Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:239/09.3BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:06/25/2019
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA QUANDO OS SEUS FUNDAMENTOS ESTÃO EM OPOSIÇÃO COM A DECISÃO.
ARTº.615, Nº.1, AL.C), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
OMISSÃO DE PRONÚNCIA (VÍCIO DE “PETITIONEM BREVIS”).
ARTº.615, Nº.1, AL.D), DO C.P.CIVIL. ARTº.125, Nº.1, DO C.P.P.TRIBUTÁRIO.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
OS JUROS PAGOS AO IMPUGNANTE TÊM NATUREZA MORATÓRIA E SEDE LEGAL NO ARTº.805, Nº.3, DO C.CIVIL.
JUROS. NOÇÃO.
JUROS CONVENCIONAIS E LEGAIS.
RENDIMENTOS DE CAPITAIS. ARTº.5, Nº.1, DO C.I.R.S.
ARTº.5, Nº.2, AL.G), DO C.I.R.S. JUROS.
JUROS OU ACRÉSCIMOS DE CRÉDITO COM NATUREZA DE INDEMNIZAÇÕES.
JUROS COMO COMPENSAÇÃO PELA DEMORA NO PAGAMENTO.
FONTE EM OBRIGAÇÃO DIVERSA DAQUELA DONDE ADVÉM O DEVER DE INDEMNIZAR.
SUJEITOS A TRIBUTAÇÃO EM SEDE DE I.R.S.
FISCALIZAÇÃO CONCRETA DA CONSTITUCIONALIDADE POR PARTE DOS TRIBUNAIS.
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE.
ARTº.103, Nº.1, DA C.R.PORTUGUESA.
OBJECTIVOS DO SISTEMA FISCAL.
ARTº.104, Nº.1, DA C.R.PORTUGUESA.
CARACTERÍSTICAS E OBJECTIVOS DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO PESSOAL.
Sumário:1. Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada. No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário.
2. A omissão de pronúncia (vício de “petitionem brevis”) pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes (cfr.artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil).
3. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário, no penúltimo segmento da norma.
4. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
5. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
6. Nos termos do artº.805, nº.3, do C.Civil (redacção do dec.lei 262/83, de 16/06), norma que estabelece o momento da constituição em mora do devedor, mais devendo ser concatenada, em sede de cálculo da indemnização com a teoria da diferença consagrada no artº.566, nº.2, do mesmo diploma (em sede, tanto de danos emergentes como de lucros cessantes - cfr.artº.564, nº.1, do C.Civil), consagra o legislador, como regra, a constituição em mora do devedor desde a citação (sem prejuízo de, no caso concreto, a constituição em mora do devedor poder considerar-se independente de interpelação, nos termos do artº.805, nº.2, al.b), do C.Civil).
7. Levando em consideração a fundamentação jurídica e o dispositivo da decisão judicial identificada na matéria de facto, os juros pagos pela Companhia de Seguros ao impugnante e ora recorrente têm natureza moratória e sede legal no artº.805, nº.3, do C.Civil.
8. O juro pode ser visto como um fruto civil, constituído por coisas fungíveis, as quais representam um rendimento ou remuneração de uma obrigação de capital (previamente cedido ou devido a outro título), vencível pelo decurso do tempo e que varia em função do valor do capital, da taxa de remuneração e do tempo de privação.
9. Atendendo à sua fonte ou origem imediata, os juros podem ser voluntários/convencionais e legais, sendo aqueles devidos por força de negócio jurídico anterior e estes directamente por força da lei.
10. A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S.
11. Nos termos do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., o tributo incide, tanto sobre os juros resultantes da dilação do vencimento do crédito, como sobre os juros de mora no pagamento, sejam, uns e outros, de natureza legal ou contratual. No primeiro caso, existe dilação do vencimento do crédito e, portanto, da sua exigibilidade. No segundo, existe mora no pagamento de um crédito já vencido.
12. A interpretação da norma, até aqui simples de compreender, complica-se, porém, quando se entra em linha de conta que alguns juros ou acréscimos de crédito podem ter natureza de indemnizações, não sendo então, imediata, a sua sujeição a I.R.S., já que algumas indemnizações não se configuram como rendimento (concepção de rendimento-acréscimo, supra identificada) para efeitos de I.R.S.
