Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:88/21.0 BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
PRONÚNCIA INDEVIDA
RECURSO DE REVISÃO
ERRO DE JULGAMENTO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Sumário:I- Os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reação da decisão dos Tribunais arbitrais para os Tribunais Centrais, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artigo 27.º do RJAT, com os fundamentos previstos no artigo 28.º, n.º 1, do mesmo diploma.
II- O erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. A propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma.
III- Se o Tribunal Arbitral se reconstitui para apreciar um pedido de revisão com fundamento em oposição da decisão arbitral revidenda já transitada com jurisprudência do TJUE, mas decide que o pedido não apresenta fundamento válido de revisão, tal consubstancia eventual erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, donde radicada no mérito e, portanto, cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição.
Votação:COM VOTO DE VENCIDO
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO


I-RELATÓRIO

O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Impugnante), deduziu impugnação ao abrigo dos artigos 27.º, e 28.º, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributável (“RJAT”), dirigida a este Tribunal visando decisão proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo no âmbito do processo 236/2020-T, que indeferiu o requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA).

A Impugnante formula as seguintes conclusões:

“A. A decisão que indeferiu o Recurso de Revisão apresentado pela agora Impugnante é nula por configurar uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial, e por assentar numa interpretação inconstitucional dos normativos aplicáveis.

B. E, nessa medida, é impugnável, nos termos do disposto na primeira parte da alínea c) do artigo 28.º do RJAT, por pronúncia indevida.

C. Está jurisprudencialmente assente que a questão da incompetência dos tribunais arbitrais integra-se no conceito de “pronúncia indevida”, enquanto fundamento para a dedução de Impugnação de Decisão Arbitral, a título meramente exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do TCAS, proferido em 03/12/2020 no âmbito P. 123/19.2BCLSB, e 177/2016 do TC, proferido em 29/03/2016.

D. Pelo que o conceito de “pronúncia indevida” previsto no artigo 28.º/1-c), 1.ª parte, do RJAT, abrange os casos em que, por via da impugnação, se pretende a sindicância de questões referentes à competência do tribunal arbitral constituído sob a égide do CAAD.

E. As questões referentes à competência tanto podem dizer respeito aos casos em que o tribunal arbitral não podia sequer decidir, por vício na sua constituição; conheceu de questões que não podia conhecer; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu a sua competência; conheceu de questões que podia conhecer, mas excedeu o prazo para as conhecer; ou, como interessa para os presentes autos e para esta impugnação, os casos em que o tribunal arbitral não se considera ele próprio competente para apreciar a questão.

F. A decisão ora em crise, de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão.

G. A decisão ora colocada em crise consubstancia uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete, com o culminar de uma decisão de natureza exclusivamente processual pela qual o Tribunal Arbitral se coloca, ilegalmente, à margem do sistema jurídico, enveredando, para tanto, numa “pronúncia indevida”.

H. Consubstanciando a sua posição no facto de, alegadamente, o TJUE não ser uma “instância internacional de recurso” para efeitos da legislação processual portuguesa, de o acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo 0360/13, não ser aplicável ao caso vertente, e, por fim, por nos processos de Reenvio Prejudicial, o TJUE não funcionar enquanto instância de recurso, mas sob as vestes de colaboração de juízes.

I. Porém, e salvo o devido respeito, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder.

J. O primeiro, e como se deixou bem expresso na presente Impugnação, não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, o “(…) TJUE é uma instância internacional vinculativa para o Estado português”, pois ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

L. É, precisamente, neste sentido que deve ser interpretado o conceito de “instância internacional de recurso”, e não na dimensão redutora empregue pelo Tribunal Arbitral.

M. Também não colhe o argumento segundo o qual o acórdão do STA, invocado pela Impugnante, não é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial.

N. Em primeiro lugar porque o Tribunal Arbitral não logrou fundamentar as motivações que subjazem a tal conclusão.

O. Seja como for, certo é que, estando em causa a interpretação de normas comunitárias (como é o caso do IVA), obviamente que nem a espécie processual, nem o autor da ação poderiam (e poderão), por si só, constituir fatores determinantes para o acesso, ou não, ao instituto do Recurso de Revisão.

P. Não se vislumbra uma razão objetiva e válida que justifique uma diferença de tratamento recursório entre uma ação por incumprimento e um Reenvio Prejudicial para efeitos do acionamento do artigo 696.º-f) do CPC.

Q. Antes pelo contrário, a doutrina produzida sobre esta matéria não tem dúvidas quanto à aplicação do artigo 696.º-f) do CPC, independentemente de a decisão do TJUE ser o culminar de uma ação por incumprimento ou de um Reenvio Prejudicial.

R. Também a jurisprudência está alinhada com a posição doutrinal, conforme decidido pelo TCA Norte, em 03/12/2020, no âmbito do P. 00036/11.6BEPNF-A.

S. Quanto à afirmação de que o TJUE apenas funciona sob as vestes de colaboração de juízes, e tomando por base tudo o que se disse anteriormente, naturalmente também este argumento não tem sustentação.

T. Não existem dúvidas que a União Europeia não constitui uma federação e tão-pouco possui um tribunal federal, assim como não possui um sistema de tribunais próprios, com vista à aplicação exclusiva do seu direito.

U. E que na ausência de tal sistema, a arquitetura jurisdicional da União Europeia assenta nos tribunais nacionais existentes nos Estados-Membros.

V. Entre o TJUE e os tribunais nacionais existe uma relação de cooperação horizontal, o que, como se viu, não invalida que o TJUE seja instância internacional vinculativa para o Estado Português, designadamente nas situações de Reenvio Prejudicial, ou seja, quando perante um órgão jurisdicional nacional foi suscitada uma questão de interpretação nova e que tenha um interesse geral para a aplicação uniforme do Direito da União Europeia, como, aliás, já se pronunciou o TC no Acórdão n.º 422/2020, de 15/07/2020.

X. Assim, é evidente que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia.

Y. O que se traduz na circunstância de os tribunais nacionais, incluindo os constituídos sob a égide do CAAD, ficarem vinculados à interpretação decidida pelo TJUE, não só nos respetivos reenvios prejudiciais, mas também nas situações em que estão reunidos os pressupostos de que depende o recurso extraordinário de Revisão, como in casu, pois o que aqui está em causa não é mais do que a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia e a garantia do primado do direito europeu.

Z. Razão pela qual se entende que o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial.

AA. Acresce ainda referir que o artigo 696.º-f) do CPC, em articulação com o artigo 293.º/1 do CPPT e o artigo 29.º/1-e) do RJAT, é inconstitucional, na interpretação normativa de que o TJUE não constitui uma “instância internacional de recurso”, designadamente nas situações em que profere um acórdão em resultado de um Reenvio Prejudicial, por violação dos artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 e da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

BB. A forma como o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou as citadas normas é, desde logo, atentatória do dever de observância do Direito Europeu (artigo 8.º/4 da CRP) e, nessa medida, inconstitucional (artigo 204.º da CRP), uma vez que, tal como tem sido reiteradamente referido pela jurisprudência nacional e é corolário do Reenvio Prejudicial (previsto no artigo 267.º do TFUE), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os tribunais nacionais, quando tem por objeto questões conexas com o Direito da União Europeia.

