Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:611/16.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INEXIGIBILIDADE
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Sumário:I - No contencioso tributário vigora o princípio do inquisitório, de acordo com o preceituado nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, do qual se retira que o juiz não só pode como deve ordenar as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade material.
II - Todavia, o juiz não se pode substituir às partes realizando, por conseguinte, a prova que as partes tinham que produzir, nem mesmo colmatar a falta de diligência das partes, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei prevê.
III - O direito à notificação da decisão de aplicação de coima à luz dos normativos citados é atribuído, mormente constitucionalmente, como um direito pessoal.
IV - Alegando a Recorrida desde a impugnação da decisão administrativa que nunca foi notificada de qualquer decisão de aplicação de coima e para efectuar o pagamento voluntário da coima, e não tendo a Fazenda Pública indicado nem produzido qualquer prova a esse respeito, nem mesmo quando notificada expressamente pelo Tribunal a quo para esse efeito, não tem o principio do inquisitório o alcance de fazer com o juiz se substitua à parte, depois da mesma ter sido notificada para juntar aos autos os elementos probatórios, não o tendo feito.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública, veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição à execução fiscal n.º 3247…., instaurada no Serviço de Finanças (SF) de Lisboa-2, deduzida por W..... S.A., para cobrança coerciva de dívidas provenientes de coimas, na sequência de decisão administrativa proferida no processo de contra-ordenação n.º 3247….., no valor de €39.037,26.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«4.1. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou procedente a Oposição judicial, intentada, pela ora recorrida contra execução fiscal instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 2 contra a oponente, com o processo n.º 3234…., instaurada por dívida de coima fiscal, aplicada no âmbito do processo de contraordenação n.º3247……, no montante total de 39.037,26 €.

4.2. Como fundamentos da oposição invocou a oponente no seu petitório inicial, em suma, a falta de notificação da decisão administrativa que aplicou as coimas em questão, em sede do procedimento de contraordenação, o que determina a inexigibilidade da dívida exequenda.

Concluiu o seu articulado inicial peticionando a procedência da oposição, por provada, e que, em consequência, sejam declaradas ineficazes as coimas, com a consequente não produção de efeitos junto da oponente.

4.3. O Ilustre Tribunal “a quo” julgou a procedente a presente oposição, considerando, para o efeito, inexigível a dívida exequente, por falta de prova da notificação da decisão de aplicação das coimas aplicadas à oponente, ora recorrida.

No entanto,

4.4. é entendimento da Fazenda Pública que a decisão ora recorrida, não perfilhou, com o devido respeito, e salvo sempre melhor entendimento, a acertada solução jurídica no caso subjudice.

Isto porque,

4.5. O Ilustre Tribunal ora recorrido motivou a sua convicção relativamente ao facto tido por não provado constante do n.º 1) do ponto 4.3. da sentença ora em crise baseada na circunstância de que “… não foi sequer aventada a produção de prova testemunhal, por parte da F.P., para demonstrar que notificou a Oponente, pessoalmente, no serviço de finanças, da referida decisão condenatória ou que entregou, pessoalmente, à Oponente, as guias destinadas ao pagamento das coimas.”, e que “Nem foi junto aos autos, pela F.P., termo do recebimento das guias, pela Oponente, no serviço de finanças, ou termo da notificação “pessoal” da decisão condenatória, em conjunto com o recebimento das guias, o que poderia comprovar a alegada notificação pessoal da Oponente.”.

Ora,

4.6. entende a Fazenda Pública que, perante os factos tidos por não provados na sentença ora em crise, e de acordo com a motivação dos mesmos colhida pelo Ilustre Tribunal recorrido este, com o devido respeito e s.m.e., deveria ter notificado o órgão de execução fiscal para identificar o(s) funcionário(s) do Serviço de Finanças que se ocuparam da questão relativa ao procedimento de contraordenação em questão e, seguidamente, notifica-lo(s) a fim de serem inquiridos sobre os factos alegados pela Fazenda Pública, tendentes à aferição da ocorrência dos mesmos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do CPPT.

4.7. De acordo com o disposto nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, “O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer” (artigo 99.º, n.º 1, da LGT), sendo que “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhe seja lícito conhecer” (artigo 13.º, n.º 1, do CPPT).

