal a quo, com a decisão ora em crise, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso sub-judice, no que concerne à condenação da Administração Tributária no pagamento ao impugnante de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do IRS em questão pelo impugnante.

Senão vejamos:

4.6. No que respeita ao pedido de condenação da Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, é entendimento da Fazenda Pública que, considerando-se haver erro imputável aos serviços da Administração Tributária, esta, a ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, apenas o poderá ser a partir da data do indeferimento (expresso ou tácito) da reclamação graciosa deduzida pelo impugnante, ora recorrido, pois apenas a partir dessa data se considera haver erro imputável aos serviços da Administração Tributária, e não a partir da data do pagamento do imposto pelo impugnante, conforme entendeu, com o devido respeito, o Ilustre Tribunal a quo.

4.7. Neste mesmo sentido, veja-se o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, proferido pelo Plenário da secção do Contencioso Tributário do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 29-06-2022, no âmbito do processo n.º 093/21.7BALSB.

4.8. Ao assim não entender, e ao condenar a Administração Tributária no pagamento ao impugnante, ora recorrido, de juros indemnizatórios desde a data do pagamento do IRS em questão até à data da respetiva nota de crédito, com os fundamentos pelos quais o fez, o Ilustre Tribunal a quo, no modesto entendimento da Fazenda Pública e salvo sempre melhor entendimento, incorreu em erro de julgamento, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito, violando com isso o disposto no artigo 43.º, n,º 1 e 3, da LGT.

Pelo exposto,

4.9. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, na parte em que o foi pelo presente recurso, com as legais consequências daí decorrentes.»


Notificado da admissão do recurso jurisdicional, o recorrido não usou da faculdade de contra-alegar.


O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência da Subsecção Tributária Comum para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito ao decidir que se encontram reunidos os pressupostos constantes no artigo 43.º da LGT para o pagamento dos juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido do tributo e não desde a data do deferimento tácito ou expresso da reclamação graciosa.


*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) Em nome do Impugnante foi emitida liquidação de IRS n.º 2001 5000049058 emitida em 29/01/2021, com data de acerto de 03/02/2021, relativa ao período de tributação de 2018, resultante, segundo a demonstração n.º 2021 00001217652, no valor a pagar de € 9.142,03 (€ 8.971,94 € de imposto apurado + € 170,09, a título de juros compensatório), até à data-limite de 23/03/2021 – cfr. doc. 5 junto com a p.i. a fls. 21 a 22 do SITAF / 007205067-Documentos da PI(21-22) e não controvertido;

B) O referido valor inclui juros compensatórios, por retardamento na liquidação de IRS relativa ao ano 2018, conforme decorre da alínea anterior – cfr. doc. 5 junto com a p.i. a fls. 21 a 22 do SITAF / 007205067-Documentos da PI(21-22) e não controvertido;

C) Em 16/02/2021, o ora Impugnante apresentou contra a liquidação reclamação graciosa, através da sua página pessoal do Portal das Finanças, à qual foi atribuído o “Número de Processo AT 3085202104003942”  cfr. doc. 6 junto aos autos com a p.i. /007205068-Documentos da PI(23-23) e não controvertido;

D) Em 04/05/2021, o ora Impugnante submeteu via internet perante a “Agencia Estatal de Administración Tributaria” (abreviadamente, “Agencia Tributaria”) a sua declaração de rendimentos via internet identificada como “Impuesto sobre la Renta de las Personas Físicas 2018” e com o “Número de justificante: 100178365340” -cfr. doc. 7 junto aos autos com a p.i. / 007205069-Documentos da PI(24-29) e não controvertido;

E) Em 15/09/2021 a p.i. da presente impugnação judicial foi apresentada neste Tribunal, através do SITAF - cfr. 007205072-Petição Inicial (Comprovativo Entrega)(1-3);

F) Em 14/09/2022 foi elaborada Informação que propôs a revogação do ato impugnado e que após parecer emitido em 15/09/2022, por despacho proferido em 16/09/2022 pela Chefe de Divisão da Justiça Contenciosa da Direção de Finanças de Lisboa, mereceu a concordância com a mesma, revogando-se o ato de impugnado e cujos teores se reproduzem:

“INFORMAÇÃO

I – Descrição Sumária

O sujeito passivo D…, com o NIF 2…, residente Barro E… …, P…, T…, 3…, P…, Espanha, veio ao abrigo do disposto nos artigos 97.º, 99.º, 102.º e 106.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (doravante CPPT) deduzir impugnação judicial, contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante junto do Serviço de Finanças de Lisboa 3, a qual correu termos com o número de processo 3085202104003942 e que teve por objeto a liquidação de IRS com o número 2021 5000049058 de 29-01-20212, com data de acerto de 03-02-2021, correspondente ao documento n.º 2021 1813201 no valor de € 9.142,03 (nove mil, cento e quarenta e dois euros e três cêntimos), relativa ao ano fiscal de 2018, com os fundamentos constantes da petição inicial (doravante designada p.i.), que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.

A – Dos Pressupostos Processuais


2.


O impugnante tem personalidade e capacidade tributárias, nos termos dos artigos 15.º e 16.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT).

3.


O impugnante goza de legitimidade processual para apresentação da impugnação judicial, conforme preceituado nos artigos 65.º da LGT e 9.º do CPPT.

4.


O meio processual que o impugnante lançou mão, a impugnação judicial, é o meio adequado para reagir contra o indeferimento da reclamação graciosa, nos termos dos artigos 97.º n.º 1 alínea a), 99.º e 102.º, n.º1, alínea d) do CPPT.

5.


A petição inicial obedece aos requisitos exigidos no artigo 108.º do CPPT, tendo sido exibido o comprovativo de pagamento da taxa de justiça paga (art.º 145.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi art.º 2º CPPT).

6.


A petição inicial é subscrita por advogada, nos termos do n.º 1 do artigo 6.º do CPPT, conjugado com o artigo 105.º da LGT, na redação conferida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro encontrando-se a Procuração Forense em documento junto com a petição inicial.

7.


O Serviço de Finanças de Lisboa 3, que instruiu o processo com os documentos que considerou convenientes para o julgamento, observou o preceituado no art.º 111.º do CPPT, encontrando-se junta, a sua informação.

8.


O Impugnante deu entrada da referida petição inicial, via sitaf, no Tribunal Tributário de Lisboa, em 15-09-2021 (conforme comprovativo de entrega de documento proveniente do SITAF, com o registo n.º 493042).

9.


Nos termos da alínea d) do nº 1 do art.º 102.º do CPPT, o prazo de impugnação é de três meses após a formação da presunção de indeferimento tácito da reclamação graciosa que havia apresentado em 16-02-2021, contando-se o aludido prazo substantivo nos termos do art.º 279.º do Código Civil, conforme estipulado no art.º 20.º n.º 1 do CPPT.

10.


A petição inicial é tempestiva, porquanto foi apresentada dentro do prazo legalmente estabelecido na alínea d) do nº 1 do art.º 102.º do CPPT.

B – Dos Factos:


11.


O impugnante dedica-se à atividade de venda ambulante de peixe fresco e quando em Portugal, desenvolve a sua atividade através de uma carrinha, vendendo peixe, de porta em porta, em várias freguesias do concelho de Valença.

12.


Quando o impugnante decidiu desenvolver a sua atividade também em Portugal, procedeu à declaração do início de atividade junto da entidade impugnada no dia 15-02-2016 – cfr. doc. 2 da p.i junto aos autos.

13.


De igual modo, o impugnante declarou o inicio da sua atividade em Portugal junto da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) no dia 11-03-2016 – cfr. doc. 3 p.i. 14. O impugnante também declarou o inicio da sua atividade em Portugal junto do Município de Valença, pagando anualmente uma licença para a exercer - cfr. doc. 4 p.i.

15.


O impugnante é um não residente, sem estabelecimento estável (em Portugal), pratica, exclusivamente, operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e dele não isentas.

16.