CC. E colocou em causa a uniformidade na interpretação e aplicação do direito da União Europeia, a par da garantia do primado do Direito Europeu.

DD. A interpretação e aplicação efetuadas pelo Tribunal Arbitral viola os princípios da legalidade e da tutela jurisdicional efetiva, pois negou à Impugnante o exercício de meios de reação legais expressamente consignados na lei e cujos pressupostos estão reunidos.

EE. E dessa forma está a colocar-se à margem de normas de Direito Europeu e à jurisdição comunitária, pese embora saiba que o nosso sistema jurídico está obrigado a acolhê-las, olvidando, por completo, o papel que cabe a todos os órgãos jurisdicionais de zelarem e aplicarem o Direito da União Europeia, de que o IVA é clássico exemplo.

FF. Por todo o exposto conclui-se que a decisão que rejeitou o Recurso de Revisão é nula, devendo ser substituída por decisão que admita o Recurso e analise os fundamentos ali aduzidos.

GG. Aqui chegados e, tendo em conta que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia e, bem assim, que as decisões prejudiciais têm efeito «EX-TUNC» (e não «EX-NUNC»), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico, entende a Impugnante que um interpretação conjugada dos artigos 696.º-f) do Código de Processo Civil, 293.º/1 do Código de Procedimento e Processo Tributário e 29.º/1-e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que resulte na não admissão de recurso de revisão, com base no entendimento de que o Tribunal de Justiça da União Europeia não é uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, viola os artigos 8.º/4, 204.º, 3.º e 20.º/1 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que é contrária ao Primado do Direito da União e ao Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, sendo assim inconstitucional, inconstitucionalidade essa que desde já se argui para todos os efeitos legais.

Termos em que, por todo o exposto supra e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deve a presente Impugnação ser julgada procedente e, consequentemente, ser declarada nula a decisão arbitral, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”


***

A Entidade Impugnada, devidamente notificada, apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

“PRIMEIRA- A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida no processo n.º 236/2020-T, com fundamento no disposto no artigo 696.º, alínea f) do CPC (aplicável ex vi artigo 293.º, n.º 1 do CPPT), alegando que a referida decisão arbitral era «inconciliável» com o acórdão do TJUE proferido em 4 de março de 2021, processo C-581/19, em sede de reenvio prejudicial. No entanto, o tribunal arbitral a quo indeferiu o requerimento de recurso em questão, concluindo pela manifesta falta de fundamento legal para a sua interposição.

SEGUNDA-A Impugnante sustenta que a decisão arbitral que indeferiu o requerimento de recurso de revisão padece de um vício de pronúncia indevida, na aceção do artigo 28.º, n.º 1, alínea c), 1ª parte do RJAT, argumentando que «[a] decisão ora colocada em crise consubstancia uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete, com o culminar de uma decisão de natureza exclusivamente processual pela qual o Tribunal Arbitral se coloca, ilegalmente, à margem do sistema jurídico, enveredando, para tanto, numa “pronúncia indevida».

TERCEIRA-O tribunal arbitral a quo não incorreu, na decisão arbitral em crise, no referido vício de pronúncia indevida, carecendo, por isso, a presente impugnação, de qualquer fundamento legal.

QUARTA-O vício de pronúncia indevida, previsto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), 1ª parte do RJAT, tem por referência situações em que o tribunal arbitral tributário foi além dos poderes de cognição que lhe estão legalmente cometidos, considerando, quer o objeto do processo arbitral sub judice, quer a competência material dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD.

QUINTA-Ora, ao contrário do que pretende a Impugnante, o indeferimento do requerimento de recurso de revisão, no caso vertente, não teve que ver com a questão da competência do tribunal arbitral tributário para conhecer desse mesmo recurso. Teve que ver – isso sim –, com o problema da admissibilidade legal do recurso em questão, à luz das conclusões formuladas, nessa sede, pela aqui Impugnante. E, de acordo com o entendimento do tribunal arbitral a quo, o recurso interposto pela Impugnante não cumpria os requisitos exigidos pelo artigo 696.º, alínea f) do CPC (fundamento de recurso invocado), sendo, por isso, legalmente inadmissível.

SEXTA-Na verdade, a Impugnante, ao invocar o vício de «pronúncia indevida», pretende fazê-lo equivaler a uma «pronúncia que não satisfaz os seus interesses». Isto resulta evidente dos artigos 21.º a 64.º da petição de impugnação, onde a Impugnante, convocando os argumentos vertidos pelo tribunal arbitral a quo na sua decisão, procura demonstrar o erro de julgamento em que incorreu aquele tribunal. Sucede que, em conformidade com jurisprudência pacífica deste Tribunal Central Administrativo, a impugnação prevista nos artigos 27.º e 28.º do RJAT não é o meio processual adequado a esse fim.

SÉTIMA-A impugnação apresentada consubstancia um expediente manifestamente dilatório, que visa criar entraves ao cumprimento da decisão arbitral proferida no processo n.º 236/2020-T, já transitada em julgado, e que a Autoridade Tributária e Aduaneira vem, reiteradamente, persistindo em não cumprir. Com efeito, a Impugnante recorreu a esta via impugnatória invocando um fundamento formal de impugnação de decisão arbitral (o vício de pronúncia indevida previsto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), 1ª parte do RJAT) que não tem qualquer adesão ao fundamento material vertido nas suas alegações (isto é, discordância com a inadmissibilidade do recurso de revisão decidida).

OITAVA-A conduta processual da Impugnante, censurável, no mínimo, a título de negligência grosseira, afasta-se inequivocamente do padrão de comportamento adotado em situações idênticas. De facto, desconhece-se por completo qualquer decisão deste Tribunal Central Administrativo Sul na qual a ATA – ou qualquer outro sujeito processual – tenha invocado, como fundamento de impugnação de decisão arbitral, o vício de pronúncia indevida nos termos em que a Impugnante aqui o faz, i.e., construindo uma (por si apelidada) «dimensão negativa» do referido vício de pronúncia indevida, que não tem o mínimo de correspondência com a letra e a ratio do fundamento de impugnação previsto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), 1ª parte do RJAT.

Termos em que deve a presente impugnação de decisão arbitral ser julgada integralmente improcedente, por carecer, em absoluto, de fundamento legal, condenando-se a Impugnante em litigância de má-fé e no pagamento de todas as custas processuais devidas nos termos legais.”


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O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

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Colhidos os vistos dos Senhores Juízes-Desembargadores Adjuntos, vêm os autos à conferência para decisão.

