Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1032/10.6BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:MNE
REMUNERAÇÕES DOS SERVIÇOS EXTERNOS DO MNE
SALÁRIO MÍNIMO
Sumário:I– O DL n.° 444/99, de 3 de novembro e o estatuto por ele aprovado criaram dois quadros distintos de pessoal dos Serviços Externos do MNE, a saber:
a) Quadro Único de Vinculação (QUV), cujos trabalhadores, sempre de nacionalidade portuguesa (art. 20.° do Estatuto) e com exceção dos trabalhadores referidos no art. 12.° (com as categorias de Guarda, Jardineiro, Auxiliar de serviço - nível 1, Auxiliar de serviço - nível 2), optaram por ter um vínculo de nomeação com a Administração Pública (art. 16.° do Estatuto), ou seja, ficaram subordinados ao regime da função pública, com as especificidades constantes do Estatuto (artigos 3.° e n.° 1 do 4.° do DL e artigo 3.°, n.° 1 do estatuto aprovado pelo DL);
b) Quadro Único de Contratação (QUC), cujos trabalhadores não têm que ter nacionalidade portuguesa (art. 21.° do Estatuto) que incluiu os trabalhadores referidos no art. 12.° (com as categorias de Guarda, Jardineiro, Auxiliar de serviço - nível 1, Auxiliar de serviço - nível 2), que passaram a ter um contrato de trabalho regido pelo direito privado local (art. 17.° do Estatuto), com as especificidades constantes do Estatuto (n.° 2 do artigo 4.° do DL e artigo 3.°, n.° 2 do estatuto aprovado pelo DL).
II- Aos trabalhadores do QUC aplicava-se o direito local, ou seja, o direito do país onde aqueles trabalhadores estivessem a exercer funções, assim como o direito internacional (n.° 2 do artigo 4.° do DL n.° 444/99, de 3 de novembro).
III- No que concerne ao Estatuto Remuneratório, o DL n.° 444/99, de 3 de novembro determinava para o pessoal do Quadro Único de Contratação (QUC) – que a remuneração mensal e a respetiva atualização não têm por base uma tabela indiciária, mas são fixadas por despacho conjunto dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças (artigo 65.° do estatuto), atendendo ao custo de vida de cada Estado e acrescida de prémios de antiguidade, variando, assim, de país para pais.
IV– Com a entrada em vigor do DL n.° 47/2013, de 5 de abril, atualmente vigente, bem como a Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, que revogou a LVCR e o RCTFP, as tabelas remuneratórias passaram a ser fixadas por país, à semelhança do que já acontecia na vigência do DL n.° 444/99, de 3 de novembro, aprovadas por Decreto Regulamentar, sendo que as emergentes atualizações, o são por Portaria, tendo em conta os índices de custo de vida correspondentes, tendo sido mantido o critério da fixação da remuneração dos trabalhadores em função da realidade económica do país onde os mesmos se encontram a exercer funções.
V- Se é verdade que o DL n.° 217/74, de 27 de maio, instituiu o salário mínimo nacional português, o que é facto é que o mesmo pressupõe a sua aplicabilidade apenas em território nacional, não resultando do mesmo, necessariamente, a sua aplicação aos trabalhadores dos SPE (Serviços Periféricos Externos) do MNE que exerçam funções fora do território nacional.
VI- Estabelecendo o Decreto-lei n.° 47/2013 de 5 de Abril, nomeadamente, as regras de fixação da remuneração, as quais mandam atender ao custo de vida do país onde o trabalhador se encontra a exercer funções, naturalmente que ao MNE caberá dar cumprimento aos referidos normativos enquanto os mesmos se mantiverem vigentes.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção SOCIAL
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I Relatório
O Sindicato dos Trabalhadores Consulares e das Missões Diplomáticas no Estrangeiro, intentou Ação Administrativa Comum contra o Ministério dos Negócios Estrangeiros, tendente à:
“a) condenação do réu a atualizar as remunerações base dos associados do autor no valor de € 450, no período de 1 de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2009;
b) alteração das remunerações base dos trabalhadores associados do autor para €475 no período de 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2010 e para o futuro sempre que ocorre uma alteração.


