Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2807/14.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:REVERSÃO EM EXECUÇÃO FISCAL
INSOLVÊNCIA
INSUFICIÊNCIA DE BENS
Sumário:I - Independentemente do tratamento a dar aos processos de execução nas condições a que se reporta o n.º 7 do artigo 23.º da LGT, consideramos que em termos de fundamentação, o despacho de reversão não se pode bastar com a declaração de insolvência quando a reversão assenta na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, como é o caso dos autos.
II - Face à prova produzida e atentas as especificidades do caso concreto, torna-se para nós óbvio, que a AT não demonstrou que a revertida era gerente de facto da devedora originária no período temporal a que respeitam as dívidas qui em causa, o que, de resto, lhe competia, sendo certo que, também não restam dúvidas de que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1.ª Sub-secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A...., melhor identificada nos autos, veio, na qualidade de responsável subsidiária, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º 1562….., instaurado no SF de Sintra 1, para cobrança de dívida no montante total de € 12.673,76 acrescido de juros, proveniente de dívida de IVA, IRS, da sociedade “H.... Lda.” do período de 2004 e 2005.

O Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, por sentença proferida em 12 de janeiro de 2017, julgou improcedente a oposição.

Inconformada, A...., veio recorrer para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

« 1ª - A responsabilidade subsidiária ocorre com a Reversão do Processo de Execução. (art° 23° n.° 1 da Lei Geral Tributária)

2ª - Tal reversão contra o responsável subsidiário só tem lugar desde que verificada a fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal. (art.° 23° n.° 2 da Lei Geral Tributária)

3ª - O chamamento à Execução dos responsáveis subsidiários só se pode verificar desde que, a A.T. - Autoridade Tributária e Aduaneira, Serviço Local de Finanças de Sintra-1, conclua pela inexistência e da fundada insuficiência de bens penhoráveis do devedor, nos termos do disposto no art.° 153° n.° 2 do Cód. Proc. e de Proc. Tributário.

4ª - O Despacho de 16/06/2014, não faz qualquer referência à situação patrimonial da Sociedade Executada e devedora originária “H...., Lda”.

5ª - Assim, o Despacho proferido é nulo quanto à falta de fundamentação. (art.° 36° do Cód. Proc. e de Proc. Tributário e art° 124° do Cód. Proc. Administrativo)

6ª - A omissão de fundamentação afeta os direitos e interesses legalmente protegidos e constitucionalmente consagrados, nos termos do art.° 268° n.° 3 da Constituição da República Portuguesa e ainda os art.°s 153° do Cód. Administrativo aplicável “ex vi” art.° 2º da Lei Geral Tributária.

7ª - O Despacho proferido é nulo. (art.° 153° n.° 2 do Cód. Proc. Administrativo)

8ª - A falta de fundamentação origina a anulação da Decisão de Reversão proferida, por carecer em absoluto de objeto, extinguindo-se, em consequência o respetivo Processo Executivo, e declarando-se o ora Recorrente parte ilegítima. (art.° 153° n.° 2 e art.° 163° do Cód. Proc. Administrativo)

9ª - O Despacho de Reversão e a Decisão referente ao mesmo, não refere ou sequer informa expressamente quais as quantias pelas quais o devedor subsidiário terá de responder, violando assim, o disposto no art.° 160° do Cód. Proc. e de Proc. Tributário)

10ª - Em consequência, o ato é nulo por preterir uma formalidade legalmente estabelecida. (art.° 160° n.° 1 do Cód. Proc. e de Proc. Tributário)

11ª - Os fundamentos da Reversão e o Despacho de 16/06/2014, tem a natureza de ato administrativo, nos termos do disposto no art.° 148° do Cód. Proc. Administrativo.

12ª - Em consequência, o ato proferido está submetido nomeadamente à fundamentação, nos termos do art.° 268° n.° 3 da Constituição da República Portuguesa e do art.° 77° da Lei Geral Tributária.

13ª - Os fundamentos da Reversão e o Despacho de 16/06/2014 não indica, também, as razões pelas quais o levaram a formular o juízo sobre o culpado Revertido, preterindo, assim, o disposto nas alíneas a) e b) da Lei Geral Tributária.