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II. Fundamentação de Facto

A decisão arbitral impugnada possui o seguinte teor:
“1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de revisão da decisão arbitral proferida, em 1 de março de 2021, no processo supra identificado, ao abrigo do disposto no artigo 696.°, alínea f), do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 293.°, n.° 1, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
2. A decisão arbitral, objeto do presente recurso, tem o seguinte teor:
a) Indeferir o requerimento da Autoridade Tributária e Aduaneira para a suspensão da instância fundada em pedido de reenvio prejudicial pendente no TJUE;
b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os atos de liquidação adicional de IVA com os n.°s 2020 ……..4, 2020 ……..7, 2020 ………..50, 2020 ……….7, 2020…………..3, 2020 ………..2, 2020
………6, 2020 ………..9, 2020 ………….5, 2020 ………..5, 2020 ………..0 e os respetivos de juros compensatórios com os n. °s 2020 ………….4, 2020 ………….7, 2020 ……….50, 2020 ……..7, 2020 ………..3, 2020 ………..2, 2020 ……….6, 2020 ………..9, 2020 …………..5;
c) Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios;
d) Condenar a Requerida nas custas do processo no montante abaixo indicado (vd., VII infra.).
3. No recurso apresentado a Autoridade Tributária e Aduaneira alega a incompatibilidade da referida decisão arbitral com o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) proferido, em 4 de março de 2021, no Processo n.° C-581/19 (caso Frenetikexito) no âmbito do reenvio prejudicial suscitado no Processo n.° 504/2018-T do CAAD.
4. O pedido de decisão prejudicial deu entrada no TJUE, em 31 de julho de 2019, tendo por objeto a interpretação do artigo 2.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 132.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (JO 2006, L 347, p 1). No acórdão, identificado no n.° anterior, o TJUE declara:
“A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem-estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132. °, n. ° 1, línea c), desta diretiva. ”
5. Nas alegações do recurso a Autoridade Tributária e Aduaneira formula as conclusões seguintes:
“l.a Por via do presente recurso pretende a Recorrente reagir contra a decisão arbitral proferida a 08/03/2021 por este Tribunal Arbitral, a qual julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Recorrida;
1. “ Tal decisão arbitral mostra-se inconciliável com a recente decisão definitiva, sobre a mesma matéria, proferida pelo TJUE, a 2021-03-04, no âmbito do processo n. ° C- 581/19, ao qual está vinculado o Estado Português;
2. Apesar de não constar expressamente do RJAT, as decisões arbitrais são, à luz da lei, suscetíveis de recurso de Revisão em face da natureza do caso omisso, aplicando- se o regime previsto no artigo 293. ° do CPPT ex vi do artigo 29.71-a) do RJAT, conforme, aliás, propende a generalidade da doutrina produzida sobre esta matéria;
3. À luz dos artigos 293.º do CPPT e 697.º do CPC, o Tribunal Arbitral que proferiu a decisão arbitral a rever é a entidade competente para apreciar o presente recurso;
4. A decisão arbitral sub judice foi proferida a 08/03/2021, e ainda não se encontra transitada em julgado à data da interposição do presente recurso;
5. No entanto, interpretar os artigos 293.º do CPPT, 697.º do CPC e 25. °do RJAT, no sentido de não se admitir o presente Recurso, porquanto a Decisão recorrida não se encontra transitada em julgado, quando não é possível interpor recurso ordinário daquela, pela sua contradição com o decidido no Acórdão do TJUE que a antecedeu,
2.
sempre se mostraria inconstitucional por violação do Princípio da Tutela Jurisdicional Efectiva, o que, a se considerar assim, desde já se argui;
6. a O recurso mostra-se tempestivo, dado que não foi ultrapassado o prazo de 30 dias contados da notificação do acórdão do TJUE;
7. “Dentro do conjunto de fundamentos previstos no artigo 696. ° do CPC, encontra-se a possibilidade de interposição de recurso contra a decisão transitada em julgado de Revisão quando ela «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português»;
8. O TJUE subsume-se no conceito de «instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português», nos termos e para os efeitos do citado artigo 696.° do CPC, dado que não só as suas decisões são vinculativas para os juízes nacionais que procedem ao reenvio, como ainda a interpretação por ele efetuada no âmbito da sua competência prejudicial tem efeito ex tunc, com a consequência de os seus efeitos remontarem à data da entrada em vigor da norma interpretada, sendo certo que o próprio ST A já dissipou qualquer dúvida que pudesse existir sobre a subsunção aqui em causa;
9. O Tribunal Arbitral não interpretou corretamente a lei substantiva aplicável ao caso vertente e a prova disso mesmo reside no facto de o TJUE, confrontado com processo idêntico ao dos presentes autos, ter decidido em direção oposta à inicialmente propugnada pelo Tribunal Arbitral;
10. Nos autos que motivam o presente Recurso, foram sindicadas liquidações adicionais de IVA, resultantes do entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), aqui Recorrente, de que os serviços de nutrição ali em apreço não beneficiam da isenção prevista na alínea 1) do art.° 9.° do Cl VA, aplicada pela Requerente arbitral aquando da facturação desses serviços;
11. A Recorrente requereu naqueles autos, que se aguardasse pela pronúncia do
Tribunal de Justiça da União Europeia (adiante simplesmente designado por TJUE), sobre a matéria em apreço, porforma a debelar quaisquer duvidas interpretativas que pudessem existir e a assegurar uma aplicação uniforme do Direito da União Europeia (UE);
12. O Tribunal decidiu não ser de aguardar pela pronúncia do TJUE, indeferindo assim o requerido pela ora Recorrente e proferindo o Acórdão aqui recorrido;
13. No âmbito do Processo 504/2018-T CAAD, no qual se sindica questão de direito exatamente igual à dos presentes autos, foi promovido o reenvio ao TJUE, o qual, admitindo o reenvio, se pronunciou no Acórdão proferido no Processo de reenvio C- 581/19 (cuja cópia certificada foi enviada àqueles autos);
14. “O referido Acórdão, resolvendo questão de direito exactamente igual à dos autos objecto do presente Recurso, concluiu de forma perentória (e diversamente da decisão arbitral sub judice) que em serviços, como os em apreço nos autos, não é aplicável a referida isenção;
15. Efetivamente, conclui o Acórdão que “No âmbito de uma inspeção, a Autoridade Tributária e Aduaneira constatou que, em relação aos exercícios fiscais relativos aos anos de 2014 e 2015, os clientes da recorrente no processo principal tinham pagado o serviço de acompanhamento nutricional ainda que dele não tivessem usufruído. Concluiu, portanto, que a prestação desse serviço revestia um caráter acessório em relação à prestação do serviço de manutenção e bem-estar físico. Consequentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira decidiu aplicar-lhe o tratamento fiscal da prestação principal e proceder a uma liquidação oficiosa de IVA e correspondentes juros compensatórios, no montante global de 13 253,05 euros.
16. “ Donde resulta, inequivocamente, que o motivo das liquidações adicionais promovidas naqueles autos e nos do presente Recurso, é o mesmo, estando em causa as mesmas prestações de serviços e aplicação da mesma isenção (consequentemente, das mesmas normas do direito da UE e do Código do IVA);
17. De igual forma nos autos objecto do presente recurso, “A recorrente no processo principal propunha diferentes planos nas suas instalações. Alguns planos incluíam unicamente serviços de manutenção e bem-estar físico, enquanto outros incluíam, além disso, um acompanhamento nutricional. Cada cliente podia escolher o plano pretendido e utilizar, ou não, todos os serviços colocados à sua disposição no âmbito do plano escolhido. Assim, o serviço de acompanhamento nutricional, quando subscrito pelo cliente, era cobrado, independentemente de o cliente usufruir do mesmo e independentemente do número de consultas efetuadas por aquele. ”;
18. Da factualidade posta à consideração do TJUE, como bem se observa no Acórdão, os serviços em apreço foram prestados por nutricionista habilitada e certificada e o estabelecimento estava registado na Entidade Reguladora da Saúde;
19. As questões submetidas à consideração do TJUE foram as seguintes:
1) Nas hipóteses em que, como sucede nos autos, uma sociedade;
a) se dedica, a título principal, a atividades de manutenção e bem-estar físico e, a título secundário, a atividades de saúde humana, entre elas nutrição, consultas de nutrição e de avaliação física, bem como realização de massagens;
b) disponibiliza aos seus clientes planos que incluem apenas serviços de fitness e planos que incluem serviços de fitness e nutrição, deverá, para efeito do disposto no artigo 2. °, n. ° 1, [alínea] c), da Diretiva [2006/112], considerar-se que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, é acessória da atividade de manutenção e bem-estar físico, devendo, assim, ter a prestação acessória o mesmo tratamento fiscal da prestação principal ou deverá considerar-se, ao invés, que a atividade de saúde humana, designadamente nutrição, e a atividade de manutenção e bem-estar físico são independentes e autónomas entre si, devendo ser-lhes aplicável o tratamento fiscal previsto para cada uma dessas atividades?
2) A aplicação da isenção prevista no artigo 132°, n.° 1, [alínea] c), da Diretiva [2006/112] pressupõe que os serviços aí consignados sejam efetivamente prestados ou a mera disponibilização dos mesmos, de forma a que a sua utilização esteja unicamente dependente da vontade do cliente, é suficiente para aplicação desta isenção? (nossos destaques);