O Sindicato, inconformado com a Sentença proferida em 29 de junho de 2020, no TAC de Lisboa que julgou improcedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão em 18 de setembro de 2020, concluindo:
“A. Além de incorrer em lapso manifesto quanto à isenção de custas já fixada nos presentes autos de que o Recorrente beneficia, a Sentença sob crítica e que anima o presente Recurso, ao decidir no sentido em que o fez, enveredou por entendimento desconforme ao direito;
B. Ao decidir do modo que o fez, incorreu em violação do disposto nos artigos 607.°, n.°s 4 e 5 do CPC, o que importa consequente violação reflexa do art.° 20.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), por não consubstanciar uma decisão equitativa, uma vez que,
C. Por um lado, se impunha haver pugnado por interpretação diversa dos normativos em causa (art.° 639.°, n.° 2, al. b) do CPC), violadora do disposto nos artigos 7.°, 9.°, 16.°, 18.°, 22.°, 26.°, n.° 2 e 59.° da CRP,
D. E por outro, incorreu em erro na determinação da norma aplicável uma vez não tendo aplicação a Convenção de Viena de 1961, uma vez aplicando-se ao pessoal diplomático, o qual não é o caso do pessoal aqui em causa (art.° 639.°/2, al. c) do CPC).
E. Não tendo colocado em evidência nem se tendo pronunciado sobre a questão de fundo que se prende com a revogação tácita do DL n.° 444/99, no que respeita aos ali referidos quadros únicos de vinculação e de contratação, pela LVCR e RCTFP.
F. Sendo consequentemente nula a sentença, nos termos do disposto pelo art.° 615.°, n.° 1, al. b) e d) do CPC, porquanto carente de fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão.
G. Os Associados do Recorrente aqui representados, integram o PESSOAL NÃO DIPLOMÁTICO DOS SERVIÇOS EXTERNOS DO MNE, cujo Estatuto funcional, em vigor à data da interposição da ação, desde 1 de abril de 2000, era o aprovado pelo DL 444/99, de 3 de novembro;
H. Nos termos dos arts.° 1.° a 4.° daquele diploma, as relações laborais consolidadas e que na sua génese tinham como contraentes aqueles trabalhadores, estavam sujeitas a 1 de 2 regimes:
a) De direito público - respeitando-se ao pessoal sujeito ao regime da função pública e integrado no quadro único de vinculação (QUV);
b) De direito privado - onde se encontram abrangidos os trabalhadores em regime de contrato individual de trabalho, integrado no quadro único de contratação (QUC);
I. Com a entrada em vigor da Lei dos Vínculos Carreiras e Remunerações (LVCR) - Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro - e depois o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas (RCTFP) - Lei 59/2008, de 11 de setembro - o pessoal dos serviços externos [PSE] transitou para a modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado, conforme artigos 88.° da LVCR e 17.°/2 da Lei 59/2008, de 11 de setembro, com efeitos a 1 de janeiro de 2009, conforme artigo 109.°/2 da LVCR e artigo 23.° do RCTFP.
J. Ao pessoal dos serviços externos [PSE], de acordo com o expressamente determinado pelo artigo 81.° da LVCR é aplicada a LVCR e o Estatuto de Pessoal dos Serviços Externos do MNE na parte das disposições não revogadas e o RCTFP, o que veio impor a conclusão pela extinção dos QUC e QUV, por efeito legal.
K. Entretanto, foi aprovado o novo Estatuto deste pessoal, o Decreto Lei n.° 47/2013, de 5 de Abril, em vigor a 1 de Maio de 2013 (art.° 53.°), que traduz na integralidade o entendimento vindo de explanar, referindo-se expressamente no respetivo preâmbulo que este vem concretizar a transição destes trabalhadores do PSE para a carreira geral da administração e de assistente de residência, previamente imposta pela LVCR, o que veio reforçar a necessidade de entendimento de que a extinção daqueles quadros foi imediata, aos mesmos sequer ali se fazendo qualquer referência e passando diretamente dizer-se no art.° 3.° que "os SPE do MNE dispõem de um mapa único de pessoal"
L. Em face do exposto, não se concebe o entendimento adotado na sentença ora sindicada, considerando o disposto pelo art.° 9.° do Código Civil (CC), conjugado com o disposto no art.° 607.° do CPC, impondo-se que houvesse tido em consideração de todos os elementos - lógico, teleológico, histórico, integrativo - que permitiam melhor conhecer e interpretar a vontade do legislador - neste caso, da LVCR, que produziu efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2009, data de entrada em vigor do RCTFP (art.° 118.°, n.° 7 da LVCR) - e donde resulta inequívoco que assistia razão ab initio ao ora Recorrente na interpretação do espirito do legislador da LVCR, o que veio a revelar-se confirmado pelo DL n.° 47/2013, nos termos em que ficaram supra expostos, impondo-se não ignorar este precioso elemento interpretativo e integrativo.
M. Não podia o Tribunal a quo indeferir a pretensão do ora Recorrente com fundamento no art.° 4.°, n.° 2 do Estatuto deste pessoal então em vigor, (DL n.° 444/99) porquanto, desde a entrada em vigor da LVCR, os trabalhadores dos SPE transitaram automaticamente para o regime do contrato de trabalhado em funções públicas, sem necessidade de qualquer formalismo, conforme o quadro normativo supra transcrito, extinguindo-se ope legis, quer os quadros de vinculação e contratação pré existentes, quer, necessariamente, todas as consequentes distinções de tratamento àqueles associados, distinção esta de que é exemplo aquele dispositivo que remetia para o direito privado local.
N. A contra senso, o Tribunal a quo faz ancorar a sua decisão no disposto no art.° 3.°, n.° 4, al. b) da LVCR conjugado com o art.° 3.° do Diploma que aprovou o DL n.° 444/99, sem esclarecer em que medida se permite retirar tal conclusão
O. Se o que pretende é retirar que são as normas e princípios internacionais contidas no art.° 41.° da Convenção de Viena de 1961 que impõe tal conclusão, não se compreende em que medida tem aqui aplicação tal dispositivo, o que imporia a prévia conclusão pela aplicabilidade do direito local às relações laborais ora em causa, o que, como ficou supra exposto, não colhe e sobretudo, competia questionar antes, o que não foi feito pelo Tribunal a quo, além de esta versar sobre relações diplomáticas e não sobre as relações laborais ora em causa.
P. Pelo que haverá de se concluir que o Tribunal a quo incorreu em erro ao aplicar o dito dispositivo para decidir no sentido de indeferir a pretensão do Recorrente. Por outro lado,
Q. O que se impunha questionar era se aquele Estatuto aprovado pelo DL 444/99, sendo lei especial, foi tacitamente revogado, como pugna o Recorrente desde o início, por lei geral posterior de hierarquia superior (LVCR e RCTFP).
R. Como colocado em evidência pelo Prof. Dr. Miguel Teixeira de Sousa, a revogação tácita: «a lei posterior só pode revogar a lei anterior quando ambas forem leis gerais (lei geral revoga lei geral) ou especiais (lei especial revoga lei especial) ou quando a lei anterior for geral e a lei posterior for especial. Em contrapartida, uma lei geral posterior não revoga a lei especial anterior, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador (art. 7.°, n.° 3, CC).»
S. Ora, como deixámos supra densificado, é inequívoco, pelas razões supra expostas, que o legislador da LVCR pretendeu fazer transitar automaticamente os trabalhadores representados do Recorrente para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas, sem necessidade de qualquer formalismo adicional, com efeitos a 01.01.2009.
T. Se dúvidas houvesse sobre a intenção do legislador da LVCR e do RCTFP em extinguir os dois quadros existentes até àquela data no seio do PSE, o novo Estatuto aprovado em 2013, mediante o DL n.° 47/2013 veio dissipá-las, o que se impunha que o Tribunal a quo tivesse considerado e nem sequer referiu.
