Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:434/12.8BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:04/04/2024
Relator:MARIA ISABEL FERREIRA DA SILVA
Descritores:IVA- ARTIGOS. 1º, 4º E 16º CIVA
ISENÇÃO IVA
PERDA TOTAL DE VEÍCULO NO CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
INDEMNIZAÇÃO PAGA PELA SEGURADORA AO LOCADOR
Sumário:I- As quantias pagas pelo locatário à locadora, traduzidas no pagamento de eventuais rendas vencidas, valor residual e juros, porque radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas, tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, fazem parte da base de incidência do IVA, por configurarem uma contraprestação de operações tributáveis em IVA.
II- Já as indemnizações pagas pela seguradora, no âmbito de um contrato de locação financeira, pela perda total de um veículo, não fazem parte da base de incidência do IVA por se tratar de uma indemnização paga à locadora pela perda de um ativo seu, o que não configura uma contraprestação devida pela cessação automática do contrato de leasing celebrado com o locatário.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:



I - RELATÓRIO


B……., S.A.. (ora recorrente), melhor identificada nos autos, deduziu recurso, dirigido a este Tribunal, tendo por objeto a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em 04.06.2020, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação adicional de IVA respeitante a 2009, no montante de € 108 928,12, e dos juros compensatórios no valor de € 10 001,14.



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A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:


“ A)- O presente Recurso tem como objeto a Sentença proferida em 4 de junho de 2020 pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que declarou totalmente improcedente a Impugnação Judicial n.º 434/12.8BELRS, deduzida pela RECORRENTE contra os atos de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) relativos ao ano de 2009, no valor global de € 108.928,12, e contra os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 10.001,14;


B) De acordo com a fundamentação dos atos de liquidação contestados pela RECORRENTE, a Administração tributária considerou que, em caso de perda total dos veículos automóveis locados aos seus Clientes no âmbito de contratos de locação financeira (“leasing”), a RECORRENTE devia ter liquidado IVA sobre a totalidade do montante das rendas vincendas e do valor residual no momento em que ocorreu a perda, mesmo na parte em que esse montante não foi efetivamente cobrado aos locatários, nem era por eles devido – a parte correspondente às indemnizações por danos emergentes que as seguradoras pagaram à RECORRENTE em função da perda dos automóveis;


- C) A RECORRENTE considera, no entanto, que os valores que recebeu pela perda dos veículos segurados correspondem a indemnizações totalmente isentas de IVA, que: (i) servem para reparar a perda dos veículos automóveis em caso de acidente – que já não lhe serão restituídos pelos locatários; e que (ii) beneficiam jurídica e economicamente a RECORRENTE – que é a entidade que sofre a referida perda;


D) Nesta medida, os montantes pagos pelas seguradoras à RECORRENTE não podem ser sujeitos a IVA, nem diretamente, nem indiretamente, através de uma prévia imputação ficcionada aos locatários;


E) Adicionalmente, a RECORRENTE entende que – independentemente da ilegalidade das liquidações de IVA – as liquidações de juros compensatórios contestadas padecem de um vício próprio, porque o alegado retardamento do apuramento do imposto nunca lhe poderia ser imputável a título de culpa;


F) Na douta Sentença aqui recorrida, o Tribunal Tributário de Lisboa deu razão à Administração tributária porque considerou que, ao deduzir o montante das indemnizações recebidas das seguradoras no cálculo dos valores devidos pelos locatários, a RECORRENTE estava a realizar uma compensação, mediante a qual: (i) recebia a totalidade do valor das rendas vincendas e do valor residual previsto nos contratos de leasing (sujeitos a IVA); e (ii) entregava aos locatários o valor das indemnizações das seguradoras que lhes eram supostamente devidas;


G) Não obstante, a RECORRENTE entende que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento, quer na seleção dos factos provados relevantes para a boa decisão da causa, quer ainda na aplicação regime do IVA e deve, por isso, ser revogada e substituída por uma decisão que dê provimento ao pedido formulado na petição inicial;


H) Para além disso, a RECORRENTE entende que a Sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia quanto ao vício autónomo que imputou às liquidações de juros compensatórios


I) Para além dos factos elencados no capítulo “III – 1. Dos Factos” da Sentença recorrida, o Tribunal a quo devia ter considerado provados e relevantes para a boa decisão da causa os seguintes factos, que aqui se identificam para efeitos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Civil:


(i) Simultaneamente com a celebração de cada contrato de leasing, era subscrito um seguro obrigatório pela RECORRENTE, na qualidade de tomadora e beneficiária, que cobria os danos próprios da viatura locada (cf. artigos 10.º, 11.º, 37.º e 38.º da p.i.);


(ii) Em caso de perda total dos veículos automóveis locados, a RECORRENTE apenas cobrava aos locatários o valor complementar correspondente à diferença entre: (i) o montante total das rendas vincendas e valor residual; e (ii) o montante das indemnizações que lhe tinham sido pagas pelas seguradoras (cf. artigos 10.º e 13.º da p.i.);


J) Estes dois factos, alegados pela RECORRENTE nos artigos 10.º 13.º e 37.º e 38.º da p.i. são manifestamente relevantes para a boa decisão da causa, uma vez que através dele se confirma que – como já resulta da parte final da cláusula 10.ª dos contratos de locação financeira: (i) O valor efetivamente devido pelos locatários (i.e., a obrigação dos locatários) em caso de perda total dos veículos automóveis não incluía os valores pagos pelas seguradoras à RECORRENTE a título de indemnização; e (ii) A RECORRENTE não tinha qualquer obrigação de transferir as indemnizações dos seguros para os locadores, uma vez que é formal e materialmente a única beneficiária dessas indemnizações.


K) Por último, a RECORRENTE nota que os dois factos acima elencados resultam claramente provados pelo teor da minuta de contrato de locação financeira na versão utilizada no ano de 2009 e pelo teor das pp. 17 e 18 do Relatório de Inspeção Tributária, que foram juntos aos Autos como DOCS. 4 e 2 da p.i., respetivamente, o que se alega, nos termos previstos no artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil;


L) Ao exposto acresce que o entendimento jurídico vertido na Sentença recorrida também não pode proceder;


M) Na génese do entendimento do Tribunal estão dois pressupostos que a RECORRENTE considera errados: (i) em primeiro lugar, o Tribunal considerou que, de acordo com a Cláusula 10ª dos contratos de locação financeira, em caso de perda total, os locatários estariam obrigados a pagar à RECORRENTE um montante equivalente às rendas vincendas e ao valor residual do veículo; (ii) segundo lugar, o Tribunal entendeu que o direito à indemnização paga pelas seguradoras era do locatário, e que, portanto, a RECORRENTE estava obrigada a transferir para a esfera deste os montantes recebidos no âmbito do contrato de seguradora.


