Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 243/21.3 BESNT |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 01/24/2024 |
Relator: | VITAL LOPES |
Descritores: | JUROS INDEMNIZATÓRIOS CONTAGEM DO PRAZO POR QUE SÃO DEVIDOS REFORMA DA SENTENÇA QUANTO A CUSTAS |
Sumário: | I - Os juros indemnizatórios a favor do contribuinte destinam-se a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida. II - Estabelece o art.º 43/1 da Lei Geral Tributária que «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». III - À prática de acto expresso deverá ser equiparado, para efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art.º 57º, nº 4, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido. IV - São devidos juros indemnizatórios desde a data em que ocorreria o indeferimento tácito se o contribuinte em reclamação graciosa pede a restituição do imposto indevidamente (auto) liquidado e pago e a Administração tributária profere despacho instrutório depois de largamente ultrapassado o prazo legal de decisão (sendo neste caso indiferente para alterar a imputabilidade do erro do contribuinte para a AT que tal despacho instrutório se apresente eventualmente como necessário a uma decisão com os pressupostos correctos). |
Votação: | UNANIMIDADE |
Indicações Eventuais: | Subsecção tributária comum |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por G… UNIPESSOAL, LDA., no seguimento do indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida da autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado referente ao 3.º trimestre de 2019, alegando para tanto, conclusivamente: « a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, consequentemente, i) anulou o ato de liquidação de IVA impugnado; e, ii) condenou a Fazenda Pública na restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito (sublinhado nosso). b. O objeto do presente recurso circunscreve-se à parte decisória referente à condenação da Autoridade Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios. c. Como questão prévia, a Fazenda Pública considera que a conduta processual das partes sempre se pautou pelo princípio da colaboração com a justiça e pela abstenção da prática de atos inúteis ou suscetíveis de provocar uma dilação na prolação da sentença, no respeito pelos normais trâmites do processo judicial tributário, pelo que os pressupostos essenciais para a dispensa do pagamento do remanescente do valor de €275.000,00 encontram-se verificados, pelo que requer que o valor máximo a considerar para cálculo da taxa de justiça do processo deverá cingir-se àquele tecto máximo de € 275.000,00, nos termos do artigo 6.º, n.º 7 do RCP. d. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que estão verificados os requisitos que constituem a Administração Tributária na obrigação de pagar à Impugnante juros indemnizatórios, contados desde a data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito. e. Isto porque entendeu que a Impugnante comprovou o pagamento do ato de liquidação ora impugnados [cf. alínea h) e i) dos factos provados] e que o Tribunal concluiu pela procedência do pedido de anulação da liquidação sindicada por erro nos seus pressupostos de direito, o que configura uma situação de erro imputável aos serviços. f. Como será demonstrado de seguida, em rigor, é a douta decisão que incorre em erro judicativo por não ter procedido a uma valoração correta da prova produzida e a interpretação da norma prevista no n.º 1 do artigo 43º da LGT. g. No dia 18-11-2019, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação de IVA, onde requereu a devolução do «imposto pago em excesso no montante de €414.000,00» e para fundamentar o seu pedido de reclamação, a reclamante, juntou os documentos, que a seguir se discriminam: - Extrato da Conta “24.3.3.3.1.1/Iva Liquidado/OBS/Auto Liquidação TR MN”, entre 31-07-2019 e 30-09-2019; - Extrato da Conta “22.1.1.1.00015/P… & C…, S.A.”, entre 31-07-2019 e 30-09-2019; - Notas de Crédito numeradas do nº12 à nº18, num total de sete documentos, emitidas em 2019-11-15; - Declarações Periódicas apresentadas no período de 2019 09T; - Faturas numeradas do nº 308 ao nº 314, num total de sete documentos, emitidas em 2019-11-15. h. Por ofício de 15-07-2020 da Direção de Finanças de Lisboa, a ora recorrida foi notificada do projeto de decisão no sentido do indeferimento da reclamação graciosa com fundamento de que a «a reclamante não disponibilizou documentação contabilística e de suporte à Contabilidade que atestasse cabalmente o defendido, ónus que lhe competia, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT, nomeadamente: Balancete analítico antes e após apuramento de resultados à data 2019-12-31; Extratos das contas correntes de IVA (anual); Documentos devidamente organizados e numerados de modo a poder ser confirmada a sua correta contabilização; Outros elementos relevantes, para melhor compreensão da situação.» i. A recorrida notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa com fundamento na falta de documentos não exerceu o direito de audição nem remeteu à Autoridade Tributária os elementos que a Autoridade considerou estarem em falta (facto que deverá ser acrescentado aos factos provados). j. A reclamação graciosa foi indeferida e a Impugnante apresentou recurso hierárquico em 14-10-2020, onde pede a restituição da quantia de €414.000,00, indevidamente liquidada a título de IVA, e a revogação daquela decisão, juntando documentação nova (provado pelo documento n.º 10, junto à petição inicial). k. Ocorreu a presunção do indeferimento do recurso hierárquico e a ora Recorrida apresentou Impugnação Judicial, tendo indicado como testemunha T…, contabilista da Impugnante. l. O depoimento da testemunha T… veio a revelar-se crucial para o apuramento dos factos e para a descoberta da verdade material e foi apenas em sede de Impugnação judicial que a ora recorrida fez prova do alegado. m. É certo que a prova documental é deveras importante, no entanto foi com a produção da prova testemunhal que se fez prova cabal do alegado pela Impugnante. n. Demonstrativo de que os elementos contabilísticos constantes dos autos não eram suficientes é a admissão da prova testemunhal. A diligência instrutória foi considerada útil e contribuiu para a descoberta da verdade material e foi fundamental para fixar os factos dados como provados. o. A produção de prova testemunhal foi aceite porque se entendeu que tal meio de prova se afigurou necessário face à questão a apreciar na impugnação judicial. Isto é, não se entendeu que o processo já continha todos os elementos necessários para decisão ou que a prova era meramente documental, pois nesse caso a mesma deveria ter sido dispensada, o que não aconteceu. p. Ora, nos procedimentos administrativos que precederam a Impugnação judicial – a reclamação graciosa e o recurso hierárquico – não foi produzida prova suficiente que permitisse à Autoridade Tributária deferir o pedido da ora Recorrida, designadamente a prova testemunhal aqui produzida. q. Só em sede de impugnação judicial é que a Autoridade Tributária teve conhecimento de todos os factos que permitiriam dar razão ao contribuinte. r. Entendeu o Tribunal a quo que a imputabilidade do erro se deu na data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa, pelo que são devidos juros desde indeferimento tácito da reclamação graciosa e a data do processamento da respetiva nota de crédito. s. Ora, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento, pois não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. n.º 2 do art. 266º, da CRP e art. 55º da LGT). t. Pois só em sede de Impugnação Judicial é que a Impugnante fez prova dos factos alegados através de prova documental e testemunhal, prova essa que não foi produzida em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico, pelo que a Autoridade Tributária não tinha na sua disponibilidade todos os elementos que lhe permitissem, respeitando o princípio da legalidade a que está vinculada, deferir o pedido do contribuinte. u. Seguindo o entendimento de Jorge Lopes de Sousa, o erro passará a ser imputável à Administração Tributária a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte desde que dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos, o que não aconteceu in casu. v. Assim, entende a Fazenda Pública que não se verificam os requisitos necessários para a condenação da AT a juros indemnizatórios, designadamente o erro imputável aos serviços, pois como ficou demonstrado, apenas em sede de impugnação judicial foi produzida a prova dos factos alegados pelo sujeito passivo. w. Com efeito, entende a Fazenda Pública o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação da lei, pois ao decidir pelo pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante violou a norma prevista no artigo 43.º, n.º 1, da LGT. x. Deveria o Tribunal recorrido absolver a Fazenda Pública quanto ao pedido do pagamento de juros indemnizatórios. y. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada quanto ao segmento decisório dos juros indemnizatórios. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, sempre se dirá z. Por ofício de 15-07-2020 da Direção de Finanças de Lisboa, a ora recorrida foi notificada do projeto de decisão da reclamação graciosa no sentido do indeferimento com fundamento de que a «a reclamante não disponibilizou documentação contabilística e de suporte à Contabilidade que atestasse cabalmente o defendido, ónus que lhe competia, nos termos do nº 1 do artigo 74º da LGT, nomeadamente: Balancete analítico antes e após apuramento de resultados à data 2019-12-31; Extratos das contas correntes de IVA (anual); Documentos devidamente organizados e numerados de modo a poder ser confirmada a sua correta contabilização; Outros elementos relevantes, para melhor compreensão da situação.» aa.A recorrida notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa com fundamento na falta de documentos não exerceu o direito de audição nem remeteu à Autoridade Tributária os elementos que a Autoridade considerou estarem em falta (facto que deverá ser acrescentado aos factos provados). bb.Através do ofício de 15-09-2020 da Direção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada da decisão de 14-09-2020 do Exmo. Senhor Diretor Adjunto daqueles serviços regionais, consubstanciada no indeferimento da reclamação graciosa. cc. Na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a Impugnante interpôs recurso hierárquico em 14-10-2020 e juntou documentação contabilística nova que não havia sido junta na reclamação graciosa, designadamente (facto que deverá ser acrescentado aos factos provados): - Balancete geral mês 12/dezembro (doc 2. Da p.i. do RH) - Balancete geral mês 13/regularizações e - Balancete geral mês 14/Encerramento - Balanço - Demonstração de resultados por naturezas dd.Se o tribunal a que se recorre entender que a prova testemunhal não foi crucial para a descoberta da verdade e que a prova documental era suficiente (o que se admite apenas a título subsidiário) sempre se dirá que apenas com a junção dos novos documentos em sede de recurso hierárquico é que a Autoridade Tributária teve disponível os elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos corretos. ee.Isto é, os documentos juntos na Reclamação Graciosa eram manifestamente insuficientes para fazer prova do alegado pela ora recorrida, pelo que a Autoridade Tributária, só aquando da interposição do recurso hierárquico é que teve acesso aos documentos que lhe permitiriam decidir o pedido do contribuinte respeitando o princípio da legalidade a que está vinculada. ff. O Tribunal a quo determinou que sejam pagos juros indemnizatórios contados desde a data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito. gg.Ora, só quando a Administração Tributária se pronuncia sobre o recurso hierárquico deduzido pelo contribuinte (indeferimento tácito in casu), é que o erro lhe pode ser imputável. hh.Os recursos hierárquicos são decididos no prazo máximo de 60 dias (art. 66° n° 5 CPPT). ii. O incumprimento do prazo para decisão do recurso hierárquico faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso contencioso ou impugnação judicial (art. 57° n° 5 LGT). jj. Logo, a formação de indeferimento tácito ocorreu 60 dias após a apresentação do recurso hierárquico em 14-10-2020, pelo que ocorreu em 14-12-2020 (segunda-feira). kk. Assim, antes dessa data – 14-12-2020 – não poderia ser imputado à Administração Tributária qualquer erro imputável aos serviços, pois a Autoridade não tinha na sua posse os elementos contabilísticos necessários e já evidenciados em falta no projeto de decisão da reclamação graciosa que o contribuinte optou por não os juntar em sede de exercício do direito de audição, que não exerceu. ll. Assim, entende a Fazenda Pública que a tutela do direito a juros indemnizatórios sobre o indevidamente pago só pode ser reconhecida a partir do momento em que a Administração Tributária se pronunciou (ainda que tacitamente) e tinha na sua posse todos os elementos necessários para apreciar o pedido da Impugnante, que in casu, ocorreu apenas com a decisão do recurso hierárquico (ainda que tácita). mm. Face ao exposto, conclui-se que o Tribunal a quo procedeu a uma incorreta interpretação da lei, pois ao decidir pelo pagamento de juros indemnizatórios à Impugnante contados desde a data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa até à data do processamento da respetiva nota de crédito violou as normas previstas no artigo 43.º, n.º 1, da LGT conjugado com o n.º 5, do artigo 61.º, do CPPT. nn.Deveria o Tribunal recorrido condenar a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios à impugnante desde o indeferimento tácito do recurso hierárquico (14-12-2020) até à data do processamento da respetiva nota de crédito. oo.Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada quanto ao segmento decisório dos juros indemnizatórios. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a douta sentença ser revogada no segmento decisório dos juros indemnizatórios, no sentido de que não são devidos juros indemnizatórios. Ou caso assim não se entenda, subsidiariamente, deve ser concedido provimento ao recurso e a douta sentença ser revogada no segmento decisório dos juros indemnizatórios no sentido de serem devidos juros indemnizatórios apenas desde o indeferimento tácito do recurso hierárquico até à data do processamento da respetiva nota de crédito. PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA». A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões: « ». A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer concluindo pela improcedência do recurso e manifestando nada ter a opor à peticionada dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no art.º 6.º, n.º 7 do RCP. Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão. II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, analisadas as conclusões da alegação, a questão do recurso reconduz-se a saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir serem devidos à impugnante juros indemnizatórios contados desde a data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa até à data do processamento da respectiva nota de crédito, sem olvidar a questão da reforma da sentença quanto a custas. *** III. FUNDAMENTAÇÃO A) OS FACTOS Na sentença recorrida deixou-se factualmente consignado: «a) A Impugnante, «G…, Unipessoal, Lda.», tem por objeto social a compra e venda de bens imóveis, revenda, administração e arrendamento dos adquiridos para esse fim, bem como a atividade de alojamento mobilado para turistas e outros locais de alojamento de curta duração, a promoção e organização de eventos, restauração, catering, fornecimentos de refeições para eventos e outras atividades de serviços de refeições, bem como atividades conexas (provado pelo documento n.º 1, junto à petição inicial); b) Em 01-01-2015, a Impugnante iniciou a sua atividade, ficando enquadrada, em IVA, no regime de isenção do art.º 9.º do Código do IVA, e registada para o exercício da atividade principal de «compra e venda de bens imobiliários», a que corresponde o CAE 68100, e, a partir de 13-12-2017, na atividade secundária de «alojamento mobilado para turistas», a que corresponde o CAE 055201 (facto não controvertido); c) No exercício de 2019, a Impugnante adquiriu serviços de construção civil, referentes à construção de edifício escolar, sito na Rua dos D…, em Cobre, C…, os quais foram prestados pela «P… & C…, S.A.» (facto não controvertido, e parcialmente confirmado por prova testemunhal); d) Na sequência da prestação dos serviços identificados na alínea anterior, a «P… & C…, S.A.» emitiu à Impugnante, entre julho e setembro de 2019, as seguintes faturas: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (provado pelo documento n.º 2, junto à petição inicial); e) Nas faturas identificadas na alínea anterior, a «P… & C…, S.A.» não liquidou IVA, constando das mesmas a menção «IVA – autoliquidação» (provado pelo documento n.º 2, junto à petição inicial); f) Com referência a 30-09-2019, a Impugnante tinha registado, na conta relativa ao fornecedor «P…& C…, S.A.» #2211100015, os seguintes movimentos: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (provado por documento, a fls. 130 do documento registado no SITAF com o n.º 006381105); g) Ainda com referência a 30-09-2019, a Impugnante tinha registado, na conta relativa a IVA autoliquidado #2433313, os seguintes movimentos: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (provado por documento, a fls. 131 do documento registado no SITAF com o n.º 006381105);h) No dia 08-11-2019, a Impugnante apresentou a declaração periódica de IVA, referente ao terceiro trimestre de 2019, com o n.º 112264780460, no âmbito da qual indicou a aquisição de serviços de construção civil, no valor de €1.800.000,00, e um imposto a favor do Estado no montante de €414.000,00 (provado pelo documento n.º 3, junto à petição inicial); i) No dia 13-11-2019, a Impugnante entregou ao Estado a quantia de €414.000,00, melhor identificada na alínea anterior (provado por documento, a fls. 16 e 18 do documento registado no SITAF com o n.º 006381105); j) Após pagamento do imposto em apreço, foi detetado, no âmbito de ação de inspeção tributária efetuada à «P… & C…, S.A.», que esta sociedade tinha emitido incorretamente as faturas com autoliquidação de IVA, melhor identificadas na alínea d) dos factos provados, e que tinha operado a indevida inversão do sujeito passivo, visto que a Impugnante pratica exclusivamente operações isentas, ao abrigo do art.º 9.º do Código do IVA (facto não controvertido, confirmado por prova testemunhal); k) Assim que foi detetado o erro identificado na alínea anterior, a «P… & C…, S.A.» procedeu, em 15-11-2019, à emissão à Impugnante das seguintes faturas: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (provado pelo documento n.