Em 05-02-2021, o impugnante foi notificado da “Demonstração de Liquidação de IRS”, liquidada no dia 29-01-2021, correspondente ao exercício do ano de 2018 (período de rendimentos de 01-01-2018 a 31-12-2018), cujo rendimento global foi determinado na quantia de € 35.887,78(trinta e cinco mil oitocentos e oitenta e sete euros e setenta e oito cêntimos) e a coleta total, a coleta liquida e o imposto apurado liquidados na quantia de € 8.971,94 (oito mil novecentos e setenta e um euros e noventa e quatro cêntimos), acrescido de juros compensatórios na quantia de € 170,09 (cento e setenta euros e nove cêntimos).

17.


Com aquela liquidação não se conformando, dela reclamou graciosamente, por requerimento apresentado em 16-02-2021.

18.


Perante a formação da presunção de indeferimento tácito, nos termos conjugados dos n.ºs 1 e 5 do artigo 57º da LGT e da alínea d) do número 1 do artigo 102º do CPPT, apresentou a presente impugnação judicial.

C – Da causa de pedir e do pedido


19.


Não se conformando com o ato tributário de liquidação, invoca o impugnante, como causa de pedir da sua impugnação, a ilegalidade da liquidação impugnada, por a mesma ser omissa no que diz respeito à fundamentação da coleta total, da coleta liquida e do imposto apurado.

20.


Para tanto, alega o impugnante, em suma:

- “Fui considerado faltoso de entrega de modelo 3 de IRS, tendo esta situação surgido já para anos de 2016, 2017 e 2018, com justificação de não entrega em espaço de divergências, o que ficou sanado (resolvido). Assim, volto a insistir que não tenho esta obrigação, facto que a AT já reconheceu, muito me espanta ter uma liquidação de IRS para 2018 (ID 2021 00001217652), que aqui apresento reclamação graciosa e também processo de contraordenação (nº3085 2020060000326757), ao qual já apresentei defesa em 09/12/2020 (e está em apreciação pelo serviço de finanças 3085). Mia suma vez invoco o seguinte: PELA INFORMAÇÃO EM CADASTRO PODEM VERIFICAR QUE SOU S.P. NÃO RESIDENTE SEM ESTABELECIEMNTO ESTÁVEL (CATEGORIA B. REGIME SIMPLIFICADO, ATIVIDADE DE VENDA AMBULANTE DE PEIXE FRESCO, CAE 47810),PELO QUE NÃO TENHO QUE ENTREGAR MODELO 3 DE IRS, APENAS LIQUIDO E ENTREGO O IVA NAS OPERAÇÕES QUE PRATICO, COMO TENHO FEITO (E COMUNICO NO E-FATURA) SEMPRE FOI ESTE O ENTENDIMENTO DA AT EM VÁRIOS CONTACTOS QUE FIZ (MESMO JUNTO DE E-BALCÃO) E JUNTO DE SERVIÇO DE FINANÇAS DE VALENÇA E TAMBÉM DA ORDEM DOS CONTABILISTAS CERTIFICADOS. ENTREGO A MODELO 3 (DEC. DE RENTA) EM ESPANHA, ONDE RESIDO. Aguardo deferimento e anulação desta liquidação (bem como a anulação de processo de coima aplicada inadvertidamente), está em causa a garantia de direitos como contribuinte por parte da AT...”

II – Do mérito


30.


Passando a apreciação da existência de fundamento legal para a eventual revogação do ato, nos termos do art. 112.º do CPPT, informamos o seguinte:

31.


Acerca das situações cuja factualidade se apresente à descrita na presente informação, constante dos artigos 11. a 19., pronunciou-se a Direção de Serviços Relações Internacionais, por informação sancionada em 24-02-2022, e pelo qual se considerou:

“1. Analisemos então a situação apresentada.

2. Tratando-se de rendimentos de trabalho independente (categoria B) prestado em Portugal, mas auferidos por um não residente, deparamo-nos com uma situação suscetível de gerar dupla tributação internacional.

3. Assim, sem prejuízo do disposto na lei ordinária portuguesa, será aplicável a Convenção para evitar a Dupla Tributação (CDT) entre Portugal e Espanha, conforme advém do nº2 do artº 8º da Constituição da República Portuguesa - CRP.