4.8. Tendo o Ilustre Tribunal a quo, na motivação da matéria de facto não provada constante da sentença ora recorrida, concluído que “não foi sequer aventada a produção de prova testemunhal, por parte da F.P., para demonstrar que notificou a Oponente, pessoalmente, no serviço de finanças, da referida decisão condenatória ou que entregou, pessoalmente, à Oponente, as guias destinadas ao pagamento das coimas”, entende a Fazenda Pública que, prevendo o Ilustre Tribunal a possibilidade da prova do alegado pela Fazenda Pública, no que respeita à notificação das coimas em questão à ora recorrida pelo próprio órgão de execução fiscal, através dos testemunhos dos funcionários do órgão de execução fiscal, deveria o Ilustre Tribunal recorrido, com o devido respeito e s.m.o., ter notificado o órgão de execução fiscal para identificar o(s) funcionário(s) do Serviço de Finanças que se ocuparam da questão relativa ao procedimento de contraordenação em questão e, seguidamente, notifica-lo(s) a fim de serem inquiridos sobre os factos alegados pela Fazenda Pública, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do CPPT, em respeito pelo princípio do inquisitório, ínsito no artigo 99.º, n.º 1, da LGT.

4.9. Assim, o Ilustre Tribunal a quo, ao concluir, na motivação dos factos tidos por não provados, pela possibilidade da prova do alegado pela Fazenda Pública, no que respeita à notificação das coimas em questão à ora recorrida pelo próprio órgão de execução fiscal, através dos testemunhos dos funcionários do órgão de execução fiscal, e ao não determinar a notificação dos funcionários do Serviço de Finanças de Lisboa 2 a fim de virem junto dos autos de oposição deporem sobre os factos alegados pela Fazenda Pública referentes à notificação das decisões de aplicação das coimas em questão à oponente, – quando podia e devia faze-lo, nos termos do disposto nos artigos 99.º, n.º 1, da LGT e 13.º, n.º 1, do CPPT, –, com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, violou o princípio basilar do processo judicial tributário do inquisitório, plasmado nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT.

Razão pela qual,

4.10. com o devido respeito e salvo sempre melhor entendimento, deve ser revogada a decisão ora recorrida, com as legais consequências daí decorrentes.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e costumada

JUSTIÇA!»

3. A recorrida, W……, S.A., apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:

«1. Foi instaurado contra a RECORRIDA, pelo Serviço de Finanças de Lisboa-2, processo de contra-ordenação por dívida de coima fiscal, subjacente a liquidações adicionais de IVA.

2. A RECORRIDA, que já havia efetuado o pagamento das liquidações adicionais subjacentes àquelas coimas, contactou o Serviço de Finanças, solicitando a emissão das guias para pagamento voluntário, de modo a usufruir da sua redução.

3. A RECORRIDA nunca recebeu tais guias de pagamento, apenas tendo tido conhecimento da decisão final de aplicação das coimas, aquando a sua citação para processo de execução fiscal.

4. A RECORRENTE, em sede de OPOSIÇÃO, alegou que a RECORRIDA teria recebido as guias pessoalmente – o que, reiteramos, nunca sucedeu.

5. Conforme resulta da prova produzida, constam dos autos diversas informações prestadas pelo Serviço de Finanças competente para o processo contraordenacional, e nas declarações escritas por este juntas aos autos, consta que a RECORRIDA não foi notificada por correio registada, nem por qualquer outra forma.

6. O Tribunal a quo considerou a OPOSIÇÃO procedente por falta de notificação do ato tributário de aplicação de coimas, o que implica a ineficácia do ato na esfera da RECORRIDA.

7. A RECORRENTE recorreu alegando que, ao abrigo do princípio do inquisitório, se aquele Tribunal considerava que deveria ter sido apresentado outro meio probatório, que deveria ter notificado o órgão de execução fiscal nesse sentido.

8. Todavia, conforme referido, o órgão de execução fiscal, o mesmo órgão competente para o processo de contraordenação, já prestou diversas informações nos autos, as quais apenas não satisfazem a RECORRENTE por não irem no sentido por si pretendido.