20. Relativamente à segunda questão colocada, afirma-se no ponto 34.° do Acórdão do TJUE que “não há que responder à segunda questão. ”
21. Já relativamente à primeira questão, o TJUE conclui que, em princípio e, sem prejuízo de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, as duas prestações - os serviços de manutenção e bem estar físico, por um lado, e de acompanhamento nutricional, por outro - devem ser consideradas distintas e independentes entre si, entendendo por verificada a finalidade autónoma da prestação de acompanhamento dietético do ponto de vista do consumidor médio e, que o peso do valor da nutrição no total dos serviços (cerca de 40%), não poderia de todo ser considerada marginal;
22. Por via de regra, a adopção pelo TJUE da fórmula “o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar’’ resulta da natureza do próprio instituto do reenvio prejudicial, no âmbito do qual, por um lado, incumbe ao TJUE a interpretação do direito da UE que lhe é submetida e, por outro lado, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais decidirem as causas que são chamados a julgar, levando em conta as respostas do TJUE-cf acórdão de 15 de Novembro de 2007 (C162/06, International MailSpain, ECLI.EU.C:2007:681, n.°24);
23. Todavia, não há margem para dúvida de que, no exercício da sua função, cabe ao TJUE fornecer indicações baseadas nos autos do processo principal e nas observações escritas e orais que lhe foram apresentadas, de modo a permitir ao órgão jurisdicional nacional decidir o litígio concreto que se lhe encontra submetido - cf, por exemplo, os acórdãos de 11 de Dezembro de 2007 (International Transport Workers’Federation etFinnishSeamen’s Union, C438/05, Colect.p. 110779, n.°85), de 13 de Abril de 2010 (Bressol e o., C 73/08, Colect. p. 1-2735, n. ° 65), de 14 de Julho de 2011 (C 464/10, Henfling e o., Colect.p. 1-6219, n.°41), de 28 de Abril de 2016 (C- 233/15, Oniors Bio, ECLI:EU:C:2016:305, n.° 30), de 1 de Fevereiro de 2017 (C- 144/16, Município de Palmeia, ECLI:EU:C:2017:76, n.°20) e de 26 de Outubro de 2017 (C 407/16, AquaPro, ECLI:EU:C:2017:817, n.°26);
24. Pelo que, os esclarecimentos ora aportados pelo TJUE e descendo ao caso concreto, que da verificação a efectuar pelo Tribunal recorrido, se devem dar por verificados os requisitos para a aplicação da 2ª excepção (referidas nos pontos 40 a 42 do Acórdão) e se concluirá que estamos perante prestações de serviços únicas, cuja decomposição reveste um carácter artificial, nas quais o ginásio é a prestação principal e a nutrição, pelos motivos referidos, é acessória daquela;
25. De todo o modo, o TJUE acabou por concluir que “A Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, deve ser interpretada no sentido de que, sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, um serviço de acompanhamento nutricional prestado por um profissional certificado e habilitado em instituições desportivas, e eventualmente no âmbito de planos que incluem igualmente serviços de manutenção e bem estar físico, constitui uma prestação de serviços distinta e independente e não é suscetível de ser abrangida pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva. ” (nossos destaques);
26. “Isto porque, entendeu o Tribunal que Antes de mais, há que observar que o órgão jurisdicional de reenvio, ao colocar as suas questões, parece ter partido da premissa de que um dos tipos de serviços prestados no processo principal, a saber, o serviço de acompanhamento nutricional, era suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação da isenção prevista no artigo 132. °, n. ° 1, alínea c), da Diretiva 2006/112. Importa, portanto, a título preliminar, verificar a exatidão desta premissa, defendida pela recorrente no processo principal, mas contestada pelo Governo português e atenuada pela Comissão Europeia, (nossos destaques)
27. “ Com o devido respeito, entende a Recorrente que na decisão arbitral aqui recorrida também o Tribunal partiu da premissa apontada pelo TJUE ao órgão de reenvio;
28. “ A interpretação que, no exercício da competência que lhe é conferida pelo artigo 267. ° do TFUE, o TJUE dá a uma norma de direito da União Europeia (UE) esclarece e precisa o significado e o alcance dessa norma, tal como deve ser entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor - cfi, por exemplo, os acórdãos de 27 de Março de 1980, (61/79, Denkavit Italiana, Recueilp. 1205, n.° 16), de 16 de Fevereiro de 2000, (C 50/96, Deutsche Telekom, Colect. p. I 743, n.° 43), de 13 de Janeiro de 2004 (C 453, Kiihne & Heitz, Colect. p. 1837, n. °21) e de 12 de Fevereiro de 2008 (C 2/06, Kempter, Colect. p. 1411, n. ° 35);
29. “E a aplicação do Direito da União Europeia deve mostrar-se uniforme, a este respeito, atente-se o constante do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 1412-2017, no processo 2872/15.5T8PNF.P1 e disponível para consulta em dgsi.pt;
30. “ A não revisão do Acórdão, atento o afirmado pelo TJUE, significaria para além de tudo mais, uma violação do Princípio da Neutralidade (princípio basilar do imposto), na medida em que os Processos como o em apreço, em que não se aguardou pela pronúncia do TJUE, permitiriam aos respectivos Requerentes arbitrals usufruir de uma isenção da qual, os Requerentes nos processos que estão pendentes de decisão e que foram suspensos com vista a aguardar a pronúncia do TJUE, não beneficiarão, com as consequentes desigualdades económicas que a aplicação do IVA determinaria nos vários operadores económicos do sector;
31. “Para além da Inconstitucionalidade resultante do desrespeito do n.° 4 do art. ° 8. ° da CRP, na medida em que o entendimento ora propagado pelo TJUE relativamente à aplicabilidade da isenção num caso com contornos exactamente iguais às do Acórdão aqui recorrido e em sentido oposto ao deste, tem efeito «EX-TUNC» (e não «EX-NUNC»), pelo que a interpretação veiculada é obrigatoriamente aplicável com efeitos retroativos, isto é, desde que a(s) normas(s) interpretada(s) vigora(m) no ordenamento jurídico. (Só assim não é nos casos em que o TJUE, de forma expressa e com um caráter absolutamente excecional, permite vir a limitar no tempo os efeitos do acórdão - o que quase nunca sucede, e não sucedeu no presente caso.);
32. Assim, um acórdão prejudicial não tem valor constitutivo, mas puramente declarativo, com a consequência de que os seus efeitos remontam à data da entrada em vigor da norma interpretada - cf, nomeadamente, acórdãos de 19 de Outubro de 1995, Richardson (C 137/94, Colect., p. I 3407, n.° 33); de 6 de Março de 2007, Meilicke e o. (C292/04, Colect., p. 11835, n.° 34 ejurisprudência citada); eKempter, já referido (n. ° 35);
33.Relativamente à aplicabilidade da isenção aqui em causa, esclarece e conclui o TJUE que, ainda que os serviços de nutrição possam promover a saúde em geral e que possam, de forma indirecta, prevenir patologias, para efeitos da aplicação da isenção, tal não se considera um fim terapêutico e, como tal, obsta à aplicação da isenção;
34. a Mesmo que prestados por profissionais habilitados e certificados, em estabelecimentos registados na Entidade Reguladora da Saúde;
35. a Na interpretação que o TJUE faz da Directiva, o fim terapêutico, apenas se verifica quando o serviço seja prestado para fins de prevenção, diagnóstico, ou tratamento de uma doença e regeneração da saúde;
36. “ Afirmando explicitamente que, na falta de indicação de que o serviço é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, não se verifica a finalidade terapêutica, cuja verificação é imperativa para a aplicação da isenção;
37. Na situação concreta não consta dos factos provados, que cada serviço em questão tenha tido como destinatários, clientes que tivessem como fim, prevenir e/ou tratar alguma doença;
38. “Sendo que, a este respeito o TJUE afirma, explicitamente, que a verificação de tal fim é imperativa para a aplicação da isenção ao serviço;
39. “ E, para que o Tribunal arbitral nos presentes autos pudesse ter dado por verificado esse fim, sempre teria de previamente o ter indicado a Requerente arbitral, isto é, teria de o ter alegado, desde logo, e depois comprovado, sendo que não fez nenhuma das duas coisas;
40. Na decisão arbitral ora recorrida, o Tribunal partiu do mesmo pressuposto que o Tribunal que procedeu ao reenvio da questão para o TJUE e, esse pressuposto veio mostrar-se errado;
41. O Tribunal arbitral, possivelmente seguindo o entendimento vertido no parecer da Exma. Sra. Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, prestado a solicitação da AG AP, considerou apenas necessário proceder à verificação da finalidade terapêutica da nutrição de um modo geral, como requisito bastante para a aplicação da isenção;
42. Segundo o referido Parecer, a promoção da saúde em geral, deve permitir a aplicação da isenção, mas o TJUE foi perentório a discordar;
43. Pois o TJUE conclui que, se não estivermos perante um fim que seja de diagnóstico, tratamento e na medida da possível cura de uma doença, não se tem por verificada a finalidade terapêutica para efeitos de aplicação da isenção, devendo estar-se perante uma doença em concreto (ainda que potencial ou actual), que se visa prevenir, diagnosticar, tratar e na medida do possível curar;
44. Na decisão arbitral ora recorrida, tal como no referido Parecer e no PA apresentado pela Requerente arbitral, sendo os serviços prestados por profissionais de saúde habilitados e, promovendo os serviços de nutrição a saúde em geral, estariam verificados os requisitos para a aplicação da isenção;