U. Pretendendo retirar das questões inconclusivamente deixadas em aberto a imediata resposta de que se aplica aos representados do Recorrente nos presentes autos o direito local, porque pertencem ao quadro único de contratação e por força do art.° 41.° Convenção de Viena de 1961, o que não pode colher, por inadmissível violação do disposto no art.° 607.° do CPC.
V. Tem assim de concluir-se, por tudo o previamente exposto e como decorreu dos regimes aflorados, houvesse concluído ser manifesto que a estes trabalhadores teria de se aplicar o disposto no art.° 26.° RCTFP que contempla a impossibilidade objetiva da tabela remuneratória única do Recorrido prever níveis remuneratórios de montante inferior ao da remuneração mínima mensal garantida no código de trabalho, uma vez havendo transitado para a modalidade de contrato de trabalho em funções públicas desde 01.01.2009, aplicação esta a que o Recorrido não deu execução prática, pese embora a natureza imperativa daquelas normas, constatando-se que na tabela remuneratória única previam-se níveis remuneratórios de montante inferior ao da retribuição mínima mensal garantida prevista no código de trabalho, tendo processado e efetivamente pago aos associados do Recorrente, desde a data da entrada em vigor do RCTFP - desde 1 de janeiro de 2009 - salários inferiores aos sucessivos salários mínimos estabelecidos pelo Estado Português, pese embora existindo entre estes trabalhadores e o Estado Português, uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado;
Por fim, mas não menos importante, urge colocar em evidência que a interpretação dos dispositivos em causa e supra mencionados pela qual a Sentença sindicada envereda é manifestamente contrária ao consagrado pela nossa CRP nos art.° 16.°, 18.°, 22.°, 26.°, n.° 2 e 59.°, uma vez que os países onde os trabalhadores ora representados pelo Recorrente se encontram a laborar são países de 3.° Mundo, onde os respetivos Estados não revelam qualquer preocupação com a garantia e proteção dos direitos humanos fundamentais violando-os diária e reiteradamente sem qualquer pudor, como é do conhecimento da comunidade internacional.
W. Violação esta com a qual o Estado Português, como Estado Democrático e de Direito que é, não deve nem pode compactuar, impondo-se-lhe, ainda que no âmbito das relações diplomáticas, reger-se pelo Princípio do Respeito dos Direitos do Homem e da Igualdade entre os Estados, tendo em vista, como fim último, a emancipação e o progresso da humanidade, mediante o fortalecimento do progresso económico e da justiça nas relações entre os povos- art.° 7.° da CRP, sendo uma tarefa fundamental do Estado Português - art.° 9.° CRP - garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático. Ora,
X. Anuir na leviana remissão para o Direito local destes países a fixação de um mínimo salarial que garanta a subsistência com dignidade de trabalhadores ao serviço do Estado Português, é votá-los à miséria, uma vez que sequer existe qualquer lei que proceda à fixação de um salário mínimo na esmagadora maioria destes países, remetendo-se assim para um vazio legal.
Y. Não cabe obviamente ao Estado Português substituir-se ao Estado onde se encontra uma qualquer sua representação diplomática, mas cabe-lhe garantir a todos os seres humanos que trabalham para o Estado Português que o possam fazer em condições de dignidade, zelando pelo respeito dos seus direitos humanos fundamentais, o que viabiliza ao fixar o valor do salário mínimo para estes seus trabalhadores, em coerência com o que defende ao nível interno ser um mínimo de subsistência digna.
Z. Atento tudo quanto ficou exposto, impõe-se a revogação da Decisão vinda de impugnar.
Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, sempre do mui douto suprimento desse Venerando Tribunal, deverá ser revogada a Sentença dos presentes autos e substituída por outra que conclua pela procedência da ação do Recorrente, fazendo-se, assim JUSTIÇA!
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 6 de outubro de 2020.
O aqui Recorrido/MNE veio apresentar as suas contra-alegações de Recurso em 9 de novembro de 2020, aí concluindo:
“I SOBRE AS CUSTAS:
a) O Autor requer que a nota discriminativa seja indeferida por inadmissível sendo o valor retificado, mas não tem razão, pois o exercício do direito de solicitar custas de parte não é extemporâneo, apenas foi antecipado, em nada prejudicando os direitos do Autor.
b) Na sentena proferida nos autos, resulta de forma clara, que o pedido formulado pelo autor, foi julgado improcedente e o réu absolvido. Ora, quando o pedido é julgado improcedente, como é o caso, nos termos do art.° 4 n.° 5 do RCP, a parte isenta é a responsável pelo pagamento das custas. E como bem sabemos, as custas processuais compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art.° 3 do RCP).
c) O Autor, associação sindical, em representação dos associados devidamente identificados nos autos, não goza da isenção a que se refere a alínea f), do n.° 1 do art.° 4.° do RCP, pois fazendo a concatenação da norma prevista na al. f) do n.° 1 do art.° 4.° do RCP e do n.° 3 do art.° 338.° da Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, o legislador, claramente e para o efeito de custas processuais, faz a destrinça entre atuação na defesa dos direitos e interesses coletivos ou interesses individuais e só este último caso beneficia da isenção legal de custas;
d) Acresce que o Autor, que veio deduzir reclamação da presente nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nos termos do disposto no art.° 26.°-A do RCP e do art.° 33.° da Portaria 419-A/2019, de 17 de abril, não procedeu ao depósito da nota de custas de parte, quando se encontra legalmente previsto, nos termos do n.° 2 do art.° 26.°A do RCP e no n.° 2 do art.° 33 da Portaria 419-A/2019, de 17 de abril. Assim, e uma vez que não foi cumprido o legalmente estabelecido no RCP, conclui-se que deverá ser ordenado o integral pagamento da nota justificativa apresentada.
e) Mais, o Autor, além de não ter feito o depósito do valor da nota, não efetuou o pagamento da taxa de justiça que lhe é imputada, aquando da apresentação da reclamação, que consubstancia um incidente processual e, nesta medida, está sujeito ao pagamento de uma taxa de justiça, nos termos do art.° 7, n.° 4 do RCP, estando assim em dívida, além do valor da nota de custas apresentada pela Entidade Demandada, o valor de 51,00€, a título de taxa de justiça do incidente.
f) Nesse sentido, a Entidade Demandada, na sua nota de custas, como o valor dos honorários era superior ao valor dos 50% do somatório das taxas pagas pela parte vencida e vencedora, a Entidade Demandada somente considerou este último para efeito de conta. Ora, o Autor, como não efetuou qualquer pagamento de taxa de justiça, entende, incorretamente, que só deve ser incluída uma única taxa, logo de seguida, divide essa mesma taxa a metade, como se estivesse a incluir duas taxas de justiça no cálculo. Assim sendo, conclui-se que deverá, caso venha a ser improcedente o presente recurso, ser ordenado o integral pagamento da nota justificativa apresentada pela Entidade Demandada, por estar corretamente calculada.
II SOBRE O REGIME DO SALÁRIO MÍNIMO:
1.° Evolução de regimes quanto à questão remuneratória
g) Quando a presente ação foi intentada, era aplicável aos trabalhadores dos SPE do MNE o DL n.° 444/99, de 3 de novembro e o Estatuto por ele aprovado (Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (EPSEMNE)), o qual determinava
a. para o pessoal do Quadro Único de Vinculação (QUV) - a remuneração mensal tem por base uma tabela indiciária específica, diferente para cada país (de acordo com o custo de vida de cada Estado), cuja atualização do índice base (índice 100) é feita por Portaria conjunta dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças e do membro do Governo que tiver a seu cargo a Administração Pública (artigo 63.° do estatuto);
