Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:440/14.8BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:05/11/2017
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO.
ALÇADA DOS TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS DE 1.ª INSTÂNCIA.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
SISTEMA DE AVALIAÇÕES DO I.M.I.
COEFICIENTES DE AVALIAÇÃO DE ENQUADRAMENTO E ESPECÍFICOS.
CONCEITO DE PRÉDIO EM SEDE DE I.M.I.
ARTº.2, Nº.1, DO C.I.M.I.
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO CONCEITO DE PRÉDIO.
PARTES COMPONENTES E PARTES INTEGRANTES DO CONCEITO DE PRÉDIO.
AEROGERADOR COMO PARTE COMPONENTE DE UM PARQUE EÓLICO, MESMO NO CASO DO DITO PARQUE EÓLICO TER SOMENTE UM AEROGERADOR, DADO QUE TAMBÉM COMPOSTO POR OUTRAS ESTRUTURAS.
Sumário:1. Tendo transitado em julgado o despacho visado nas conclusões do recurso sob apreciação, em torno do mesmo operou o caso julgado (cfr.artºs.621 e 628, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o qual se traduz na impossibilidade de tal decisão ser substituída ou modificada por qualquer Tribunal, incluindo aquele que a proferiu, ressalvando-se os casos de recurso extraordinário, nomeadamente a revisão (cfr.artº.696, do C.P.Civil).
2. A alçada dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância é de € 935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de € 1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008.
3. No caso “sub judice”, a presente acção foi instaurada em 30/06/2014, pelo que o valor da alçada a atender é, portanto, o de € 1.250,00, assim não se aplicando ao presente processo o valor da alçada de € 5.000,00 introduzido pela Lei 82-B/2014, de 31/12, no artº.105, da L.G.T.
4. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
5. O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos artºs.38 a 70, do respectivo Código. O objectivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38, do C.I.M.I.
6. A avaliação assenta em seis coeficientes, todos eles de carácter objectivo, os quais se podem agregar em dois conjuntos:
a)Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL);
b)Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez (Cv).
7. Para efeitos de I.M.I., o conceito de prédio consta do artº.2, nº.1, do C.I.M.I., normativo que nos dá a seguinte noção: “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, as plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.
8. O legislador pretendeu dar ao intérprete um conceito de prédio (cfr.epígrafe deste artº.2, do C.I.M.I.), do qual ressaltam três elementos constitutivos:
a) Um primeiro elemento de natureza física: a fracção de território, isto é, uma parcela de espaço físico do território nacional, abrangendo, além do mais, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados (através de alicerces) ou assentes (pousadas), com carácter de permanência que, nos termos do nº.3 do mesmo preceito, se presume “quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”;
b) Um segundo elemento de natureza jurídica: que resulta da necessidade da fracção do território fazer parte do património de uma pessoa singular ou colectiva; e
c) Um terceiro elemento de natureza económica: que exige que a fracção do território, em circunstâncias normais, tenha valor económico.
9. São partes componentes (ou constitutivas, como também se poderia chamar-lhes) aquelas coisas que fazem parte da estrutura do prédio, e sem as quais, portanto, o prédio não está completo ou é impróprio para o uso a que se destina. Assim as portas, as janelas, os vigamentos, as telhas ou as clarabóias duma casa são partes componentes dela, pois são elementos que servem para formar este todo - “ad integrandum domum”. As partes integrantes, por seu lado, não chegam a ser elementos da própria estrutura do prédio, que sem elas não deixaria de existir completo e prestável para o uso a que se destina. Só que aumentam a utilidade do mesmo prédio, enquanto servem para o tornar mais produtivo, ou para a sua maior segurança, comodidade ou embelezamento. Estão postas ao serviço do prédio. Desempenham em relação a ele uma função auxiliar ou instrumental. Mas sucede que ao mesmo tempo é assim, convertidas em partes integrantes dum imóvel, que estas coisas, móveis de sua natureza, conseguem realizar - ou realizam melhor - a sua própria finalidade económica. Casos típicos de partes integrantes são, quanto aos prédios rústicos, os engenhos de tirar água, e quanto aos prédios urbanos as instalações para luz eléctrica ou os pára-raios.
10. Em circunstâncias normais, um aerogerador integrado (enquanto parte componente) num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio. Pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, que não o aerogerador, que é remunerado pela mencionada produção de energia electrica. Pelo que, à míngua do terceiro pressuposto (valor económico), não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública se possa autonomizar como um prédio para efeitos de I.M.I.
11. O mesmo se diga, na hipótese de um parque eólico ser constituído somente por um aerogerador, visto que, o parque eólico é constituído por outras estruturas para além do (ou dos) aerogeradores (cfr.postos de transformação, redes de cabos subterrâneos para ligação ao posto de corte, equipamento de PC, transformador de serviços auxiliares por barramento e respectivos equipamentos de comando, corte, protecção e medição).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferido pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Loulé, exarada a fls.225 a 232 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente acção administrativa especial, tendo por objecto acto do Chefe do Serviço de Finanças de ... que indeferiu reclamação, apresentada pela sociedade recorrida, “P... - Parque Eólico de ..., L.da.”, visando acto de inscrição na matriz predial urbana, de imóvel do tipo “Outros”, o qual corresponde ao Aerogerador nº.2 do Parque Eólico de ....