13. De acordo com a doutrina e a jurisprudência que perfilhamos, se numa dada decisão judicial, o valor monetário equivalente à indemnização devida a título de responsabilidade civil extracontratual foi fixado atendendo-se já aos factores decorrentes da erosão monetária e se, além disso, ficou consagrada a obrigação de pagamento de juros sobre aquele valor, contados a partir da citação, o montante equivalente a estes últimos não pode perspectivar-se como integrador da citada “teoria da diferença”, à qual se deverá submeter aquilo que é imposto pelo dever de reparação do dano sofrido em consequência da lesão, antes se devendo visualizar estes juros como uma compensação pela demora no pagamento. E, assim, tendo os juros por fonte uma obrigação diversa daquela donde advém o dever de indemnizar, enquadram os mesmos a previsão do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., ficando sujeitos a tributação em sede de I.R.S.
14. O que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr. artº.204, da C.R.Portuguesa).
15. O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no citado artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental. As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante.
16. O artº.103, nº.1, da C.R.Portuguesa, consagra os objectivos do sistema fiscal, a saber: a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, tal como a repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
17. O artº.104, nº.1, da C.R.Portuguesa, normativo que integra a “Constituição fiscal”, consagra as características e objectivos do imposto sobre o rendimento pessoal, especificamente, o ser único e progressivo, o visar a diminuição das desigualdades e as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
J……………, com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mmº. Juiz do T.A.F. de Beja, exarada a fls.234 a 252 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação pelo recorrente intentada, visando acto de liquidação de I.R.S., relativo ao ano de 2001 e no montante total de € 95.349,14.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.265 a 285 do processo físico) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-A liquidação adicional de IRS de 2001 impugnada, e a respectiva cobrança do imposto e juros compensatórios, é ilegal e inconstitucional, por violação dos Acórdãos invocados e as disposições constantes dos artigos 13º, 103º nº1, e 104º nº1 da Constituição da República Portuguesa;
2-A sentença ao negar provimento à impugnação deduzida pelo recorrente viola as mesmas disposições legais citadas no nº.1 e o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 170/03;
3-Não se pronuncia, nem apreciou o conteúdo da Sentença do Tribunal Judicial de Círculo de Santiago do Cacém que determinou o pagamento dos juros ao recorrente, apreciação fundamental para decidir sobre a natureza dos juros pagos ao recorrente pela C…… S….. I….. para quem a P…….. tinha transferido a sua responsabilidade civil (Documento nº 5 junto com a Impugnação);
4-O recorrente sofreu um grave infortúnio provocado pelo incêndio de proporções brutais ocorrido em Setembro de 1990 que destruiu a quase totalidade do seu património e sua única fonte de rendimento;
5-Intentou acção para obter reparação dos danos sofridos em 1992;
6-Em 2001 foi proferida a sentença em Primeira Instância a condenar as Rés no pagamento das indemnizações aos lesados em que se inclui o recorrente (Documento nº 5 junto com a Impugnação);
7-No mesmo ano foi o recorrente ressarcido pela C…… dos montantes indemnizatórios;
8-Em Dezembro de 2005 veio a Administração Fiscal por em crise o facto de a parte respeitante à quantia indemnizatória de juros ser tributada em IRS;
9-O recorrente inconformado, reclamou graciosamente em Maio de 2006;
10-Novamente, inconformado com a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa recorreu hierarquicamente em 08-01-2008;
11-Indeferido o recurso hierárquico impugnou judicialmente em 6 de Julho de 2009;
12-A Meretíssima Juiz de primeira instância indeferiu a inquirição de testemunhas arroladas pelo recorrente por considerar não existir objecto próprio dos respectivos depoimentos;
13-Em 16-11-2018 foi proferida sentença sob o presente recurso;
14-A sentença do Tribunal Judicial de Círculo de Santiago do Cacém atribuiu ao recorrente o pagamento de juros de mora no âmbito, e como parte integrante, da indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual em consequência dos danos provocados em 1990;
15-O recorrente juntou, com a impugnação, cópia de todo o teor da Sentença proferida na Acção 269/99 (ex-acção nº 84/92 e apensas 1/93 e 114/93 do extinto Tribunal de círculo) 2º Juízo Santiago do Cacém (Documento nº 5);
16-A sentença objecto deste recurso invoca, e adere totalmente, ao teor do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo nº 67/087 de 30/04/2008. Mas, decide em total contradição com o mesmo;