9. Não concebe a RECORRIDA que se possa consentir em dar provimento ao presente RECURSO para a produção de prova que, na realidade, já foi produzida, pelo que, a sua repetição não deverá ser permitida.

10. Adicionalmente, sucede que, contrariamente ao defendido pela RECORRENTE, o princípio do inquisitório apenas relevaria se a produção de prova gerasse dúvidas atendíveis, o que não aconteceu.

11. A RECORRENTE tem o dever de informar o tribunal sobre a matéria de facto que interesse ao processo e juntar os documentos convenientes para o julgamento. Se não trouxe outra prova, então, por certo, que tal prova não existirá.

12. Também não pode a RECORRENTE vir invocar que caberia ao Tribunal identificar os meios probatórios que, a existirem, esta teria a obrigação de apresentar.

13. Para mais, o ónus da prova recai sobre a exequente, conforme bem considerou o Tribunal a quo.

14. Aliás, resulta dos autos que o Tribunal a quo requereu especificamente a produção de prova quanto à realização das notificações e a AT, após segunda insistência e sob pena de condenação em multa, enviou as respostas escritas pelo órgão de execução fiscal, o mesmo órgão competente para o processo de contraordenação, nas quais é expressamente afirmado não ter sido a RECORRIDA notificada.

15. Por seu turno, também pelo princípio da economia processual não fará sentido que, tendo a RECORRENTE tido a oportunidade de arrolar testemunhas ou juntar qualquer documentação, não o tendo feito, que agora venha assacar responsabilidades ao Tribunal a quo pela sua própria falta de diligência no momento de apresentação e produção de provas, sem prejuízo das diversas oportunidades que lhe foram facultadas para o efeito.

16. Em face do anteriormente exposto, entende a RECORRIDA que o RECURSO apresentado pela RECORRENTE contra a decisão proferida pelo Tribunal a quo não deverá proceder, já que o princípio do inquisitório não foi incumprido, esvaziando os argumentos apresentados pela RECORRENTE.

POR TUDO QUANTO FICOU EXPOSTO, DEVE O

PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO

IMPROCEDENTE, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO

DA SENTENÇA RECORRIDA, COM TODAS AS LEGAIS

CONSEQUÊNCIAS.»

4. A recorrente, inconformada, interpõe recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o qual decide declarar a sua incompetência, em razão da hierarquia, para decidir o recurso interposto, sendo competente, para o efeito, este Tribunal Central Administrativo Sul.

5. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Magistrado do Ministério Público, emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso.

6. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


*

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença recorrida padece de défice instrutório por não ter sido respeitado o dever de realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade ao abrigo do princípio do inquisitório, no que diz respeito à notificação das coimas em apreço.


*

III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

FACTOS PROVADOS

«a) Em 23/03/2015, o serviço de finanças de Lisboa-2 instaurou à sociedade W….. S.A., o processo de execução fiscal n.º 3247….., para cobrança coerciva de dívidas tributárias provenientes de coimas, no montante de € 39.037,26 (trinta e nove mil, trinta e sete euros e vinte e seis cêntimos), na sequência de decisão administrativa proferida no processo de contra-ordenação n.º 3247…… e cuja data limite de pagamento voluntário terminava em 26/06/2014 - autuação do PEF e certidões de dívida, juntas ao PEF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

b) Em 24/04/2014, em sede do processo de contra-ordenação n.º 3247…., a ora oponente sociedade W..... , SGPS S.A. dirigiu ao serviço de finanças de Lisboa-2 um e-mail, de onde consta com interesse para os autos, o seguinte:

“Em 16 de Outubro de 2013, a Exponente foi notificada (conforme cópia das notificação que se juntam (…), da instauração dos processos de contra-ordenação n.ºs (…) e 3247…. e da sua suspensão, nos termos do artigo 55.º do RGIT.

No passado dia 14 de Abril de 2014, a Exponente foi notificada (conforme cópia das notificações que se juntam (…), do levantamento da suspensão dos referidos processos e, consequentemente, da possibilidade de pagamento dos montantes das contra-ordenações em causa, com redução para o montante mínimo legal a que se refere o artigo 114.º do RGIT, ou alternativamente, do exercício do seu direito de defesa.