b. para o pessoal do Quadro Único de Contratação (QUC) - a remuneração mensal e a respetiva atualização não têm por base uma tabela indiciária, mas são fixadas por despacho conjunto dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças (artigo 65.° do estatuto), atendendo ao custo de vida de cada Estado e acrescida de prémios de antiguidade.
h) Remetendo, como não poderia deixar de ser, nos termos do direito internacional público, para a prática localmente seguida no domínio do salário mínimo nacional local.
i) Após a entrada em vigor da LVCR e do RCTFP, estes regimes continuaram a afirmar o mesmo, ou seja: a continuação da aplicação do direito internacional e do direito local aos trabalhadores recrutados localmente dos SPE do MNE.
j) Atualmente, estando em vigor o DL n.° 47/2013, de 5 de abril, (e a Lei n.° 35/2014, de 20 de junho), dispõe o art. 12.° do DL n.° 47/2013, de 5 de abril, que
“1 - As tabelas remuneratórias dos trabalhadores dos SPE do MNE, fixadas por país e por categoria, em euros, salvo nos casos em que seja obrigatório o pagamento da moeda local, são aprovadas por decreto regulamentar, o qual deve estabelecer os respetivos critérios. (negrito e sublinhado nossos)
2 - A atualização dos valores correspondentes às posições remuneratórias das tabelas previstas no número anterior efetua-se por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e dos negócios estrangeiros, tendo em conta os índices de custo de vida das Nações Unidas, constantes da publicação mais recente do «UN Bulletin of Statistics», bem como a inflação e variações cambiais publicadas. (sublinhado nosso)
3 - Em termos globais, o valor percentual da atualização não pode ultrapassar o valor percentual previsto para os demais trabalhadores em funções públicas. (sublinhado nosso)
4 - Em caso de acentuada perda de poder de compra em qualquer país pelo efeito isolado ou conjugado da inflação e da variação cambial, designadamente quando se verifique que a remuneração base mensal é inferior ao salário mínimo local, pode haver lugar à revisão intercalar das respetivas tabelas remuneratórias". (sublinhado nosso)
2. ° O princípio da igualdade
k) Ou seja, mantem-se o critério de que, tendo em conta o princípio da igualdade, que obriga a tratar igual o que é igual mas tratar diferente, o que é diferente, a fixação da remuneração dos trabalhadores nos diferentes países no mundo tem em conta, para fixação das posições iniciais, as normas imperativas de ordem pública local, por respeito pelo Direito Internacional Público.
l) Assim, em termos remuneratórios, aos trabalhadores dos SPE do MNE são aplicáveis tabelas remuneratórias aprovadas por Decreto-Regulamentar, fixadas de acordo com o salário mínimo local, o qual, por sua vez, é fixado tendo em conta o custo de vida do país onde o trabalhador se encontre a exercer funções.
3. ° Princípio da territorialidade das leis
m) Aliás, a regra é a de que as leis - por natureza - se aplicam no território nacional, exceto quando a própria lei prevê a sua aplicação fora dele, o que não é o caso do DL n.° 217/74, de 27 de maio, que instituiu o salário mínimo português, assim como também não é o caso dos sucessivos Decretos Leis de atualização que lhe sucederam.
n) Desses Decretos-Leis não resulta que os mesmos sejam aplicados aos trabalhadores dos SPE do MNE e, consequentemente, fora do território português, pois que os mesmos se aplicam apenas em território nacional.
o) Naturalmente que, por essa razão, não é possível aplicar o regime do salário mínimo nacional português em qualquer outro país.
p) Pelo que nenhuma razão assiste ao Recorrente, quando pretende fazer crer que o salário mínimo praticado em Portugal devia ser aplicado aos trabalhadores do SPE do MNE, pois que tal pretensão carece de base legal, tal como demonstrámos.
q) Pelo contrário, o regime do DL n.° 47/2013, de 5 de abril refere expressamente a sua aplicação aos trabalhadores dos SPE do MNE que exercem funções no estrangeiro e
r) Expressa claramente a aplicação das normas e princípios de direito internacional e "das normas imperativas de ordem pública local” na fixação da remuneração dos trabalhadores nos diferentes países do mundo, por respeito pelo Direito Internacional Público.
4. ° Princípio da Legalidade da Administração
s) Assim, o MNE enquanto departamento governamental e, como tal, pertencendo à Administração Pública deve obedecer ao que a lei dispõe - é o princípio da legalidade da Administração previsto no art. 266.° n.° 2 da CRP e no art. 3.° n.° 1 do CPA.
t) Pelo que, o MNE nada mais tem feito senão cumprir escrupulosamente a lei.
5. ° Princípio da Legalidade Financeira
u) Para além disso, de acordo com o princípio da legalidade financeira, o MNE também não poderia pagar mais do que a lei do salário mínimo local estabelecer, pois que, se a lei do salário mínimo no país onde os trabalhadores em causa estiverem a exercer funções instituir um valor inferior ao do salário mínimo português, será aquele que o MNE terá de pagar, pois que aquele valor do salário mínimo local tem por base o custo de vida do país em causa.
v) Aliás, tal como referido no art. 48.° da Contestação, "quando da aplicação da tabela indiciária própria ou do despacho resulte uma remuneração inferior ao salário mínimo local, o MNE paga aos trabalhadores o salário mínimo local”.
w) Por isso, o Recorrente que não diga que, apesar de o Estado Português não poder substituir-se ao Estado onde se encontra uma qualquer sua representação diplomática, fixando o valor do salário mínimo em cada um daqueles países, o MNE deve estabelecer como valor mínimo o do salário mínimo português por uma questão de respeito pelos direitos humanos fundamentais de todos aqueles trabalhadores que desenvolvem a sua atividade laboral com vista à defesa dos interesses do Estado Português, designadamente os dos países do terceiro mundo, onde nem sequer existe lei do salário mínimo nacional.
x) Pois que o MNE obedece a todos os princípios referidos: princípio da legalidade da Administração, princípio da legalidade financeira, princípio da igualdade e é por estes princípios que deve nortear a sua conduta.
y) Em face do princípio da territorialidade das leis supra referido, o MNE não tem competência para estabelecer o salário mínimo nacional noutros países e, como tal, a sua conduta também obedece a este princípio, não podendo, como o próprio Recorrente admitiu, substituir-se aos restantes Estados na elaboração das leis vigentes nesses países e o que é certo e se volta a frisar é que quando a remuneração é inferior ao salário mínimo local, o MNE assegura o salário mínimo local.
z) Por isso, nenhuma razão assiste ao Recorrente na pretensão que formula nos presentes autos, pois carecida de fundamentação legal, motivo pelo qual deve o seu pedido ser julgado improcedente.
Termos em que deve ser julgado
a) Improcedente o recurso do Autor
b) Mantida a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 26 de maio de 2022, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa globalmente apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita,
“a) Erro material quanto a Custas
b) Violação do disposto nos arts. 607.° n.°s 4 e 5 e 639.° n.° 2 al. b) do CPC, pois que “se impunha haver pugnado por interpretação diversa dos normativos em causa"
c) Erro na determinação da norma aplicável “uma vez não tendo aplicação a Convenção de Viena de 1961, uma vez aplicando-se ao pessoal diplomático, o qual não é o caso do pessoal aqui em causa (art. 639.° n.° 2 al. c) do CPC)”
d) Nulidade da sentença, “nos termos do disposto pelo art. 615.° n.° 1 al. b) e d) do CPC, porquanto carente de fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão” e porque não se pronunciou “sobre a questão de fundo que se prende com a revogação tácita do DL n.° 444/99, no que respeita aos ali referidos quadros únicos de vinculação e de contratação, pela LVCR e RCTFP’”