17-No citado Acórdão expressamente se diz que "Os juros de mora não são tributáveis em sede de IRS quando foram atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização da monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta.";
18-O Acórdão nº 170/03, do Tribunal Constitucional que se pronunciou sobre esta matéria, proferiu a seguinte Decisão: "a) Julgar inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade dos cidadãos e da repartição justa dos rendimentos, que defluem dos artigos 13º, 103º, nº1, e 104º, nº1, todos da Lei Fundamental, a norma constante da alínea g) do nº 1 do artigo 6º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares quando interpretada no sentido de serem tributáveis como os rendimentos osjuros queforem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade civil extracontratual e na medida em que se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta e; ......";
19-Os juros pagos ao recorrente em consequência da Sentença proferida pelo Meretíssimo Juiz do Tribunal do Círculo de Santiago do Cacém, destinaram-se a compensar a desvalorização monetária desde 1992 até 2001;
20-O facto de os juros serem designados de juros moratórios, e a Lei assim se lhes referir, não pode ser ignorada a verdadeira função - indemnizatória - desses juros, que fazem parte integrante da indemnização fixada na mesma Sentença. (Vg. Acórdão nº 03B4269 do STJ de 9 de Março de 2004);
21-Os juros pagos ao recorrente, nos termos da sentença condenatória, tiveram natureza indemnizatória pelo retardamento da prestação, e da desvalorização monetária ocorrida, e por isso não constituem atribuição ou acréscimo patrimonial ao lesado, mas mera reposição deste na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento danoso;
22-A sentença recorrida está ferida de nulidade por estar fundamentada em jurisprudência que contraria a própria decisão proferida, não avalia a prova apresentada pelo recorrente, sendo a mais relevante a sentença proferida pelo Meretíssimo Juiz do Tribunal do Círculo de Santiago do Cacém, no seu todo, e sobre a parte que se pronuncia em concreto sobre esta questão dos juros indemnizatórios (Artigo 615º nº1 alíneas c) e d) do C.P.C.);
23-O valor de juros indemnizatórios pago ao recorrente não está sujeito a tributação em IRS;
24-Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença de primeira instância, anulada a liquidação adicional nº 000131……. de 2005-12-16, de IRS de 2001, e juros compensatórios, efectuada ao recorrente, por ser contrária à citada jurisprudência e legislação aplicável, e contrária aos invocados artigos da Constituição da República Portuguesa.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo (cfr.fls.300 do processo físico).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.235 a 246 do processo físico - ordenação nossa):
A-O impugnante, J………., com o n.i.f. 138…….., com domicílio fiscal em S……., Odemira, foi submetido a inspecção tributária relativamente ao exercício de 2001 e com âmbito restrito a IRS (cfr.cópia de relatório junta a fls.20 a 24 do processo físico);
B-Nessa sequência foi elaborado relatório que concluiu do seguinte modo (cfr.cópia de relatório junta a fls.20 a 24 do processo físico):

Texto integral com imagem”


C-Estas conclusões foram sancionadas pelo Director Distrital de Finanças de Beja, por despacho de 05/12/2005, com o seguinte teor:
“(…)
Concordo com as conclusões e a proposta de tributação que consta do presente relatório, considerando os factos verificados e o respectivo enquadramento legal. Assim, considerando o nº 4 do art. 65º do CIRS, altero o rendimento colectável do IRS do ano de 2001 para o montante de 344.130,04 €.
(…)”
(cfr.cópia de relatório junta a fls.20 a 24 do processo físico);
D-O impugnante foi notificado das conclusões constantes do relatório de inspecção e da alteração daí decorrente ao seu rendimento líquido (cfr.documento junto a fls.19 do processo físico; factualidade admitida no artº.1 do articulado inicial);
E-Na sequência destas foi emitida liquidação adicional de IRS, em 13/12/2005, sob o nº 2005500………, apurando imposto a pagar no montante de € 95.349,14 (cfr.documento junto a fls.112 do processo administrativo apenso);
F-Não se conformando com a liquidação, o impugnante apresentou reclamação graciosa (cfr.documento junto a fls.92 a 94 do processo administrativo apenso);
G-A reclamação graciosa foi registada na Direcção de Finanças de Beja sob o número ………-06/0400…… (cfr.documento junto a fls.91 do processo administrativo apenso);
H-Nesta veio a ser proferido despacho de indeferimento com manutenção da liquidação emitida o qual remete para informação que refere, além do mais, que:
“(…)
Por sentença proferida em 19/04/2001 pelo Tribunal de Círculo de Santiago do Cacém foi atribuída ao reclamante a título de indemnização a quantia de € 360.356,54 (72.245.000$00) pela C…..…….
Indemnização essa que foi arbitrada pelo Tribunal pela reparação dos danos causados no custo de arranque e replantio de toda a mancha florestal que ficou completamente destruída pelo incêndio, o que lhe causou prejuízos irreparáveis na sua actividade.