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.237 a 267 dos autos) do recurso formulando as sequentes Conclusões:
1-Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença a qual determinou a procedência da acção administrativa especial, e consequentemente, anulou o acto do Chefe do Serviço de Finanças de ... proferido em 03.06.2014, o qual indeferiu a reclamação da inscrição na matriz e, concomitantemente anulou o acto de inscrição do aerogerador n.º 2 na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o artigo 1702;
2-Resultam dos autos que a ora Recorrida aquando da interposição da acção administrativa especial deu como valor da acção € 5.000,00, tendo tal valor sido contestado pela recorrente, em sede de contestação, por haver considerado que nos termos do disposto no Art.º 31.º e 34.º ambos do CPTA, tal valor deveria ser fixado em € 30.000,01, em face de estarmos perante um acto cujo valor é indeterminável (v.d. ponto n.º 3 a 9 da contestação);
3-No despacho saneador, o tribunal a quo, fixou o valor da acção em € 2.500,00, nos termos e para os efeitos no disposto no n.º 2 do Art.º 97-A do CPPT e Art.º 306.º n.º 2 do CPC, todavia, entende a recorrente que o douto despacho para além de não ter fundamentado cabalmente os requisitos consignados no disposto no n.º 2 do Art.º 97-A do CPPT e Art.º 306.º n.º 2 do CPC, procede ainda a uma errónea apreciação e interpretação das normas legais, em face da factualidade atinente à presente lide;
4-Recorta-se que no caso vertente a acção administrativa especial contende apenas e tão somente com a apreciação da (i)legalidade do acto de inscrição do prédio na matriz (aerogerador n.º 2 na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o artigo 1702);
5-Logo, o valor da causa apenas poderá corresponder ao acto de inscrição oficiosa do imóvel na matriz, uma vez que foi esse acto que foi levado ao escrutínio do tribunal a quo, pois visava determinar se o acto de inscrição na matriz do aerogerador n.º 2 na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o artigo 1702, como prédio para efeitos de IMI é legal ou ilegal, em face dos critérios de incidência objectiva consignados pelo legislador no CIMI;
6-Logo, o valor da acção em que estejam a ser sindicados actos de inscrição oficiosa dos prédios na matriz, é de valor indeterminado, sendo-lhe por isso, aplicáveis as regras estatuídas no disposto no Art.º 34.º do CPTA (sobre o valor indeterminado veja-se Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª Edição revista 2010 pag. 213);
7-Deste modo, o acto praticado pelo Chefe do Serviço de Finanças de inscrição na matriz do aerogerador como prédio, configura um acto de valor indeterminado, sendo-lhe aplicáveis as regras constantes no n.º 2 do Art.º 34.º do CPTA, devendo o valor ser fixado em € 30.000,01, nos termos do disposto no Art.º 44.º da Lei 62/2013 de 26 de Junho;
8-Ainda que assim não se entenda, importa referir em abono da verdade que a alínea p) do n.º 1 do Art.º 97.º in fine e n.º 2 do CPPT, e sendo aplicável o regime estatuído no CPPT, o valor da acção seria de € 5.000,00 e não € 2.500,00;
9-Com efeito, em determinação do disposto no Art.º 97.º -A do CPPT, nos casos em que não se encontrem expressamente previstos nas diversas alíneas do n.º 1 o valor das acções, é fixado pelo juiz tendo em conta a complexidade do processo e a condição económica do impugnante, e tendo como limite máximo, o valor da alçada da 1ª instância nos tribunais judiciais (em face do disposto no n.º 1 do Art.º 44 da Lei 62/2013 de 26.08, a alçada da 1ª instância dos tribunais judiciais é de € 5.000,00), logo, e sendo aplicável o disposto no Art.º 97.º do CPPT às acções administrativas especiais, então o valor do processo sempre seria € 5.000,00 e nunca € 2.500,00;
10-Note-se que o tribunal a quo limita-se a determinar o valor da causa em € 2.500,00, de acordo com o n.º 2 do Art.º 97-A do CPPT e Art.º 306.º n.º 2 do CPC, sem que para o efeito fundamente em que se escorou para a sua determinação e muito menos explicita as razões de facto e de direito pelo qual o valor da causa determinado pelo ora Recorrido (€ 5.000,00) e pela Recorrente (€ 30.000,01) não foram atendidos;
11-Neste conspecto, o despacho proferido pelo Tribunal ad quo, fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais, razão pelo qual o mesmo se encontra ferido de ilegalidade devendo o mesmo ser anulado sendo determinado que o valor da causa se cifra em € 30.000,01, ou no limite € 5.000,00;
12-Ainda que assim não se entenda – e ainda que esse Venerando Tribunal venha a manter o valor da causa determinado pelo tribunal a quo – cumpre referir que ainda assim, se encontram reunidos os pressupostos processuais para efeitos de interposição de recurso da sentença em face à da alçada do tribunal de 1ª instância;
13-Estipula o disposto no Art.º 6.º do ETAF que, a alçada dos tribunais tributários corresponde a um quarto da que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais, e nos termos do disposto no Art.º 44.º da Lei 62/2013 de 26 de Junho, a alçada do tribunal judicial de 1ª instância é de € 5.000,00, sendo a alçada do tribunal tributário para efeitos de recurso de € 1.250,00;
14-No caso vertente, a sentença foi proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé - 2ª Unidade Orgânica - Secção de Contencioso Tributário, logo, são aplicáveis as regras referentes à alçada do tribunal tributário consignadas no aludido Art.º 6.º do ETAF, sendo a alçada de € 1.250,00;
15-Neste desiderato, tendo o tribunal a quo, determinado como valor da causa € 2.500,00, e sendo a alçada do tribunal tributário de € 1.250,00 é passível de recurso em função do valor e da alçada do Tribunal a quo;
16-Por outro lado, determina o disposto no Art.º 142.º do CPTA que é admissível recurso das decisões proferidas em primeiro grau de jurisdição que tenham conhecido do mérito da causa e nos processos de valor superior à alçada do tribunal a que se recorre, determinando o disposto no Art.º 140.º do mesmo código que o prazo de interposição é de 30 dias, aplicável no presente processo;
17-Todavia, ainda que se considere que estamos perante uma acção administrativa especial de valor superior à alçada dos tribunais administrativos de círculo, em que o tribunal funciona em formação de 3 juízes, a qual compete o julgamento da matéria de facto nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 40.º do ETAF, e se entenda que o meio processual adequado com vista a reagir da decisão se subsume à reclamação para a conferência nos termos do disposto no n.º 2 do Art.º 27.º do CPTA e Art.º 40.º n.º 3 do ETAF, a intentar no prazo de 10 dias, ainda assim o presente recurso/reclamação é tempestivo (v.d. acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2012, do Pleno do STA, de 05/06/2012, in Proc. n.º 0420/12);