III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade provada e não provada:
“1. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de A….., Auxiliar de Serviço 1, em Pretória, onde consta como vencimento mensal de € 431,71;
(Facto Provado por documento, a fls 81 e ss do PA)
2. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de J……., Auxiliar de Serviço 1, em Pretória, onde consta como vencimento mensal de € 412,94;
(Facto Provado por documento, a fls 80 e ss do PA)
3. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de L…….., Auxiliar de Serviço 1, onde consta como vencimento mensal de € 412,94;
(Facto Provado por documento, a fls 74 e ss do PA)
4. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de M….., Auxiliar de Serviço 1, em Pretória, onde consta como vencimento mensal de € 431,71;
(Facto Provado por documento, a fls 74 e ss do PA)
5. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de S……, Assistente Administrativo, em Sarajevo, onde consta como vencimento mensal de € 803,24;
(Facto Provado por documento, a fls 75 e ss do PA)
6. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de O……., Auxiliar de Serviços 2 em Sófia, onde consta como vencimento mensal de € 437,43;
(Facto Provado por documento, a fls 76 e ss do PA)
7. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de AA………, Auxiliar de Serviços 2, em Santiago do Chile, onde consta como vencimento mensal de € 458,61;
(Facto Provado por documento, a fls 75 e ss do PA)
8. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de B…….., Auxiliar de Serviços 1, em Bogotá, onde consta como vencimento mensal de € 395,19;
(Facto Provado por documento, a fls 74 e ss do PA)
9. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de E………, Auxiliar de Serviços 2, no Cairo, onde consta como vencimento mensal de € 374,49;
(Facto Provado por documento, a fls 73 e ss do PA)
10. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de L…….., Assistente Administrativo em Goa, onde consta como vencimento mensal de € 548,56;
(Facto Provado por documento, a fls 72 e ss do PA)
11. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de T……, Guarda em Goa, onde consta como vencimento mensal de € 262,00;
(Facto Provado por documento, a fls 70 e ss do PA)
12. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de D……, Guarda em Nova Delhi, onde consta como vencimento mensal de € 280,62;
(Facto Provado por documento, a fls 66 e ss do PA)
13. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de BB……., Auxiliar de Serviços 2, em Lima, onde consta como vencimento mensal de € 280,62;
(Facto Provado por documento, a fls 52 e ss do PA)
14. Em junho de 2010 consta de documento denominado de Talão de Vencimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros de AAA……., Guarda em Tunes, onde consta como vencimento mensal de € 598,63;
(Facto Provado por documento, a fls 51 e ss do PA)
15. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de PP……, Auxiliar Administrativo em Pretória, onde consta como vencimento mensal de € 461,05;
(Facto Provado por documento, a fls 50 e ss do PA)
16. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de AAAA……, Guarda na Cidade da Praia, onde consta como vencimento mensal de € 488,44;
(Facto Provado por documento, a fls 47 e ss do PA)
17. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de MM…….., Auxiliar de Serviços 1 em Santiago do Chile, onde consta como vencimento mensal de € 470,79;
(Facto Provado por documento, a fls 44 e ss do PA)
18. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de JJ……., Auxiliar de Serviço 1, em Maputo, onde consta como vencimento mensal de € 433,67;
(Facto Provado por documento, a fls 54 e ss do PA)
19. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de MMM……., onde consta como vencimento mensal de € 431,71;
(Facto Provado por documento, a fls 79 e ss do PA)
20. Em junho de 2010 consta de documento denominado de Talão de Vencimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros de C….., Guarda em Macau, onde consta como vencimento mensal de € 495,01;
(Facto Provado por documento, a fls 51 e ss do PA)
21. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de AAAAA, Auxliar de Serviços 1, onde consta como vencimento mensal de € 487,36;
(Facto Provado por documento, a fls 38 e ss do PA)
22. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de AAAAAA, Guarda em Tunes, onde consta como vencimento mensal de € 598,63;
(Facto Provado por documento, a fls 51 e ss do PA)
23. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de BB………, Guarda E Kinshasa, onde consta como vencimento mensal de € 465,66;
(Facto Provado por documento, a fls 37 e ss do PA)
24. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de K……., técnico em Berlim, onde consta como vencimento mensal de € 3.489,80;
(Facto Provado por documento, a fls 35 e ss do PA)
25. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de MMMM….., técnico em Estocolmo, onde consta como vencimento mensal de € 3.164,91;
(Facto Provado por documento, a fls 34 e ss do PA)
26. Em junho de 2010 consta de documento denominado de Talão de Vencimento do Ministério dos Negócios Estrangeiros de P……, Assistente Administrativo em Genebra, onde consta como vencimento mensal de 4.914,01;
(Facto Provado por documento, a fls 33 e ss do PA)
27. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de R…., Assistente Administrativo em Valência, onde consta como vencimento mensal de € 2.264,12;
(Facto Provado por documento, a fls 32 e ss do PA)
28. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de L………., Assistente Administrativo Principal no Rio de Janeiro, onde consta como vencimento mensal de € 2.579,54;
(Facto Provado por documento, a fls 30 e ss do PA)
29. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de F…., Assistente Administrativo em Riade, onde consta como vencimento mensal de € 1.440,73;
(Facto Provado por documento, a fls 29 e ss do PA)
30. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de JJJ………, Assistente Administrativo Especialista em Caracas, onde consta como vencimento mensal de € 3.704,08;
(Facto Provado por documento, a fls 28 e ss do PA)
31. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de CC………, Assistente Administrativo Principal em Tóquio, onde consta como vencimento mensal de € 3.963,57;
(Facto Provado por documento, a fls 25 e ss do PA)
32. Em junho de 2010 consta de documento denominado de "Talão de Vencimento" do Ministério dos Negócios Estrangeiros de CCC……, Auxiliar de Serviço 1 em Copenhague, onde consta como vencimento mensal de € 2.103,20;
(Facto Provado por documento, a fls 17 e ss do PA)
33. A 22 de junho de 2010 consta de documento timbrado de "Ministério dos Negócios Estrangeiros", com a referência ……/2010-DGA/DRH, consta a seguinte situação jurídico-funcional dos associados e representados do autor na presente ação, nos termos seguintes:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º n 6 CPC)
(Facto Provado por documento, a fls 83 e ss do PA)