Foi também determinado pela respetiva sentença o pagamento de juros legais contados a partir da data da citação (18/11/1992) até ao efectivo pagamento (15/08/2001), que perfaz um total de € 341.321,81.
Sobre o montante de juros acima mencionado foi-lhe retido IRS no valor de € 51.198,26, à taxa de 15%.
Em 13/12/2005 foi-lhe efectuada a liquidação adicional resultado de uma acção de fiscalização dos Serviços de Inspecção, da qual resultou IRS a pagar no valor de € 95.349,14.
O reclamante faz referência a um acórdão do Tribunal Constitucional nº 170/03 que declara inconstitucional a norma constante da alínea g) do nº 1 do art. 6º do CIRS: “… quando interpretada no sentido de serem tributáveis como rendimento os juros que forem atribuídos no âmbito de uma indemnização devida por responsabilidade extracontratual e na medida em que se destinem a compensar danos decorrentes da desvalorização monetária ocorrida entre o surgimento da lesão e o efectivo ressarcimento desta…”
O Acórdão do Tribunal Constitucional respeita tão só, à não tributação dos juros, quando estes se destinem a compensar os danos decorrentes da desvalorização monetária, não se enquadrando assim, no caso em apreço, dado que o tribunal já teve em devida atenção precisamente essa desvalorização, quando da fixação do montante da indemnização.
Os juros que a segurança pagou foram devidos pela mora no pagamento da indemnização o que aliás aquela instituição assumiu como pagamento de juros moratórios.
A Administração Fiscal sobre esta questão dos juros moratórios já se pronunciou através da Circular nº 11/1992, de 19 de agosto, considerando que os juros devidos pela mora no pagamento das indemnizações, sejam legais ou contratuais, integram a previsão normativa da alínea g) do nº 1 do art. 6º do CIRS.
De acordo com a mesma Circular nº 11/1992 também os juros moratórios estão sujeitos à retenção na fonte à taxa de 15% de acordo com o disposto no art. 94º, nº 1 do CIRS.(…)”
(cfr.documento junto a fls.126 a 128 do processo administrativo apenso);
I-Mantendo a sua inconformação, o impugnante apresentou contra este despacho de indeferimento, em 08/01/2008, recurso hierárquico (cfr.documento junto a fls.3 a 7 do processo administrativo apenso);
J-O recurso hierárquico foi registado na Direcção de Finanças de Beja com o nº .../2008 (cfr.documento junto a fls.1 do processo administrativo apenso);
K-Neste foi, igualmente, proferido despacho de indeferimento da pretensão do impugnante com a seguinte fundamentação:

“Texto integral com imagem”

(cfr.documento junto a fls.83 a 85 do processo administrativo apenso);
L-O impugnante tomou conhecimento deste despacho de indeferimento proferido no recurso hierárquico através do ofício nº ….., de 13/04/2009 (cfr.documentos juntos a fls.87 a 90 do processo administrativo apenso);
M-Em 06/07/2009 o impugnante enviou para o T.A.F. de Beja o articulado inicial da presente acção (cfr.data de envio constante do documento junto a fls.36 dos presentes autos);
N-Atenderam os serviços de inspecção tributária, e subsequentemente em todos os procedimentos antes mencionados, à resposta apresentada pela c………. ao pedido de informações e esclarecimentos com o seguinte teor:

“Texto integral com imagem”

(cfr.documento junto a fls.61 do processo físico);
O-A acção judicial mencionada na alínea N) correu termos no Tribunal de Círculo Judicial de Santiago do Cacém com o nº 269/99, no 2º. Juízo, datando a sentença de 19/04/2001 (cfr.cópia da sentença constante a fls.69 a 114 do processo físico, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido);
P-Da identificada sentença destaca-se o segmento decisório com o seguinte conteúdo:
“Texto integral com imagem”


Q-Aquando do pagamento ao impugnante da quantia determinado no ponto 10º do dispositivo da sentença identificado na alínea P) a C……… I….. efetuou a retenção na fonte do montante de 51.198,26 € correspondente a 15% do montante dos juros calculados no valor total de 341.321,81 € (cfr.certidão junta a fls.146 a 150 do processo físico);
R-O impugnante considerando ilegal tal retenção na fonte propôs acção judicial declarativa com vista a obter a sua restituição;
S-Na referida acção declarativa foi a C……… condenada a restituir ao impugnante o valor retido, em consequência do que intentou a consequente acção executiva com vista ao pagamento do mencionado montante de 51.198,26 € (cfr.certidão junta a fls.146 a 150 do processo físico).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem. As demais asserções da douta petição inicial constituem antes conclusões de facto ou de direito ou são inócuas para a boa decisão da causa…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos insertos nestes autos e nos apensos de reclamação…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar totalmente improcedente a impugnação que originou o presente processo, em virtude do insucesso de todos os fundamentos da mesma, mais mantendo o acto tributário objecto dos autos (cfr.al.E) do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante discorda do decidido aduzindo, em primeiro lugar, que a sentença recorrida está ferida de nulidade por estar fundamentada em jurisprudência que contraria o dispositivo da mesma (cfr.conclusão 22 do recurso). Com base em tal asserção pretendendo, segundo percebemos, assacar à decisão do Tribunal "a quo" o vício de nulidade devido a contradição entre os fundamentos e a decisão.