18-Com efeito, caso se venha a entender que estamos perante uma acção administrativa especial cujo valor é superior à alçada dos tribunais administrativos de círculo, em que o tribunal funciona em formação de 3 juízes, e que o meio processual adequado com vista a reagir da sentença é a reclamação para a conferência nos termos do disposto no n.º 2 do Art.º 27.º do CPTA e Art.º 40.º n.º 3 do ETAF, no prazo de 10 dias, ainda assim o presente recurso é interposto dentro desse prazo, requerendo-se desde já a sua convolação em reclamação para a conferência (a propósito da convolação do recurso em reclamação para a conferência veja-se o Acórdão do TCAN proferido no Acórdão 00420/07.0BEVIS-A de 20.02.2015);
19-A douta sentença aquilatou que um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem, valor económico próprio: pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação da capacidade contributiva que releva a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, e não o aerogerador que é remunerado e objecto de tributação, concluindo que à míngua do terceiro pressuposto (elemento económico) não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de IMI, uma vez que o requisito da existência do valor económico, não se verifica em relação a cada uma dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõem o parque eólico, mas apenas em relação a este, na sua unidade atenta a sua finalidade;
20-Entende a Recorrente que a sentença para além de proceder a uma errónea apreciação e interpretação do conceito de prédio para efeitos fiscais, em manifesta e clara violação do disposto no Art.º 2.º do CIMI, enferma de erro de base nas premissas em que escorou a sua fundamentação, sendo violadora dos princípios constitucionais da justiça, equidade e segurança fiscais;
21-No tocante à incidência objectiva do IMI, consagra o Art.º 2º do CIMI que, é considerado prédio qualquer edifício ou construção dotado de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontre implantado, embora situado numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial;
22-Logo, o conceito fiscal de prédio afasta-se da noção civilista ou seja, o Art.º 2º do CIMI estabelece um conceito específico para a determinação da incidência do IMI, mais amplo do que o constante no Art.º 204º do Código Civil (Sobre os diferentes conceitos de prédios, explica NUNO SÁ GOMES: «Ora, parece resultar da comparação entre o conceito civil de imóvel consagrado no art. 204.º do Código Civil, com o conceito fiscal de prédio, previsto no art. 2.º do CIMI, que este último parece não abranger todas as realidades que são consideradas imóveis, para efeitos civis. É o que sucede, v.g., com os direitos inerentes aos imóveis, que não tendo a referida estrutura física, nunca serão prédios. Sendo assim, parece que, para efeitos da Reforma de Tributação do Património, o conceito civil de imóvel não coincide com o conceito fiscal de prédio.»);
23-Para efeitos fiscais o conceito de prédio prevê a existência de três requisitos necessários, o elemento de natureza física, o elemento de natureza jurídica e o elemento de natureza económica (patrimonialidade), pelo que apenas a confluência destes três vectores podem qualificar determinada realidade como prédio para efeitos de enquadramento em sede de IMI;
24-Aqui chegados recorta-se que a sentença deu como verificados para efeitos de inscrição do aerogerador como prédio na matriz predial, o elemento de natureza física e o elemento de natureza jurídica, não tendo considerado como verificado o elemento de natureza económica, por considerar, que um aerogerador por si só não tem valor económico, sendo um componente do parque eólico o qual é essencial para injectar na rede pública energia eólica;
25-Tal argumento é claramente infundado tendo em conta composição do parque eólico, o qual é composto por aerogeradores assincronos (torres eólicas), subestações (edifícios de comando), redes de cabos que ligam os primeiros aos segundos e respectivos acessos, daí que, cada aerogerador é uma unidade independente em termos funcionais, constituindo prédio urbano par a efeitos do Código do IMI, e atendendo à sua natureza, é qualificado como prédio urbano do tipo "Outros", preenchendo os requisitos estatuídos no Art.º 2.º do CIMI;
26-Por outro lado, nos termos do Art.º 203.º do Código Civil, as coisas podem ser, entre outras, móveis ou imóveis, simples ou compostas e de acordo com Art.º 206.º do mesmo Código, é havida como coisa composta, ou universalidade de facto, a pluralidade de coisas móveis que, pertencendo à mesma pessoa, têm um destino unitário (veja-se a este propósito MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo II, Coisas, 2.ª edição, 2009, páginas 162 a 166);
27-Atendendo às definições de coisa simples e composta e, às realidades físicas em causa, é possível inferir que, contrariamente ao raciocínio sufragado na sentença, que cada aerogerador constitui uma unidade independente e possui valor económico, na medida em que, cada aerogerador admite um único direito e opera como uma unidade, tratando-se de coisa simples, que abrange uma coisa com várias peças que perderam a autonomia com a sua junção, com vista à prossecução de um fim unitário: a produção de energia eléctrica;
28-Em suma, cada aerogerador (“coisa simples” formada pela junção dos seus componentes: sapata de betão, torre, cabine e pás), constitui uma unidade funcional independente (dado que o aproveitamento energético do vento pode ser efectuado por uma só unidade); e o parque eólico, com os seus elementos e estruturas principais (torres eólicas, redes de cabos, acessos e edifício de comando) constitui uma “coisa composta”, isto é, engloba várias “coisas” simples, pertencentes à mesma pessoa e com um destino unitário, e embora possa ser objecto de actos jurídicos unitários;
29-Logo, para efeitos de subsunção ao conceito de prédio ínsito no Art.º 2.º do Código do IMI, cada aerogerador deve ser considerado como realidade distinta, pelo que à revelia da sentença os aerogeradores devem ser qualificados como prédios, de acordo com o disposto no Art.º 2º do CIMI, constituindo realidades físicas distintas ou autónomas dos terrenos em que se encontram implantadas, as quais possuem, claramente, valor económico;
30-Preenche assim os requisitos estatuídos na lei para o aerogerador ser considerado como prédio para efeitos fiscais, incluindo o elemento económico, não considerado pela sentença a quo;
31-Quanto ao elemento de natureza económica (patrimonialidade) não atendido na sentença, tem como premissa que determinado bem em circunstâncias normais tenha valor económico, independentemente da susceptibilidade de produzir ou não rendimento (veja-se a este propósito o entendimento de Vasco Branco Guimarães in sobre o conceito fiscal de prédio, Estudo feito por ocasião da Comemoração do L aniversário do centro de Estudos Fiscais, plicado na Ciência e Técnica Fiscal, n.º 433 pag. 180, NUNO SÁ GOMES in “Os conceitos fiscais de prédio” in CTF e Caderno CTF n..º 54 de 1967 pag. 120 J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas (Os impostos sobre o património imobiliário – Anotados e Comentados”, 1ª Edição - Engifisco - 2005, pag. 102);