14ª - A A.T. - Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Recorrida, tem registada hipoteca a seu favor, por ter sido dado como garantia um dos bens imóveis.

15ª - Tal garantia suspende a execução, nos termos do art.° 212° do Cód. Proc. e de Proc. Tributário.

16ª - E, ainda, deduzida Oposição, o processo executivo suspende-se, nos termos do disposto nos n.°s 1 a 7 do art.° 169°, conforme dispõe o n.° 9 do Cód. Proc. e de Proc. Tributário.

17ª - A declaração de Insolvência do devedor principal, impede o prosseguimento de qualquer processo executivo contra o Insolvente, nos termos do art.° 88° do CIRE e art° 180° n.°s 2, 4 e 5 do CPPT.

18ª - Os factos alegados e provados por documentos, devem ser dados como assentes, por serem relevantes para a boa decisão da causa. (art.° 413° CPC aplicável “ex vi* art.° 2º CPPT)

19ª - Decidindo como decidiu, o Merm° Juiz “a quo” fez errada aplicação do direito aos factos, violando, designadamente as disposições legais atrás citadas.

Termos em que, com os mais que resultarão do douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao Recurso, revogando-se a Decisão recorrida, por padecer o Despacho de Reversão do vicio de forma por falta de fundamentação, decretando-se a sua anulação e, em consequência, ser declarada a Oponente parte ilegítima e absolvida da Instância Executiva, assim se fazendo JUSTIÇA!»


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A recorrida, Fazenda Publica (FP), devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

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Apreciando, em decisão sumária, o STA declarou a Secção do Contencioso Tributário daquele Tribunal incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso e indicou como competente este Tribunal Central Administrativo Sul, para onde os autos vieram remetidos.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetido à conferência desta Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento maioritário dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que nos vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões suscitadas pela recorrente (FP) consistem em saber se a sentença padece de erro de julgamento ao não julgar nulo o despacho de reversão quanto à falta de fundamentação.


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3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«1- A Fazenda Publica instaurou execução fiscal com o n° 1562….. e aps., que corre termos no 1° Serviço de Finanças de Sintra, contra a Sociedade “ H...., Lda” por dívidas de IRS de 2011, IVA do ano de 2011, e coimas fiscais do ano de 2011, tendo revertido a dívida exequenda contra a gerente A.... , para cobrança coerciva das quantias em dívida. ( cfr autos de execução apenso e despacho de reversão de fls 20 v. dos autos..

2- Face ás diligências efectuadas e verificada a insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal emergentes da declaração de insolvência do executado, foi determinado a notificação do oponente para o exercício do direito de audição antes da decisão de reversão da execução, conforme despacho de 15.10.2013, tendo sido determinado a audição do revertido para a execução. -cfr “Despacho para Audição”, de fls 55, Oficio de fls 56, do proc. exe. apenso.

3- Em 13.11.2013, o opoente exerceu aquele direito de audição, conforme requerimento de fls 21 e segs, o qual mereceu a elaboração da Informação dos serviços de fls 19 v. e 20, dos autos., do proc. exe. apenso.

4- Por despacho proferido em 15.10.2013 pelo Chefe de Finanças de Sintra 1 em regime de substituição, com base nos elementos constantes do processo e da concretização da audição do revertido e da informação prestada pelos serviços ,foi determinado a reversão da execução contra a oponente, sustentado nos factos constantes da alínea b), do n°1, do art° 24° da LGT, tendo-se citado o revertido para a execução, em 01.08.14 . - cfr “Despacho aposto sobre a Informação dos serviços”, constante de fls 19 v. a 20 v. dos autos, e Oficio de citação de fls 62 e 63, correspondência postal , de fls 64, do Proc. Ex. apenso aos autos.

5- Do registo da C.R.Comercial de Sintra relativa à responsável principal, consta a nomeação da oponente como gerente, vinculando-se a mesma com a assinatura de dois gerentes- cfr cópia do registo da C.R.Comercial, de fls 65 a 67, do Proc. Ex. apenso aos autos.