Porquanto as liquidações de IVA, que estão na base das contra-ordenações em apreço foram pagas (quer mediante pagamento na tesouraria do Serviço de Finanças, quer mediante pedido de compensação por iniciativa da Exponente), até ao termo do prazo legal definido no Decreto-Lei n.º 151-A/2013 de 31 de Outubro “(“RERD”), em 20 de Dezembro de 2013, a Exponente procedeu à identificação dos já referidos processos de contra-ordenação (nos termos e para os efeitos do número 3 do artigo 4.º do RERD, mediante envio de e-mail para o Serviço de Finanças de Lisboa-2 (conforme cópia de e-mail (…), para que desta forma pudesse beneficiar do pagamento dos montantes devidos com redução, ao abrigo do disposto no artigo 3.º do RERD, i.e., para 10% do montante mínimo legal (definido no artigo 114.º do RGIT9.

Recorde-se que, nos termos do número 3 do artigo 4.º do RERD era permitido aos sujeitos passivos que procedessem à identificação dos processos de contra-ordenação já instaurados para efeitos de poderem beneficiar da redução, a que se refere o artigo 3.º do RERD.

Desta forma, e nos termos supra descritos, vem a Exponente solicitar que V. Ex.ª ordene a emissão das guias de pagamento das contra-ordenações aplicadas, nos processos à margem identificados, com aplicação da redução, a que se refere o artigo 3.º do RERD, i.e., com redução para 10% do montante mínimo legal (definido no artigo 114.º do RGIT), porquanto tal redução foi tempestivamente solicitada, em conformidade com o regime em causa (…)”- documento junto com a p.i. cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

c) O órgão de execução fiscal informa ter emitido as competentes guias do pagamento das coimas, que entregou à Oponente, pessoalmente, na sequência do pedido, identificado na alínea antecedente e que as coimas não foram pagas, sendo que, “o sistema informático não permite qualquer notificação da aplicação das coimas, após a emissão das respectivas guias de pagamento da coima, pois que, o mesmo pressupõe, aquando da emissão das guias, que já houve notificação da decisão da aplicação da coima” - documentos juntos com o requerimento apresentado pela F. P, em 20/04/2018.

d) Do histórico do processo de contra-ordenação em apreço, com interesse para os autos, constam os seguintes dados, por ordem cronológica:

- Em 11/06/2013, o processo de Contra-Ordenação foi suspenso, por decorrência de Inspecção Tributária e posteriormente, em 02/07/2013, para liquidação do Imposto;

- Em 03/04/2014 foi determinado o fim do período de suspensão e foi o Oponente notificado para defesa/pagamento antecipado;

- Em 11/04/2014, foi confirmada a recepção da notificação da Oponente para o exercício do direito de defesa;

- Em 07/05/2014 foi determinada a coima aplicável e foi a Oponente notificada para pagamento voluntário;

- Em 07/05/2014 foi confirmada a recepção da notificação;

- Em 22/07/2014 foi extinto o processo de contra-ordenação, por certidão de dívida – documento junto ao PEF, cujo conteúdo se dá por reproduzido.

e) Em 26/03/2015, foi emitido ofício destinado à citação da Oponente para os termos do processo de execução fiscal em apreço, contra si instaurado, destinado à cobrança coerciva das coimas e respectivos juros compensatórios, descritos em a) - ofício de citação, junto a fls. 9 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.»

4.3.

FACTOS NÃO PROVADOS

1) Que a Oponente tomou conhecimento da(s) decisão(õe)s de aplicação das coimas em questão, pessoalmente ou que as guias de pagamento das coimas lhe foram entregues pessoalmente no serviço de finanças de Lisboa

2) Que a ora oponente tenha sido notificada, por via documental, para proceder ao pagamento voluntário das coimas, subjacentes aos presentes autos de execução.

4.4.

MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:

A convicção do Tribunal fundou-se no seguinte:

Resultou a convicção do Tribunal, quanto aos factos provados, da análise crítica dos documentos juntos aos autos e ao processo de execução fiscal, a estes apensos, supra ids., a propósito de cada uma das alíneas do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado por qualquer das partes.