32-Assim o elemento de natureza económica encontra-se associado ao requisito de patrimonialidade, o bem tem que ter valor económico, ser susceptível de gerar rendimento ou outro tipo de utilidade para o seu titular (v.d. ALFARO, Martins – O conceito de prédio no IMI e algumas contradições normativas. [Consult. 15 de Mar. 2013 Disponível em www.doutrina.net/p/revistadedoutrinatributária/rd+11/conceitoprédioimi.htm e MATEUS, J. Silvério; FREITAS, L. Corvelo – Os impostos sobre o Património Imobiliário – O Imposto de Selo. Lisboa: Engifisco, Lda., 2005, pp. 101-102);
33-Ora, o aerogerador é uma unidade claramente independente em termos funcionais do parque eólico, com autonomia e valor económicos, o qual se traduz na susceptibilidade de gerar rendimentos ou outro tipo de utilidades par a o seu titular;
34-Resulta dos autos, o preenchimento do elemento económico através da licença de estabelecimento, emitida pela Direcção-Geral de Energia e Geologia, em 2012;
35-Assim um - aerogerador - possui valor económico de per se, por força da sua natureza intrínseca e individual, bem como pela função que desempenha no conjunto, no parque eólico;
36-Daí que no caso vertente é evidente que o preenchimento do requisito da autonomia económica e encontra verificado, traduzindo-se na susceptibilidade do aerogerador gerar rendimentos, através da comercialização da energia gerada com o parque eólico ou outro tipo de utilidades para o seu titular;
37-Logo, o aerogerador deve ser qualificado como prédio, de acordo com o disposto no Art.º 2º do CIMI, constituindo uma realidade física distinta ou autónoma do terreno em que se encontram implantado, possuindo valor económico;
38-No estudo elaborado por Vasco Branco Guimarães (in sobre o conceito fiscal de prédio, Estudo feito por ocasião da Comemoração do L aniversário do centro de Estudos Fiscais, plicado na Ciência e Técnica Fiscal, n.º 433 pag. 201) acerca qual qualificação das torres eólicas como prédios urbanos onde se refere que “O legislador classifica de forma detalhada os prédios urbanos dividindo-os em a) habitacionais; b) comerciais ou industriais ou para serviços; c) terrenos para construção; d) outros. Uma vez que as torres eólicas não podem sere prédios rústicos terão de ser prédios urbanos. A Doutrina autorizada publicada enquadra-os na qualificação: Outros. De entre os urbanos deverão ser considerados como Outros. Esta é a solução que corresponde à correcta interpretação do normativo em vigor”;
39-Resulta assim que a sentença a quo procede a uma errada interpretação do disposto no Art.º 2.º do CIMI, na medida em que um aerogerador preenche todos pressupostos legais (elementos jurídico, físico económico) para ser considerado como prédio para efeitos fiscais;
40-Acresce ainda que, o entendimento propugnado na sentença enferma ainda de um erro nas suas premissas, ofendendo claramente os mais basilares princípios constitucionais da equidade, justiça e segurança fiscais;
41-A sentença aquilatou que o aerogerador integrado num parque eólico não tem, valor económico próprio: pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação da capacidade contributiva que releva a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, e não o aerogerador que é remunerado e objecto de tributação, todavia perguntar-se-á então de que modo o entendimento vertido na sentença é compaginável com um parque eólico que é constituído por um único aerogerador? É o aerogerador considerado como parque eólico e por essa via sujeito a inscrição e posterior tributação?
42-Mais, seguindo o ideário argumentativo da sentença e considerando que apenas o parque eólico deve ser objecto de tributação uma vez que apenas aquele preenche os requisitos para ser qualificado como prédio para efeitos de IMI, perguntar-se-á de que modo tal entendimento é compaginável com parques eólicos que se encontram inseridos em vários concelhos, cuja taxa de IMI é claramente díspar em todos eles? Qual então a taxa a aplicar? E como se tributa e inscreve tal realidade na matriz? Apenas num concelho? Onde se encontrem situados o maior número de componentes? Através de rotatividade?
43-Logo, o entendimento preconizado na sentença o qual entende que a realidade a inscrever e tributar para efeitos de IMI, é o parque eólico e não cada um dos componentes que o compõem, é claramente violador dos princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscal;
44-Para o efeito pensar-se que a seguir-se tal entendimento, e a tributar-se o parque eólico ao invés dos seus componentes (aerogeradores), originaria que em parque eólicos cuja área de circunscrição abrange vários concelhos, com taxas diferentes, fosse o parque eólico apenas inscrito num só concelho, ou no concelho que tivesse mais componentes, em detrimento de ou concelho limítrofe com menos componentes, ou como é inscrito para efeitos fiscais um parque eólico que abrande 3 concelhos diferentes com taxas distintas?
45-Neste desiderato, afere-se que o entendimento vertido na sentença viola nos mais elementares princípios da equidade, segurança e justiça fiscais, consignados no Art.º 5.º da LGT e Art.º 103.º e 104.º ambos da CRP;
46-Por fim referira-se que o entendimento vertido pela Recorrente é transversal em países da União Europeia, desde logo, e a título meramente exemplificativo veja-se o caso de Espanha no qual os parques eólicos são tributados em sede de Impuesto sobre Construcciones, Instalaciones y Obras (Inclusión en la base imponible del valor de las placas solares o de los aerogeneradores), e em sede de BICES (Impuesto sobre Bienes Inmuebles de Características Especiales, antes IBI), o qual se paga todos los años y se aplica al conjunto de la instalación. Se aplica sobre un valor catastral que determina Hacienda (ligado a las inversiones y las amortizaciones), sobre el que los ayuntamientos aplican un impuesto que va del 0,4 al 1,3% (de entre 800 y 2.000 euros por MWh al año. Para un parque de 50 MW, supone entre 40.000 y 130.000 euros a año);
47-De igual modo, no ordenamento jurídico francês La cotisation foncière des entreprises (CFE) constitui um imposto baseado em valores de aluguer propriedade a que os parques eólicos se encontram sujeitos;
48-Neste desiderato, conclui-se que os aerogeradores reúnem todos os requisitos legais para que seja qualificado como prédio para efeitos das normas de incidência em sede de IMI, razão pela qual a sentença procede a uma errada interpretação e apreciação do Art.º 2.º do CIMI, colidindo tal entendimento com os princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscal;
49-Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve ser revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, por errada interpretação e aplicação do art.º 2.º do CIMI, e por manifesta violação dos princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscais, com todas as legais consequências.
