Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:731/11.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO.
DEVER DE INDICAÇÃO DE DOMICÍLIO FISCAL E DA SUA ALTERAÇÃO.
GESTÃO DE NEGÓCIOS.
Sumário:Atendendo ao dever de comunicação do domicílio fiscal do contribuinte, a comunicação de tal domicílio por representante da entidade empregadora é de considerar como realizada no âmbito da gestão de negócios.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório

F....... deduziu oposição no âmbito do processo de execução fiscal n.º ......., para cobrança coerciva dos montantes referentes a IRS do ano de 2006, no montante global de 392.460,65€. O Tribunal Tributário, por sentença proferida a fls. 319 e ss. (numeração SITAF), datada de 10 de Outubro de 2019, julgou procedente a oposição e em consequência determinou a extinção do processo de execução fiscal nº ......., com todas as consequências legais.

A Fazenda Pública, não se conformando com o decidido, interpôs recurso jurisdicional, em cujas alegações de fls. 354 e ss. (numeração SITAF), a recorrente formulou as conclusões seguintes:

«A) Vem o Tribunal a quo, na sentença de que ora se recorre, entender que, no caso sub judice, o Recorrido, Oponente, logrou provar que a atuação de J......, ao proceder à alteração do seu domicilio fiscal em 10/04/2006 para a morada sita na Avenida……….., edifício IV, 10-A, Lisboa, não foi no seu interesse, porquanto “logrou evidenciar tanto que em momento algum ocorreu qualquer tipo de situação que fundamentasse a necessidade de alteração do domicilio fiscal do Oponente e que essa alteração fosse de tal forma premente que tivesse que ser empreendida por alguém ao arrepio do conhecimento do Oponente e não munido de qualquer tipo de título que legitimasse (…) demonstrou nos presentes autos que a própria actuação do gestor  não foi no seu interesse. (…)  como o Oponente logra ilidir a presunção de ratificação de tal apresentação (e respectivo conteúdo) (…)”.

B) Como é facto público e notório, e tal como confessa o aqui Recorrido, Oponente, na época de 2005/2006 e 2006/2007, esteve ao serviço do S......, SAD.

C) Em 10/04/2006, J......, o qual fazia parte do S...... SAD, entidade patronal do aqui Recorrido, Oponente, procedeu à alteração da morada deste para a Avenida ……………edifício IV, 10-A, Lisboa.

D) Alega o Recorrente, Oponente, que não deu qualquer autorização, bem como desconhecia a alteração efetuada.

E) Para tanto, alega que, enquanto a sua permanência em Portugal morou em diversos hotéis, nomeadamente no M.......

F) O Recorrido, Oponente, não junta qualquer prova, nem se mostra credível que tal tenha, na realidade acontecido, porquanto, enquanto a sua permanência em Portugal, o Recorrido, Oponente, através de sua mulher, F......, celebrou dois contratos de arrendamento, sendo um precisamente relativo ao imóvel sito na Avenida …………. edifício IV, 10-A, Lisboa.

G) Por outro lado, a fim de comprovar que a atuação de J...... não foi do seu interesse, bem como para fundamentar que não existia qualquer necessidade na mudança de domicílio fiscal, junta um contrato de trabalho e vários contratos de arrendamento.

H) Como é por demais evidente, todos os elementos carreados pelo Recorrido, Oponente, respeitam a um período posterior ao dos factos em causa, porquanto o que aqui se encontra subjacente é a liquidação de IRS do ano de 2006, não se mostrando suficiente a fim de comprovar o alegado.

I) Não se antevê de que modo podem tais documentos provar a inexistência de gestão de negócios, bem como ilidir, em consequência, a presunção estabelecida no n.º 3 do art. 17º da LGT.

J) No demais, o Recorrido, oponente, limitou-se a alegar factos, sem a respetiva prova.

K) E, como é consabido, o ónus de alegar difere do ónus de provar.

L) A gestão de negócios é um negócio jurídico pelo qual uma pessoa, agindo com animus negotia aliena ferendi assume a direção de negócio alheio, sem para tal estar autorizado, ou seja, conforme resulta do art. 464º do CC, a gestão de negócios compreende a assunção da direção e negócio alheio no interesse e por conta do respetivo dono do negócio, ou seja, sem autorização deste.