N) Se estes pressupostos estivessem corretos, a dedução do valor da indemnização ao montante a pagar pelo locatário seria uma simples compensação entre créditos recíprocos da RECORRENTE e do locatário;


O) Todavia, como a RECORRENTE alegou na sua p.i. e está cabalmente demonstrado na documentação junta aos Autos, do regime contratual e da prática adotados não resulta – bem pelo contrário – que os locatários tivessem a obrigação jurídica de pagar à RECORRENTE todo o montante das rendas vincendas e valor residual;


P) Na verdade, como decorre do próprio texto da Cláusula 10ª dos contratos de leasing e é confirmado pela prática adotada no ano de 2009 (que a Administração tributária reconheceu no Relatório de Inspeção Tributária), a obrigação de pagamento dos locatários correspondia apenas ao excesso – se existisse – entre o montante das rendas vincendas e valor residual, por um lado, e a indemnização paga pela seguradora, por outro;


Q) Por outro lado, como também decorre dos contratos de leasing e é claramente assumido, tanto no Relatório de Inspeção Tributária, como na Sentença aqui recorrida, a única titular das indemnizações pagas pelas seguradoras era a RECORRENTE (e nunca os locatários), não se vislumbrando ao abrigo de que norma legal ou contratual estariam estes constituídos no direito de exigir a transferência da indemnização para a sua esfera;


R) Não existe, portanto, qualquer compensação entre créditos porque: (i) o crédito da RECORRENTE sobre os locatários se reconduzia (apenas e só) ao montante das rendas e valor residual deduzido da indemnização paga pela seguradora; e porque (ii) os locatários não detinham qualquer crédito sobre a RECORRENTE;


S) Terminada esta análise mais formal, que faz cair os pressupostos da decisão recorrida, a RECORRENTE passa a demonstrar materialmente que as prestações aqui em causa não podem ser sujeitas a IVA;


T) Como a RECORRENTE indicou nos artigos 11.º e 12.º sua p.i., as indemnizações que lhe são pagas pelas seguradoras correspondem ao valor de mercado do veículo segurado à data do sinistro – i.e., ao valor do dano emergente decorrente desse sinistro; o valor destas indemnizações visa, portanto, ressarcir a RECORRENTE de uma perda patrimonial direta – a do veículo que lhe pertencia e que se perdeu;


U) Num segundo momento, a RECORRENTE tinha direito a receber dos locatários a diferença – se existisse alguma – entre o valor da indemnização pago pelas seguradoras (que cobre o valor do veículo) e o valor que deveria ter recebido se o contrato fosse cumprido até ao fim, sem perda do veículo;


V) Em caso de perda total, a RECORRENTE tinha, portanto, dois valores a receber, com naturezas totalmente distintas: (i) a indemnização pelo dano emergente, correspondente ao veículo perdido; e (ii) a compensação pelo eventual excesso (lucro cessante) que o cumprimento do contrato lhe viesse a garantir;


W) Na primeira parte, trata-se de uma indemnização manifestamente isenta de tributação, porque não compensa qualquer operação tributável, mas apenas uma perda de um ativo; na segunda parte, há um crédito comum sobre o locatário, que está sujeito a IVA por compensar (substituir) uma operação tributável;


X) Neste sentido, o apuramento de IVA sobre valores que não eram devidos pelos locatários à RECORRENTE (e não foram cobrados pela RECORRENTE aos locatários) é manifestamente ilegal, por violação do disposto nos artigos 1.º, 4.º e 16.º do Código do IVA e os atos de liquidação devem ser anulados;


Y) Atento o exposto, é evidente que a indemnização pela perda do veículo não pode ser tributada, nem de uma forma direta (enquanto indemnização paga pela seguradora à RECORRENTE), nem de uma forma indireta, enquanto indemnização ficcionadamente devida ao locatário e putativamente paga à RECORRENTE por conta daquele – a natureza da indemnização é a mesma e não pode ser tributada em nenhum dos dois cenários;


Z) Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo a respeito de uma situação de facto muito semelhante à que está subjacente ao presente Recurso, “a perda do veículo não pode deixar de ser considerado um prejuízo sofrido pela locadora, derivado do acidente, e que terá impacto na sua atividade como um todo, visando a indemnização reparar esse dano. Assim sendo, por força da sua natureza é evidente que os montantes recebidos a título de indemnizações de risco coberto por contrato de seguro, na parte em que se destinem a reparar o dano consubstanciado na perda do veículo (ou do capital utilizado para a sua aquisição) não podem estar sujeitos a IVA (…), uma vez que não tem associado qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços (relação sinalagmática), mas tão só carácter ressarcitório (…)” (cf. Acórdão proferido em 31 de outubro de 2012, no Recurso n.º 01158/11, disponível em www.dgsi.pt e citado na Sentença recorrida; realce acrescentado).


AA) E esta conclusão não depende da titularidade jurídica/contratual do direito à indemnização ser do locatário (que estava obrigado a suportar os custos do seguro) ou da locadora (que é a tomadora e beneficiária do seguro) porque, ao contrário do que entende a Administração tributária, “a natureza da indemnização não depende dos sujeitos intervenientes, mas sim da causa e do objeto que a mesma visa reparar. Isto é, o facto de o risco referente à perda total dos veículos ter sido transferido para um terceiro não altera a natureza da indemnização, seja esta paga pela seguradora ou diretamente pelo particular, o que releva é que a mesma é devida pelos clientes da entidade que loca/aluga automóveis e tem como propósito reparar o prejuízo sofrido por aquela em caso de sinistro com perda total dos veículos” (ibidem).


BB) A finalizar, a RECORRENTE nota os efeitos totalmente desadequados que teria a tributação de valores ficcionadamente devidos pelos locatários e que nunca foram recebidos pela RECORRENTE.