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.271 a 290 dos autos), nas quais pugna pela confirmação do julgado, terminando com o sequente quadro Conclusivo:
1-Em sede de alegações, entende o Recorrente ser a torre eólica sub judice um prédio na acepção do artigo 2 do CIMI, sem que daí resulte qualquer violação das normas constitucionais oportunamente invocadas pela Recorrida;
2-Discorda a Recorrida da posição adoptada pelo Recorrente, na medida em que claudicam os elementos atinentes à natureza física e económica ínsitos no conceito de prédio previsto no artigo 2. do CIMI, sendo certo que uma interpretação conforme à Lei fundamental - in casu, aos princípios constitucionais plasmados nos artigos 103., n. 2,165., n. 1,alínea i), e 112 da CRP - pressupõe necessariamente a não aplicação deste preceito legal à realidade em presença;
3-No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza física, entende a Recorrida que o mesmo não se encontra preenchido uma vez que os aerogeradores de parques eólicos constituem conjuntos integrados de componentes equipamentos - necessários à produção de energia eléctrica, não possuindo a sapata e a estrutura tubular metálica autonomia funcional intrínseca;
4-Por seu turno, no que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza económica, não possuindo a sapata e a estrutura tubular metálica autonomia funcional relativamente aos demais componentes integrantes do aerogerador, também não a possui, pelos mesmos motivos e maioria de razão, a nível económico, claudicando, em consequência, o preenchimento do requisito em apreço;
5-Em consequência, irrelevam neste contexto os conceitos civilísticos de coisa simples e composta, sendo ademais notório que os aerogeradores são partes componentes de um parque eólico assim como a estrutura tubular e a sapata - realidades tributadas na acepção do artigo 2. do CIMI, de acordo com o entendimento da Administração Tributária são partes componentes de um aerogerador, não estando quaisquer destes componentes por si só - isto é, se individualmente considerados - aptos à produção de energia eólica;
6-Deste modo, a subsunção da realidade em presença no conceito de prédio previsto no artigo 2. do CIMI não pode deixar de ser vista como um meio inadmissível de determinação da incidência tributária em sede de IMI, bulindo directamente com a tipicidade inerente ao escopo garantístico do princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103., n. 2, da CRP, e 8., n. 1, da LGT;
7-Ademais, provindo do entendimento vertido pela Administração Tributária na Circular n.8/2013, de 4 de Outubro de 2013, do Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, equivale a admitir como possível a definição de obrigações tributárias por meras orientações administrativas, hipótese que resulta manifestamente incompatível com o disposto no artigo 112, n. 1, da CRP, com o referido princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103 da CRP e 8, da LGT e, de igual modo, com o princípio da reserva de lei previsto no artigo 165, n.º 1, alínea i), da CRP;
8-Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2 do CIMI;
9-Em consequência, inversamente à posição assumida pelo Recorrente em sede de alegações, mantêm plena razão de ser os argumentos esgrimidos na petição inicial;
10-Nestes termos, requer-se a esse douto Tribunal ad quem que pugne pela manutenção do sentido decisório sufragado pelo douto Tribunal a quo.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para os efeitos do artº.146, nº.1, do C.P.T.A. (cfr.fls.297 dos autos), emite pronúncia sobre o mérito do recurso, pugnando pela procedência do mesmo (cfr.fls.298 a 303 dos autos).
X
Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.225 a 227 dos presentes autos):
1-A sociedade A., “P... - Parque Eólico de ..., L.da.”, com o n.i.p.c. ..., é dona do parque eólico sito na freguesia de ... e ..., composto por seis aerogeradores da marca Vestas, modelo V90 (cfr.documento junto a fls.32 dos presentes autos; factualidade admitida por acordo);
2-Cada aerogerador da marca Vestas, modelo V90, é composto por uma torre de seis pisos com elevador - estrutura tubular metálica que sustenta o rotor e a nacelle - um rotor - elemento de fixação das três pás que captam o vento - e uma nacelle - compartimento dentro do qual se encontram os equipamentos que transformam a energia eólica em eléctrica (cfr.documentos juntos a fls.34, 36, 38, 40 e 41 dos presentes autos);
3-A torre de cada aerogerador da marca Vestas, modelo V90, é fixada a uma sapata de betão (fundação) com 216,40m2 (cfr.documento junto a fls.38 dos presentes autos; factualidade admitida por acordo);
4-Por ofício de 21 de Maio de 2012, a Direcção Geral de Energia e Geologia comunicou à sociedade A. a atribuição de “licença de exploração da remodelação do Parque Eólico da ... (antigo Parque Eólico de ...) com a potência total de 12.900kVA, consistindo na substituição da totalidade dos aerogeradores por 6 aerogeradores com a potência unitária de 2.000kW (2.150kVA), 6 postos de transformação, cada um equipado com um transformador de potência de 2.100kVA, 0,69/15kV, rede de cabos subterrâneos para ligação ao posto de corte, PC existente, alteração do equipamento do PC e instalação de um transformador de serviços auxiliares por barramento, com a potência de 25 kVA, 15/0,4kV, e respectivos equipamentos de comando, corte, protecção e medição, sito na ..., freguesia e concelho de ...” (cfr.documento junto a fls.44 e 45 dos presentes autos);
5-Esta licença ficou sujeita, além do mais, às seguintes cláusulas:
“(…)
1 – Limitar a potência máxima a injectar na rede pública a 10.000 kVA”;
3 – A potência declarada do parque eólico é de 11.800kVA, produzindo efeitos no mês seguinte ao mês em que for efectuada a vistoria ao parque”;
4 – A remuneração do parque eólico é efectuada com base no Decreto-Lei n.º 339-C/2001, de 29 de Dezembro (…)
(cfr.documento junto a fls.44 e 45 dos presentes autos);
6-Através do Ofício n.º 15463415, relativo ao “ Assunto: Notificação da Avaliação da Ficha n.º 009743862”, o Serviço de Finanças de ... comunicou a P... – PARQUE EÓLICO DE ..., LDA., “que, em resultado da avaliação efectuada ao PRÉDIO TIPO «OUTROS», inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-1.702 da freguesia 081506 ... e ..., foi atribuído o valor patrimonial tributário abaixo descrito, apurado nos termos do n.º 2 do artigo 46.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis”, acto de avaliação este que teve por objecto o aerogerador nº.2 do Parque Eólico da ... (cfr.documentos juntos a fls.47 e 70 a 72 dos presentes autos);
7-No dia 6 de Fevereiro de 2014, a sociedade A. apresentou reclamação da matriz, ao abrigo do artigo 130, n.º 3, alínea b), do Código do IMI, pedindo a supressão do artigo P-1.702 (cfr.documento junto a fls.49 a 51 dos presentes autos);
8-Em 3 de Junho de 2014, o Chefe do Serviço de Finanças de ... indeferiu (acto impugnado) aquela reclamação nos termos do despacho de fls.70 a 72 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(…)
I - Da natureza dos prédios que compõem os parques eólicos e da sua qualificação fiscal

1 - A realidade designada por parque eólico é composta por aerogeradores assíncronos (as chamadas torres eólicas), subestações (edifícios de comando), redes de cabos que ligam os primeiros aos segundos, e respectivos acessos.
2 - Cada aerogerador (torre eólica) e cada subestação são unidades independentes em termos funcionais, pelo que constituem prédios para efeito do disposto no artigo 2.º do Código do IMI.
3 - Os prédios em causa são classificados como urbanos, nos termos do disposto no artigo 4.º do mesmo Código.
4 - Atenta a sua natureza, os aerogeradores e as subestações são, nos termos do disposto no artigo 6.º do CIMI, qualificados como prédios urbanos do tipo «Outros», por não se subsumirem às outras espécies definidas de prédios habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços ou terrenos para construção.

II - Da obrigação de inscrição matricial

5 - Cada aerogerador e cada subestação são registados na respectiva matriz predial, recaindo a obrigação declarativa prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º do CIMI no sujeito passivo determinado no artigo 8.º do mesmo Código, no prazo de 60 dias de uma realidade física ser considerada como prédio.
6 - Quando não se mostre cumprida a mencionada obrigação, cabe ao chefe de finanças competente proceder oficiosamente à inscrição do prédio na matriz, em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 13.º do CIMI, devendo carrear para o procedimento todos os elementos necessários à avaliação dos prédios, em obediência ao princípio do inquisitório plasmado no artigo 58.º da Lei Geral Tributária.