6- A devedora originária foi declarada insolvente em 28.10.2013.- cfr “Certidão Permanente da C.R.C.”, de fls 31 e 32, dos autos.


X

Factos não provados

Dos factos constantes da oposição, todos objecto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade acima descrita.


X

Motivação da Decisão de Facto

A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais não impugnados, que dos autos constam, tudo conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.


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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT, aditam-se ao probatório os seguintes factos, por consideramos relevantes na apreciação da situação em análise e por resultarem documentalmente provados nos autos:

7 - Da informação que precede o despacho de reversão consta, para o que a qui releva, o seguinte:
“(…)
Nos termos do despacho de 2013-10-15, foi ordenada a reversão contra os responsáveis subsidiários relativamente á executada nos presentes autos, tendo o(s) mesmo(s) sido convocados para, querendo, serem ouvidos nos termos do n° 4 do art.° 23° da Lei Gerai Tributária (Audição Prévia).
Foram notificados os seguintes responsáveis: ^
1 - A.... - NIF 162……; '
(…)
As responsáveis referidas nos pontos 1 a 4 vieram aos autos através de forma escrita da audição prévia apresentar, cada uma por si, requerimento, onde solicitam a nulidade da fundamentação, do despacho e da notificação, resumidamente, por:
- ponto 1 - "...para no prazo de 10 dias, vir exercer o seu direito de Audição Prévia
- ponto 2 - “O projecto de Decisão-Reversão é completamente omisso quanto aos poderes do autor que praticou o ato ...
- ponto 3 - “...o “Chefe de Finanças” ao assinar o “Projecto de Decisão-Reversão” contida na notificação efectuada, não refere, nem sequer identifica a menção da delegação ou subdelegação de poderes que lhe permitam praticar o ato”:
- ponto 4 - "A presente notificação deveria especificar o Autor do “Projecto de Decisão- Reversão...”:
- ponto 5 - "Acresce, ainda, que o “Projecto de Decisão-Reversão” a proferir é nulo por absoluta falta de fundamentação por assentar em Projecto de Decisão nulo”
- ponto 6 - “No “Projecto da Reversão” lê-se:
"Inexistência ou insuficiência dos bens ( art° 23°/n° 2 da LGT)”;
- ponto 7 - “...a Declaração de Insolvência da Sociedade devedora originária impede que a AT Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviço de finanças de Sintra - 1 prossiga com os Processos de Execução Fiscal, designadamente contra a ora requerente como responsável subsidiária...”
(…)
Face ao exposto, importa considerar o seguinte:
Efectivamente, quer no despacho quer na notificação foi por lapso indicado o prazo de 10 dias, para exercerem o direito de audição prévia, quando deveria ter sido mencionado o prazo de 15 dias. No entanto, dado que todas as responsáveis vieram ao processo exercer o seu direito, as petições foram consideradas tempestivas, sendo as alegações objecto de análise, pelo que o lapso cometido não restringiu o exercício do direito dos executados.
Quanto aos poderes do autor que praticou o ato, não são por delegação nem por subdelegação de competências. De acordo com o n° 2 do Art° 10o conjugado com os Art° 149° e 150° do CPPT e com o n° 1 do Art° 6o do Dec Lei n° 433/99 de 26 de Outubro (Decreto Lei que aprovou o CPPT), é competente para a execução fiscal a Administração Tributaria, sendo que os actos da execução são praticados no órgão periférico local do domicilio/sede do devedor, da situação dos bens ou da liquidação.
Juntamente com a notificação audição-prévia, foram anexadas todas as certidões de dívida que deram origem aos respectivos processos executivos.
O n° 7 do artigo 23° da Lei Geral Tributária (LGT) prevê que o “dever de reversão previsto no n° 3 deste artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processo referida no n° 2 do artigo 181° do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis”.
Este preceito legal determina pois que sempre que seja declarada a insolvência do devedor originário e, independentemente da avocação dos processos de execução fiscal, deve o órgão de execução fiscal apreciar a possibilidade de reversão das dívidas tributárias, perante os indícios de insuficiência de bens penhoráveis que emergem da declaração de insolvência da pessoa colectiva executada, pressuposto da responsabilidade tributária subsidiária, à luz do n° 2 do art° 23° da LGT. Nestes termos, o órgão de execução fiscal deve obrigatoriamente desencadear os procedimentos de instrução necessários para determinar a verificação ou não dos pressupostos legais de que depende a reversão contra os responsáveis subsidiários (cf. n° 1 do art° 24 da LGT). Trata-se pois de um dever legal de reversão, não obstante o órgão de execução fiscal não poder praticar actos coercivos sobre os bens do responsável subsidiário, sem que tenha ocorrido a excussão do património do devedor originário, cf. dispõe o n° 2 do art° 23° da LGT, pese embora poderem ser adoptadas medidas cautelares de salvaguarda dos créditos tributários, de acordo com o n° 7 daquele mesmo preceito.
Os elementos indicados pelas requerentes, por si só, não são suficientes para afastar a responsabilidade subsidiária, conforme estipula a alínea b) do n° 1 do art° 24° da LGT.
O direito de defesa na presente reversão não se encontra ferido, cabendo sim, em sede de oposição discutir e decidir os factos e argumentação levantados.
Assim, deve a presente reversão prosseguir seus Legais termos quanto aos responsáveis subsidiários.
À consideração Superior.”
Cfr. fls. 19v e 20 dos autos