M) São três os requisitos que definem a gestão de negócios: Alguém (gestor) assume a direção de negócio, assunto ou interesse alheio; O gestor atua no interesse e por conta do dono do negócio; O gestor atua sem autorização do dono do negócio, no sentido de não existir qualquer relação jurídica entre o dono de negócio e o agente que confira a este ou lhe imponha o dever legal de se intrometer nos negócios daquele.

N) É, assim, pressuposto que o gestor de negócio atue, ainda que no interesse do dono de negócio, sem qualquer autorização deste.

O) Pelo que, andou mal o Tribunal recorrido em considerar a falta de título que legitimasse J...... a atuar enquanto gestor de negócios.

P) Em nome do Recorrido, Oponente, procedeu, em consonância com os elementos de que dispunha, nomeadamente, com o contrato de arrendamento celebrado pela mulher deste, procedeu à alteração do domicílio fiscal para o novo locado, sito na Avenida………….., Edifício IV, 10º A, Lisboa.

Q) O Tribunal a quo entendeu que, considerado que se encontra provado que a declaração de alteração de morada efetuada por outrem, que o facto de não se encontrar preenchido o campo relativo à identificação do Recorrido, Oponente, aliado ao facto da ausência de qualquer documento revelando que atuava em nome deste (pontos 7 a 9 do probatório), se mostra suficiente para comprovar que da dita declaração de alteração foi realizada à revelia daquele.

R) Não cabe, nem pode caber à Fazenda Pública fiscalizar ou aferir da autenticidade das declarações dos sujeitos passivos para efeitos fiscais, sendo as mesmas da sua inteira responsabilidade, nem cabe aferir se o gestor de negócios atua com ou sem representação.

S) Atuando como gestor de negócios, não necessitava de qualquer título que legitimasse a sua atuação.

T) Assim, como o Tribunal recorrido verificou que, na declaração de alteração de domicílio não se encontrava preenchido o campo relativo à identificação do Recorrido, Oponente, deveria também atender ao facto que J...... se encontrava devidamente identificado através do seu número fiscal.

U) Não pode o Recorrido, Oponente, desconhecer a ligação entre J...... e o S...... SAD, sua entidade patronal, como também não pode desconhecer a existência do contrato de arrendamento celebrado tendo como objeto o imóvel sito na Avenida……………...

V) Deveria o tribunal a quo considerar e valorar, não só a prova carreada para os autos pelo Recorrido, Oponente, mas também a prova carreada pela Recorrente, Fazenda Pública, nomeadamente atendendo às diligências por esta efetuada, bem como a informação prestada pelo S......, SAD e ao contrato de arrendamento junto.

W) Sobre a prova carreada pela Recorrente, Fazenda Pública, o Tribunal não se pronunciou, nem considerou, quanto a nós indevidamente, no seu probatório.

X) Saber se aquele se encontrava a atuar no interesse ou não do Recorrido, Oponente, não se poderá aferir, como fez o Tribunal a quo apenas, e tão só, através de alegações ou documentos que nada têm a ver com o ano (2006) a que os rendimentos subjacentes à liquidação controvertida.

Y) Ora, conforme declaração efetuada pelo próprio Recorrido, Oponente, este declara ser residente em Portugal, não tendo sido comunicada à Recorrente, Fazenda Pública, qualquer alteração quanto a este facto.

Z) No ponto 5. dos factos considerados como provados pelo Tribunal a quo, deveria ter este considerado não só a entrega da declaração para primeira inscrição para efeitos de atribuição de número de contribuinte e a indicação do domicílio fiscal como sendo a Avenida……………. – Estádio da Luz, como também o facto de o Recorrido, Oponente, ter declarado como residência o nosso Território;

AA) Tendo declarado ser residente em Território Nacional e não tendo, quer por si, quer por intermédio de outrem, alterado tal situação, o Recorrido, Oponente, sempre teria de declarar os rendimentos por si obtidos nos anos de 2005 e 2006 no nosso território, o que não fez;

BB) Entende, igualmente, a Recorrente, Fazenda Pública, que o Recorrido, Oponente, não logrou ilidir a presunção estabelecida no n.º 3 do art. 17º da LGT.