45. “ Mas, o TJUE foi explícito ao afirmar que se assim fosse então todos os serviços prestados por esses profissionais habilitados, no caso, os nutricionistas, estariam abrangidos pela isenção, quando segundo o próprio TJUE, esses serviços não têm, ou não têm necessariamente, fins terapêuticos na acepção da Jurisprudência do TJUE relativamente à aplicação da isenção;
46. “ Donde para se ter por verificada a aplicabilidade da isenção, seria necessário algo mais, que não ficou dado como provado nos presentes autos, até porque não foi sequer alegado;
47. “ Sendo certo que a alegação e a prova têm de ser feitas em concreto para cada prestação de serviços;
48. “ Pelo que, tendo em conta que o TJUE afirmou: na falta de indicação de que é prestado para fins de prevenção, diagnóstico, tratamento de uma doença e regeneração da saúde, e, portanto, com uma finalidade terapêutica na aceção da jurisprudência referida nos n.os 24 e 26 do presente acórdão, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, um serviço de acompanhamento nutricional, como o prestado no processo principal, não preenche o critério da atividade de interesse geral comum a todas as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva 2006/112 e, por conseguinte, não é abrangido pela isenção prevista no artigo 132.°, n.° 1, alínea c), desta diretiva, de modo que está, em princípio, sujeito a IVA;
49. Aquele algo mais, é, salvo melhor opinião, a indicação das doenças que os destinatários visaram concretamente prevenir, tratar e na medida do possível curar;
50. De resto, sendo essa a exigência do Direito da União Europeia, igualmente era esse também o ónus da Requerente arbitral, a quem incumbia em primeiro lugar ter alegado a existência das condições para a aplicação da isenção - o que não fez - e em seguida provar, o que também não fez;
51. Face a todo o exposto, importa pois concluir que a decisão arbitral recorrida proferida nos autos à margem identificados, atento o acórdão do TJUE proferido no processo n.° C-581/19, aplicou erradamente o Direito da União Europeia, motivo pelo qual a decisão arbitral deve ser revista e substituída por outra que se mostre conforme ao acórdão proferido pelo TJUE. “
6. Nos termos do disposto no n.° 1 do artigo 699.° do CPC cabe proferir decisão liminar sobre a admissibilidade do recurso, previamente ao processamento do mesmo. Efetivamente, a citada norma estabelece que “o tribunal a que for dirigido o requerimento indefere-o quando não tenha sido instruído nos termos do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão”.
De acordo com o disposto no n.° 2 do mesmo artigo a notificação pessoal do recorrido para responder, no prazo de 20 dias, ocorre apenas quando o recurso seja admitido.
Atendendo ao exposto, cumpre proferir decisão sobre a admissibilidade do recurso.
7. O fundamento legal para a apresentação do presente recurso é, de acordo com o recorrente , a alínea f) do artigo 696.° do CPC. A referida norma estabelece que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando “seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português”.
8. Relativamente à verificação do fundamento previsto na alínea f) do artigo 696.° do CPC, este Tribunal Arbitral subscreve a posição expressa no acórdão do Tribunal Arbitral Coletivo, de 22 de abril de 2021, proferido no processo n.° 544/2019-T, nos seguintes termos:
“(...) o TJUE, intervindo em sede de reenvio prejudicial, não pode ser entendido como uma instância internacional de recurso para efeito da legislação processual portuguesa, constituindo antes um mecanismo de cooperação entre os órgãos
jurisdicionais nacionais e europeus para garantir a uniformidade dos efeitos jurídicos das normas de direito europeu (vd., LUÍSA LOURENÇO, “O reenvio prejudicial para o TJTJE e os pareceres consultivos do tribunal EFTA ”, in Revista Julgar n. ° 35, página 189). A '
Mesmo o Tribunal de Justiça tem entendido que o artigo 234. ° CE (actual artigo 267. ° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) (TFUE) não constitui uma via de recurso para as partes num litígio pendente num tribunal nacional e que não basta, portanto, que uma das partes alegue que o litígio suscita uma questão de validade do direito comunitário para que o tribunal em questão seja obrigado a considerar que se suscita uma questão nos termos do artigo 234. °(acórdão do TJUE de 10-01-2006,processo n.°C-344/04,parágrafo 28).
Basta considerar que o reenvio prejudicial não pode ser solicitado pelas partes, mas apenas invocado pelo tribunal nacional em caso de dúvida sobre a interpretação do direito europeu, e a interpretação que venha a ser formulada pelo TJUE é sempre feita sob reserva de uma verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto à factualidade aplicável ao caso, pelo que é sempre o tribunal nacional que decide o litígio.
Com efeito, o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça na sequência da questão prejudicial formulada pela jurisdição nacional não vai resolver o litígio que decorre perante o tribunal nacional. O sentido da resposta dada pelo Tribunal de Justiça é o de fornecer elementos para a interpretação ou a apreciação da validade de uma norma de direito europeu, sendo que esse tribunal não interfere directa e imediatamente na solução do caso concreto (MIGUEL GORJÃO HENRIQUES, Direito Comunitário, 4.“edição, Coimbra, pág. 367). ”
9. A este respeito, como refere, de forma pertinente, FAUSTO DE QUADROS “(...) as questões prejudiciais constituem, pois, uma manifestação da cooperação entre os tribunais nacionais e o TJ(a chamada “cooperação judiciária”), visando chegar-se à interpretação e à aplicação uniformes do Direito Comunitário pelos tribunais nacionais. Esse sistema de cooperação substitui um hipotético sistema de hierarquia entre os Tribunais Comunitários e os tribunais nacionais, que, em teoria, poderia consistir numa outra via para se assegurar a uniformidade na interpretação e na aplicação do Direito Comunitário pelo juiz nacional , mas que exprimiria uma organização de natureza federal das relações entre os Tribunais Comunitários e os tribunais nacionais, que é incompatível com o estádio actual da integração europeia” Em suma, a doutrina assinala que a intervenção do TJUE no mecanismo do reenvio prejudicial tem como único intuito a colaboração com as jurisdições nacionais no sentido de uma correta aplicação das normas de direito europeu e não é estabelecido qualquer vinculo de natureza hierárquica entre o tribunal reenviante e o TJUE, nem a intervenção deste afeta, de algum modo, a jurisdição daquele .
10. Quanto à jurisprudência nacional, o citado acórdão proferido no processo n.° 544/2019- T, assinala o seguinte:
“(...) o acórdão do STA de 2 de Julho de 2014 (Processo n.° 0360/13) considerou que, com a nova alínea f) do artigo 771° do CPC (actual artigo 696.°), o legislador pretendeu estender o recurso de revisão não só aos casos em que decisão interna seja inconciliável com uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como também aos casos em que se verifique inconciabilidade com qualquer decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português. E, nesse sentido, concluiu que um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de processo por incumprimento movido contra Portugal assume carácter vinculativo para o Estado Português e pode ser invocado como fundamento de recurso revisão ao abrigo da alínea j) do artigo 771° do CPC, verificados que sejam os demais pressupostos, nomeadamente a inconciabilidade com decisão interna transitada em julgado.
No entanto, na situação do caso, estava em causa um acórdão proferido pelo TJUE no âmbito de uma acção por incumprimento movido contra Portugal, que assume carácter vinculativo para o Estado Português (artigo 260. ° do TFUE), o que não é aplicável quando se trata de acórdão proferido em reenvio prejudicial. ”
11. Importa agora referir que os fundamentos do recurso de revisão de sentença, previstos no artigo 696.° do CPC, nomeadamente a sua alínea fi, constituem normas excecionais destinadas a eliminar a força do caso julgado e a inerente obrigatoriedade geral estabelecida no n.° 2 do artigo 205.° da Constituição da República Portuguesa.
Em consequência, a alínea f do artigo 696.° do CPC não é passível de aplicação analógica a situações não previstas, designadamente a decisões de instâncias internacionais que não sejam, nos termos do enquadramento legal a nível nacional e da União Europeia, proferidas por instâncias internacionais de recurso vinculativas para o Estado Português.
Neste sentido, pronunciou-se o citado acórdão do Tribunal Arbitral Coletivo no processo n.° 544/2019-T e, numa situação similar, o acórdão do Tribunal Arbitral Coletivo proferido, em 9 de abril de 2021, no processo n.° 159/2019.
12. Atendendo ao exposto, verifica-se que a decisão, em sede de reenvio prejudicial, não foi proferida pelo TJUE enquanto instância internacional de recurso vinculativa para o Estado português. Assim, é manifesta a falta de fundamento legal para o recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Tendo em conta o disposto nos artigos 130.° e 608.°, n.° 2, do CPC, fica prejudicada, por inútil, a apreciação de outros requisitos do recurso de revisão, previsto na alínea f) do artigo 696.° do CPC, designadamente a questão de saber se a decisão do TJUE, proferida no processo n.° C-581/19, é inconciliável ou não com a decisão arbitral proferida no presente processo.
13. Nestes termos, o Tribunal Arbitral indefere o requerimento de recurso de revisão apresentado pela Autoridade Tributária e Aduaneira.”