8 – Na sequência da presente informação foi proferido em 16/06/2014, pela chefe do Serviço de Finanças, em substituição, o despacho de reversão com o seguinte teor:

“DESPACHO
A análise e decisão por parte do Chefe do Serviço de Finanças no âmbito da audição prévia, prende-se com situações de facto e inequívocas, que se prendam com o conhecimento e esclarecimento de pressupostos desconhecidos até á decisão da reversão.
Por outro lado cabe referir que o direito de defesa na presente reversão não se encontra ferido, cabendo sim, em sede de oposição discutir e decidir os factos e argumentação levantados, já que os mesmos constituem matéria com características da competência Judicial.
Assim, em face da informação supra e após a análise de todos os elementos trazidos aos autos, ordeno a reversão definitiva contra os responsáveis identificados nos autos, nos termos do n° 7 do art° 23°, conjugado com a alínea b) n° 1 do art° 24°, ambos da L.G.T., artigos 153° e 159° do CPPT, prosseguindo estes seus normais termos.
Proceda à(s) respectiva(s) citação(ões) pessoal(ais).”

Cfr. fls. 19v e 20 dos autos

De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a oposição deduzida ao considerar, na parte que aqui releva, que a decisão de reversão contra a oponente não padece de falta de fundamentação legalmente exigidas “[A]atento as diligências empreendidas pela Adm Fiscal a que se refere o ponto 2 do probatório, verifica-se que a exequente procedeu ás necessárias averiguações tendentes a apurar a existência de bens na titularidade da devedora originária, tendo em vista a satisfação da dívida exequenda, não tendo sido encontrados bens susceptíveis de assegurar o pagamento da dívida exequenda…” .

Considerou, ainda, o Mmo Juiz a quo, que “a simples declaração de insolvência significa a incapacidade da sociedade de solver as suas dívidas, deixando de poder dispor dos bens relativos á massa insolvente, pelo que se entende que a declaração fundamentada dos pressupostos da reversão quanto àquela insuficiência preenche as condições legais, ao menos formais, para aquele despacho ora controvertido.”

Dissente do assim decidido, a recorrente vem arguir a nulidade do despacho por falta de fundamentação e refere que o mesmo (i) não faz qualquer referência à situação patrimonial da sociedade executada e devedora originária, “H...., Lda.” (ii) não refere ou sequer informa quais as quantias pelas quais o devedor subsidiário terá de responder, violando assim, o disposto no artigo 160° do CPPT (iii) não indica, também, as razões pelas quais o levaram a formular o juízo sobre o culpado revertido, preterindo, assim, o disposto nas alíneas a) e b) da Lei Geral Tributária. – concl. 4ª, 9ª e 13.ª

Vejamos então.