CC) É certo que a presunção estabelecida no preceito normativo citado é ilidível, cabendo ao “dono do negócio” fazer tal prova.

DD) Também da prova carreada pelo Recorrido, Oponente, não resulta ilidida tal presunção.

EE) A ratificação do negócio celebrado por um gestor de negócios pode ser ratificado tacitamente, sem qualquer necessidade de ato expresso.

FF) Não tendo ilidido a presunção estabelecida, a atuação do gestor de negócios presume-se devidamente ratificada, tratando-se de uma obrigação acessória, após o termo legal para o seu cumprimento.

GG) Nos termos do art. 74º da LGT, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos recai sobre quem os invoque, cabendo, assim, ao Recorrido, Oponente, fazer prova dos factos por si alegados, o que não fez.

HH) Impõe-se concluir que era, desde logo, para a morada sita na Avenida……………. , Edifício IV, 10º A, Lisboa, que a Recorrente, Fazenda Pública, devia remeter as notificações que ao Recorrido, Oponente, dissessem respeito, mormente a liquidação de IRS referente ao ano de 2006, o que, aliás, aconteceu, conforme facto assente no ponto 16. do probatório da sentença recorrida.

II) Logo, tendo sido rececionada em 02/09/2009, foi a mesma emitida e validamente notificada ao Recorrido, Oponente, dentro do prazo de caducidade, nos termos do art. 45º da LGT, conforme também prova carreada para os autos pela Recorrente, Fazenda Pública.

JJ) Não obstante, ainda dentro do prazo de caducidade, o Recorrido, Oponente, teve conhecimento da mesma, em 28/12/2009, aquando do levantamento da certidão, ainda que a mesma tenha sido requerida no âmbito de um processo de execução fiscal que não o que se encontra subjacente aos autos.

KK) O Órgão de Execução Fiscal emitiu a certidão adquirida, referindo que o Recorrido, Oponente, com domicilio fiscal na Avenida………….., Edifício IV, 10º-A, Lisboa, e que em seu nome constavam dos processos enviados pelos Serviços de Inspeção dos quais se juntaram as cópias, fazendo parte da certidão.

LL) E nem se ponha em causa os prints constantes do arquivo da Recorrente, Fazenda Pública, e juntos à referida certidão, porquanto foram extraídos dos sistemas informáticos da AT e juntos ao processo de execução fiscal pela própria autoridade que é o Órgão de Execução Fiscal.

MM) Trata-se, pois, de documentos autênticos nos termos do art. 34º, nº 2 do CPPT e 76º, nº 2, da LGT.

NN) Deveria o Tribunal a quo ter devidamente considerado e valorado, efetuado uma apreciação crítica de todas as provas carreadas para os autos.

OO) Entende, pois, a Fazenda Pública, Recorrente, que o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 17º, n.º 3, art. 76º, n.º 2, ambos da LGT e art. 34º, nº 2 do CPPT, assim como do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário, nos termos do art. 74º da LGT.

PP) Por via disso, com o devido respeito, errou o Tribunal recorrido, no seu julgamento de facto e direito, enfermando a sentença de uma errónea apreciação dos factos relevantes para a decisão e de uma errada interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, devendo, por via disso, ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, julgando-se a oposição improcedente.

X

O recorrido, devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença e pela improcedência do recurso jurisdicional apresentado.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