4. Conforme estatui o nº1 do artº 14º daquela CDT, os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante (Espanha) pelo exercício de uma profissão liberal ou de outras atividades independentes só podem ser tributados nesse Estado (Espanha), a não ser que esse residente disponha, de forma habitual no outro Estado (Portugal), de uma instalação fixa para o exercício das suas atividades. Se dispuser de uma instalação fixa, os rendimentos podem ser tributados no outro Estado (Portugal), mas unicamente na medida em que sejam imputáveis a essa instalação fixa.

5. Ora, os rendimentos em questão têm a natureza de trabalho independente (categoria B), sendo decorrentes da atividade de venda ambulante de peixe fresco exercida em Portugal.

6. Tal atividade não pressupõe a existência de uma instalação fixa para o seu exercício 7. Com efeito, e de acordo com o comentário 2 ao nº1 do artº 5º (relativo à definição de estabelecimento estável) do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e Património da OCDE, a expressão “estabelecimento estável” significa uma instalação fixa através da qual uma empresa exerce toda ou parte da sua atividade, comportando, por conseguinte, os seguintes critérios:

• A existência de uma “instalação”, isto é, instalação no sentido de local e, nalguns casos, de maquinaria e equipamento;

• A instalação deve ser “fixa”, ou seja, deve ser estabelecida num local determinado, com um certo grau de permanência;

• O exercício das atividades da empresa através dessa instalação fixa, o que significa, normalmente, que as pessoas que, de um modo ou de outro, dependem da empresa (o pessoal) exercem as atividades da empresa no Estado em que está situada a instalação fixa.

8. Sendo aqui inequívoca a verificação de todos aqueles critérios, porquanto não existe uma instalação, estabelecida num local determinado e com caráter permanente (trata-se de venda ambulante).

9. Assim, dada a inexistência de um estabelecimento estável/instalação fixa, é aplicável a primeira parte do nº1 do artº14º da CDT Portugal/Espanha (“os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante (Espanha) pelo exercício de uma profissão liberal ou de outras atividades independentes só podem ser tributados nesse Estado (Espanha) “).

10. O que na prática significa que só Estado Espanhol pode tributar os rendimentos em questão, assistindo assim razão ao contribuinte nas suas alegações.

11. Facto que, aliás, e como o próprio refere, já foi reconhecido para outros anos, em sede de “gestão de divergências”, conforme se pode verificar na respetiva aplicação.”

Acresce que,


32.


Conforme resulta do PAT elaborado e organizado pelo SF Lisboa 3, “(...) foi elaborado Processo de Eliminação sobre a Mod.3 IRS 2018 do SP 287691730, que resultará na Revogação Automática da Liquidação existente...”.

21.


Isto posto, tendo em consideração a Informação ora transcrita, os fundamentos da ação aventados pelo impugnante no seu petitório inicial da impugnação ora em questão, a factualidade verificada e a posição assumida pelo SF Lisboa 3, afigura-se ser de cumprir em conformidade e revogar o ato tributário ora impugnado.

Dos juros indemnizatórios:


22.


Reza o art. 43º, nº 1, LGT que: “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

23.


Nas palavras de Lima Guerreiro ( in “Lei Geral Tributária anotada”, 2001, Reis dos Livros, anotação 1 ao art. 43º, pag 20) o art. 43º, da LGT “«(…) define os pressupostos do direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte que tenha sido atingido por tributação ilegal e, por isso, houver pago imposto indevido.

(…) O direito a juros indemnizatórios abrange apenas uma das causas da responsabilidade da Administração Tributária, agindo como tal: a originada pelo pagamento indevido de tributos, que lhe for imputável.»

Assim, não se encontrando preenchidos os requisitos supra enunciados, designadamente, a lesão decorrente do pagamento do imposto, não há lugar à atribuição de juros indemnizatórios.

III – Conclusão e Proposta


36.