Antes de mais se dirá, que o vicio invocado no salvatério, a verificar-se implica a ilegitimidade da recorrente face á falta de responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda uma vez que esta (a recorrente) não é devedora originária, tendo sido chamada à execução, por reversão.

Como já o dissemos, o instituto da reversão ocorre no âmbito do processo de execução fiscal e constitui, um regime exclusivo deste, com tradução na modificação subjetiva da instância concretizada pelo respetivo despacho de reversão, através do chamamento à execução de outrem que não o devedor principal, a fim de ocupar ali, o lugar deste [devedor principal], tendo por objetivo a cobrança, no mesmo processo executivo, de dívidas de impostos exigidas ao devedor originário, ou seja, através de um despacho proferido por uma entidade administrativa que no processo exerce as funções de órgão de execução, (artigo 149.º do CPPT), o devedor é substituído e passa um terceiro a ser o responsável pelo pagamento da respetiva divida exequenda.

Trata-se de um mecanismo processual justificado pela natureza da dívida e dos interesses coletivos em jogo, mas não pode implicar qualquer tipo de arbitrariedade sobre o revertido, pelo contrário, trata-se de um ato balizado e que apenas pode ocorrer na dependência da verificação dos respetivos requisitos legais (art.º 23.º e 24.º da LGT e 153.º n.º 2 do CPPT).

Acresce referir que pese embora a prolação do despacho de reversão ocorra no âmbito do processo de execução fiscal, cuja natureza é judicial (art.º 103.º n.º 1 da LGT) constitui, como bem refere a recorrente, um ato administrativo e como tal deve mostrar-se capaz de dar a conhecer aos seus destinatários os motivos que determinaram a atuação da entidade que o proferiu, neste caso a AT, e bem assim as razões de facto e de direito que lhe deram origem, dotando o interessado de meios que possibilitem a respetiva sindicância (artigo 268.º da CRP).

Ora quanto ao dever de fundamentação do despacho de reversão citamos a jurisprudência assente, que aqui acolhemos e que se detém na questão de conhecer as exigências legais a que deve observar o despacho de reversão.

A este respeito afirmou o STA no acórdão proferido em 23/10/2020 no processo n.º 01389/06.3BESNT que, com a devida vénia, parcialmente aqui transcrevemos:
«(…)
A reversão, sendo um acto administrativo tributário, deve conter a sua fundamentação.
A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto administrativo, decorrente dos arts. 268º da CRP e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
A fundamentação do acto administrativo deverá assim obedecer a três requisitos essenciais: deverá ser clara, deverá ser suficiente e deverá também ser lógica.
Como vem afirmando a jurisprudência e a doutrina o acto encontra-se suficientemente fundamentado quando dele é possível extrair qual o percurso cognoscitivo seguido pelo agente para a sua prática.
Ponto é que a fundamentação responda, às necessidades de esclarecimento do contribuinte informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto administrativo permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática.
No que concerne à fundamentação do despacho de reversão da execução fiscal, a lei é expressa a determinar, no n.º 4 do art.º 23.° da LGT, que: «A reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação».
Como bem nota o Exmº Magistrado do Ministério Público no seu parecer, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem abordado a temática da fundamentação do despacho de reversão em diversos acórdãos (Cfr., entre outros, os acórdãos de 31/10/2012, proc. 0580/12, de 23/01/2013, proc. 0954/13, de 18/02/2015, proc. 01860/13, de 08/04/2015, proc. 0345/14 e o acórdão do Pleno de 16/10/2013, proc. 0458/13).
Fazendo uma síntese da doutrina defendida nestes arestos assim se sublinhou no Acórdão 458/13 do Pleno «…são pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária, a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (nº 2 do art. 23º da LGT e nº 2 do art. 153º do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou entrega desta (nº 1 do art. 24º da LGT). Daí que a fundamentação formal do despacho de reversão se baste com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada (citado nº 4 do art. 23º da LGT)».
(…)» - fim de citação.

Ora, sabendo que o conceito de fundamentação dos atos administrativos, não é, nem pode ser estanque no sentido em que a sua perceção varia em função do tipo legal de ato que estamos a tratar, assumindo, porém, a necessidade que ao mesmo é imposta, que é a de conduzir ao esclarecimento do respetivo destinatário, informando-o do itinerário cognoscitivo e valorativo de que socorreu o seu autor, no sentido de dar a conhecer ao destinatário as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num e não noutro sentido.