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III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral no âmbito do processo 236/2020-T, que indeferiu o requerimento de Recurso de Revisão apresentado pela ATA.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto, no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações da impugnação definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões da impugnação cumpre apreciar:

- Se a decisão recorrida padece de nulidade por Pronúncia Indevida;

- Se a conduta processual da Impugnante se afasta, inequivocamente, do padrão de comportamento adotado em situações idênticas e, nessa medida, se há lugar a condenação a título de litigância de má fé.

Vejamos, então, se a decisão recorrida padece da arguida nulidade.

A Recorrente defende que a decisão de indeferimento do requerimento de Recurso de Revisão, afigura-se como um colocar-se à margem das competências que a lei processual lhe comete em matéria do excecional Recurso de Revisão, consubstanciando, assim, uma evidente “pronúncia indevida”, na dimensão negativa do conceito, isto é, na recusa do CAAD em cumprir as competências que a lei lhe comete.

Mais aduz que, nenhum dos argumentos apresentados pode proceder, na medida em que não é verdadeiro, e, inclusive, é contrariado pela doutrina e pela jurisprudência, que o TJUE ainda que não integre a organização judiciária nacional, constitui, a par do TEDH, uma instituição judicial cujas decisões, em resultado dos tratados internacionais de que o Estado Português subscreveu e se obrigou a cumprir não deixam de produzir efeitos na ordem jurídica portuguesa.

Existindo, outrossim, errada valoração no atinente ao acórdão do STA, invocado pela Impugnante, porquanto contrariamente ao evidenciado é aplicável à situação em apreço pelo facto de ali estar subjacente uma ação por incumprimento e aqui um Reenvio Prejudicial.

Sublinhando, para o efeito, que as decisões prejudiciais são vinculativas tanto para o órgão jurisdicional de reenvio, como para todos os órgãos jurisdicionais dos Estados-Membros da União Europeia, donde o argumento invocado pelo Tribunal Arbitral configura uma inaceitável subversão da natureza do TJUE e do instituto do Reenvio Prejudicial.