Quanto ao facto dado como não provado, elencado em 4.3.2., a convicção do Tribunal baseia-se no facto de não existir qualquer prova documental nos autos da sua ocorrência, existindo apenas na tramitação do Processo de Contra-Ordenação, um print informático, de onde consta que essa notificação foi efectuada, sem identificação do n.º do ofício, do registo do CTT ou qualquer outra informação.

Por outro lado e, ao contrário do que consta da tramitação do processo de contra-ordenação, a Fazenda Pública admite expressamente, na sequência da informação que lhe foi veiculada pelo serviço de finanças, não ter notificado a Oponente, por via documental, da decisão proferida em sede do processo de contra-ordenação e que condenou a Oponente no tributo, subjacente aos presentes autos, por impossibilidade do sistema informático.

Já quanto ao facto não provado, elencado em 4.3.1., não foi sequer aventada a produção de prova testemunhal, por parte da F.P., para demonstrar que notificou a Oponente, pessoalmente, no serviço de finanças, da referida decisão condenatória ou que entregou, pessoalmente, à Oponente, as guias destinadas ao pagamento das coimas.

Nem foi junto aos autos, pela F.P., termo do recebimento das guias, pela Oponente, no serviço de finanças, ou termo da notificação “pessoal” da decisão condenatória, em conjunto com o recebimento das guias, o que poderia comprovar a alegada notificação pessoal da Oponente.

Aliás, conforme decorre da motivação, expressa nos parágrafos antecedentes, a posição da AT é absolutamente contraditória, não se logrando apurar se foram ou não emitidas as guias de pagamento das coimas, solicitadas pela Oponente, sendo certo que esta solicitou o pagamento de coimas, no pressuposto de que seriam emitidas as guias com redução; e, mesmo admitindo que pudessem ter sido emitidas as guias, não se apurou que os montantes que constariam das guias de pagamento (coimas reduzidas ou os valores constantes da certidão de dívida?); fica igualmente em dúvida se a Oponente recepcionou algumas guias ou se foi alguma vez notificada da decisão final do processo de contra-ordenação.

E, sendo certo que o ónus de demonstrar que fez a notificação, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais, cabe à entidade exequente, os factos elencados nos pontos 4.3.1. e 4.3.2. foram dados como não provados.»


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2. DE DIREITO

A Fazenda Pública, ora recorrente, insurge-se contra a sentença recorrida alegando, para o efeito, que o Tribunal a quo ao concluir, na motivação dos factos tidos por não provados, no que respeita à notificação da decisão de aplicação das coimas, através dos testemunhos dos funcionários do órgão de execução fiscal e ao não determinar a notificação dos mesmos, a fim de virem junto dos autos de oposição deporem sobre os factos alegados pela Fazenda Pública referentes à predita notificação, violou o princípio basilar do processo judicial tributário do inquisitório, plasmado nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT.

A este propósito escreveu-se na sentença: «(…) não foi sequer aventada a produção de prova testemunhal, por parte da F. P., para demonstrar que notificou a Oponente, pessoalmente, no serviço de finanças, da referida decisão condenatória ou que entregou, pessoalmente, à Oponente, as guias destinadas ao pagamento das coimas.

Nem foi junto aos autos, pela F.P., termo do recebimento das guias, pela Oponente, no serviço de finanças, ou termo da notificação “pessoal” da decisão condenatória, em conjunto com o recebimento das guias, o que poderia comprovar a alegada notificação pessoal da Oponente.

Aliás, conforme decorre da motivação, expressa nos parágrafos antecedentes, a posição da AT é absolutamente contraditória, não se logrando apurar se foram ou não emitidas as guias de pagamento das coimas, solicitadas pela Oponente, sendo certo que esta solicitou o pagamento de coimas, no pressuposto de que seriam emitidas as guias com redução; e, mesmo admitindo que pudessem ter sido emitidas as guias, não se apurou que os montantes que constariam das guias de pagamento (coimas reduzidas ou os valores constantes da certidão de dívida?); fica igualmente em dúvida se a Oponente recepcionou algumas guias ou se foi alguma vez notificada da decisão final do processo de contra-ordenação.

E, sendo certo que ónus de demonstrar que fez a notificação, cumprindo os requisitos formalmente exigidos pelas normas procedimentais, cabe à entidade exequente, os factos elencados nos pontos 4.3.1. e 4.3.2. foram dados como não provados.»