CC) Se o entendimento vertido na Sentença recorrida estivesse correto, as indemnizações de danos emergentes poderiam sempre ser indiretamente tributadas, contra toda a doutrina e jurisprudência que afasta do campo do imposto as compensações que – como a presente – não substituem operações tributáveis;


DD) Por outro lado, a tributação indireta das indemnizações por danos emergentes teria um efeito económico totalmente indesejado pelo legislador, encarecendo sem justificação uma operação que não se concluiu, que envolveu prejuízos para o consumidor final e que não tem subjacente uma transmissão, mas uma perda;


EE) Finalmente, se pudesse ser interpretado no sentido sufragado na Sentença aqui recorrida, o regime introduziria uma complexidade totalmente desproporcionada nas relações comerciais dos sujeitos passivos que se dedicam ao leasing, obrigando-os a cobrar aos seus clientes imposto sobre dívidas que estes não têm e não pagam, o que certamente seria difícil de explicar a um homem médio e geraria inequivocamente mais litigância entre as partes;


FF) Em face do exposto, a Sentença recorrida padece de um manifesto erro de julgamento e deve ser revogada, porque não concluiu que os atos de liquidação contestados pela RECORRENTE violam o disposto nos artigos 1.º, 4.º e 16.º do Código do IVA e, por isso, não os anulou;


GG) Sem prejuízo do exposto, a RECORRENTE requer ao Tribunal Central Administrativo Sul que, caso subsistam dúvidas sobre a interpretação do regime do IVA acima invocado, reenvie o processo para apreciação prejudicial por parte do Tribunal de Justiça, nos termos previstos no artigo 267.º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, perguntando se o regime de Direito da União Europeia se opõe ou não a uma legislação nacional que, interpretada como fez a Administração tributária no presente caso, impõe a liquidação de IVA sobre valores equivalentes aos das indemnizações pagas por seguradoras a locatárias de veículos automóveis locados a terceiros em caso de perda total desses veículos;


HH) Nos artigos 63.º a 66.º da p.i., a Recorrente sustentou que – independentemente da decisão quanto à (i)legalidade das liquidações de IVA contestadas – as liquidações de juros compensatórios padecem de um vício próprio, consubstanciado no facto de não estar demonstrado, nem ser demonstrável que o alegado retardamento no apuramento do imposto lhe pode ser imputado a título de culpa;


II) Na verdade, de acordo com a jurisprudência sobre esta matéria, o artigo 35.º da Lei Geral Tributária determina que, para que haja lugar a uma liquidação válida de juros compensatórios é preciso que esteja demonstrado que o retardamento da liquidação (o pressuposto objetivo dos juros) se deveu a um facto imputável ao sujeito passivo, ou seja, que este teve culpa no atraso (o pressuposto subjetivo dos juros);


JJ) No presente caso, a Administração tributária não demonstrou a verificação do pressuposto subjetivo da liquidação dos juros compensatórios, provando que os montantes não liquidados se deveram a uma conduta culposa da RECORRENTE, sem o que as liquidações são inválidas e devem ser anuladas por violação do disposto no artigo 77.º da Lei Geral Tributária;


KK) Adicionalmente, a matéria aqui em causa é inequivocamente complexa, envolvendo a aplicação de regimes de direito civil, comercial e fiscal, e a solução propugnada pela Administração tributária é manifestamente contraintuitiva, impondo a liquidação de imposto sobre valores que não são efetivamente cobrados;


LL) Nestes termos, independentemente da verificação/não verificação do pressuposto objetivo, a divergência qualificativa entre a Administração tributária e a RECORRENTE é compreensível e desculpável, faltando às liquidações de juros compensatórios aqui em causa o seu pressuposto subjetivo, o que determina a sua ilegalidade por violação do disposto no artigo 35.º da Lei Geral Tributária;


MM) Sucede que, como também já se avançou, a douta Sentença aqui recorrida não se pronunciou sobre este tema, limitando-se a afastar a ilegalidade das liquidações de juros compensatórios em conjunto e pelas mesmas razões que afastou a ilegalidade das liquidações de IVA;


NN) Em face do exposto, e considerando o disposto no artigo 125º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a Sentença é nula, por falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar, devendo ser revogada e substituída por uma decisão que se pronuncie e anule os atos de liquidação de juros compensatórios, nos termos acima sufragados”.



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Notificada, a Recorrida não apresentou resposta às alegações.



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Os autos tiveram vista do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do art. 288.º, n.º 1 do CPPT, o qual emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, nos termos do art. 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, vem o processo à Conferência para julgamento.
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II -QUESTÕES A DECIDIR:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do CPPT].
Nesta conformidade, cabe a este Tribunal apreciar e decidir, se a sentença recorrida padece de:
(i) nulidade por omissão de pronúncia ao não se ter pronunciado sobre a culpa da recorrente no que tange ao pagamento de juros compensatórios;
(ii) erro de julgamento de Direito;
(iii) erro de julgamento na seleção e valoração dos factos.
(iv) Por fim, analisar a necessidade de cumprimento da obrigação de reenvio do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

A) A Impugnante é uma instituição de crédito cujo objecto social consiste no exercício actividade de crédito, desenvolvendo parte da sua actividade na área do financiamento e concessão de crédito destinado à aquisição de viaturas automóveis através de contratos de locação financeira de aluguer de longa duração (ALD) e outras modalidades de crédito ao consumo – cf. documento de fls. 19 dos autos;


B) No ano de 2009, a Impugnante estava enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal – cf. documento de fls. 19 dos autos;


C) No âmbito da sua actividade identificada em A) a Impugnante celebra contratos de locação financeira, previamente tipificados, cuja cláusula 10.ª alínea a) das condições gerais do contrato de locação financeira – Perda ou deterioração do bem locado - tem o seguinte teor: «Se por caso fortuito ou de força maior, o bem locado se perder ou deteriorar, observa-se o seguinte: a) Se se verificar uma perda total do bem, o contrato de locação financeira considerar-se-á resolvido, ficando o LOCATÁRIO obrigado a pagar à LOCADORA o capital ainda não recuperado acrescido de todos os débitos vencidos e não pagos, bem como dos juros correspondentes ao período compreendido entre o momento em que o contrato caduca até ao integral e efectivo pagamento, calculado de acordo com a taxa do contrato e eventuais prejuízos resultantes da legislação fiscal e de despesas administrativas. Contudo, a este valor deverá ser deduzido o montante recebido pela LOCADORA por força do contrato de seguro existente sobre o bem.» - cf. documento junto com a petição inicial com o n.º 4 a fls. 167 dos autos que se dá por integralmente reproduzido;


D) Na sequência da ordem de serviço externa n.º OI….., por despacho de 1/2/2011, a Impugnante foi objecto de uma acção de inspecção de âmbito geral com incidência no exercício de 2009 – cf. relatório de inspecção a fls. 19 dos autos que se dá por integralmente reproduzido;


E) Da referida acção inspectiva resultaram correcções de natureza meramente aritmética, que incidiram em IRC e IVA tendo sido apurado, além do mais, IVA em falta no montante de € 108 928,12 com fundamento «no preceituado nos Art.ºs 7.º e 8.º e alínea h) do n.° 2 do artigo 16.° ambos do CIVA, conforme se discrimina por valor e período de imposto» em anexos n.ºs 9 e 10» – cf. fls. 23 dos autos;


F) As correcções efectuadas em sede de IVA fundaram-se na constatação de que, nos casos de perda total dos bens objecto de locação financeira, a Impugnante não procedeu «à liquidação de IVA sobre o vencimento antecipado (actualizado) do capital em dívida, designadamente rendas vincendas, valor residual e juros, desde a última renda vencida até ao momento da ocorrência da perda total.» - cf. fls. 19 e sgs;