Dissente a Entidade Impugnada propugnando pela manutenção da decisão impugnada, na medida em que a mesma carece, em absoluto, de fundamento legal, requerendo, a final, a condenação como litigante de má fé.

Vejamos.

Preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”

De harmonia com o disposto no artigo 615.º alíneas d), e e), do CPC, em obediência ao preceituado no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, dispõe que é nula a sentença quando: “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” e bem assim quando “o juiz condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido”.

Dir-se-á, portanto, que o vício de excesso de pronúncia ocorre sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido, ou seja, ele ocorre sempre que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, quando o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conheça de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; vide, designadamente, Ac. TCA Sul, proferido no processo nº proc.6505/13, de 2 de julho de 2013..

Nessa medida, se o juiz conhece de questão, que o Autor e Réu não lhe submeteram, ou condena em objeto diverso do pedido, a decisão enferma de vício, por excesso, pois o juiz exorbitou a sua atividade indo para além do seu pedido de parte (extra petitum).

Note-se que, não obstante o Tribunal não estar sujeito às alegações das partes, no que diz respeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cfr. artigo 5.º, nº 3, do CPC), a verdade é que em ordem ao consignado no artigo 609.º, nº1 do CPC, a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.

Neste particular, importa relevar que o conceito de pronúncia indevida previsto na primeira parte da alínea c), do nº1, do artigo 28.º do RJAT como fundamento de impugnação da decisão arbitral é mais abrangente que o excesso de pronúncia previsto no citado artigo 615.º e bem assim do normativo 125.º do CPPT. O legislador pretendeu abranger duas situações, uma primeira que compreende as situações em que o tribunal arbitral conhece de questões de que não podia conhecer, ou seja, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório, condenando além do pedido-excesso de pronúncia e outra sempre que o tribunal arbitral conhece sem o poder ter feito, por existir um vício que inquinou a sua constituição ou porque decidiu fora das suas competências Vide Aresto do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo nº 09286/16, de 28 de abril de 2016.:

Visto o direito, importa transpor o mesmo para o caso vertente, relevando, desde já, que a pretensão da Impugnante se reconduz a erro de julgamento, porquanto no seu entendimento a questão foi, erradamente, julgada padecendo de errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Aliás, se atentarmos no teor das suas alegações verifica-se que é a própria que acaba por concluir no sentido do erro de julgamento, na medida em que “nenhum dos argumentos convocados pelo Tribunal Arbitral para afastar a sua competência é apto a proceder”.

Razão pela qual, identifica, particulariza e aparta os fundamentos externados pelo Tribunal Arbitral, convocando Doutrina e Jurisprudência que reputa aplicáveis em ordem à demonstração do erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito.

Porém, como é consabido, o erro de julgamento está cerceado aos poderes de cognição deste Tribunal. Com efeito, a propositura da impugnação da decisão arbitral não confere a este órgão jurisdicional o poder de se pronunciar sobre o objeto do litígio, e isto porque a ação de anulação tem efeitos puramente cassatórios ou rescisórios, não atribuindo competência substitutiva ao tribunal, dado que o objeto da ação é, tão-só, a decisão arbitral e não a situação material litigada, ela mesma. Nessa medida, caso se verifique um fundamento de anulação, este Tribunal deve limitar-se a anular ou a cassar a decisão arbitral, não podendo substituí-la por outra cfr. artigo 25.º, do RJAT; Acórdão T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/4/2015, processo nº 8224/14; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.237 e seguintes..

Dir-se-á, portanto, que o Tribunal Arbitral se considerou competente para apreciar o Recurso de Revisão, mas, no entanto, -independentemente da bondade da decisão que não cumpre, ora, apreciar, porquanto cerceada-, indeferiu-o. Com efeito, pronunciou-se sobre o requerido, contudo entendeu que não se verificavam os respetivos pressupostos.

Neste particular, e uma vez que a questão foi tratada por este Tribunal, no Acórdão proferido no âmbito do processo 79/21.1BCLSB, datado de 27 de outubro de 2021,-transitado em julgado e no mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos proferidos por este Tribunal no âmbito dos processos nºs 45/21, datado de 20.12.2022, 46/21 e 47/21, ambos datados de 19.01.2023, 80/21 e 50/21, ambos de 13.07.2023 e 44/21, de 24.01.2024-e a questão é, em tudo, idêntica à dos autos, com similitude inclusive no teor das respetivas alegações, tendo ainda em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito, em conformidade com o preceituado no artigo 8.º, nº 3 do Código Civil, eximimo-nos de expender novas considerações, reproduzindo aqui o raciocínio jurídico vertido no citado Aresto, a cuja fundamentação se adere:

“Como se deixou consignado no acórdão desta secção proferido em 18/04/2018, no proc.º121/17.0BCLSB,
«O regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo RJAT, sendo que os Tribunais arbitrais têm competência para apreciar um conjunto vasto de pretensões, as quais vêm taxativamente elencadas na enumeração constante do artº.2, nº.1, do citado diploma. Mais se dirá que o Tribunal arbitral tem a obrigação de decidir em conformidade com o direito constituído e não com recurso à equidade (cfr.artº.2, nº.2, do RJAT).
Os princípios processuais inerentes ao processo arbitral vêm referidos e elencados no artº.16, do RJAT, e, genericamente, são os mesmos princípios que se aplicam a um processo de partes, de que é exemplo o processo civil.
No que toca à possibilidade de recorrer de uma decisão proferida por um Tribunal arbitral pode, desde logo, referir-se que esta é muito limitada.
Assim, quando se tiver em vista controlar o mérito da decisão arbitral, isto é, o seu conteúdo decisório, o meio mais adequado para colocar em crise a decisão arbitral será o recurso.
Com efeito, em conformidade com o que se dispõe no artº.25, nº.1, do RJAT, é possível recorrer directamente para o Tribunal Constitucional da parte da decisão arbitral que ponha termo ao processo e que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, bem como nos casos em que aplique uma qualquer norma jurídica cuja inconstitucionalidade seja levantada no decurso do processo.
Por outro lado, admite-se ainda a possibilidade de recurso com fundamento em oposição de acórdãos [uniformização de jurisprudência], isto nos termos do que determinam os nºs.2 e 3, do artigo em apreço. Este recurso é endereçado à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sempre que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida estiver em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido ou pelo Tribunal Central Administrativo ou Supremo Tribunal Administrativo. Neste caso, os trâmites do recurso a observar são os do regime dos recursos para uniformização de jurisprudência, aplicando-se o disposto no artº.152, do C.P.T.A.
Note-se que, em termos práticos, só há uma via de recurso: ou directamente para o Tribunal Constitucional, com fundamento em (in) constitucionalidade, ou directamente para o Supremo Tribunal Administrativo, em caso de oposição de acórdãos.
Pelo contrário, quando se pretenda controlar a decisão arbitral em si, nos seus aspectos de competência, procedimentais e formais, o meio adequado será já a impugnação da decisão arbitral (cfr.artºs.27 e 28, do RJAT).
(…) os únicos fundamentos legalmente admissíveis como suporte de reacção da decisão dos Tribunais arbitrais para os T. C. Administrativos, consistem na impugnação de tal decisão, consagrada no artº.27, com os fundamentos que se ancorem nos vícios de forma expressamente tipificados no artº.28, nº.1, e atrás elencados, correspondendo os três primeiros aos vícios das sentenças dos Tribunais tributários, nos termos do plasmado no artº.125, nº.1, do C.P.P.T., com correspondência ao estatuído nas alíneas b), c) e d), do artº.615, nº.1, do C. P. Civil.
(…)
Feitos os considerandos julgados pertinentes, passemos ao caso em apreciação.
A questão dos autos afigura-se-nos simples face aos poderes de cognição do TCAS delimitados anteriormente e que constituem jurisprudência assente deste Tribunal.
Alega a impugnante que a decisão arbitral revidenda, transitada em julgado em 04/10/2020, decidiu a mesma questão de direito em oposição ao Ac. do TJUE proferido em 04/03/2021 (rectificado em 23/03/2021) e que corresponde ao entendimento por si preconizado na resposta que apresentara ao pedido de pronúncia arbitral.