2.1. De Facto.

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
1.     Na sequência da emissão da certidão de dívida n.º………. , a qual titulava dívidas de IRS referentes ao ano de 2006 e respectivos juros no valor global de 387.563,55€, foi instaurado sobre o Opoente o processo de execução fiscal n.º ....... – cfr. fls. 53 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
2.     A citação referente ao processo de execução fiscal referido em 1. foi enviada via postal registada com aviso de recepção para a Avenida…………..– EDF. IV, 10-A, ……… Lisboa – cfr. fls. 54 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
3.     O aviso de recepção não foi assinado, tendo sido devolvido ao órgão da execução fiscal com a menção “não reclamado” – cfr. fls. 55 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
4.     Na sequência da devolução referida em 3. a órgão da execução fiscal solicitou a citação do Opoente ao abrigo do regime do artigo 5.º da Directiva 2088/55/CE, visto o Opoente residir em Itália – cfr. fls. 56 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
5.     Em 05/09/2005 o Opoente entregou declaração para primeira inscrição para efeitos de atribuição de Número Fiscal de Contribuinte – Pessoa Singular junto dos serviços da Direcção-Geral dos Impostos onde indicava como domicílio fiscal “Avenida …………– Estádio da Luz, …….Lisboa” – cfr. doc. junto a fls. 99 dos presentes autos.
6.     Em 10/04/2006 foi apresentada junto dos serviços da Direcção-Geral dos Impostos declaração de alteração dos dados de identificação do Opoente, passando da mesma a constar como domicílio fiscal do Opoente “Avenida………….– EDF. IV – 10-A, ...... Lisboa” – cfr. doc. junto a fls. 100 dos presentes autos.
7.     A declaração referida em 6. foi assinada por outrem que não o Opoente, concretamente por J...... – cfr. docs. juntos a fls. 100 e 101 dos presentes autos.
8.     O campo da declaração referida em 6. relativo ao documento de identificação do contribuinte encontra-se não preenchido – cfr. doc. junto a fls. 100 dos presentes autos.
9. A declaração referida em 6. foi apresentada pela pessoa referida em 7. sem que esta apresentasse ou juntasse qualquer documento revelando que actuava em representação do Opoente – cfr. docs. juntos a fls. 100 e 101 dos presentes autos.
10.   O Opoente foi objecto de procedimento de inspecção tributária relativo a IRS do ano de 2006 – cfr. fls. 24 a 28 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
11.   Na sequência e como resultado das conclusões do procedimento inspectivo referido em 10. foi apurado ao Opoente um rendimento para efeitos de IRS referente ao ano de 2006 de 2.300.044,00€ - cfr. fls. 44 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
12.   Os serviços da Autoridade Tributária remeteram por via postal registada com aviso de recepção ao Opoente cartas pelas quais informavam o Opoente de que não procedera à entrega da declaração de rendimentos para efeitos de IRS do ano de 2006, assim como dando conta da alteração ao rendimento relevante para efeitos de IRS referido em 11. – cfr. fls. 29 a 47 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
13.  Todas as missivas referidas em 12. foram remetidas para o endereço “Avenida………………– EDF. IV – 10-A, ...... Lisboa”, tendo as mesmas sido devolvidas e os respectivos avisos de recepção foram devolvidos sem se mostrarem assinados – cfr. fls. 29 a 47 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
14.   Como consequência das conclusões referidas em 11. foi emitida, pela Autoridade Tributária, sobre o Opoente a liquidação n.º…………, referente a IRS do ano de 2006 e respectivos juros compensatórios, no valor global de 387.563,55€ - cfr. fls. 50 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
15.   De documentos internos da Autoridade Tributária consta que a liquidação referida em 14. foi remetida ao Opoente via carta registada e que a mesma foi recebida em 02/09/2009 – cfr. fls. 51 e 52 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
16.   A liquidação referida em 15. foi remetida para o endereço “Avenida…………..– EDF. IV – 10-A, ...... Lisboa”.
17.   Em 02/11/2009, o Opoente apresentou requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – 12 com o seguinte conteúdo: “…Processo de Execução Fiscal N.º ………… F......., melhor identificado no processo de execução fiscal à margem identificado, em que é executado, vem, muito respeitosamente, requerer a V. Ex.ª se digne mandar extrair certidão da liquidação que deu origem à dívida em cobrança coerciva onde constem todos os elementos de mesma, inclusive os rendimentos brutos englobados, bem como data da notificação, forma e local, onde a mesma foi feita, para pagamento o respectivo pagamento voluntário…” – cfr. fls. 48 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
18.   A certidão referida em 17. foi emitida e levantada em 28/12/2009 – cfr. fls. 49 do processo de execução fiscal junto aos presentes autos.
19.   A presente acção foi apresentada em 23/03/2011.
Factos não provados.
Com relevância para a pronúncia a emitir nos presentes autos, inexistem que importe das como não provados.
Motivação da decisão sobre a matéria de facto.
A decisão da matéria de facto, consonante ao que acima ficou exposto, efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos, referidos em cada uma das alíneas do elenco dos factos provados, os quais não foram impugnados, merecendo a credibilidade do tribunal, em conjugação com o princípio da livre apreciação da prova.
O facto provado referido em 16. foi assim dado em virtude de admissão expressa por parte da Fazenda Pública constante dos artigos 6º a 11º da contestação que apresentou.