G) Resultou da acção de inspecção que está prevista contratualmente que quando existe um sinistro, com perda total do bem, dá-se a resolução do contrato, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e do valor residual, actualizado, adicionado das rendas vencidas e não pagas, e o locador entregar ao locatário a indemnização que venha a receber da seguradora.» – cf. fls. 19 e sgs dos autos;


H) Concluiu a equipa de inspecção, tendo em conta a cláusula contratual identificada na alínea C), que «o que está em causa não é o valor a restituir pela locadora ao locatário, relativa à indemnização recebida da seguradora, uma vez que não tem subjacente uma operação sujeita a imposto e como tal não deve ser tributada em IVA, mas sim o valor a pagar à locadora pelo locatário, relativa ao valor das rendas vincendas e valor residual actualizados ao momento da perda total do bem, uma vez que configura uma prestação de serviços face ao n.° 1 do Art.° 4.° do CIVA.(…) pretendendo tributar a contraprestação de operações tributárias e não a indemnização de prejuízos que não tenham carácter remuneratório. Assim, são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, e como tal configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto, nos termos do já citado n.º 1 do Art. 4.º do CIVA.» - cf. fls. 37 dos autos;


I) Na sequência do relatório de inspecção foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios n.º …… a …… no valor de € 118 929,26 – cf. fls. 139 a 164 dos autos;


J) Das referidas liquidações deduziu a Impugnante a presente acção – cf. fls. 1 dos autos”.



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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.”


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A motivação da matéria de facto assentou no seguinte:

“ A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame crítico das informações e dos documentos não impugnados, constantes dos autos e do processo administrativo tributário, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório”.


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Importa antes de mais, de modo a estabilizar a factualidade assente, analisar se a sentença errou no julgamento da matéria de facto, desde logo em relação a factos que devia ter considerado provados (conclusões I) a K)).

A impugnação da matéria de facto – provada e não provada – obedece ao disposto no artigo 640º do CPC, que indica quais os ónus a cumprir pelo recorrente.

Como se disse no acórdão do STJ de 19.10.2021, processo 4750/18.7T8BRG.G1.S1, diremos também nós que: “ Ainda que não constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, pode o recorrente entender que na matéria de facto provada e não provada não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Com essa pretensão o recorrente quer ver incluídos factos alegados e sobre os quais versou o julgamento na matéria de facto, a partir de alegações e meios de prova, o que significa que o tribunal de recurso carece de ter elementos concretos sobre a indicada pretensão – quais os factos a aditar e porquê; quais os meios de prova que sustentam o aditamento”.

Para a recorrente, na situação colocada, o Tribunal a quo deveria dar por provados os seguintes factos, que alegara na PI e decorrem, afirma, do teor dos documentos 2 e 4 juntos com a PI, os quais têm relevância para a decisão a proferir:

(i) - Simultaneamente com a celebração de cada contrato de leasing, era subscrito um seguro obrigatório pela RECORRENTE, na qualidade de tomadora e beneficiária, que cobria os danos próprios da viatura locada (cf. artigos 10.º, 11.º, 37.º e 38.º da p.i.);

(ii) - Em caso de perda total dos veículos automóveis locados, a RECORRENTE apenas cobrava aos locatários o valor complementar correspondente à diferença entre: (i) o montante total das rendas vincendas e valor residual; e (ii) o montante das indemnizações que lhe tinham sido pagas pelas seguradoras (cf. artigos 10.º e 13.º da p.i.).

Deste modo, ao indicar os pontos de facto que entendia que deviam ser incluídos no elenco dos factos provados, por referencia ao que havia alegado na PI, convocando os elementos documentais donde os mesmos resultam, cumpriu a recorrente com o seu ónus, à luz do artigo 640º do CPC.

Vendo a factualidade alegada pela recorrente na PI, que pretende acrescer ao probatório, não é a mesma irrelevante para a solução jurídica do litígio, na medida em que dali se extrairá a consequência que, ao nível da responsabilidade pela perda de viaturas ocorrerá, quer para a recorrente (locadora) quer para o locatário, aquando da resolução do contrato.

Nesta conformidade, por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que, quer por acordo, quer documentalmente, está demonstrada, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

L) Simultaneamente com a celebração de cada contrato de leasing, era subscrito um seguro obrigatório pela RECORRENTE, na qualidade de tomadora e beneficiária, que cobria os danos próprios da viatura locada – Facto não controvertido- tendo em conta o alegado na PI e o constante nos pontos 1.8 a 1.10 do requerimento da FP de págs. 182/197 do SITAF; Cf. ainda o doc. 4 junto com a PI (identificado na alínea C) do probatório).

M) Em caso de perda total dos veículos automóveis locados, a RECORRENTE apenas cobrava aos locatários o valor complementar correspondente à diferença entre: (i) o montante total das rendas vincendas e valor residual; e (ii) o montante das indemnizações que lhe tinham sido pagas pelas seguradoras – Facto não controvertido- tendo em conta e o constante nos pontos 1.8 a 1.10 do requerimento da FP de págs. 182/197 do SITAF; Cf. ainda os docs. 2 e docs. 4 juntos com a PI (este último identificado na alínea C) do probatório).


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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:

Estabilizada que está a decisão de facto, a este Tribunal cumpre apreciar e decidir, primeiramente se a decisão sob censura é nula por omissão de pronúncia.
(i) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Aduz a recorrente que a sentença é nula por não se ter pronunciado sobre o vicio autónomo que imputou aos juros compensatórios liquidados (Cf. Conclusões H) e MM)).
Vejamos.
A nulidade por omissão de pronúncia, prevista no artigo 125º nº 1 do CPPT (assim como no art. 615º do CPC), verifica-se quando o Tribunal, em violação do seu dever de cognição, consagrado no artigo 608º nº 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2º al. e) do CPPT, deixe de se pronunciar sobre questões que deva apreciar ou seja, sobre todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceto aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
A esta luz, consultando a decisão recorrida, a respeito dos juros compensatórios única referência feita pelo Tribunal a quo é a que consta do elenco dos factos provados onde está assente que: “Na sequência do relatório de inspecção foram emitidas as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios n.º …… a ………. no valor de € 118 929,26 – cf. fls. 139 a 164 dos autos” (Cf. Ponto I) dos factos provados).
No dispositivo, também conclui a decisão recorrida pela anulação das liquidações (onde se inclui, além do IVA os juros compensatórios).
Já na subsunção jurídica nada consta acerca dos juros compensatórios, designadamente quanto às ilegalidades a estas apontadas na PI.
Nos pontos 63º, 64º e 65º da PI a recorrente afronta os juros do modo seguinte:
“(…)
63º
No que respeita às liquidações de juros compensatórios, o artigo 35ºs da LGT estatui que estes serão devidos, no que nesta sede releva, quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