Vejamos.

No caso que nos ocupa, a Recorrente especificou o concreto ponto que considera incorretamente julgado, o qual perpassa por, do probatório, resultante como matéria de facto não provada, a Oponente, ora recorrida, ter tomado conhecimento da(s) decisão(ões) de aplicação das coimas em questão, pessoalmente ou que as guias de pagamento das coimas lhe foram entregues pessoalmente no serviço de finanças de Lisboa (cfr. ponto 4.3.1 do probatório), em conjugação com a motivação da matéria de facto tidos por não provados quanto a este mesmo ponto (4.3.1 do probatório).

Para o efeito, entende a Recorrente, que o Tribunal a quo deveria ter ordenado a notificação ao órgão de execução fiscal para identificar o(s) funcionário(s) do Serviço de Finanças que se ocuparam da questão relativa ao procedimento de contraordenação em apreço e, seguidamente, notifica-lo(s) a fim de serem inquiridos sobre os factos alegados pela Fazenda Pública, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1 do CPPT, em respeito pelo princípio do inquisitório, ínsito no artigo 99.º, n.º 1 da LGT.

Não o tendo feito, entende a recorrente que o Tribunal a quo violou o princípio do inquisitório vertido nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT.

Apreciemos.

O n.º 1 do artigo 99.º da LGT, estabelece o seguinte:

«1. O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer.»

Por sua vez, o n.º 1 artigo 13.º do CPPT refere:

«Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.»

No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que quer dizer que o Juiz não só pode como também deve ordenar ou realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade (cfr. Ac. do TCA Sul de 28/01/2021, processo 499/11 e Ac. do TCA Norte de 29/01/2015, processo 00432/10.6BEVIS, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

«A oficiosidade da investigação probatória só poderá respeitar aos factos que as partes alegaram no uso do seu direito de autonomia da vontade e do ónus de alegação dele decorrente ou aos factos cujo conhecimento esteja também oficiosamente permitido (caducidade do direito de impugnar, prescrição da dívida tributária, factos notórios, factos conhecidos por virtude do exercício das suas funções, por exemplo (…)).» (Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues, Jorge Lopes de Sousa in Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 4ª ed., Encontro da Escrita, 2012, pág. 859).

O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, socorrendo-se, designadamente, da produção da prova testemunhal em obediência ao princípio do inquisitório, de acordo com o preceituado no artigo 99.º da LGT e no artigo 13.º do CPPT (cfr. Ac. do TCA Sul de 13/10/2016, processo 04529/11, disponível em www.dgsi.pt).

O princípio do inquisitório tem por objetivo superar insuficiências de alegação e de prova das partes, mas move-se dentro dos limites fixados nos factos alegados e do conhecimento oficioso, não se podendo o juiz substituir às partes realizando ele a prova que as partes tinham que produzir (cfr. Ac. do TCA Sul de 11/02/2021, processo 226/09, disponível em www.dgsi.pt).

Por conseguinte, o princípio do inquisitório implica que se levem a cabo diligências de prova, requeridas pelas partes e requeridas por iniciativa do próprio Tribunal, a fim de as mesmas relevarem para a descoberta da verdade material.

Contudo, devemos firmar que este princípio e dever que o Juiz deve observar não serve, porém, para colmatar a inércia ou falta de diligência das partes, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei lhes impõe, imprimindo ao processo um cariz absolutamente paternalista que entendemos que o mesmo não deve assumir.

Ora, realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis ao juiz para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados não pode significar que o juiz, perante a absoluta inércia probatória, quanto ao circunstancialismo que a Recorrente pretendia ver contemplado no probatório, substitua a parte que tem o ónus de a provar, promovendo a produção de prova, designadamente, como parece ser o caso, a prova testemunhal.

Concretizando, in casu, relativamente ao facto não provado - que a Oponente tomou conhecimento da(s) decisão(ões) de aplicação das coimas em questão, pessoalmente ou que as guias de pagamento das coimas lhe foram entregues pessoalmente no serviço de finanças de Lisboa – pretendia a Recorrente que o Tribunal ordenasse a produção de prova para demonstrar o mesmo, prova esta que cabia à mesma, uma vez que só a Recorrente está em condições de a indicar, o que notoriamente não foi feito.