X

Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte a matéria de facto.
20.   O oponente, na qualidade de jogador de futebol da Juventus, foi cedido pela Juventus ao S………, nas épocas desportivas de 2005/06 e 2006/07 – fls. 12/15.
21.   Em 14.09.2005, a companheira do oponente, F......, celebrou contrato de arrendamento, como locatária, da fracção autónoma do prédio sito Rua…………, Edifício IV, 10.º A, Lisboa, pelo prazo de três anos, com início a 15.09.2005 e termo em 14.09.2008 - fls. 137/139.
22.   Em 10/04/2006, J...... era colaborador do Benfica – fls. 131.
23.   Em 01.09.2006, a companheira do oponente, F......, celebrou contrato de arrendamento, como locatária, da fracção autónoma do prédio sito na Travessa……….., Terraços da Gandarinha, Cascais, com vigência desde 01.09.2006 a 31.08.2007 – fls. 162/165.

X


2.2. De Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre os alegados erros de julgamento em que terá incorrido a sentença recorrida.

A recorrente invoca erro de julgamento, no que respeita aos itens seguintes:
i) quanto à não consideração da declaração de J......, segundo a qual o domicílio fiscal do oponente corresponde à Avenida ………..Edifício IV, 10.ºA, Lisboa, como gestor de negócios do oponente, pelo que a notificação da liquidação foi rececionada, em 02/09/2009, pelo Oponente, dentro do prazo de caducidade.
ii) quanto à asserção de que o Oponente teve conhecimento da notificação da liquidação, em 28/12/2009, aquando do levantamento da certidão, ainda que a mesma tenha sido requerida no âmbito de um processo de execução fiscal que não o que se encontra subjacente aos autos.

2.2.2. Para julgar procedente a oposição, a sentença recorrida estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«(…) o Opoente logrou evidenciar que em momento algum ocorreu qualquer tipo de situação que fundamentasse a necessidade da alteração do domicílio fiscal do Opoente e que essa alteração fosse de tal forma premente que tivesse que ser empreendida por alguém ao arrepio do conhecimento do Opoente e não munido de qualquer tipo de título que legitimasse, titulando-a, actuação do sujeito referido em 7. dos factos provados enquanto representante do Opoente, do mesmo passo que o Opoente demonstrou nos presentes autos que a própria actuação do gestor não foi no seu interesse. (…) // Assim sendo, não existindo gestão de negócios e não sendo ratificado o acto praticado, o mesmo é inoponível ao Opoente».

2.2.3. O presente apelo censura o segmento decisório em apreço com base no fundamento do recurso referido em (i).

Apreciação.

Está em causa execução fiscal relativa à liquidação de IRS de 2006 (n.º 1 do probatório). No caso, o oponente declarou como domicílio fiscal a sede da sua entidade empregadora, em Portugal (n.º 5 do probatório). Em relação ao domicílio fiscal do oponente, J......, colaborador do SLB, em 10/04/2006, apresentou junto dos serviços da Direcção-Geral dos Impostos declaração de alteração dos dados de identificação do opoente, passando a constar como domicílio fiscal do Opoente “Avenida …………..EDF. IV – 10-A, ...... Lisboa”. A questão que se suscita consiste em saber qual a relevância desta declaração.

A Lei Geral Tributária prevê que os atos em matéria tributária, que não sejam de natureza puramente pessoal, podem ser praticados pelo gestor de negócios, produzindo, neste caso, «efeitos em relação ao dono do negócio nos termos da lei civil»[1]. «Em caso de cumprimento de obrigações acessórias ou de pagamento, a gestão de negócios presume-se ratificada após o termo do prazo legal do seu cumprimento»[2]. Estatui o Código Civil que há gestão de negócios «quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada»[3].