64ª

Deste modo, exige-se a verificação de um nexo de causalidade adequada entre o comportamento do sujeito passivo e a falta de recebimento pontual da prestação e que o referido comportamento seja censurável a título de dolo ou negligência, vide, neste sentido, Acórdão do STA de 23.10.2002, relatado pelo Ilustre Conselheiro Alfredo Madureira no âmbito do processo número 01145/02:

“- Os juros compensatórios decorrentes do atraso na liquidação do respectivo imposto (art.º 90º CIRS, art. 2 8 do CIRC e art. 89.º do CIVA) pressupõem a existência de culpa (dolo ou negligência) do contribuinte pelo atraso ou falta da liquidação.
II — A eventual impugnação da liquidação destes, quando autonomamente liquidados, se fundamentada em factos autónomos, não depende e muito menos necessariamente da impugnação da liquidação do imposto respectivo.
III - Verificando-se porventura que o eventual atraso na liquidação se ficou antes a dever a mera e compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte ou a erro desculpável deste, não são devidos aqueles juros.

65º
Assim, estando já demonstrado que os pressupostos em que assentam as correcções que nesta sede se contestaram não correspondem à realidade dos factos, em conformidade, deverão anular-se as liquidações adicionais de IVA e correspondentes liquidações de juros compensatórios porque indevidas e ilegais.
E mesmo que, por hipótese meramente académica, assim não se entenda, e sem conceder, as liquidações de juros compensatórios deverão ser anuladas por decorrerem de "mera e compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte", não se verificando o pressuposto da culpa referido no acórdão supracitado”.

Compulsada a petição inicial, verifica-se, efetivamente, que a Recorrente invocou vícios específicos destas liquidações de juros compensatórios, defendendo que não estavam reunidos/demonstrados os pressupostos legais e factuais para a sua aplicação, entendendo que, atendendo a que as correções efetuadas são ilegais, não lhe podia ser imputada culpa pelo retardamento da liquidação, de acordo com o estatuído no artigo 35º nº 2 da L.G.T, e que a mencionada culpa inexistia, por estarmos perante mera divergência de critério.
E, nada tendo dito o Tribunal a quo sobre o alegado, estamos perante omissão de pronúncia.

Verifica-se omissão de pronúncia exclusivamente no tocante ao vício próprio dos juros compensatórios, tal qual foi alegado na parte final do ponto 65º da PI acima transcrito, na medida em que os vícios das liquidações de imposto, que, por inerência, comportam vício dos correspondentes juros compensatórios, a que umbilicalmente estão ligados, foram apreciados (quando o Tribunal a quo concluiu pela legalidade das liquidações), sendo apenas e só sobre o vício próprio dos juros compensatórios (falta de culpa por se estar perante uma divergência de critérios) que via apontada a omissão de pronúncia.

Nos termos do art.º 665.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, “[a]inda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação”.
Cumpre então conhecer do vício próprio apontado à liquidação dos juros compensatórios, o que se relega para momento posterior.

Prosseguindo.

(ii) Do erro de julgamento de Direito

Inicia a recorrente as suas conclusões de recurso, apontando vício de erro de julgamento de direito à decisão recorrida, por entender que os valores que recebeu pela perda dos veículos segurados correspondem a indemnizações totalmente isentas de IVA (que servem para reparar a perda dos veículos automóveis em caso de acidente – que já não lhe serão restituídos pelos locatários, sendo a mesma que sofre as perdas), tendo, por isso, o Tribunal a quo errado na aplicação do regime do IVA, ao não ter entendido que havia isenção de IVA nas situações de perda total dos veículos no tocante às indemnizações que as seguradoras pagam às locadoras ( em função da perda das viaturas), afrontando o disposto nos artigos 1.º, 4.º e 16.º do Código do IVA.

Conclui que a indemnização pela perda do veículo não pode ser tributada, nem de uma forma direta (enquanto indemnização paga pela seguradora à recorrente), nem de uma forma indireta, enquanto indemnização ficcionada devida ao locatário e putativamente paga à recorrente (Cf. conclusões C), G), L), M) W) X) Y)).

Analisando.

No que respeita à tributação em sede de IVA, estão sujeitas ao imposto as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal (art. 1º al. a) do) CIVA).

Sendo sujeitos passivos de IVA, as pessoas singulares ou coletivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam atividades de produção, comércio ou prestação de serviços (art. 2º nº 1 al. a) CIVA).

De acordo com o artigo 4º nº 1 do CIVA, São consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

Ao mesmo passo, decorre do artigo 16º (valor tributável nas transações internas), nº 1 e al. h) do nº 2, do CIVA, o seguinte:

1- Sem prejuízo do disposto no nº 2, o valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro.

2- No caso das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável será:

(…)

h) Para operações resultantes de um contrato de locação financeira, o valor da renda recebida ou a receber do locatário.”

O normativo transcrito enuncia que, a base tributável em sede de IVA, para as operações como as que estão aqui em causa, é composta pelas rendas recebidas ou a receber do locatário (pela locadora).

Numa análise puramente literal nada ali se refere a indemnizações recebidas pelas locadoras.

Na verdade, uma vez que as indemnizações sancionarem a lesão de um interesse sem qualquer carácter remuneratório, na medida em que não remuneram qualquer operação de que sejam contraprestação, destinando-se, pelo contrário a ressarcir um dano, as mesmas não são tributáveis em sede de IVA.

Assim se compreende que, no âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras aos locadores, destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis que ficaram desapossadas, em caso de sinistro, não assumem natureza remuneratória ou de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço. Por assim ser, as indemnizações são excluídas da base de incidência do IVA, pois não configuram nenhuma prestação de serviços ou pagamento de um serviço (Cf. art. 1º nº 1, 4º e 16º nº 6 do CIVA). Tem sido este, aliás o entendimento solidificado do STA, de que são exemplo, entre outros, os Acórdãos de 11.10.2023 e 25.01.2013, tirados dos processos nºs 0130/08.0BELRS e 02175/07.9BELSB, onde se consagrou que:

“No âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA”

(…)

(v) No caso de perda total por sinistro dos veículos objecto de contrato de locação financeira, não pode a AT pretender que a locadora devia ter liquidado imposto sobre a totalidade dos montantes das rendas vincendas e do valor residual dos veículos, mesmo na parte em que esses montantes não foram efectivamente cobrados aos locatários, por os veículos estarem a coberto de contrato de seguro e, por isso, o respectivo valor lhe ter sido directamente pago pelas seguradoras e, nessa medida, reduzida a contraprestação devida pelo locatário”.