Ponderados todos os elementos do processo, os argumentos do impugnante e os elementos documentais por esta carreados para a presente impugnação, bem como as normas legais supra invocadas e transcritas, somos do entendimento que, de acordo com o disposto no art.º 112.º do CPPT, a Administração Tributária revogue o ato tributário de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º 2021 5000049058, referente ao ano de 2018, conforme requerido, em que é sujeito passivo D…, com o NIF 2…, nos precisos termos por esta peticionados na conclusão do seu articulado impugnatório inicial.

À consideração superior,

Lisboa, 14 de setembro de 2022 (...)”


(…)



cfr. doc. identificado como “INFORMAÇÃO”, a fls. 40 a 52 do SITAF junto com a contestação / 007484845-Contestação(40-52) e docs. identificados como “PARECER” e “DESPACHO”, fls. 55 e 56 do SITAF / 007485158-Processo Administrativo "Instrutor"(55-56) /007485159-Processo Administrativo "Instrutor"(57-66);

G) Igualmente, em 14/09/2022, o Serviço de Finanças de Lisboa-3 elaborou o seguinte instrumento intitulado “INFORMAÇÃO (Artigo 111º do CPPT) ”, contendo o seguinte teor:









cfr. doc. identificado como “INFORMAÇÃO (Artigo 111º do CPPT)”, a fls. 57-66 do SITAF / 007485159-Processo Administrativo "Instrutor"(57-66);

H) Até 22/09/2022, o ora Impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 3.718,11 ao abrigo do plano prestacional n.º 3085.2021.306239 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085202101206087 instaurado em 08/04/2021, tendo regularizado 14 prestações do total de 36 prestações que perfazem o referido plano prestacional, conforme consta do documento identificado como “Detalhe do Plano Prestacional” extraído do sítio institucional do Portal das Finanças / cfr. docs. 1 e 2 juntos com o requerimento apresentado em 29/09/2022 / cfr. 007496420-Requerimento(70-71) / 007496421-Documento(s)(72-73) / 007496422-Documento(s)(74-76) e não controvertido;»

Mais se fez constar na sentença recorrida o seguinte: «Inexistem factos com relevância para a decisão da causa, segundo as plausíveis soluções de Direito, que importe destacar como não provados.»

Quanto à motivação fez-se menção de que «A convicção do Tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na com base nas posições assumidas pelas partes no processo, bem como alicerçada na análise crítica conjugada dos documentos constantes dos autos juntos pelas partes e do processo administrativo tributário apenso, não impugnados, bem como a solicitação deste Tribunal, os quais se dão aqui por integralmente reproduzidos, conforme referido a propósito de cada número do probatório.»

III. 2 – Fundamentação de direito


Por força da revogação dos actos tributários impugnados, operada já no âmbito da presente acção, o Tribunal recorrido julgou parcialmente extinta a instância por inutilidade superveniente da lide e julgou procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios peticionados pelo Impugnante, condenando a recorrente ao seu pagamento sobre as quantias indevidamente pagas pelo Impugnante no total de € 3.718,11 ao abrigo do plano prestacional n.º 3085.2021.306239 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085202101206087 instaurado em 08/04/2021, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito.

A recorrente não se conforma com o assim decidido, no segmento relativo ao à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, invocando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, proferido pelo Plenário da secção do Contencioso Tributário do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 29-06-2022, no âmbito do processo n.º 093/21.7BALSB.

Alega que «considerando-se haver erro imputável aos serviços da Administração Tributária, esta, a ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios, apenas o poderá ser a partir da data do indeferimento (expresso ou tácito) da reclamação graciosa deduzida pelo impugnante, ora recorrido, pois apenas a partir dessa data se considera haver erro imputável aos serviços da Administração Tributária, e não a partir da data do pagamento do imposto pelo impugnante, conforme entendeu, com o devido respeito, o Ilustre Tribunal a quo.»

Vejamos o quadro legal aplicável ao caso dos autos.