IV – Do Direito
Importa agora, atenta a matéria de facto dada como provada, analisar o Recurso apresentado pelo Sindicato.


No que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...) A questão decidenda centra-se em saber se os associados do autor identificados na Petição Inicial têm direito a, ao terem transitado, ao abrigo dos artigos 81.°, 109.°/2 da LVCR e 23.° do RCTFP, a 1 de janeiro de 2009, serem colocados em posição remuneratória da tabela remuneratória única que respeite o artigo 26.° do RCTFP, ou seja, numa posição remuneratória nunca inferior à remuneração mínima mensal garantida.
Vejamos.
É alegado pelo autor que os seus associados, identificados na Petição Inicial, que a 1 de janeiro de 2009 transitaram para as novas carreiras ao abrigo da LVCR, mas não foi respeitado nessa transição o artigo 26.° do RCTFP, ou seja, não foi respeitada a regra de que não é possível remunerar abaixo da remuneração mínima mensal garantida, o que sucedeu com os associados do autor.
Ao contrário, o réu, explicita que o que releva é a remuneração do trabalhador local, de acordo com a Convenção de Viena sobre relações diplomáticas e sobre relações consulares que concretamente aponta que o trabalhador deve ter uma remuneração nunca inferior ao salário mínimo do Estado onde o trabalhador exerce as suas funções.
Concluiu o réu defendendo que aos trabalhadores do quadro único de contratação se aplica o regime contratual local, com as especificidades do seu estatuto, pelo que os associados do autor integrados, em 2001, no quadro único de contratação, estão sujeitos ao direito privado local, por força do artigo 4.°/2 do DL 444/99, de 3 de novembro.
Apreciando e decidindo.
Determina o artigo 4.°/1 do diploma que aprovou o DL n° 444/99, de 3 de novembro que ao pessoal de nacionalidade portuguesa, com exceção dos Guardas; Jardineiros e Auxiliares de serviço, que venha ingressaram nos serviços externos após a publicação do presente decreto-lei é aplicável o regime da função pública, mas que, nos termos do n.° 2 "... Ao pessoal não abrangido no número anterior aplicar-se-á obrigatoriamente o regime do direito privado local, sem prejuízo das normas constantes do estatuto em anexo.”.
Porém, releva recordar, agora, que no sistema das fontes de direito diplomático, os tratados multilaterais possuem uma especial importância, já que é por via deles que as normas consuetudinárias ficam consolidadas e, reduzidas a escrito, encontram segurança jurídica e são elevadas a normas internacionais que vinculam os Estados que deles fazem parte. Em 1928, surgiu a Convenção de Havana sobre funcionários diplomáticos, que constituiu, até 1961 - data da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas -, o único ato internacional multilateral regulador da instituição diplomática. A Convenção de Havana tratava, essencialmente, a matéria de direitos e deveres dos funcionários diplomáticos e, embora represente a primeira verdadeira codificação do direito diplomático, revelou-se manifestamente insuficiente devido ao seu caráter estritamente regional, pois a sua eficácia estava limitada a determinados Estados americanos.
Entre 1930 a 1954, os acontecimentos da Guerra Fria (1947-1991) e as constantes e gravosas violações das regras diplomáticas, criaram na Organização das Nações Unidas (1945) a necessidade de retomar os seus trabalhos relativamente às questões da vida diplomática e, nesse contexto, em 1952, a referida Organização solicitou prioridade à Comissão de Direito Internacional no estudo e codificação das regras costumeiras das relações e imunidades diplomáticas, tendo sido iniciado o referido estudo em 1959.
Em 1959, a Assembleia Geral da ONU deliberou convocar uma Conferência de Codificação que preparou, com a presença de oitenta e um Estados, a Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, doravante CVRD; o Protocolo Adicional Relativo à Aquisição de Nacionalidade e o Protocolo Relativo à Resolução Obrigatória dos Conflitos.
É, no entanto, a 18 de abril de 1961, que, por unanimidade, a CVRD é votada e assinada por setenta e cinco Estados. Com 53 artigos e dois protocolos, a CVRD de 1961 constitui, hoje, a fonte fundamental do direito diplomático contemporâneo no âmbito do processo de codificação do direito internacional moderno.
Hoje, a referida convenção conta com quase a totalidade dos Estados da comunidade internacional, incluindo Portugal, que ratificou a Convenção de Viena de 1961 em 1968, por via do Decreto-Lei n.° 48395 de 27 de março de 1968.
Pois bem, os serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros disporão, em conjunto, de um quadro único de vinculação (QUV), aprovado e alterado por portaria conjunta dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças e do membro do Governo que tiver a seu cargo a Administração Pública, no qual será integrado o pessoal sujeito ao regime da função pública, por um lado, e, por outro, os serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros disporão, igualmente, em conjunto, de um quadro único de contratação (QUC), aprovado e alterado por portaria conjunta dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças, no qual será integrado o pessoal com contrato individual de trabalho - vide artigo 3.° do DL n° 444/99, de 3 de novembro.
Ou seja, o n.° 2 do artigo 3.° do DL n° 444/99, de 3 de novembro estatui que o pessoal que opte pelo regime da função pública será integrado no quadro de pessoal dos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, mas que ao pessoal não abrangido no número anterior aplicar-se-á obrigatoriamente o regime do direito privado local, conforme o n.° 2 do artigo 4.° do DL n° 444/99, de 3 de novembro.
E, nos termos dos artigos 1°, n° 2 do Estatuto aprovado pelo DL n° 444/99, de 3 de novembro, o regime jurídico do pessoal dos serviços externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros integrado na função pública é definido pelas normas constantes desse estatuto e apenas subsidiariamente pelas normas do direito da Administração Pública, sendo que determina o artigo 3.°, n.° 4 da LVCR que ...A aplicabilidade da presente lei aos serviços periféricos externos do Estado, quer relativamente aos trabalhadores recrutados localmente quer aos que, de outra forma recrutados, neles exerçam funções, não prejudica a vigência: a) Das normas e princípios de direito internacional que disponham em contrário; b) Dos regimes legais que sejam localmente aplicáveis.
Em síntese, diremos que as normas constantes na Convenção de Viena, entre outras, que contrarie as normas da LVCR teriam prevalência.
No caso dos autos está provado que todos os associados do autor foram integrados no Quadro único de Contratação (Facto Provado 33), portanto sujeitos do direito privado local, nos termos do artigo 3.° do diploma que aprovou o DL n° 444/99, de 3 de novembro.
Determina o artigo 41.° da Convenção de Viena que todas as pessoas, designadamente os membros do pessoal da missão, que gozem de privilégios e imunidades estabelecidos na Convenção de Viena deverão respeitar as leis e os regulamentos do Estado acreditador, ou seja, o direito local.
Daqui resulta que o Tribunal não pode validar os fundamentos do autor, em representação dos seus associados que pertencem ao Quadro único de Contratação (Factos Provados 1. a 32 e 33.).
Sabemos que a maioria das disposições da lei que aprova os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas - Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro (LVCR) - produz efeitos na data de entrada em vigor do RCTFP - 1 de janeiro de 2009 (cfr. n.° 7 do artigo 118.° da LVCR).
De entre estas disposições destacam-se:
a) As regras de gestão dos recursos humanos em função dos mapas de pessoal (artigo 6.°);
b) As modalidades de constituição da relação jurídica de emprego público (artigos 9.° a 24.°);
c) As regras de cessação da relação jurídica de emprego público (artigos 31.° a 34.°);
d) O regime de carreiras (artigos 39.° a 45.° e 49.°);
e) O regime de remunerações (artigos 66.° a 73.° e 77.° a 79.°);
f) As fontes normativas do regime jurídico-funcional aplicável aos trabalhadores que exercem funções públicas (artigos 80.° a 82.°);
g) As regras de transição para as novas modalidades de vinculação (artigos 88.° a 92.° e 114.°);
h) As regras de transição para as novas carreiras e o reposicionamento remuneratório nestas (artigos 95.° a 100.°, 104.° a 106.°, 108.°, 109.° e 115.°).
Os trabalhadores que devam transitar para as novas carreiras e categorias são reposicionados nas posições remuneratórias das categorias para as quais transitaram a partir de 1 de janeiro de 2009.
Para este reposicionamento devem observar-se as seguintes regras:
a) A categoria prevê um nível remuneratório cujo montante pecuniário é idêntico ao montante correspondente à remuneração base a que o trabalhador tem atualmente direito. Aqui, o trabalhador é reposicionado na correspondente posição e nível remuneratórios da tabela remuneratória única;
b) Não se verificando coincidência entre a remuneração auferida e um concreto nível remuneratório da categoria, o trabalhador é reposicionado em posição remuneratória intermédia, criada automaticamente, de montante pecuniário idêntico ao montante correspondente à remuneração base a que o trabalhador tinha direito.
Todavia, os associados do autor, pelas razões de direito acima explicitadas, em particular face ao disposto pelo artigo 3.°, n.° 4, alínea b) da LVCR e artigo 3.° do diploma que aprovou o DL n° 444/99, de 3 de novembro, sendo trabalhadores recrutados localmente estão sujeitos aos regimes legais que sejam localmente aplicáveis.
Improcede, com estes fundamentos a pretensão do autor.