Resulta assim evidente e pacífico, hoje que, as indemnizações pagas pela seguradora, no âmbito de um contrato de locação financeira, pela perda total de um veículo, não fazem parte da base de incidência do IVA por se tratar de uma indemnização paga à locatária pela perda de um ativo seu, o que não configura uma contraprestação devida pela cessação automática do contrato de leasing celebrado com o locatário.

Porém, as quantias pagas pelo locatário à locadora, traduzidas no pagamento de eventuais rendas vencidas e respetivos juros, porque radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas, tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, tais quantias representam já uma contraprestação de operações tributáveis em IVA.

Vejamos agora o caso sujeito.


Colhe-se dos autos e do probatório fixado em 1ª instancia e bem assim dos pontos L) e M) aditados por este Tribunal, que, a recorrente, no âmbito da sua atividade de concessão de crédito destinado à aquisição de viaturas automóveis através de contratos de locação financeira (Leasing), em resultado de uma ação inspetiva, viu liquidado IVA referente ao exercício de 2009 e juros compensatórios, nos montante de € 108 928,12 e € 10 001,14, respetivamente, mercê do entendimento da Administração Tributária de que, no ano em causa, a recorrente não procedeu à liquidação de IVA em situações de perda total de veículos, de acordo com o estatuído artigo 4.º, n.º 1 do CIVA.

No entendimento da AT, vertido no Relatório Inspetivo junto com PI, e a que o probatório faz referência e dá por reproduzido, “são tributáveis em IVA as indemnizações que tenham subjacente uma transmissão de bens ou prestação de serviços, e como tal configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto, nos termos do já citado n.° 1 do Art°. 4.° do CIVA”.

É deste entendimento feito primeiramente pela AT no relatório inspetivo, depois acolhido pela sentença recorrida, que a recorrente discorda, entendendo que as operações tributadas estão isentas de IVA, desde logo porque, a indemnização que é paga pela seguradora pela perda da viatura, não configura uma contraprestação devida pelo locatário, estando isenta de IVA, tendo a decisão recorrida colidido com o consagrado nos artigos 1.º, 4.º e 16.º do CIVA.

Para a recorrente, contrariamente ao decidido, os valores que recebeu pela perda dos veículos segurados correspondem a indemnizações totalmente isentas de IVA, os quais se destinam a reparar a perda dos veículos automóveis em caso de acidente, que já não lhe serão restituídos pelos locatários, sendo apenas a locadora/recorrente a beneficiária da indemnização por ser a entidade que sofre a perda. Por assim ser, os montantes que lhe são pagos pelas seguradoras não podem ser sujeitos a IVA, nem diretamente, nem indiretamente, através de uma prévia imputação ficcionada aos locatários.

Lendo a decisão recorrida, verificamos que o tribunal a quo considerou que a indemnização recebida pela recorrente por parte da seguradora, em caso de perda total, no âmbito de um contrato de seguro, está sujeita a IVA, entrando no acerto de contas aquando da resolução do contrato, compondo a base de incidência do imposto, conclusão que retirou, nomeadamente da clausula 10ª do contrato a que alude o probatório e do artigo 4º do CIVA.

A este propósito, reza assim a decisão recorrida:

“(…) a perda total do veículo determina, como já referimos, a resolução do contrato de locação financeira, donde emerge a obrigação de pagamento pelo locatário das rendas vincendas no momento em que ocorreu o acidente, do valor residual actualizado e das rendas vencidas e não pagas àquela data pelo locatário. Ambas são ainda fundadas no contrato de locação financeira, já que as primeiras (rendas vincendas e valor residual) emergem do capital financeiro contratado para a aquisição do bem, pago em prestações, que por efeito da resolução do contrato são antecipadas, isto é, vencem-se.

Ora, o apuramento da diferença positiva entre tais montantes e o valor da indemnização paga pela seguradora à Impugnante, que é objecto de dedução àquela, emerge da compensação a que a Impugnante procede entre o valor da indemnização recebida da seguradora e o valor devido pelo locatário, por questões operativas, em consonância com a parte final da clausula 10.ª das condições gerais do contrato de locação financeira supra transcrita.

Na verdade, tal «dedução» resulta da obrigação do locador proceder à entrega ao locatário da indemnização que venha a receber da seguradora, porque o risco de perecimento do bem corre pelo locatário. Com efeito, embora o locador seja o beneficiário do contrato de seguro, o tomador do seguro é o locatário. Não obstante a indemnização pelo dano resultante da perda total do veículo seja paga pela seguradora à Impugnante, ela destina-se a ressarcir o dano resultante da perda total do veículo na esfera jurídica do locatário, já que a Impugnante não sofre dano algum, já que se mantém a obrigação do locatário proceder ao cumprimento integral do contrato através do pagamento das rendas vincendas e do valor residual do contrato, que se venceriam periodicamente, durante o período previsto de vigência do contrato, como se o mesmo decorresse normalmente, sem perda do bem, só que são antecipadas.(…)”

O Tribunal a quo parte do pressuposto - que não podemos acompanhar - de que, o montante pago pela seguradora à locadora/recorrente integra a esfera patrimonial do locatário, partindo dessa premissa para logo concluir que, aquando da resolução do contrato de locação, pela perda total, o valor da indemnização que é paga pela seguradora à locadora é configurado, não como perda de um ativo da locadora, e portanto uma perda sua, mas, como uma “contraprestação” que aquando da cessação do contrato terá de ser “restituída” ao locatário.

Mas não é assim.

A quantia paga pela seguradora à locadora/recorrente pela perda total das viaturas, tem um cariz verdadeiramente indemnizatório para esta, visando cobrir os danos que padeceu ao ficar desapossada do bem (veículo) que lhe pertencia. Não pode, por isso, ser tratada esta indemnização como uma “remuneração” ou “contraprestação” emergente do contrato de locação financeira que cessa automaticamente.

Assim, estando o valor indemnização unicamente relacionado com o ressarcimento à locadora/recorrente do dano emergente da perda do veículo, tem de estar arredado das normas de incidência do IVA, desde logo por não ter subjacente qualquer contraprestação.

A natureza da indemnização não depende dos sujeitos passivos intervenientes, mas sim da causa e do objeto que a mesma visa reparar – os danos sofridos pela locadora com a perda da viatura.

O facto de o risco referente à perda total dos veículos ter sido transferido para um terceiro não altera a natureza desta indemnização, seja esta paga pela seguradora ou diretamente pelo particular. O que releva é que a indemnização tem como propósito reparar o prejuízo sofrido, não se tratando, por isso, conforme avançamos, de uma contraprestação (devida pela transmissão de um bem ou pela prestação de um serviço), estando excluída da sujeição a IVA de acordo com o disposto nos artigos 1º n.° 1, 4º nº 1 e 16º do CIVA.