º 5, junto à petição inicial, e parcialmente confirmado prova testemunhal)l) Nas faturas identificadas na alínea anterior, a «P… & C…, S.A.» liquidou IVA, à taxa de 23% (provado pelo documento n.º 5, junto à petição inicial); m) No mesmo dia 15-11-2019, a «P… & C…, S.A.» emitiu as seguintes notas de crédito: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (provado pelo documento n.º 5, junto à petição inicial);n) Nas notas de crédito identificadas na alínea anterior, a «P… & C…, S.A.» não liquidou IVA, constando das mesmas a menção «IVA – autoliquidação» (provado pelo documento n.º 5, junto à petição inicial); o) No dia 15-11-2019, a «P… & C…, S.A.» apresentou a declaração periódica de IVA, referente ao período de julho de 2019, no âmbito da qual, nomeadamente, indicou «outras regularizações não abrangidas pelo art.º 78.º e pelo novo regime do art.º 78.º-A e 78.º-D», com uma base de incidência de €1.000.000,00 e IVA regularizado de €230.000,00 (provado pelo documento n.º 6, junto à petição inicial); p) Na sequência da declaração identificada na alínea anterior, a «P… & C…, S.A.», em 20-11-2019, entregou ao Estado a quantia de €165.467,68 (provado pelo documento n.º 6, junto à petição inicial); q) No dia 19-11-2019, a «P… & C…, S.A.» apresentou a declaração periódica de IVA, referente ao período de agosto de 2019, no âmbito da qual, nomeadamente, indicou «outras regularizações não abrangidas pelo art.º 78.º e pelo novo regime do art.º 78.º-A e 78.º-D», com uma base de incidência de €500.000,00 e IVA regularizado de €115.000,00 (provado pelo documento n.º 6, junto à petição inicial); r) Na sequência da declaração identificada na alínea anterior, a «P… & C…, S.A.», em 20-11-2019, entregou ao Estado a quantia de €59.110,29 (provado pelo documento n.º 6, junto à petição inicial); s) No dia 19-11-2019, a «P… & C…, S.A.» apresentou a declaração periódica de IVA, referente ao período de setembro de 2019, no âmbito da qual, nomeadamente, indicou «outras regularizações não abrangidas pelo art.º 78.º e pelo novo regime do art.º 78.º-A e 78.º-D», com uma base de incidência de €300.000,00 e IVA regularizado de €69.000,00 (provado pelo documento n.º 6, junto à petição inicial); t) Em 15-11-2019, a Impugnante apresentou a declaração periódica de IVA, referente ao terceiro trimestre de 2019, de substituição, com o n.º 112268964302, no âmbito da qual não declarou quaisquer valores referentes a operações tributáveis em IVA (provado pelo documento n.º 7, junto à petição inicial); u) No dia 18-11-2019, a Impugnante apresentou, junto do serviço de finanças de Lisboa 10, reclamação graciosa contra a autoliquidação de IVA, melhor identificada na alínea e) do probatório, onde requereu a devolução do «imposto pago em excesso no montante de €414.000,00» (provado pelo documento n.º 8, junto à petição inicial, e a fls. 2 do registo no SITAF n.º 006381105); v) No dia 12-12-2019, foi remetido correio eletrónico, em nome da Impugnante, para o serviço de finanças, onde é solicitado o reembolso da quantia de €414.000,00, por ter sido entregue IVA em excesso relacionado com a aquisição de serviços de construção à «P… & C…, S.A.» (provado pelo documento n.º 14, junto à petição inicial); w) Com referência a 31-12-2019, a Impugnante tinha registado, na conta relativa a IVA autoliquidado #2433313, os seguintes movimentos: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (provado pelo documento n.º 13, junto à petição inicial);x) No dia 15-04-2020, foi remetido correio eletrónico, em nome da Impugnante, para a Direção de Finanças de Lisboa, onde é solicitado o reembolso da quantia de €414.000,00, por ter sido entregue IVA em excesso relacionado com a aquisição de serviços de construção à «P… & C…, S.A.» (provado pelo documento n.º 14, junto à petição inicial); y) No dia 05-05-2020, foi remetido correio eletrónico, em nome da Impugnante, para a Direção de Finanças de Lisboa, onde é solicitado a confirmação do recebimento mensagem identificada na alínea anterior (provado pelo documento n.º 14, junto à petição inicial); z) No dia 07-07-2020, foi remetido correio eletrónico, em nome da Impugnante, para a Direção de Finanças de Lisboa, onde é solicitado o reembolso da quantia de €414.000,00, por ter sido entregue IVA em excesso relacionado com a aquisição de serviços de construção à «P…& C…, S.A.» (provado pelo documento n.º 14, junto à petição inicial); aa) Por ofício de 15-07-2020 da Direção de Finanças de Lisboa, dirigido à Impugnante, a mesma é informada do projeto de decisão de 14-07-2020 do Exmo. Senhor Diretor Adjunto daqueles serviços regionais, no sentido do indeferimento da reclamação graciosa, com os seguintes fundamentos: (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) (IMAGEM, ORIGINAL NOS AUTOS) bb) O ofício identificado na alínea anterior foi remetido, em 17-07-2020, por transmissão eletrónica de dados, para a caixa postal eletrónica da Impugnante no ViaCTT (provado por documento, registado no SITAF com o n.