Podemos assim aferir que o ato está fundamentado sempre que o seu destinatário, entendido como um homem padrão (médio, no sentido bónus pater famílias), fique convenientemente esclarecido acerca das razões que o determinaram, ficando habilitado a dele se defender, querendo.

O despacho de reversão, sendo como dissemos que é um ato administrativo deve obediência não só aos requisitos próprios daquele ato, mas também aos que lhe são impostos pelas regras do direito tributário, nomeadamente pela Lei Geral Tributária o que se justifica pela natureza dos efeitos lesivos que o mesmo visa exercer na esfera jurídica de terceiro.

A este propósito, se pronunciou o STA no acórdão proferido em 29/10/2014 no processo n.º 0925/13, nos termos em que, por concordância e porque a sua aplicação aqui se justifica inteiramente, com a devida vénia, nos propomos seguir. Escreveu-se, no dito acórdão o seguinte:
“(…) não sofre dúvida que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do art. 23.º da LGT) e que este despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (art. 268.º n.º 3 da CRP; arts. 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, LGT). E sendo pressupostos da responsabilidade subsidiária (arts. 23.º n.º 4 e 24.º n.º 1, da LGT) a inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal, dos responsáveis solidários e seus sucessores (art. 23.º n.º 2 da LGT; art. 153.º n.º 2 do CPPT), bem como o exercício efectivo do cargo nos períodos relevantes de verificação do facto constitutivo da dívida tributária ou do prazo legal de pagamento ou da respectiva entrega (art. 24.º n.º 1 da LGT), então o despacho de reversão, enquanto acto administrativo tributário, deve, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (nº 1 do art. 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração daqueles pressupostos e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (art. 23º nº 4 LGT). Daí que, em consonância com este normativo, se tenha afirmado, no acórdão do Pleno desta Secção do STA, proferido em 16/10/13, 0458/13, que a fundamentação formal do despacho de reversão se basta com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.» (cfr., igualmente, os acórdãos desta Secção do STA, de 31/10/2012, proc. nº 580/12 e de 23/1/2013, proc. nº 953/12). (…)”.

Retomando o caso que nos ocupa damos conta que o despacho controvertido não cumpre com o estipulado no artigo 23.º n.º 4 da LGT no que respeita a fundamentação formal, já que neste campo se limita a referir que o direito de defesa não se encontra ferido, “cabendo sim, em sede de oposição discutir e decidir os factos e argumentação levantados, já que os mesmos constituem matéria com características da competência Judicial”, sem contudo lograr especificar que ou quais são esses “argumentos”, o que, como é bom de ver, atento o que deixamos enunciado, se mostra manifestamente insuficiente para nos fazer concluir que o ato se encontra fundamentado.

Com efeito, a fundamentação que a AT lavrou no despacho de reversão não cumpre o quadro legal aplicável, nomeadamente, artigo 23º, nº 2 da LGT e 153º, nº 2 do CPPT, preceitos respeitantes à insuficiência/inexistência de bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, enquanto pressuposto da reversão, do mesmo modo nada refere quanto às diligências realizadas com o fim de apurar e concluir sobre a verificação de tal pressuposto.

Acresce que nada ali se refere quanto ao exercício de facto da gerência da sociedade por parte da oponente imposto no n.º 1 do artigo 24.º da LGT, onde se diz que “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:” – o destacado é nosso.

Em suma, do que se deixa dito, podemos concluir que o despacho de reversão, ato, cuja fundamentação está aqui em apreciação, não faz qualquer referência ao exercício efetivo da gerência de facto por parte da oponente/revertida e nada esclarece quanto às diligências que, em concreto, foram efetuadas com vista ao apuramento da existência, ou não, de bens penhoráveis e da suficiência ou insuficiência do património da executada originária e dos seus responsáveis e sucessores para a satisfação da dívida exequenda e do acrescido, quando, como é sabido e já o dissemos, “o chamamento à reversão tem que assentar, por imperativo legal, na fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão (art. 23°, n° 2 da LGT e art. 153°, n° 2, do CPPT)” – cfr. ac. do STA, de 11/04/17, processo nº 0140/17.