(…)”;
9-Dá-se por integralmente reproduzida a caderneta predial do prédio urbano 1.702 da freguesia de ... e ..., constante de fls.223 e verso dos presentes autos, que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(…)
CADERNETA PREDIAL URBANA
IDENTIFICAÇÃO DO PRÉDIO:
(…) Artigo Matricial: 1702 (…) Descrito na CRP de ... sob o registo n.º 956
TEVE ORIGEM NOS ARTIGOS:
Distrito: Faro Concelho: ... Freguesia: ... (extinta) Tipo: Rústico Secção: C-C1 Artigo: 1
LOCALIZAÇÃO DO PRÉDIO:
Av./Rua/Praça: ... – Aerogerador n.º 2 (…)
CONFRONTAÇÕES:
Norte: L... (Cab. Cas. Her. de)
Sul: L... (Cab. Cas. Her. de)
Nascente: L... (Cab. Cas. Her. de)
Poente: L... (Cab. Cas. Her. de)
DESCRIÇÃO DO PRÉDIO:
Tipo de prédio: Outros
N.º de pisos: 1 Tipologia/Divisões: 1
ÁREAS (EM m2):
(…)
DADOS DE AVALIAÇÃO:
(…) Tipo de avaliação: Aval. Artigo 46.º, n.º 2 – Método custo c/terreno
Percentagem para cálculo da área de implantação: 15,00%
Preço do terreno por m2: € 1,00
Custo da construção por m2: € 2.343,73
Tipo de coeficiente de localização: indústria
Coordenada X: 132.980
Coordenada Y: 16.881
Valor Patrimonial Tributário (459.740,00) = Área Total do Terreno (196,07) x Preço m2 (1) + Área Bruta de Construção (196,07) x Custo m2 (2.343,73)
(…)
TITULARES:
Identificação Fiscal: …
Nome: P... – PARQUE EÓLICO DE..., LDA.
Tipo de titular: Superficiário
Periodicidade: Temporário
Ano início: 1997
Ano fim: 2022
Parte: 1/1
(…) NIF do proprietário de raiz: 700.037.950
Nome: L... – Cabeça de Casal da Herança de.
(…)”
(cfr.documento junto a fls.223 e verso dos presentes autos).
X
A fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…Os documentos referidos não foram impugnados pelas partes e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade…”.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida, em síntese, julgou procedente a presente acção administrativa especial, em consequência do que anulou os actos que lhe são objecto (cfr.nºs.6 e 8 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O apelante vem chamar à liça, em primeiro lugar e em síntese, o valor da causa fixado para o presente processo pelo Tribunal “a quo” no despacho saneador exarado a fls.164 a 173 dos autos, no montante de € 2.500,00 e ao abrigo dos artºs.97-A, nº.2, do C.P.P.T., e 306, nº.2, do C.P.Civil. Que tal valor devia ser fixado em € 30.000,01. Que o despacho proferido pelo Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso, razão pela qual o mesmo se encontra ferido de ilegalidade, devendo ser anulado e determinando-se que o valor da causa se cifra em € 30.000,01 ou, no limite, em € 5.000,00 (cfr.conclusões 2 a 18 do recurso).
Retira-se do exame do processo que o despacho saneador que, além do mais, fixou o valor à causa no supra citado montante de € 2.500,00, ao abrigo dos artºs.97-A, nº.2, do C.P.P.T., e 306, nº.2, do C.P.Civil, foi lavrado no pretérito dia 13/01/2015 (cfr.fls.164 a 173 dos autos), tendo sido notificado às partes, as quais, entretanto, já produziram alegações escritas, pelo que, há muito transitou em julgado.
Tendo transitado em julgado o despacho visado nas conclusões do recurso sob apreciação, em torno do mesmo operou o caso julgado (cfr.artºs.621 e 628, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), o qual se traduz na impossibilidade de tal decisão ser substituída ou modificada por qualquer Tribunal, incluindo aquele que a proferiu, ressalvando-se os casos de recurso extraordinário, nomeadamente a revisão (cfr.artº.696, do C.P.Civil; José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Código de Processo Civil Anotado, Tomo I, Quid Juris, 2016, pág.724 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª.edição, 1985, pág.701 e seg.).
Após a reforma do processo civil de 1995/96, o caso julgado passou a ser uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso pelo Tribunal, que obsta à apreciação do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (cfr.artºs.576, nº.2, 577, al.i), e 578, todos do C.P.Civil, “ex vi” do artº. 2, al.e), do C.P.P.Tributário).
Em conclusão, o Tribunal não deve examinar e decidir o presente esteio do recurso devido ao trânsito em julgado do despacho que fixou o valor à causa no montante de € 2.500,00, exarado a fls.164 a 173 dos presentes autos.
Apesar disso, sempre se dirá que a alçada dos Tribunais Tributários de 1.ª Instância era de € 935,25 para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007 e de € 1.250,00 para processos iniciados a partir de 1 de Janeiro de 2008, considerando que o artº.280, nº.4, do C.P.P.T., assenta no critério do valor de um quarto da alçada fixada para os Tribunais Judiciais de 1.ª Instância. Recorde-se que a alçada dos Tribunais Judiciais de 1.ª Instância foi fixada em € 5.000,00, pelo artº.24, nº.1, da Lei 3/99, de 13/1, na redacção do dec.lei 303/2007, de 24/8, só se aplicando a processos iniciados após a sua entrada em vigor, i.e., em 1 de Janeiro de 2008. Já para os processos iniciados até 31 de Dezembro de 2007, continua a vigorar a alçada de € 3.740,98, fixada pelo artº.24, nº.1, da Lei 3/99, na redacção dada pelo dec.lei 323/2001, de 17/12 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 1/10/2014, proc.7619/14; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 3/12/2015, proc.9147/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/07/2016, proc.9718/16; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.418).
No caso “sub judice”, a presente acção foi instaurada em 30/06/2014, pelo que o valor da alçada a atender é, portanto, o de € 1.250,00( (não se aplica ao presente processo o valor da alçada de € 5.000,00 introduzido pela Lei 82-B/2014, de 31/12, no artº.105, da L.G.T.). ).