Deslindemos se a decisão recorrida comporta tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.c), do C. P. Civil, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Encontramo-nos perante um corolário lógico da exigência legal de fundamentação das decisões judiciais em geral consagrado no artº.154, nº.1, do C.P.Civil. O vício em análise, o qual tem como premissa a eventual violação do necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial, terá lugar somente quando os fundamentos da sentença devam conduzir, num processo lógico, a uma decisão oposta ou, pelo menos, diferente da que foi adoptada (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.141 e 142; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.689 e 690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.36 e 37).
No processo judicial tributário o vício de oposição entre os fundamentos e a decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.361 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 18/2/2010, rec.1158/09; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/5/2011, rec.66/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/3/2012, proc. 1103/06; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 6/8/2013, proc.6883/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/4/2014, proc.7435/14).
Revertendo ao caso dos autos, contemplando a decisão do Tribunal “a quo”, nomeadamente a sua fundamentação de direito, constante a fls.246 a 252 do processo físico, no mesmo examina a sentença a defendida ilegalidade da liquidação objecto do processo em virtude de padecer do vício de errónea qualificação do rendimento, mais tendo concluído que os juros em causa nos presentes autos revestem natureza moratória, não tendo sido fixados com intenção de atender à desvalorização da moeda, para tanto chamando à colação o acórdão do S.T.A.-2ª.Secção, de 30/04/2008, rec.67/08, aresto que examina a questão (e que faz menção, igualmente, da posição defendida pelo T. Constitucional, nomeadamente, no ac.170/2003, de 28/03). Em consequência do acabado de indicar, a sentença recorrida conclui que os juros em causa nos autos se devem configurar como rendimentos de capital, assim se enquadrando no âmbito de incidência da norma constante do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., em vigor em 2001, mais mantendo o acto tributário impugnado.
Em suma, não se vê que a sentença recorrida padeça de qualquer vício lógico (obscuridade; contradição) na sua estrutura que tenha por consequência a respectiva declaração de nulidade.
Face ao exposto, julga-se improcedente este fundamento do recurso.
Mais aduz o apelante que a decisão recorrida igualmente padece de nulidade, visto que, não avalia a prova por si apresentada, sendo a mais relevante a sentença proferida pelo Juiz do Tribunal do Círculo de Santiago do Cacém, no seu todo e, especificamente, na parte em que se pronuncia, em concreto, sobre a questão dos juros indemnizatórios (cfr.conclusões 3 e 22 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar, supomos, uma nulidade da decisão recorrida devido a omissão de pronúncia.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.d), do C.P.Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artº.608, nº.2, do mesmo diploma, o qual consiste, por um lado, no resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Ora, como se infere do que já deixámos expresso, a omissão de pronúncia pressupõe que o julgador deixa de apreciar alguma questão que lhe foi colocada pelas partes. Por outras palavras, haverá omissão de pronúncia, sempre que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido. Pelo que deve considerar-se nula, por vício de “petitionem brevis”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido). No entanto, uma coisa é a causa de pedir, outra os motivos, as razões de que a parte se serve para sustentar a mesma causa de pedir. E nem sempre é fácil fazer a destrinça entre uma coisa e outra. Com base neste raciocínio lógico, a doutrina e a jurisprudência distinguem por uma lado, “questões” e, por outro, “razões” ou “argumentos” para concluir que só a falta de apreciação das primeiras (ou seja, das “questões”) integra a nulidade prevista no citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr.Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37).