Correspondentemente, decidiu-se em 1ª Instância:
“Nos termos e com os fundamentos expostos, julgamos a presente ação administrativa comum improcedente e, em consequência, absolve-se o réu, do pedido.”


Vejamos:
Das custas
Atento o Requerimento do Autor de 19 de outubro de 2015, entende-se estar o mesmo isento de custas, nos termos do art. 4.° n.° 1 alíneas f) e h) do Regulamento das Custas Processuais.


QUESTÕES RECURSIVAMENTE SUSCITADAS - SALÁRIO MÍNIMO
Suscita argumentativa e recursivamente o Recorrente as seguintes questões:
- Que não tem aplicação a Convenção de Viena de 1961, porquanto esta se aplica ao pessoal diplomático e não aos trabalhadores aqui em causa;
- Que houve uma revogação tácita do DL n.° 444/99, de 3 de novembro, com a entrada em vigor da LVCR e do RCTFP;
- Que, em consequência dessa revogação se extinguiram os quadros únicos de direito público e de direito privado previstos no art. 3.° do Estatuto aprovado pelo DL n.° 444/99, de 3 de novembro;
- Que, em consequência dessa revogação os trabalhadores aqui em causa transitaram para a modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado;
- Que, com a entrada em vigor da LVCR e do RCTFP, estes passaram a aplicar-se juntamente com o EPSEMNE, exceto alguns artigos deste último diploma que foram revogados com a entrada em vigor daqueles diplomas;
- Que, com a entrada em vigor da LVCR e do RCTFP os trabalhadores aqui em causa transitaram para a carreiras gerais e para a carreira de assistente de residência;
- Que, com a entrada em vigor da LVCR e do RCTFP os trabalhadores aqui em causa transitaram automaticamente para o regime da função pública;
- Que, com a entrada em vigor da LVCR e do RCTFP se extinguiram as distinções de tratamento;
- Que o tribunal a quo e a sentença por ele proferida fundamentaram a sua decisão única e exclusivamente nos arts. 3.° e 4.° n.° 2 do EPSEMNE, no art. 3.° n.° 4 al. b) da LVCR e no art. 41.° da Convenção de Viena, não tendo dado resposta à questão de uma eventual revogação tácita do DL n.° 444/99, de 3 de novembro enquanto lei especial pela LVCR e pelo RCTFP, leis gerais de valor superior, com todas as consequências que o Recorrente expôs ao longo do seu recurso e acabadas de referir;
- Que o tribunal a quo não podia ter fundamentado a aplicação do direito local com base na Convenção de Viena, pois que esta se aplica a relações diplomáticas e não laborais, como são as dos presentes autos;
- Que da tabela remuneratória única aplicável aos trabalhadores aqui em causa constam níveis remuneratórios de montante inferior ao da retribuição mínima garantida no código do trabalho;
- Que os trabalhadores aqui em causa auferem salários inferiores ao salário mínimo do Estado Português;
- Que alguns destes trabalhadores exercem funções em países de 3.° Mundo e que muitos deles nem sequer têm uma lei que fixe um salário mínimo e, como tal, é inadmissível que o Estado Português permita que se lhes aplique o direito local;
- “Não cabendo obviamente ao Estado Português substituir-se ao Estado onde se encontra uma qualquer sua representação diplomática, cabe-lhe contudo, garantir a todos os seres humanos que trabalham para o Estado Português que o possam fazer em condições de dignidade, zelando pelo respeito dos seus direitos humanos fundamentais.”
- “Não cabendo ao Estado Português fixar o valor do salário mínimo em cada um daqueles países, pode e deve sim, em coerência com o que defende ao nível interno ser um mínimo de subsistência digna, estabelecer este como valor mínimo para todos aqueles trabalhadores que desenvolvem a sua atividade laboral com vista à defesa dos interesses do Estado Português.”
Dos regimes Remuneratórios
Quando a presente ação foi intentada, estava em vigor o DL n.° 444/99, de 3 de novembro, o qual veio aprovar o Estatuto do Pessoal dos Serviços Externos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (EPSEMNE), sendo uma lei especial aplicável exclusivamente aos trabalhadores dos Serviços Externos do MNE


Assim, tratando-se de lei especial, sobrepõe-se ao regime geral então vigente.


O DL n.° 444/99, de 3 de novembro e o estatuto por ele aprovado criaram dois quadros distintos de pessoal, a saber:
a) Quadro Único de Vinculação (QUV), cujos trabalhadores, sempre de nacionalidade portuguesa (art. 20.° do Estatuto) e com exceção dos trabalhadores referidos no art. 12.° (com as categorias de Guarda, Jardineiro, Auxiliar de serviço - nível 1, Auxiliar de serviço - nível 2), optaram por ter um vínculo de nomeação com a Administração Pública (art. 16.° do Estatuto), ou seja, ficaram subordinados ao regime da função pública, com as especificidades constantes do Estatuto (artigos 3.° e n.° 1 do 4.° do DL e artigo 3.°, n.° 1 do estatuto aprovado pelo DL);
b) Quadro Único de Contratação (QUC), cujos trabalhadores não têm que ter nacionalidade portuguesa (art. 21.° do Estatuto) que incluiu os trabalhadores referidos no art. 12.° (com as categorias de Guarda, Jardineiro, Auxiliar de serviço - nível 1, Auxiliar de serviço - nível 2), que passaram a ter um contrato de trabalho regido pelo direito privado local (art. 17.° do Estatuto), com as especificidades constantes do Estatuto (n.° 2 do artigo 4.° do DL e artigo 3.°, n.° 2 do estatuto aprovado pelo DL).


Assim, a estes trabalhadores aplicava-se o direito local, ou seja, o direito do país onde aqueles trabalhadores estivessem a exercer funções, assim como o direito internacional (n.° 2 do artigo 4.° do DL n.° 444/99, de 3 de novembro).


No que concerne ao Estatuto Remuneratório, o DL n.° 444/99, de 3 de novembro determinava:
a. para o pessoal do Quadro Único de Vinculação (QUV) - a remuneração mensal tem por base uma tabela indiciária específica, diferente para cada país (de acordo com o custo de vida de cada Estado), cuja atualização do índice base (índice 100) é feita por Portaria conjunta dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças e do membro do Governo que tiver a seu cargo a Administração Pública (artigo 63.° do estatuto);
b. para o pessoal do Quadro Único de Contratação (QUC) - a remuneração mensal e a respetiva atualização não têm por base uma tabela indiciária, mas são fixadas por despacho conjunto dos Ministros dos Negócios Estrangeiros e das Finanças (artigo 65.° do estatuto), atendendo ao custo de vida de cada Estado e acrescida de prémios de antiguidade.


Deste modo, nos termos do referido diploma, para o pessoal do QUV, a remuneração mensal é estabelecida por referência a uma tabela que vai sendo atualizada através de Portaria, sendo que para o pessoal do QUC, a remuneração mensal é diretamente estabelecida por despacho, sendo que em ambas as situações tem-se de ter em conta o custo de vida de cada país e, o que determina que a remuneração mensal varie de país para pais.


Já em 2008, entra em vigor a Lei n.° 12-A/2008, de 27 de fevereiro (LVCR), cujo n.° 4 do art. 3.° refere que:
“A aplicabilidade da presente lei aos serviços periféricos externos (SPE) do Estado, quer relativamente aos trabalhadores recrutados localmente quer aos que, de outra forma recrutados, neles exerçam funções, não prejudica a vigência:
a) Das normas e princípios de direito internacional que disponham em contrário;
b) Dos regimes legais que sejam localmente aplicáveis; e
c) Dos instrumentos e normativos especiais de mobilidade interna.”


Em qualquer caso, a LVCR não revogou o DL n.° 444/99, de 3 de novembro, como decorre da singela leitura do art. 116.° (Diplomas revogados) de onde não consta a revogação do referido DL n.° 444/99.


Do mesmo modo, a Lei n.° 59/2008, de 11 de setembro (RCTFP), remetendo no n.° 1 do art. 3.° para o art. 3.° da LVCR, manteve o entendimento de aplicação das normas e princípios de direito internacional e do direito local aos trabalhadores dos serviços periféricos externos.