Esta questão foi recentemente tratada pelo Supremo Tribunal Administrativo, nos acórdãos de 11.10.2023 e 25.01.2013, tirados dos processos nºs 0130/08.0BELRS e 02175/07.9BELSB, onde é feita uma síntese da jurisprudência daquele alto Tribunal sobre esta matéria (estavam em causa recursos da FP que discordava das decisões de 1ª instância por entender que as operações, também relacionadas com indemnizações recebidas pela locatária por parte da seguradora, para reparar as perdas, estavam isentas de IVA, e que o STA veio a negar provimento), os quais, pela sua elevada profundidade, clareza e identidade com a situação trazida, nos louvamos em acompanhar de perto.

Discorreu-se em ambos os arestos acima referidos, o seguinte:

3.2.1. O presente recurso vem interposto pela Administração Tributária com fundamento em erro de julgamento por na sentença recorrida se ter perfilhado o entendimento de que a indemnização recebida pela Impugnante no âmbito de contratos de seguro tem carácter indemnizatório e não pode considerar-se como remuneração da locadora pelo contracto de locação financeira ou pela cessação do mesmo, tendo concluído, ainda, que não pode considerar-se que o valor em causa deveria ser entregue pela Impugnante ao locatário que, por seu turno, acertaria as contas com a locadora.

3.2.2. Vejamos, então, o que nos oferece dizer, começando por fazer um breve enquadramento do quadro jurídico que de forma especial nos importa relevar, ou seja, por atentar na disciplina consagrada nos artigos 1.º, 4, e 16.º, do Código de Imposto Sobre o Valor Acrescentado [CIVA – na versão em vigor em 1999, atento o preceituado no artigo 12.º da Lei Geral Tributária (LGT)], dos quais, conjugadamente, resulta que estão sujeitas a IVA as prestações de serviços efectuadas no território nacional a título oneroso por um sujeito passivo actuando como tal, sendo o valor tributável nas operações internas (transmissões de bens ou prestação de serviços sujeitas a imposto) constituído pelo valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, do destinatário ou de um terceiro, valor esse que, no caso particular dos contratos de locação financeira, corresponde ao valor da renda recebida ou a receber do locatário.

3.2.3. Como está bem de ver, e a doutrina e jurisprudência vem salientando, pretende-se com a consagração deste regime assegurar que o IVA, independentemente da entidade que procede ou deva proceder ao seu pagamento, só incida sobre a contraprestação real ou efectiva da transacção realizada, devendo o conceito de contraprestação, em conformidade com o entendimento sistematicamente veiculado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, ser entendido de forma mais ampla possível, por forma a ser respeitado e observado o princípio da neutralidade. Sem prejuízo, como se salientou já, das regras especiais previstas no n.º 2 do artigo 16.º o CIVA, em que e inclui a delimitação precisa da contraprestação sujeita a IVA nos contratos de locação financeira.

3.2.4. Finalizando esta breve discurso sobre o enquadramento jurídico da questão, recorda-se que o contrato de locação financeira, regulado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho (tendo sofrido já diversas alterações com a entrada em vigor dos Decretos-Lei n.ºs 265/97, de 2 de Outubro, 285/2001, de 3 de Novembro e 30/2008, de 25 de Fevereiro), define-se como o contrato pelo qual uma das partes (locador financeiro) se obriga, contra retribuição, a conceder à outra (locatário financeiro) o gozo temporário de uma coisa, adquirida ou construída por indicação desta e que a mesma pode comprar, total ou parcialmente, num prazo convencionado, mediante o pagamento de um preço determinado nos termos do próprio contrato. Doutrinalmente vem sendo qualificada como contrato nominado misto por o seu regime integrar parcialmente elementos do contrato típico de compra e venda e de locação.

3.2.5. Posto isto, cumpre ainda salientar que a questão que ora enfrentamos vem sendo recorrentemente apreciada por este Supremo Tribunal Administrativo em acções que, de resto, envolvem as mesmas partes, em processos cujas alegações de recurso e/ou conclusões são praticamente idênticas.

3.2.6. Compulsados os acórdãos proferidos neste Supremo Tribunal Administrativo entre 2011 e 2021, particularmente os que de forma mais profunda e inovatória se debruçaram sobre esta questão [reportamo-nos aos acórdãos de 31-10-2012 (proferido no processo n.º 1158/11) e de 12-05-2021 (proferido no processo n.º 2433/11.8BELRS)], replicados ou acolhidos em outros arestos podemos concluir que este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que:

(i) Com base numa interpretação teleológica e sistemática do artº 16º, nº 6, alínea a), do CIVA, em conjugação com o disposto nos arts. 1º, nº 1, e 4º, nº 1, do mesmo normativo, e tendo presente o conceito de indemnização, serão tributadas as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços;

(ii) Se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços;

(iii) No âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA.

(iv) As indemnizações pagas pelo locatário à locadora, traduzidas no pagamento de eventuais rendas vencidas e respectivos juros, porque radicam no cumprimento de obrigações contratualmente assumidas, tendo estes contratos a natureza de contratos de prestação de serviços, tais quantias representam, ainda, contraprestações de operações tributáveis em IVA;

(v) No caso de perda total por sinistro dos veículos objecto de contrato de locação financeira, não pode a AT pretender que a locadora devia ter liquidado imposto sobre a totalidade dos montantes das rendas vincendas e do valor residual dos veículos, mesmo na parte em que esses montantes não foram efectivamente cobrados aos locatários, por os veículos estarem a coberto de contrato de seguro e, por isso, o respectivo valor lhe ter sido directamente pago pelas seguradoras e, nessa medida, reduzida a contraprestação devida pelo locatário.

3.2.7. No caso concreto, devidamente perscrutados os articulados, o relatório de inspecção, o processo de reclamação gracioso e o recurso hierárquico, bem assim, as alegações e contra-alegações de recurso, o que verdadeiramente separa a Recorrente e Recorrida não é a definição de qual ou quais as prestações ou contraprestações das operações visadas que devem ser objecto de tributação em IVA. Na verdade, se bem atentarmos no que cada uma aduz, ambas estão de acordo que a indemnização paga pela seguradora na sequência da perda total do bem locado não está sujeita a IVA. No que, repetimos, verdadeiramente divergem é quanto ao caminho de determinação do valor sujeito a IVA.

Assim:

- Para a Administração Tributária, o valor sujeito a IVA corresponde ao valor total das rendas vencidas e vincendas, acrescido do valor residual, devidos à data do sinistro que determinou a perda total. Ou seja, ocorrendo a perda total, o locatário, por força do contrato celebrado (e apurado) tem obrigatoriamente que pagar todos esses valores, que, substanciando uma contraprestação contratualmente prevista, está sujeito a IVA.