No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C. P. P. Tributário, no penúltimo segmento da norma (cfr.Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, I volume, Áreas Editora, 5ª. edição, 2006, pág.911 e seg.; ac.S.T.A-2ª.Secção, 24/2/2011, rec.50/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/3/2011, proc.2442/08; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.7029/13).
No caso “sub judice”, defende o apelante, se bem percebemos, que a decisão recorrida omite pronuncia sobre a questão dos juros constante da sentença do Tribunal de Círculo Judicial de Santiago do Cacém (cfr.al.O) do probatório) e sua verdadeira natureza.
Ora, voltando ao exame da decisão recorrida (fundamentação de direito, constante a fls.246 a 252 do processo físico), na mesma o Tribunal “a quo” conclui pela qualidade de juros de mora fixados na sentença do Tribunal de Círculo Judicial de Santiago do Cacém, mais não visando os mesmos atender à desvalorização da moeda ocorrida entre o momento em que a lesão se verifica e aquele em que ocorre a reconstituição por via sucedânea, em consequência do que não aceita a tese defendida pelo impugnante e ora recorrente.
Concluindo, a sentença recorrida examina a questão da natureza dos juros em causa e, especificamente, a decisão judicial do Tribunal de Círculo Judicial de Santiago do Cacém, pelo que, não se vê que tenha omitido pronúncia e, nestes termos, improcedendo este fundamento do recurso (tudo, sem prejuízo, da existência de eventual erro de julgamento de direito de que possa padecer tal peça processual).
Por último, defende o apelante, em sinopse, que os juros que lhe foram pagos em consequência da sentença do Tribunal do Círculo de Santiago do Cacém se destinaram a compensar a desvalorização monetária desde 1992 até 2001. Que tais juros revestem natureza indemnizatória pelo retardamento da prestação, tal como da desvalorização monetária ocorrida, pelo que não constituem atribuição ou acréscimo patrimonial ao lesado, mas mera reposição deste na situação em que se encontraria se não tivesse ocorrido o evento danoso. Que o valor de juros indemnizatórios pago ao recorrente não está sujeito a tributação em I.R.S. Que o acto tributário objecto do processo viola as disposições constantes dos artºs.13, 103, nº.1, e 104, nº.1, todos da Constituição da República Portuguesa (cfr.conclusões 1, 2, 4 a 21 e 23 do recurso), com base em tal alegação pretendendo, supõe-se, consubstanciar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece deste vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.221 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, alega o recorrente que os juros recebidos no âmbito de indemnização fixada em sede de responsabilidade civil extracontratual, em consequência dos danos sofridos em 1990, revestem natureza indemnizatória pelo retardamento da prestação, tal como da desvalorização monetária ocorrida, assim não constituindo atribuição ou acréscimo patrimonial ao lesado e não estando sujeitos a tributação em I.R.S.
Pelo contrário, o Tribunal “a quo” conclui pela sujeição a tributação dos mesmos juros de natureza moratória, fixados em virtude da dilação temporal ocorrida entre o facto lesivo e o momento da atribuição da indemnização, assim devendo configurar-se como rendimentos de capital e sujeitar-se a I.R.S., tudo nos termos decididos pela A. Fiscal ao estruturar a liquidação impugnada.
Vejamos quem tem razão.
Deve, antes de mais, examinar-se o teor da sentença do Tribunal Judicial de Círculo de Santiago do Cacém e a resposta apresentada pela C……. (cfr.als.N) e O) do probatório), para se concluir da natureza dos juros pagos ao impugnante e ora recorrente.
A decisão judicial identificada na al.O) da matéria de facto, em sede de responsabilidade civil extracontratual, atribuiu ao recorrente o pagamento de indemnização, da responsabilidade da dita C…………, tudo em virtude de contrato de seguro de responsabilidade civil geral de exploração por danos causados a terceiros, de natureza não contratual, celebrado com a empresa “P……..”. Mais se refere, na citada decisão judicial, que a indemnização relativa a danos de natureza patrimonial pode envolver prejuízos emergentes e lucros cessantes, sendo em dinheiro, calculada de acordo com a teoria da diferença, tudo nos termos da lei civil. Especificamente, quanto ao cálculo da indemnização fixada ao impugnante e ora recorrente (cfr.fls.35 e seg. da mencionada sentença), fala o Tribunal na aplicação de juros de mora, calculados nos termos do artº.805, nº.3, do C.Civil, a incidir sobre os montantes indemnizatórios já apurados (em sede, tanto de danos emergentes como de lucros cessantes - cfr.artº.564, nº.1, do C.Civil), computados desde a data da propositura da acção e respectiva citação e até ao efectivo pagamento (entre 18/11/1992 e 15/08/2001).