Sendo ainda certo que da al. b) do nº 2 do artigo 153º do CPPT complementando o nº 2 do artigo 23º da LGT, se esclarece que « … a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros de que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido

Assim, para que a insuficiência patrimonial possa ser considerada como requisito de reversão da divida exequenda é necessário que os elementos em que assenta o juízo permitam, retirar essa conclusão, não basta para concluir pela insuficiência de bens penhoráveis; como o fez o TAF de Sintra face à declaração de insolvência.

Na verdade, a possibilidade de prossecução da execução fiscal contra o responsável subsidiário, por reversão efetuada depois da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, encontra-se expressamente prevista no n.º 7 do artigo 23.º da LGT(1), onde se assevera explicitamente que: “[O]o dever de reversão previsto no n.º 3 deste artigo é extensível às situações em que seja solicitada a avocação de processos referida no n.º 2 do artigo 181.º do CPPT, só se procedendo ao envio dos mesmos a tribunal após despacho do órgão da execução fiscal, sem prejuízo da adopção das medidas cautelares aplicáveis”.

Isto porque, com a declaração de insolvência do devedor originário, os processos de execução fiscal pendentes são sustados e avocados pelo Tribunal judicial, para que os créditos tributários possam ser reclamados (artigo 180.º, n.ºs 1 e 2 do CPPT), porém, em termos tributários, tem-se entendido que aquela declaração é também um fundamento válido para que opere a reversão da execução fiscal sobre o responsável subsidiário (artigo 23.º, n.º 7 da LGT)(2).

Porém, independentemente do tratamento a dar aos processos de execução nestas condições, consideramos que em termos de fundamentação, o despacho de reversão não se pode bastar com a declaração de insolvência quando a reversão assenta na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, como é o caso dos autos.

Como sabemos, e já o dissemos, a reversão operada ao abrigo da norma citada, pressupõe que o revertido tenha sido, gerente de facto, no momento em que se verifica o termo do prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias, sendo que neste caso, cabe ao revertido provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.

Ora, na situação em apreço, face à prova produzida e atentas as especificidades do caso concreto, torna-se para nós óbvio, que a AT não demonstrou que a revertida era gerente de facto da devedora originária no período temporal a que respeitam as dívidas qui em causa, o que, de resto, lhe competia, sendo certo que, também não restam duvidas de que é à Fazenda Pública, enquanto titular do direito de reversão, que cabe fazer a prova do exercício da gerência.

A insuficiente fundamentação do despacho de reversão constitui um vício de natureza formal, que limita a reação contenciosa do visado e inquina de vício de forma o próprio ato de reversão, fundamento de oposição à luz do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 204º do CPPT, determinando, por isso a procedência desta, com a consequente anulação contenciosa do despacho de reversão, bem como a consequente absolvição da instância executiva quanto ao oponente/revertido.

Rematando, impõe-se concluir que na situação em apreço não se encontram reunidos os pressupostos para a reversão, face à insuficiente fundamentação do despacho de reversão.

Ao julgar em sentido diverso, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que não pode ser mantida na ordem jurídica.

Assim se julgam improcedentes “in totum” as presentes conclusões de recurso.

4 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes desta 1.ª subsecção em conceder provimento ao recurso e revogar a sentença, julgar procedente a oposição e anular o despacho de reversão com as demais consequências legais.

Custas pela recorrida/FP, sem prejuízo do não pagamento de taxa de justiça no recurso, porque não contra-alegou

Lisboa, 09 de junho de 2022


Hélia Gameiro Silva – Relatora

Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta

Lurdes Toscano – 2.ª Adjunta

(Assinado digitalmente)

(1)Na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 64-B/201, de 30/12, em vigor na ordem jurídica portguesa desde 01/01/2012.

(2)Vide neste sentido o aórdão do STA, proferido em 16/12/20 no processo n.º 0415/14.7BEVIS 0346/18.