- Para a Recorrente esse valor deve ser objecto de tributação em sede de IVA, mas dele deve ser excluído o valor recebido a título de indemnização, que a Recorrida, enquanto locadora e beneficiária do seguro obrigatoriamente celebrado pelo locatário recebe e que deduz ao valor que exige à locatária. Ou seja, para a Recorrente deve incidir IVA sobre o valor remanescente pago pela locatária por ser o único que corresponde ainda ao cumprimento de uma obrigação contratual e simultaneamente a uma contraprestação devida.

3.2.8. Ora, do confronto dos pressupostos de direito fundamentadores da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que supra enunciamos com os factos apurados, fácil se revela concluir que a sentença recorrida se deve manter na ordem jurídica.

Efectivamente, estando provado que as liquidações impugnadas se reportam a situações em que houve pagamento de indemnizações sem pagamento de IVA por parte das seguradoras (como a Recorrente defende que deve ocorrer) e que esse valor foi directamente entregue à locadora, como expressamente previsto na cláusula 7.º, 2ª parte, do contrato de locação, que apenas exigiu o pagamento do valor remanescente aos locatários, que os pagaram com IVA, nada mais pode ou deve ser exigido.

3.2.9. No fundo, o que a Administração Tributária - que está perfeitamente ciente, como resulta do Relatório de Inspecção, do movimento de encontro de contas realizado e do pagamento do IVA no que respeita ao valor remanescente, que se aceita que ainda corresponda ainda a uma contraprestação contratual para efeitos do preceituado nos artigos 1.º, 4.º e 16.º, n.º 2 do CIVA - pretende com a tese que perfilha, isto é, com o entendimento de que, num primeiro momento, como “operação autónoma”, deve ocorrer a entrega pelo locador ao locatário do valor da indemnização e que o locatário ficaria obrigado a proceder ao pagamento da totalidade das prestações com IVA, é “anular” a exclusão legal de tributação de sujeição a IVA de um valor, que por ter natureza indemnizatória a essa tributação não está sujeito. Ou seja, sabido que as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA, a autonomização total das operações ou a exclusão do encontro de contas entre a locadora e a locatária permitiria afastar esta exclusão legal de tributação.

3.2.10. Em suma, o que linearmente resulta dos autos é que, pese embora o contrato de locação financeira preveja a celebração de um contrato de seguro que tem por objecto o bem locado e vise ressarcir o locador, que é o seu efectivo beneficiário, da sua perda parcial ou total e não obstante desse contrato resulte que o locatário apenas se encontra obrigado a pagar o remanescente (ou seja, o valor de rendas vencidas e vincendas não cobertas pela indemnização paga pela seguradora) e a Administração Tributária bem saiba que sobre aquela indemnização não deva incidir IVA, como não foi, e que sobre o remanescente (contraprestação) incidiu IVA (como resulta do RIT e dos factos apurados), insiste, mais uma vez, em exigir que incida IVA sobre a totalidade das prestações em falta, como se não tivesse havido já, pelo menos parcialmente o ressarcimento do dano (perda total) através do pagamento da indemnização, cujo valor, obrigatoriamente a deduzir ao valor em falta e contratualmente estabelecido, não está sujeita a IVA.

3.2.11. Sem razão alguma. Como se conclui no acórdão que em último citamos, “no caso de perda total por sinistro dos veículos objecto de contrato de locação financeira, não pode a AT pretender que a locadora devia ter liquidado imposto sobre a totalidade dos montantes das rendas vincendas e do valor residual dos veículos, mesmo na parte em que esses montantes não foram efectivamente cobrados aos locatários, por os veículos estarem a coberto de contrato de seguro e, por isso, o respectivo valor lhe ter sido directamente pago pelas seguradoras e, nessa medida, reduzida a contraprestação devida pelo locatário.».

3.2.12. E, assim, sendo, confirmando-se a sentença recorrida, julgar-se-á totalmente improcedente o recurso jurisdicional”. (O destaque é nosso).

Em presença dos ensinamentos trazidos pelo(s) aresto(s) supra transcrito(s), vendo a situação trazida, assalta à evidência que mal andou, também aqui, o Tribunal a quo quando acolheu o caminho traçado pelo relatório inspetivo que, divergindo do entendimento explanado no(s) acórdão(s) do STA, considerou que na base de incidência do IVA deveriam estar incluídas as indemnizações pagas à locadora/recorrente pela seguradora, pela perda total do veiculo objeto do leasing. E isto porque, parte do pressuposto errado de que, sendo exigido ao locatário o pagamento das rendas vincendas e o valor residual atualizado ( o que é certo mercê da cessação automática do contrato) “ não se pode concluir que a indemnização que o seguro paga constituam a reintegração de um ativo perdido na esfera jurídica da Impugnante, traduzindo, antes, o ressarcimento pela perda do veículo na esfera jurídica do locatário”.

Assim sendo, e sem necessidade de mais considerandos, não podemos acompanhar o decidido pelo Tribunal a quo, constatado que vai o apontado erro de julgamento de direito e de facto, o que determina a procedência das conclusões de recurso quanto a estes vícios, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios da decisão bem como da necessidade de reenvio ao TJUE – Cf. art. 608º nº 2 do CPC e 281º do CPPT.

Ao ser provido o recurso, tal determina a anulação das liquidações impugnadas, nomeadamente a liquidação adicional de IVA de 2009, bem como a anulação da liquidação de juros compensatórios que da mesma sorte padecerá consoante supra avançamos (cf. artigo 35º da LGT).

Com efeito e no que concerne ainda aos juros compensatórios, defendeu a recorrente não haver culpa da sua parte no retardamento da liquidação do IVA, entendendo ocorrer uma mera e compreensível divergência de critérios entre a AF e o contribuinte".

Da análise antes incorrida, ao concluir-se pela procedência do erro de julgamento, que contamina a decisão recorrida, a consequência que daí se extrai é que, por estarmos diante de operações isentas, não existe culpa por parte da recorrente de que depende a arrecadação de juros, conforme concluiu a recorrente ((conclusões H) e MM)).


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No que respeita a custas, considerando o princípio da causalidade vertido no artigo 122º nº 2 do CPPT e bem assim no 527º nº 1 e 2 do CPC, as custas ficariam a cargo da recorrida por ser parte vencida. No entanto e porque não ofereceu contra-alegações, a Recorrida não paga taxa de justiça na presente instância – Cf. art.º 7.º, n.º 2, do RCP.


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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção de Contencioso Tributário Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso, declarando a nulidade parcial da sentença por omissão de pronuncia relativamente aos juros compensatórios, e no mais, revogar a decisão recorrida, anulando, consequentemente, a liquidação de IVA de 2009 e respetivos juros compensatórios.

Custas a cargo da recorrida em ambas as instâncias.


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Lisboa, 04 de abril de 2024

Isabel Silva
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Tânia Meireles da Cunha
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Cristina Alexandra Paulo Coelho da Silva
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