Nos termos do artº.805, nº.3, do C.Civil (redacção do dec.lei 262/83, de 16/06), norma que estabelece o momento da constituição em mora do devedor, mais devendo ser concatenada, em sede de cálculo da indemnização com a mencionada teoria da diferença consagrada no artº.566, nº.2, do mesmo diploma, consagra o legislador, como regra, a constituição em mora do devedor desde a citação (sem prejuízo de, no caso concreto, a constituição em mora do devedor poder considerar-se independente de interpelação, nos termos do artº.805, nº.2, al.b), do C.Civil - cfr.João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol.II, 5ª. Edição, Almedina, 1992, pág.118).
Em conclusão, levando em consideração a fundamentação jurídica e o dispositivo da decisão judicial identificada na al.O) da matéria de facto, os juros pagos pela C…..… ao impugnante e ora recorrente têm natureza moratória e sede legal no dito artº.805, nº.3, do C.Civil (cfr.al.N) do probatório).
Recorde-se que o juro pode ser visto como um fruto civil, constituído por coisas fungíveis, as quais representam um rendimento ou remuneração de uma obrigação de capital (previamente cedido ou devido a outro título), vencível pelo decurso do tempo e que varia em função do valor do capital, da taxa de remuneração e do tempo de privação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/11/2018, proc.590/11.2BELRA; F. Correia das Neves, Manual dos Juros, Estudo Jurídico de Utilidade Prática, Almedina, 3ª. Edição, 1989, pág.17 e seg.; António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª. edição, 2014, Almedina, pág.666 e seg.).
Atendendo à sua fonte ou origem imediata, os juros podem ser voluntários/ convencionais e legais, sendo aqueles devidos por força de negócio jurídico anterior e estes directamente por força da lei (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/11/2018, proc. 590/11.2BELRA; F. Correia das Neves, Manual dos Juros, Estudo Jurídico de Utilidade Prática, Almedina, 3ª. Edição, 1989, pág.27 e seg.; António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5ª. edição, 2014, Almedina, pág.673).
Especificamente os juros de mora, subjacentes ao cumprimento das obrigações pecuniárias, como são as indemnizações em dinheiro (cfr.artº.566, nº.2, do C.Civil), têm sede legal no artº.806, do C.Civil, reconduzindo-se aos juros legais, em regra (cfr.João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol.II, 5ª. Edição, Almedina, 1992, pág.120).
Haverá, portanto, que saber se tais juros de mora provenientes de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual devem ser considerados rendimentos de capital, abarcados pela previsão da norma de incidência real estabelecida no artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., logo, sujeitos a tributação em sede de I.R.S.
Pelo que, se deve fazer a exegese da norma constante do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., na redacção em vigor no ano de 2001 (redacção da Lei 30-G/2000, de 29/12 - cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil), norma que tinha o seguinte conteúdo:
ARTº.5
(Rendimentos da categoria E)
1 – Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com excepção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 – Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente:
(...)
g) Os juros ou quaisquer acréscimos de crédito pecuniário resultantes da dilação do respectivo vencimento ou de mora no seu pagamento, sejam legais sejam contratuais, com excepção dos juros devidos ao Estado ou a outros entes públicos por atraso na liquidação ou mora no pagamento de quaisquer contribuições, impostos ou taxas;
(...)
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012,proc.5320/12;ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.7384/14).
A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.3410/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/12/2016, proc.9929/16; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.226 e seg.; Paula Rosado Pereira, Manual de IRS, 2ª. Edição, Almedina, 2019, pág.125 e seg.).
Nos termos do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., o tributo incide, tanto sobre os juros resultantes da dilação do vencimento do crédito, como sobre os juros de mora no pagamento, sejam, uns e outros, de natureza legal ou contratual. No primeiro caso, existe dilação do vencimento do crédito e, portanto, da sua exigibilidade. No segundo, existe mora no pagamento de um crédito já vencido (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.250).
A interpretação da norma, até aqui simples de compreender, complica-se, porém, quando se entra em linha de conta que alguns juros ou acréscimos de crédito podem ter natureza de indemnizações, não sendo então, imediata, a sua sujeição a I.R.S., já que algumas indemnizações não se configuram como rendimento (concepção de rendimento-acréscimo, supra identificada) para efeitos de I.R.S. (cfr.José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.252).