Com esse fundamento, dirigiu ao CAAD um pedido de reconstituição do Tribunal Arbitral Singular com vista à admissão e provimento do Recurso de Revisão à luz do disposto no art.º 696.º, al. f) do CPC, a fim de se operar a revogação da decisão arbitral inicialmente proferida e o proferimento de nova decisão conciliável com o citado ac. do TJUE.
Como também alega a Impugnante e documentam os autos, reconstituído o Tribunal Arbitral Singular, veio o mesmo por decisão proferida em 24/06/2021 e notificada em 28/06/2021, indeferir o requerimento de Recurso de Revisão por considerar “… ser manifesto não haver fundamento para a revisão, designadamente o fundamento invocado, por a decisão do TJUE invocada não ter sido proferida por uma instância internacional de recurso”.
Pretende a impugnante – e a tanto se reconduz o fundamento da presente impugnação – que a decisão arbitral proferida se mostra contrária à Constituição e à lei, não podendo, por conseguinte, manter-se na ordem jurídica.
Sucede que, se o Tribunal Arbitral foi reconstituído e decidiu, o mérito dessa pronúncia não pode ser sindicado por este TCAS por via de impugnação, ainda que com apelo a razões de ordem constitucional.
Este Tribunal não pode sindicar se o Tribunal Arbitral decidiu bem ou mal o pedido de revisão, pois tal equivaleria a sindicar erros de julgamento (“error in judicando”) da decisão de revisão, que mesmo pretensamente grosseiros, escapam aos poderes de cognição que a lei lhe confere, como acima deixamos explicado.
A impugnação não pode proceder com o fundamento invocado.” (destaques e sublinhados nossos).

Assim, aderindo ao entendimento supra expendido, se a Impugnante, sob a invocação de nulidade por pronúncia indevida, argui um erro de julgamento, assente numa desconformidade com o sentido jurídico adotado na decisão impugnada, tal questão já radica no mérito, donde cerceada a este Tribunal no âmbito dos seus poderes de cognição, e nessa medida a presente impugnação terá de improceder.

Subsiste, in fine, por apreciar o pedido de condenação como litigante de má fé.

Neste concreto particular, alega a Impugnada que a presente impugnação apresentada consubstancia um expediente manifestamente dilatório, que visa criar entraves ao cumprimento da decisão arbitral proferida no processo n.º 236/2020-T, já transitada em julgado, e que a ATA vem, reiteradamente, persistindo em não cumprir.

Densifica, para o efeito, que a Impugnante recorreu esta via impugnatória invocando um fundamento formal de impugnação de decisão arbitral (o vício de pronúncia indevida previsto no artigo 28.º, n.º 1, alínea c), 1ª parte do RJAT) que não tem qualquer adesão ao fundamento material vertido nas suas alegações, logo a conduta processual da Impugnante, censurável, no mínimo, a título de negligência grosseira, afasta-se inequivocamente do padrão de comportamento adotado em situações idênticas, devendo, por isso, ser condenada como litigante de má-fé.

Refira-se, desde já, que não assiste razão à Impugnada.

Senão vejamos.

Dispõe o artigo 104.º da LGT, aplicável ex vi artigo 29.º, nº1, alínea a), do RJAT, sob a epígrafe de “litigância de má fé” que:

“1 - Sem prejuízo da isenção de custas, a administração tributária pode ser condenada numa sanção pecuniária a quantificar de acordo com as regras sobre a litigância de má fé em caso de atuar em juízo contra o teor de informações vinculativas anteriormente prestadas aos interessados ou o seu procedimento no processo divergir do habitualmente adotado em situações idênticas.

2 - O sujeito passivo poderá ser condenado em multa por litigância de má fé, nos termos da lei geral.”

Atentando na factualidade assente, e no comando normativo consignado no artigo 104.º da LGT, não resulta, de todo, que a Entidade Impugnante tenha atuado em juízo contra o teor de informações vinculativas, ou em divergência do comportamento adotado em situações idênticas e em desvio de um comportamento padrão de respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade e da boa fé [vide, neste sentido Acórdão do STA, proferido no processo nº 01077/20, de 13.07.2021].

Não sendo, minimamente, patente a existência de uma conduta dilatória que tenha em vista protelar e obstar ao cumprimento de decisão arbitral anterior, em nada podendo relevar, para o efeito, o documento, ora, junto na medida em que não permite, de todo, atestar esse intuito dilatório, sendo que, contrariamente ao por si expendido, este tipo de atuação da Impugnante tem sido adotado em diversos processos que correram termos neste Tribunal, que são, desde logo, exemplos, os processos nºs 79/21, de 27.10.2021, 45/21, de 20.12.2022, 46/21 e 47/21, ambos de 19.01.2023, 80/21 e 50/21, ambos de 13.07.2023 e 44/21, de 24.01.2024.

Note-se, ademais, que inversamente ao propugnado pela Impugnada, a ausência de fundamentos da ação não determina, per se, uma conduta de má fé, porquanto na sua base é primacial que exista comportamento consciente de que não lhe assiste razão, ou seja, é curial que as circunstâncias do caso sub judice, induzam o Tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, visto que tal instituto visa acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo Tribunal e pela própria Justiça.

Termos em que se conclui pela improcedência do pedido formulado de condenação da ATA como litigante de má fé, inexistindo, assim, qualquer fundamento legal para aplicação de uma multa e/ou de uma indemnização.


Uma nota final para relevar que, não obstante a Impugnada tenha decaído no atinente à condenação enquanto litigante de má-fé, a verdade é que não tendo a aludida condenação expressão quantitativa para efeitos de decaimento, decretar-se-á, a final, que as custas serão a cargo da Impugnante.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO, SUBSECÇÃO COMUM, deste Tribunal Central Administrativo Sul em JULGAR IMPROCEDENTE A PRESENTE IMPUGNAÇÃO, e manter a decisão impugnada, e julgar improcedente o pedido de condenação da ATA, como litigante de má-fé.
Condena-se a Impugnante em custas.
Registe. Notifique.


Lisboa, 15 de fevereiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Ana Cristina Carvalho)


Declaração de Voto de Vencido:
"Vencido nos termos do voto de vencido, elaborado no âmbito do processo nº 45/21.7. BCLSB, e para o qual se remete".
(Jorge Cortês)