Na qualidade de jogador de futebol da Juventus, o oponente foi cedido ao S………., nas épocas desportivas de 2005/06 e 2006/07 (n.º 20 do probatório). Nas épocas referidas, o oponente residiu em Portugal e auferiu rendimento em Portugal (artigo 16.º/1 e 2, do CIRS). Tinha contrato de arrendamento para a morada “Avenida …………EDF. IV – 10-A, ...... Lisboa”, de 15.09.2005 e a 14.09.2008 (n.º 21).

Enquanto residente em Portugal, sobre o oponente recai o dever de comunicar à AT o seu domicílio fiscal (artigo 19.º/2, da LGT). O seu domicílio fiscal deve corresponder à sua residência habitual (artigo 19.º/1/a), da LGT). J...... era colaborador da entidade que recebeu, a título de cessão temporária, a prestação laboral do oponente - S...... (n.º 22 do probatório). A declaração do colaborador em causa enquadra-se no cumprimento das obrigações declarativas do oponente. Estando em causa cidadão italiano, temporariamente a residir em Portugal, percebendo rendimentos pagos por entidade com sede em território português, o mesmo tem de assumir um domicílio fiscal que corresponda efectivamente à sua residência habitual e não ao seu local de trabalho.

A definição do domicílio fiscal tem um papel central nas relações jurídicas tributárias, constituindo referência necessária do exercício de direitos e para a constituição de obrigações. No caso das pessoas singulares, esse domicílio é, para a lei, o local da residência habitual do sujeito passivo. A este cabe estabelecer e comunicar à Autoridade Tributária um domicílio fiscal, devendo poder ser contactado de forma permanente e fiável pela mesma AT, desde logo, para efeito de notificações das liquidações de impostos, avaliações realizadas pela AT e para efeito do exercício de direitos, pelo sujeito passivo, face aos actos que pratica. Acresce referir que a «concretização da notificação do sujeito passivo no seu domicílio fiscal traduz-se no acto jurídico que permite sindicar a actuação da administração tributária, nos casos em que ela é legalmente admissível. São várias, pois, as razões que justificam a comunicação obrigatória do domicílio fiscal e «a ineficácia da mudança de domicílio fiscal enquanto [a mesma] não for comunicada pelo sujeito passivo à Administração Tributária»[4].

De onde se retira que a declaração referida em 6., informando a AT sobre o domicílio fiscal do oponente, foi emitida em nome e por conta e no interesse do oponente, enquanto sujeito passivo do imposto sobre rendimento, percebido em território português, pelo que a mesma é-lhe oponível (artigo 17.º/3, da LGT).

A notificação da liquidação em causa nos autos foi remetida para endereço do oponente em Portugal, ou seja, para a “Avenida…………..– EDF. IV – 10-A, ...... Lisboa”, tal como declarado pelo gestor de negócios, em 02.09.2009, pelo que, estando em causa IRS de 2006, a referida notificação assume eficácia interruptiva do prazo de caducidade do direito à liquidação, o que torna a dívida exequenda exigível, face ao oponente.

A invocação da Convenção sobre Dupla Tributação celebrado com entre Portugal e a República Italiana não logra afastar o facto de que o oponente, no exercício em causa foi residente em Portugal e neste país auferiu rendimentos, sendo nessa medida sujeito passivo do imposto. A Convenção referida seria aplicável se houvesse dúvida quanto à residência do recorrido, no período em causa. O que não se comprova nos autos.

Ao julgar no sentido de que a liquidação em causa nos autos não foi notificada ao oponente, dado que não existe prova de que a mesma foi remetida para o seu domicílio fiscal, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser revogada e substituída por decisão que julgue improcedente a oposição.

Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição.

Custas pelo recorrido.

Registe.

Notifique.

O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.


(Jorge Cortês - Relator)

___________________


[1] Artigo 17.º/1, da LGT.
[2] Artigo 17.º/3, da LGT.
[3] Artigo 464.º do CC.
[4] Acórdão do TCAS, P. 2734/05.4BELSB, de 07-05-2020.