º 006668668);(provado pelo documento n.º 11, junto à petição inicial); cc) Através do ofício de 15-09-2020 da Direção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada da decisão de 14-09-2020 do Exmo. Senhor Diretor Adjunto daqueles serviços regionais, com os seguintes fundamentos: ». B.DE DIREITO O objecto do presente recurso circunscreve-se à parte decisória referente à condenação da Autoridade tributária no pagamento de juros indemnizatórios, que a sentença reconheceu serem devidos à impugnante desde a data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa até à data do processamento da nota de crédito. Na óptica da Recorrente, tais juros indemnizatórios não são devidos desde aquela data, porquanto, só em sede de impugnação judicial é que a impugnante fez prova documental e testemunhal dos factos necessários para se proferir uma decisão de deferimento do pedido de restituição do imposto indevidamente pago, ou, quando se entenda que a prova testemunhal produzida em tribunal não foi decisiva, então tais juros deverão ser reconhecidos desde a data em que ocorreu o indeferimento tácito do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, uma vez que só com o requerimento de recurso hierárquico foram juntos os elementos documentais necessários para a Autoridade tributária proferir uma decisão com pressupostos correctos. Em rigor, pois, o que se questiona no recurso é a data definida pelo Tribunal a quo como termo inicial do direito a juros indemnizatórios. Vejamos. Estabelece o art.º 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária que «São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». De acordo com o disposto no art.º 131.º, n.º1 do CPPT, «Em caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de 2 anos após a apresentação da declaração», determinando o art.º 100.º, n.º1, da citada LGT, que «A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei». Como se deixou consignado no ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 10/06/2021, tirado no proc.º 03009/12.8BELRS, «…a atribuição de uma indemnização ao contribuinte, quando se detecta um vício respeitante à relação jurídica tributária, radica no facto de esse vício implicar a lesão de uma situação jurídica subjectiva, consubstanciada na imposição ao contribuinte da efectivação de uma prestação patrimonial contrária ao direito e decorre da imposição constitucional de o Estado reparar os danos causados pelos seus actos ilegais (cf. art.º 22.º da Constituição da República Portuguesa). Assim, os juros indemnizatórios a favor do contribuinte destinam-se a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida». E como também se consigna no sumário doutrinal mesmo aresto do alto tribunal, «Ainda que a liquidação tenha sido efectuada correctamente de acordo com os elementos de facto declarados pelo contribuinte, se este pediu a anulação da mesma mediante impugnação administrativa com fundamento em erro nos pressupostos de facto e a AT, indevidamente, lha recusa ou não cumpre os prazos de decisão, deve considerar-se que desde esse momento da decisão de indeferimento, efectiva ou presumida, a imputabilidade do erro se transferiu para a AT (passando a constituir um erro dos serviços), a determinar o pagamento por esta ao sujeito passivo de juros indemnizatórios sobre o montante pago». Sobre a matéria em discussão no recurso, a sentença depois de fazer os considerandos doutrinários que entendeu pertinentes, deixou lavrado: «No dia 18-11-2019, a Impugnante apresentou, junto do serviço de finanças de Lisboa 10, reclamação graciosa contra a autoliquidação de IVA, melhor identificada na alínea h) do probatório, onde requereu a devolução do «imposto pago em excesso no montante de €414.000,00» [cf. alínea u) dos factos provados]. E, apenas, através do ofício de 15-09-2020, da Direção de Finanças de Lisboa, a Impugnante foi notificada da decisão de 14-09-2020 do Exmo. Senhor Diretor Adjunto daqueles serviços regionais [cf. alínea cc) dos factos provados]. Atendendo a que o procedimento tributário deve ser concluído no prazo de quatro meses (n.º 1 do art.º 57.