Preceitua o artigo 43.º da LGT sob a epígrafe «pagamento indevido da prestação tributária»:

«1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

(…)»

Estatui o artigo 61.º do CPPT, que:

«1 - O direito aos juros indemnizatórios é reconhecido pelas seguintes entidades:

a) Pela entidade competente para a decisão de reclamação graciosa, quando o fundamento for erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;

b) Pela entidade que determina a restituição oficiosa dos tributos, quando não seja cumprido o prazo legal de restituição;

c) Pela entidade que procede ao processamento da nota de crédito, quando o fundamento for o atraso naquele processamento;

(…)

2 - Em caso de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar.

(…)» (sublinhado nosso).

Como se deixou dito no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10/06/2021, proferido no processo n.º 03009/12.8BELRS: «(…) a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, radica no facto de esse vício implicar a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito e decorre da imposição constitucional de o Estado reparar os danos causados pelos seus actos ilegais (cf. art.º 22.º da Constituição da República Portuguesa). Assim, os juros indemnizatórios a favor do contribuinte destinam-se a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida».

Vejamos qual o teor da decisão no segmento recorrido.

Depois de efectuar o enquadramento jurídico da questão, expendeu-se na sentença o seguinte:

«(…) atento o recorte probatório, resultou provado, com interesse para a apreciação da questão, o seguinte:

- Em nome do Impugnante foi emitida liquidação de IRS n.º 2001 5000049058 emitida em 29/01/2021, com data de acerto de 03/02/2021, relativa ao período de tributação de 2018, resultante, segundo a demonstração n.º 2021 00001217652, no valor a pagar de 9.142,03 € ( € 8.971,94 de imposto apurado + € 170,09, a título de juros compensatório), até à data-limite de 23/03/2021 [cfr. alínea A) do probatório];

- Em 16/09/2022, a Entidade Impugnada revogou o ato tributário ora em dissídio, nos termos e com a fundamentação constante da Informação, de 14/09/2022, bem como no teor do Parecer, de 15/09/2022 [cfr. alínea F) do probatório];

- Até 22/09/2022, o ora Impugnante procedeu ao pagamento da quantia de € 3.718,11 ao abrigo do plano prestacional n.º 3085.2021.306239 no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085202101206087 instaurado em 08/04/2021, tendo regularizado 14 prestações do total de 36 prestações que perfazem o referido plano prestacional e que é respeitante à liquidação, entretanto, objeto de revogação total por parte da AT [cfr. alínea H) do probatório].

Vejamos, então, aqui chegados, se houve erro imputável aos serviços.

Como refere Jorge Lopes de Sousa, a utilização da expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade” para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do ato anulado a que é adequada essa designação, que são o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito”. [cfr. Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado”, Vol. I, 6.ª ed. 2011, anotação ao artigo 61.º, pág. 472]

A constituição desse direito depende, assim, da demonstração no processo que o ato enferma de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT. [cfr. o acima referido Acórdão do TCAS, de 07/05/2020, proferido no Processo n.º 137/17.7BCLSB, disponível em www.dgsi.pt e demais jurisprudência nele citada]

Analisada a situação sub judice, verifica-se que a AT (sendo que não foi expressamente decidida a reclamação graciosa apresentada em 16/02/2021 pelo Impugnante conforme resulta conjugadamente das alíneas C) e F) do probatório e que não é aqui controvertido) procedeu à anulação da liquidação de IRS, objeto dos presentes autos, com fundamento precisamente na Informação e Parecer acima mencionados e constantes da alínea F) do probatório, durante a pendência da presente impugnação judicial.

(…) além, de se pedir a anulação daquele ato tributário - o que implica forçosamente o consequente reembolso das quantias pagas pelo Impugnante -, se pede, nos presentes autos, a condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios, pelo que, tal facto - anulação da liquidação de IRS -, por si mesmo, é demonstrativo do erro imputável aos serviços e determinante do pagamento dos juros indemnizatórios ao abrigo do artigo 43.º da LGT. Sendo que a liquidação de IRS, em crise nos presentes autos, resultou do entendimento da própria AT, mais concretamente, por via da pronúncia da DSRI da AT, por informação sancionada em 24/02/2022 e cuja mesma está vertida na Informação, de 14/09/2022 e esta última que, por sua vez, serviu de fundamentação à decisão de revogação do ato tributário em apreço [cfr. alínea F) do probatório]. Em acréscimo, não deve ser olvidado que o mesmo se afere da informação trazida aos autos pelo Serviço de Finanças de Lisboa-3 para efeitos do disposto no artigo 111.º do CPPT [cfr. alínea G) do probatório].