O recorrente aduz, em segundo lugar e em sinopse, que a decisão recorrida efectuou uma errónea interpretação do conceito de prédio para efeitos fiscais, em manifesta violação do disposto no artº.2, do C.I.M.I., mais sendo a sua fundamentação violadora dos princípios constitucionais da justiça, equidade e segurança fiscais. Que a sentença do Tribunal “a quo” deu como verificados, para efeitos de inscrição do aerogerador como prédio na matriz predial, o elemento de natureza física e o elemento de natureza jurídica, mais não tendo considerado como verificado o elemento de natureza económica, visto considerar que um aerogerador, por si só, não tem valor económico, antes sendo um componente do parque eólico. Que para efeitos de subsunção ao conceito de prédio ínsito no artº.2, do C.I.M.I., cada aerogerador deve ser considerado como realidade física distinta ou autónoma dos terrenos em que se encontram implantados, os quais possuem, claramente, valor económico próprio, dado que o aproveitamento energético do vento pode ser efectuado por uma só unidade, de forma independente. Que preenche, assim, os requisitos estatuídos na lei para que cada aerogerador seja considerado como prédio para efeitos fiscais, incluindo o elemento económico, não considerado pela decisão recorrida. Perguntar-se-á, então, de que modo o entendimento vertido na sentença é compaginável com um parque eólico que é constituído por um único aerogerador? Que o entendimento preconizado na sentença recorrida, o qual entende que a realidade a inscrever e tributar, para efeitos de I.M.I., é o parque eólico e não cada um dos elementos que o compõem, revela-se claramente violador dos princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscal (cfr.conclusões 19 a 48 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/3/2014, proc.2912/09).
No caso “sub judice”, o que está em causa é a inscrição de imóvel na matriz em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis. Tal tributo foi criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), substituindo a Contribuição Autárquica, devendo considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. edição, 2007, pág.53 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.11 e seg.).
O sistema de avaliações do I.M.I. consta dos artºs.38 a 70, do respectivo Código. O objectivo do sistema é determinar o valor de mercado dos imóveis urbanos, a partir de uma fórmula matemática enunciada no artº.38, do C.I.M.I., com a seguinte expressão (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.55 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.28 e seg.):
Vt = Vc x A x Ca x CL x Cq x Cv
em que:
Vt = valor patrimonial tributário;
Vc = valor base dos prédios edificados;
A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;
CL = coeficiente de localização;
Cq = coeficiente de qualidade e conforto;
Cv = coeficiente de vetustez.
A avaliação assenta nestes seis coeficientes, todos eles de carácter objectivo que se podem agregar em dois conjuntos:
1-Os coeficientes macro, de enquadramento ou de contexto - trata-se dos coeficientes que não dependem especificamente de cada prédio individual que vai ser avaliado, mas do contexto económico e urbanístico em que se insere. São factores de variação do valor que não são intrínsecos a cada prédio, mas exteriores, apesar de serem sempre dele indissociáveis. Estes coeficientes aplicam-se, por natureza, a vários prédios e não apenas a um. São eles o valor base dos prédios edificados (Vc) e o coeficiente de localização (CL).
2-Os coeficientes específicos ou individuais - são os que respeitam a características intrínsecas dos próprios imóveis concretamente avaliados. Estamos a falar da área (A), do coeficiente de afectação (Ca), do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) e do coeficiente de vetustez - Cv (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/2/2012, proc.4950/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/2/2014, proc.7223/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 18/9/2014, proc.6982/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 8/1/2015, proc.7992/14).
“In casu”, a A. Fiscal inscreveu na matriz como prédio, não uma fracção do território, mas um aerogerador: o aerogerador nº.2, sito em ..., com as características técnicas que resultam do probatório (cfr.nºs.6 a 9 da matéria de facto), procedimento este cuja legalidade é defendida pelo recorrente.
O Tribunal “a quo” concluiu que os actos que são objecto da presente acção (cfr.nºs.6 e 8 do probatório), quais procederam à inscrição/manutenção na matriz do identificado aerogerador nº.2, padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, uma vez que ordenou a inscrição na matriz de uma realidade (aerogerador) que não preenche o conceito fiscal de prédio.
Vejamos quem tem razão.
Para efeitos de I.M.I., o conceito de prédio consta do artº.2, nº.1, do C.I.M.I., normativo que nos dá a seguinte noção: “prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, as plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.
O legislador pretendeu dar ao intérprete um conceito de prédio (cfr.epígrafe deste artº.2, do C.I.M.I.), do qual ressaltam três elementos constitutivos:
a) Um primeiro elemento de natureza física: a fracção de território, isto é, uma parcela de espaço físico do território nacional, abrangendo, além do mais, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados (através de alicerces) ou assentes (pousadas), com carácter de permanência que, nos termos do nº.3 do mesmo preceito, se presume “quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano”;
b) Um segundo elemento de natureza jurídica: que resulta da necessidade da fracção do território fazer parte do património de uma pessoa singular ou colectiva; e
c) Um terceiro elemento de natureza económica: que exige que a fracção do território, em circunstâncias normais, tenha valor económico (cfr.Rui Navarro e Adélia Teixeira, CIMI anotado, Edição da APECA, 2007, pág.50 e seg.; Esmeralda Nascimento e Márcia Trabulo, Imposto Municipal sobre Imóveis, Notas práticas, Almedina, 2004, pág.15 e seg.).
O conceito de prédio contido neste artigo tem um recorte muito detalhado devido à importância fundamental que possui na economia do I.M.I., particularmente relevante para efeito de aplicação das normas de incidência objectiva, da aplicação das taxas e para estruturação das avaliações. Este conceito diverge do que nos é dado pelo Código Civil. Como se pode verificar, o Código Civil não nos dá um conceito directo de prédio, resultando este da enumeração das coisas que são consideradas imóveis, articulada com a definição da amplitude dos direitos de propriedade que podem ser exercidos sobre essas coisas (cfr.artºs.203 e 204, do C.Civil; José de Oliveira Ascensão, Direito Civil, Reais, 4ª. Edição, Coimbra Editora, 1987, pág.38 e seg.).
Em comum, o conceito de prédio resultante do direito civil e o enunciado no citado artº.2, nº.1, do C.I.M.I., têm o elemento físico. Neste último podemos encontrar dois outros elementos que a lei civil não convoca: o elemento jurídico (...desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva...) e o elemento económico (...tenha valor económico…).
Revertendo ao caso dos autos, o aerogerador objecto de inscrição na matriz em sede de I.M.I. corresponde a uma turbina eólica modelo V90 da marca Vestas composta por uma torre de seis pisos com elevador (estrutura tubular metálica que sustenta o rotor e a nacelle), um rotor (elemento de fixação das três pás que captam o vento) e uma nacelle (compartimento dentro do qual se encontram os equipamentos que transformam a energia eólica em eléctrica). Trata-se, pois, de uma construção composta por aqueles três elementos (torre, rotor e nacelle) que é fixada a uma sapata de betão/fundação (cfr.nºs.1, 2 e 3 do probatório).