Do art. 18.° do RCTFP também não decorre que este tenha revogado o DL n.° 444/99, de 3 de novembro, o qual continuou em vigor simultaneamente com a LVCR e o RCTFP, tendo apenas sido revogado com a entrada em vigor do DL n.° 47/2013, de 5 de abril (art. 52.°), o qual, no entanto, continuou a manter a ideia dos anteriores diplomas no sentido da aplicação das normas e princípios de direito internacional e “das normas imperativas de ordem pública local” aos trabalhadores dos serviços periféricos externos, ao alterar a redação do n.° 4 do art. 3.° da LVCR.


No que à questão remuneratória objetivamente concerne, dispõe o art. 11.° do DL n.° 47/2013 de 5 de abril, com a epígrafe é “Determinação do posicionamento remuneratório” que “O posicionamento de trabalhador recrutado para as carreiras gerais de técnico superior, assistente técnico e assistente operacional, numa das posições remuneratórias estabelecidas para a respetiva categoria na tabela remuneratória do país onde se localiza o SPE do MNE de exercício de funções, efetua-se nos termos estabelecidos para os demais trabalhadores em funções públicas, após autorização do secretário-geral do MNE”.


Dispõe, por outro lado, o art. 12.° do DL n.° 47/2013, de 5 de abril, com a epígrafe “Tabelas remuneratórias’’ que:
“1 - As tabelas remuneratórias dos trabalhadores dos SPE do MNE, fixadas por país e por categoria, em euros, salvo nos casos em que seja obrigatório o pagamento da moeda local, são aprovadas por decreto regulamentar, o qual deve estabelecer os respetivos critérios.
2 - A atualização dos valores correspondentes às posições remuneratórias das tabelas previstas no número anterior efetua-se por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e dos negócios estrangeiros, tendo em conta os índices de custo de vida das Nações Unidas, constantes da publicação mais recente do «UN Bulletin of Statistics», bem como a inflação e variações cambiais publicadas. (sublinhado nosso)
3 - Em termos globais, o valor percentual da atualização não pode ultrapassar o valor percentual previsto para os demais trabalhadores em funções públicas.
4 - Em caso de acentuada perda de poder de compra em qualquer país pelo efeito isolado ou conjugado da inflação e da variação cambial, designadamente quando se verifique que a remuneração base mensal é inferior ao salário mínimo local, pode haver lugar à revisão intercalar das respetivas tabelas remuneratórias".


Assim, quando vigorava o DL n.° 444/99, de 3 de novembro, para o pessoal do QUV, a remuneração mensal era estabelecida por referência a uma tabela que foi sendo atualizada por Portaria.


Já para o pessoal do QUC, a remuneração mensal era diretamente estabelecida por Despacho, sendo que em ambos os casos, seria tido em conta o custo de vida de cada país, pelo que a remuneração mensal variava de país para pais.


Com a entrada em vigor do DL n.° 47/2013, de 5 de abril, atualmente vigente, bem como a Lei n.° 35/2014, de 20 de junho, que revogou a LVCR e o RCTFP, as tabelas remuneratórias passaram a ser fixadas por país, à semelhança do que já acontecia na vigência do DL n.° 444/99, de 3 de novembro, sendo aprovadas por Decreto Regulamentar, sendo que as emergentes atualizações, o são por Portaria, tendo em conta os índices de custo de vida correspondentes.


Foi assim mantido o critério da fixação da remuneração dos trabalhadores em função da realidade económica do país onde os mesmos se encontram a exercer funções.


DO PRINCIPIO DA IGUALDADE
O comportamento adotado mostra-se conforme com o princípio da igualdade, ínsito no art. 13.° da Constituição da República Portuguesa (CRP), que obriga a tratar igual o que é igual, mas tratar diferente o que é diferente, atendendo a um critério de proporcionalidade.


Mostrar-se-ia injusto em termos relativos que a remuneração mensal dos trabalhadores dos serviços periféricos externos fosse igual independentemente do local onde a função fosse desempenhada.


Correspondentemente, as tabelas remuneratórias dos trabalhadores dos SPE do MNE, aprovadas por Decreto Regulamentar, atendem ao custo de vida de cada país, em função do poder de compra em cada um, sendo em função desses critérios que é fixado o salário mínimo local, e não em função da realidade portuguesa.


Pretender que a remuneração de trabalhadores que estão a exercer funções noutros países seja fixada em função do salário mínimo português, quando estamos a falar de contextos económicos distintos, é algo que subverteria toda a realidade, pois não pode ser comparável o exercício de funções em países do chamado terceiro mundo com, por exemplo, países escandinavos.


Do Princípio da territorialidade das leis
A regra é a de que as leis, por natureza, se aplicam no território nacional, exceto quando a própria lei prevê a sua aplicação fora dele, o que não é o caso do DL n.° 217/74, de 27 de maio, que instituiu o salário mínimo nacional (português), presentemente designado Retribuição Mínima Mensal Garantida.


Do princípio da territorialidade decorre que os Estados estão proibidos, por meio de ameaça ou uso da força, de exercerem jurisdição ou qualquer outra forma de poder ou intervenção em territórios de outros Estados soberanos. Assim, a um Estado soberano não é permitido exercer jurisdição ou fazer ingerências jurídicas ou de qualquer outra forma ou tipo sobre o território de outro Estado igualmente soberano. Trata-se do princípio de não intervenção, constante no artigo 2.4 da Carta da ONU.


De acordo com este normativo, “Todos os membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou independência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.’’


Se é verdade que o DL n.° 217/74, de 27 de maio, instituiu o salário mínimo nacional português, o que é facto é que o mesmo pressupõe a sua aplicabilidade apenas em território nacional, não resultando do mesmo, necessariamente, a sua aplicação aos trabalhadores dos SPE do MNE que exerçam funções fora do território nacional.


Efetivamente, o regime instituído pelo DL n.° 47/2013, de 5 de abril é uma lei que refere expressamente a sua aplicação aos trabalhadores dos SPE do MNE que exercem as suas funções no estrangeiro, sendo que o mesmo expressa claramente a aplicação das normas e princípios de direito internacional e "das normas imperativas de ordem pública local” na fixação da remuneração dos trabalhadores nos diferentes países do mundo, no respeito pelo Direito Internacional Público.


Do Princípio da legalidade da administração
O Princípio da Legalidade da Administração Pública mostra-se fixado, nomeadamente, no artigo 266.° n.° 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no art. 3.° n.° 1 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), estatuindo-se no primeiro que “Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”.


Já o n.° 1 do art. 3.° do CPA, estatui que “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins”.


Estabelecendo o Decreto-lei n.° 47/2013 de 5 de Abril, nomeadamente, as regras de fixação da remuneração, as quais mandam atender ao custo de vida do país onde o trabalhador se encontra a exercer funções, naturalmente que ao MNE caberá dar cumprimento aos referidos normativos enquanto os mesmos se mantiverem vigentes.


Em face de tudo quanto se discorreu, não se vislumbram razões para divergir do entendimento adotado em 1ª Instância, em face do que improcederá o recurso.

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Subsecção Social da Secção de Contencioso Administrativo, do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando-se a Sentença Recorrida.


Custas pelo Recorrente, sem prejuízo da isenção de que goza.


Lisboa, 24 de abril de 2024

Frederico de Frias Macedo Branco

Luis Borges Freitas

Teresa Caiado