Ante o exposto, há, assim, direito a juros indemnizatórios impondo-se a condenação da Entidade Impugnada no respetivo pagamento, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da respetiva nota de crédito. (…)»

Compulsado o ponto F da matéria de facto podemos constatar que a pretensão do ora recorrido foi deferida no entendimento de que os rendimentos em questão têm a natureza de trabalho independente (categoria B), sendo decorrentes da atividade de venda ambulante de peixe fresco exercida em Portugal, reconhecendo a AT que o recorrido não dispunha de um estabelecimento estável/instalação fixa, e assim sendo, era aplicável a primeira parte do nº 1 do artigo 14.º da CDT Portugal/Espanha (“os rendimentos obtidos por um residente de um Estado Contratante (Espanha) pelo exercício de uma profissão liberal ou de outras atividades independentes só podem ser tributados nesse Estado (Espanha) “).

Concluindo-se na informação, que constitui a fundamentação do acto revogatório: «10. O que na prática significa que só Estado Espanhol pode tributar os rendimentos em questão, assistindo assim razão ao contribuinte nas suas alegações os actos de liquidação impugnados foram (…) 11. Facto que, aliás, e como o próprio refere, já foi reconhecido para outros anos, em sede de “gestão de divergências”, conforme se pode verificar na respetiva aplicação.”»

No caso, a liquidação em causa nos autos é uma liquidação oficiosa resultante da consideração pela AT de que o recorrido não procedeu
à entrega da declaração Modelo 3 de IRS, vindo no prazo de contestação a proceder à revogação da liquidação de IRS bem como a correspondente liquidação de juros compensatórios, portanto, na pendência da presente acção.

O reconhecimento de que a liquidação não é devida ao abrigo de norma constante de acordo celebrado pelo Estado português destinado a evitar a dupla tributação, cujo regime implica a atribuição do poder de tributação ao Estado espanhol, integra o conceito de erro nos pressupostos de facto e de direito. Na verdade, da fundamentação do acto revogatório, resulta a constatação de que a liquidação de IRS em causa é ilegal por vício de violação de lei, mais concretamente da primeira parte do nº 1 do artigo 14.º da Convenção celebrada entre Portugal e a Espanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 49223, publicada no Diário da República I, n.º 207, de 04/09/1969, que vincula o Estado Português, por força do disposto no artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, constituindo a sua violação uma ilegalidade que consubstancia facto gerador de condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

Quanto ao período a partir do qual são devidos, não estando em causa um acto de retenção na fonte e sim uma acto de liquidação oficiosa, emanada pela AT, não sendo aplicável ao caso dos autos o Acórdão invocado pela recorrente.

Pelo facto de estar em causa uma liquidação oficiosa, implica forçosamente que o erro que deriva da sua ilegalidade é imputável à administração fiscal.

Assim sendo, são devidos juros indemnizatórios desde o pagamento de cada uma das 14 prestações do plano prestacional celebrado no âmbito do processo de execução fiscal entretanto instaurado, como bem se decidiu na sentença recorrida e não desde o deferimento tácito e muito menos desde a da revogação do acto, como defende a recorrente, na medida em que, lhe é imputável a prática do próprio acto de liquidação, que determinou o pagamento indevido.

Termos em que se impõe julgar o recurso improcedente.


*


IV – CONCLUSÕES

A ilegalidade na emissão de liquidação oficiosa de IRS, por erro nos seus pressupostos determina a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido por este ser imputável à administração fiscal.


V – DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes que integram a Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


Custas pela Fazenda Pública.


Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024.


Ana Cristina Carvalho - Relatora

Patrícia Manuel Pires – 1ª Adjunta

Tânia Meireles da Cunha – 2ª Adjunta