O identificado aerogerador tem por finalidade a produção de energia eléctrica no Parque Eólico da ... que, para o efeito, é composto também por mais cinco aerogeradores, seis postos de transformação, redes de cabos subterrâneos para ligação ao posto de corte, equipamento de PC, transformador de serviços auxiliares por barramento e respectivos equipamentos de comando, corte, protecção e medição. Sendo o destino da energia eléctrica gerada no parque eólico a sua injecção na rede pública, até à potência máxima de 10.000 KVA (cfr.nºs.4 e 5 do probatório).
Mas será que se verificam os três pressupostos do conceito de prédio supra descritos e relativamente ao identificado aerogerador?
Pensamos que não. Expliquemos porquê.
De acordo com a factualidade provada a A. Fiscal considerou que o aerogerador em causa estava situado numa fracção de território (o artigo rústico nº.1, secção C-C1, da extinta freguesia de ...) que era parte integrante do património da herança de L..., e que tinha, em relação ao terreno, autonomia económica. E, efectivamente, como a turbina eólica, constituída, nos apontados termos, por torre, rotor e nacelle (e respectivos equipamentos), não é mera construção acessória do terreno rústico, antes é parte componente do parque eólico, tendo autonomia económica em relação ao terreno rústico, tem que se dar por preenchido o primeiro pressuposto do conceito de prédio para efeitos de I.M.I. (cfr.nº.9 do probatório; elemento de natureza física).
Mas para serem tidas como prédios, para efeito de I.M.I., as construções situadas numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso e dotadas de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantadas, é também necessário - segundo pressuposto - que façam parte do património de uma pessoa singular ou colectiva.
Trata-se de pressuposto que não vem posto em crise nos autos, pois que a sociedade recorrida reconhece ser proprietária do parque eólico ao qual pertence o aerogerador (cfr.nº.1 do probatório; elemento de natureza jurídica).
Pelo que a classificação/inscrição do aerogerador como prédio está apenas dependente do terceiro pressuposto identificado acima: ter, em circunstâncias normais, valor económico (elemento de natureza económica).
A apreciação deste elemento tem que ser efectuada dentro das condicionantes próprias do direito fiscal e, em concreto, do I.M.I., o qual, como se disse já, considera como prédio realidades que o direito civil classifica como coisas.
Ora, atendendo à teleologia do I.M.I., o qual, conforme mencionado acima, é um imposto sobre o património que tributa a capacidade contributiva, isto é, a riqueza, demonstrada na detenção de prédios - encontrar-se-á, em circunstâncias normais, valor económico num bem se este for, na sua utilização habitual, susceptível de demonstrar sinais de riqueza que deva ser autonomamente tributada. Assim se lançando mão do critério eleito pelo legislador no artº.11, nº.3, da L.G.T., para superar dúvidas - a substância económica dos factos tributários, em sede de interpretação da norma fiscal.
Nestes termos, importa aferir se um aerogerador, por si só, tem valor económico que deva, em circunstâncias normais, ser tributado em sede de I.M.I.
Como se viu, cada aerogerador / turbina eólica é um elemento essencial de injecção, na rede pública da energia eléctrica, transformada de energia eólica, desde logo por ser o elemento que procede a tal transformação. Apesar disso, tal desiderato de injecção da energia eléctrica na rede pública só é alcançado pelo parque eólico com a intervenção de outros elementos: postos de transformação, redes de cabos subterrâneos para ligação ao posto de corte, equipamento de PC, transformador de serviços auxiliares por barramento e respectivos equipamentos de comando, corte, protecção e medição. Sendo relevante, então, determinar a natureza de tais elementos, de modo a ser possível aferir, em circunstâncias normais, do seu valor económico autónomo.
São partes componentes (ou constitutivas, como também se poderia chamar-lhes) aquelas coisas que fazem parte da estrutura do prédio, e sem as quais, portanto, o prédio não está completo ou é impróprio para o uso a que se destina. Assim as portas, as janelas, os vigamentos, as telhas ou as clarabóias duma casa são partes componentes dela, pois são elementos que servem para formar este todo - “ad integrandum domum”. As partes integrantes, por seu lado, não chegam a ser elementos da própria estrutura do prédio, que sem elas não deixaria de existir completo e prestável para o uso a que se destina. Só que aumentam a utilidade do mesmo prédio, enquanto servem para o tornar mais produtivo, ou para a sua maior segurança, comodidade ou embelezamento. Estão postas ao serviço do prédio. Desempenham em relação a ele uma função auxiliar ou instrumental. Mas sucede que ao mesmo tempo é assim, convertidas em partes integrantes dum imóvel, que estas coisas, móveis de sua natureza, conseguem realizar - ou realizam melhor - a sua própria finalidade económica. Casos típicos de partes integrantes são, quanto aos prédios rústicos, os engenhos de tirar água, e quanto aos prédios urbanos as instalações para luz eléctrica ou os pára-raios (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.516/15.4BELLE; Manuel A. Domingues de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. I, Sujeitos e Objecto, Almedina, Coimbra, 1987, pág.236 e seg.).
O parque eólico propriedade da sociedade recorrida, licenciado que está para injectar na rede pública energia eléctrica convertida de energia eólica, só pode prosseguir a sua finalidade se for equipado, além do mais, por aerogeradores.
Estes são, assim, partes componentes do parque eólico.
Em circunstâncias normais, um aerogerador integrado num parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública, não tem valor económico próprio. Pelo contrário, é no próprio parque eólico que se encontra a manifestação de capacidade contributiva que revela a existência de tal valor, motivo pelo qual é o parque eólico, que não o aerogerador, que é remunerado (cfr.nºs.4 e 5 do probatório).
O mesmo se diga, na hipótese de um parque eólico ser constituído somente por um aerogerador, visto que, conforme mencionado supra, o parque eólico é constituído por outras estruturas para além do (ou dos) aerogeradores (cfr.postos de transformação, redes de cabos subterrâneos para ligação ao posto de corte, equipamento de PC, transformador de serviços auxiliares por barramento e respectivos equipamentos de comando, corte, protecção e medição).
Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 15/03/2017, rec. 140/15; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/01/2017, proc.516/15.4BELLE).
Nestes termos, os actos que são objecto da presente acção, os quais procederam à inscrição/manutenção na matriz predial de um aerogerador, padecem do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos, uma vez que inscreveram uma realidade (aerogerador) que não preenche o conceito fiscal de prédio, assim se confirmando a decisão do Tribunal “a quo”.
Por último, sempre se dirá que o entendimento preconizado pela decisão recorrida, e com o qual este Tribunal concorda, não consubstancia qualquer violação dos princípios constitucionais da segurança, equidade e justiça fiscal, contrariamente ao que defende o recorrente, embora sem consubstanciar as ditas violações.
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe. Notifique.
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Lisboa, 11 de Maio de 2017


(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)


(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)