Denote-se que a Recorrente não diligenciou quanto à produção de prova testemunhal, a fim de demonstrar que notificou a Oponente, ora Recorrida. A alegada notificação pessoal, através de termo de recebimento das guias, não se mostra provada nos autos.

Sendo certo que o ónus de demonstrar a realização da notificação cabia à Administração tributária.

Compulsados os autos, não se vislumbra qualquer diligência que tenha sido requerida pela ora Recorrente e que não tenha sido ordenada.

Acresce referir que no caso sub judice o Tribunal a quo notificou a Fazenda Pública para juntar aos autos prova documental da notificação da decisão de aplicação da coima subjacente à divida exequente, tendo a Fazenda Pública em resposta referido que não existe qualquer notificação da aplicação da coima.

Repare-se, ainda, que a Fazenda Pública, nem logrou demonstrar, a entrega, pessoalmente, à oponente, ora recorrida das guias destinadas ao pagamento da coima, através do termo do recebimento das guias pela recorrido, no respetivo serviço de finanças.

Resulta do exposto que o Tribunal a quo diligenciou no sentido de ordenar a junção de elementos que permitissem provar a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima subjacente à dívida exequente, contudo, tal não foi feito pela Fazenda Pública.

O n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa estatui que Os actos administrativos serão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos.

De acordo com o disposto no artigo 70.º, n.º 2 do RGIT Às notificações no processo de contra-ordenação aplicam-se as disposições correspondentes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (cfr. artigos 38.º a 40.º do CPPT).

O direito à notificação da decisão de aplicação de coima à luz dos normativos citados é atribuído, mormente constitucionalmente, como um direito pessoal.

No caso em apreço, a Administração Tributária optou pela notificação pessoal, não tendo, porém, termo de recebimento assinado pela arguida/executada nos autos de contra-ordenação (cfr. artigo 38.º, n.ºs 5 e 6 do CPPT).

Decorre, assim, que a Recorrida, tal como decidiu a 1.ª instância, não se pode considerar regularmente notificada e consequentemente, a decisão administrativa não se tornou definitiva, não sendo, por isso, exequível.

Alegando a Recorrida desde a impugnação da decisão administrativa que nunca foi notificada de qualquer decisão de aplicação de coima e para efectuar o pagamento voluntário da coima, e não tendo a Fazenda Pública indicado nem produzido qualquer prova a esse respeito, nem mesmo quando notificada expressamente pelo Tribunal a quo para esse efeito, não tem o principio do inquisitório o alcance de fazer com o juiz se substitua à parte, depois da mesma ter sido notificada para juntar aos autos os elementos probatórios, não o tendo feito.

Improcedem, pois, todas as conclusões do Recurso, não merecendo censura a decisão recorrida.


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Conclusões/Sumário:

I. No contencioso tributário vigora o princípio do inquisitório, de acordo com o preceituado nos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT, do qual se retira que o juiz não só pode como deve ordenar as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade material.

II. Todavia, o juiz não se pode substituir às partes realizando, por conseguinte, a prova que as partes tinham que produzir, nem mesmo colmatar a falta de diligência das partes, sob pena de o juiz se substituir às partes no cumprimento daquilo que a lei prevê.

III. O direito à notificação da decisão de aplicação de coima à luz dos normativos citados é atribuído, mormente constitucionalmente, como um direito pessoal.

IV. Alegando a Recorrida desde a impugnação da decisão administrativa que nunca foi notificada de qualquer decisão de aplicação de coima e para efectuar o pagamento voluntário da coima, e não tendo a Fazenda Pública indicado nem produzido qualquer prova a esse respeito, nem mesmo quando notificada expressamente pelo Tribunal a quo para esse efeito, não tem o principio do inquisitório o alcance de fazer com o juiz se substitua à parte, depois da mesma ter sido notificada para juntar aos autos os elementos probatórios, não o tendo feito.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença.

Custas pela Recorrente.

Notifique.

Lisboa, 12 de Maio de 2022



Maria Cardoso - Relatora
Catarina Almeida e Sousa – 1.ª Adjunta
Isabel Vaz Fernandes – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)