Ora, de acordo com a doutrina e a jurisprudência que perfilhamos, se numa dada decisão judicial, o valor monetário equivalente à indemnização devida a título de responsabilidade civil extracontratual foi fixado atendendo-se já aos factores decorrentes da erosão monetária e se, além disso, ficou consagrada a obrigação de pagamento de juros sobre aquele valor, contados a partir da citação, o montante equivalente a estes últimos não pode perspectivar-se como integrador da citada “teoria da diferença”, à qual se deverá submeter aquilo que é imposto pelo dever de reparação do dano sofrido em consequência da lesão, antes se devendo visualizar estes juros como uma compensação pela demora no pagamento. E, assim, tendo os juros por fonte uma obrigação diversa daquela donde advém o dever de indemnizar, enquadram os mesmos a previsão do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., ficando sujeitos a tributação em sede de I.R.S. (cfr. ac.Tribunal Constitucional, 25/06/1997, ac.453/97; ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/05/2000, rec.24936; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/05/2012, rec.245/12; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.252 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, é precisamente essa a situação com que nos deparamos, visto que, conforme acima se concluiu, os juros pagos pela C…….. ao impugnante e ora recorrente têm natureza moratória e sede legal no dito artº.805, nº.3, do C.Civil (cfr.al.N) do probatório), assim se devendo vincar que os mesmos têm fonte diversa da que fundamenta o dever de indemnizar, estando sujeitos a tributação em sede de I.R.S., nos termos do artº.5, nº.2, al.g), do C.I.R.S., pelo que se deve confirmar a decisão recorrida, neste segmento, embora com a presente fundamentação.
Defende, ainda, o apelante que o acto tributário objecto do processo, e a decisão do Tribunal “a quo” que a confirma, violam as disposições constantes dos artºs.13, 103, nº.1, e 104, nº.1, todos da Constituição da República Portuguesa.
Encontramo-nos perante alegados vícios de inconstitucionalidade material e que buscam uma fiscalização concreta e com características oficiosas (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.940 e seg.). No entanto, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/4/2006, proc.64561/96; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4401/10; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 5/6/2012, proc.5445/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7164/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Apesar do acabado de expor, avancemos para o exame das alegadas inconstitucionalidades do acto tributário objecto do presente processo, tal como da decisão recorrida.
Começa o recorrente por mencionar o artº.13, da C.R.Portuguesa.
O princípio da igualdade é um dos princípios estruturantes do sistema constitucional português, encontrando consagração genérica no citado artº.13, da C.R.Portuguesa. Por sua vez, a vinculação das autoridades administrativas ao princípio da igualdade encontra consagração no artº.266, nº.2, do diploma fundamental.
As decisões mais recentes do Tribunal Constitucional, na vertente que aqui nos interessa, assinalam correctamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.341; ac.Tribunal Constitucional 232/2003, de 13/5/2003; ac.Tribunal Constitucional 45/2010, de 3/2/2010).
“In casu”, não vislumbra este Tribunal em que medida a liquidação de I.R.S. impugnada, ou a decisão do Tribunal “a quo” que a confirma, violem o examinado princípio da igualdade, matéria que também não é concretizada pelo recorrente.
Chama, também, à colação a alegada violação do artº.103, nº.1, da C.R.Portuguesa, norma que consagra os objectivos do sistema fiscal, a saber: a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, tal como a repartição justa dos rendimentos e da riqueza (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1088 e seg.).
Mais uma vez, não vislumbra este Tribunal em que medida a liquidação de I.R.S. impugnada, ou a decisão do Tribunal “a quo” que a confirma, violem o examinado artº.103, nº.1, da C.R.Portuguesa, matéria que também não é concretizada pelo recorrente.
Por último, refere o apelante a alegada violação do artº.104, nº.1, da C.R.Portuguesa.
O citado normativo do nosso diploma fundamental (o qual integra a “Constituição fiscal”) consagra as características e objectivos do imposto sobre o rendimento pessoal, especificamente, o ser único e progressivo, o visar a diminuição das desigualdades e as necessidades e os rendimentos do agregado familiar (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1099 e seg.).
Também neste caso, não vislumbra este Tribunal em que medida a liquidação de I.R.S. impugnada, ou a decisão do Tribunal “a quo” que a confirma, violem o examinado artº.104, nº.1, da C.R.Portuguesa, matéria que também não é concretizada pelo apelante.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se totalmente improcedente o recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul ACORDAM EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 25 de Junho de 2019


(Joaquim Condesso - Relator)


(Mário Rebelo - 1º. Adjunto)



(Patrícia Manuel Pires - 2º. Adjunto)