º da LGT), conclui-se que, no caso dos autos, o pagamento de juros indemnizatórios será devido pelo período compreendido entre a data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa e a data do processamento da respetiva nota de crédito». A Recorrente não se conforma com a ilicitude por erro dos serviços reportada ao momento em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa na medida em que, alega, o requerimento de reclamação graciosa não foi acompanhado dos elementos de prova documental necessários para se proferir uma decisão com pressupostos correctos sobre o pedido de restituição do imposto indevidamente autoliquidado e pago. Ora, a verdade é que a Recorrente, não obstante o que alega, não concretiza que factos decisivos para se tomar uma decisão favorável à pretensão deduzida em reclamação graciosa não se colhem dos elementos documentais que acompanharam o pedido e apenas resultaram evidenciados com a documentação junta ao requerimento de recurso hierárquico, ou, à petição inicial de impugnação judicial. Salienta-se, a propósito, que os factos a provar pelo reclamante são os estritamente necessários à apreciação do pedido formulado de restituição do imposto indevidamente autoliquidado, e não quaisquer outros necessários à apreciação da regularidade da situação tributária do sujeito passivo no ano a que se reporta o erro na autoliquidação. De qualquer modo, a posição da Recorrente não é sustentável à face da jurisprudência citada do Supremo Tribunal Administrativo, se bem a lemos e da própria doutrina fiscalista que sobre o tema se debruçou. Com efeito, ou a Autoridade tributária proferia decisão instrutória (solicitando os elementos de prova pertinentes) dentro do prazo legal de quatro meses previsto no art.º 57.º, n.º 1 da LGT, a contar de 18/11/2019, data de apresentação da reclamação graciosa, o que obviaria à alteração de imputabilidade do erro do contribuinte para a AT na falta de apresentação dos mesmos elmentos; ou, nada tendo decidido nesse prazo, tal “faz presumir o seu indeferimento para efeitos de recurso hierárquico, recurso contencioso ou impugnação judicial”, como decorre do seu n.º 5 e é a esse momento que se reporta a imputabilidade do erro aos serviços, caso o sujeito passivo venha a obter decisão substantiva favorável sobre a sua pretensão na impugnação administrativa ou judicial, que foi o caso. Como refere Jorge Lopes de Sousa, “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado", 6ª edição, pág. 537, à prática de acto expresso deverá ser equiparado, para efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art.º 57º, nº 5, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido. A sentença não incorreu no apontado erro de julgamento ao definir a data em que ocorreria o indeferimento tácito da reclamação graciosa como o termo inicial do direito a juros indemnizatórios, merecendo ser confirmada. O recurso não merece provimento. No que em particular respeita ao pedido de dispensa total do remanescente da taxa de justiça devida no processo, cumpre referir que, nos termos do n.º 1 do art.º 616.º do CPC, «A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3», dispondo este n.º 3 que «Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no n.º 1 é feito na alegação». A existência de uma disposição a admitir, em processo civil, subsidiariamente aplicável ao processo tributário, a reforma da sentença quanto a custas e multa nas alegações, confere oportunidade à correcção da sentença no segmento das custas em sede recursiva (cf. art.º 617/5 1.ª parte, do CPC). Isso assente, a norma constante do n.º 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais dá ao juiz a possibilidade de dispensar, no todo ou em parte, o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final quando o valor da causa exceda o valor de € 275.000, desde que tal dispensa se justifique em função da complexidade da causa, da sua utilidade económica e da conduta processual das partes, sob a ponderação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade. E a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça poderá ser aplicada oficiosamente ou a requerimento da parte interessada. Ponderados os elementos atendíveis, nomeadamente que o valor da causa é de EUR.414.000,00, mas também considerando que as questões processuais já estavam no essencial tratadas na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de que também se socorreu a sentença recorrida, entende-se ajustado e proporcional conceder às partes dispensa total do remanescente de taxa de justiça devida no processo, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º7, do Regulamento das Custas Processuais, ao que se provirá na parte dispositiva do acórdão. IV. DECISÃO Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em: i. Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. ii. Deferir o pedido de dispensa total do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida no processo, que aproveita a ambas as partes. Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 24 de Janeiro de 2024 _______________________________ Vital Lopes ________________________________ Ana Cristina de Carvalho ________________________________ Jorge Cortês |