Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 339/20.9BEALM |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 04/24/2024 |
Relator: | PATRÍCIA MANUEL PIRES |
Descritores: | CADUCIDADE DIREITO À LIQUIDAÇÃO FALTA DE INDICAÇÃO DO AUTOR DO ATO VARIAÇÕES PATRIMONIAIS POSITIVAS GASTOS 23.º DO CIRC ATIVO FIXO TANGÍVEL REGIME DA MARGEM IVA PRETERIÇÃO DA PONDERAÇÃO DA AUDIÇÃO PRÉVIA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO FUNDADA DÚVIDA |
Sumário: | I - Para que não ocorra caducidade do direito à liquidação, é necessário que o ato seja emitido no prazo de quatro anos consignado no artigo 45.º da LGT, e bem assim que este seja, validamente, notificado dentro do respetivo prazo legal, implicando a falta de notificação, nestes casos, ineficácia invalidante do ato emitido. II - As liquidações adicionais de IRS, e de IVA, devem ser notificadas ao sujeito passivo, por carta registada com aviso de receção, mas a entidade que dirige o procedimento pode ordenar que se proceda a notificação pessoal quando o entender necessário. III - A nulidade consignada no citado artigo 39.º, nº 12 do CPPT encontra-se circunscrita apenas e só à nulidade da notificação que não dos próprios atos de liquidação. IV - São realidades distintas o facto de o ato de notificação não identificar o autor do ato, e a circunstância de o autor não dispor de competências para o efeito, na medida em que esta última questão já entronca na validade do próprio ato de liquidação, nada tendo a ver com a validade da notificação. V - A falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir, em regra, à anulação da decisão que vier a ser tomada podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida. VI - Se a Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia aquando da emissão do projeto de conclusões e antes da emissão do Relatório definitivo em conformidade com o preceituado no artigo 60.º da LGT, e se a AT analisou as razões expendidas no seu articulado e documentação carreada, tendo refutado, fundamentadamente, as razões atinentes à improcedência e à manutenção das correções aritméticas, inexiste qualquer violação do direito de participação. VII - As variações patrimoniais positivas contempladas no artigo 21.º do CIRC, são aquelas que contribuem para aumentos de ativo ou diminuição de passivo, desde que não tenham sido refletidas na demonstração de resultados, tendo, por conseguinte, como desiderato tributar o rendimento real, de que são corolário, e obstar à existência de realidades de facto por tributar. VIII - Compete à Impugnante justificar a contabilização pelo regime da margem, e a consideração dos valores, conclusivamente alvitrados como CMVMC, logo inexistindo essa prova, e não se vislumbrando, outrossim, qualquer erro de quantum nenhuma censura pode ser apontada ao julgamento sindicado, e da concreta manutenção das correções sindicadas. IX - A Reforma do CIRC, com a Lei 2/2014, de 16 de janeiro, alterou o teor do artigo 23.º do CIRC, deixando de preceituar, expressamente, a indispensabilidade dos gastos, conforme fazia anteriormente, sendo, ora, determinante para a dedutibilidade do gasto que o mesmo tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. X - Não obstante a alteração da letra do citado normativo, mormente, no domínio da indispensabilidade entende-se, ainda assim, que a menção, ora, plasmada no sentido de “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, está, naturalmente, relacionada e adstrita à demonstração do business purpose. XI - Os ativos fixos tangíveis são elementos tangíveis detidos para uso, durante mais do que um período, na atividade produtiva, o que significa que ainda que um bem possa enquadrar-se no aludido montante pecuniário, certo é que caso os fins a que se destinam não se esgotem num único exercício, esse elemento deverá ser capitalizado. XII - Se não obstante a existência de irregularidades contabilísticas, for, ainda assim, possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta XIII - A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, no caso do Impugnante, sobre quem recaía o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (artigo 342.º, nº 1, do Código Civil e 74.º da LGT). |
Votação: | Unanimidade |
Indicações Eventuais: | Subsecção Tributária Comum |
Aditamento: |
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Decisão Texto Integral: | ACÓRDÃO I-RELATÓRIO
F… (doravante Recorrente), veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios, relativas aos anos de 2015 e de 2016, no valor €142.874,68. *** O Recorrente, veio apresentar as suas alegações, formulando, as conclusões que infra se reproduzem: “A - Vem mal fundamentada a douta sentença em sede Fundamentação de Facto e Direito porque se limita a remeter para o RIT e a interpretação do senhor inspetor tributário e a sua errada apreciação dos fatos, dos documentos e da LEI, então mas que raio esteve a fazer o MMo Juiz a quo!?!? A citar o agente inspetivo!!!! Tamanha ilegalidade junta. B - Contudo, e com interesse para a causa, resulta assente que a aqui recorrente viu desencadeado procedimento de inspecção externa, levado a cabo pela Administração Tributária, que visava a fiscalização o da sua situação contributiva reportada aos exercícios de 2015 e 2016. Resultando, igualmente, assente que nessa medida e conforme relatório da Administração Tributária junto como documento n.º 1 à P.I., foram propostas correcções em sede de IVA e IRS ao aqui recorrente, para os referidos exercícios. C - Resultando, também, assente que as respectivas liquidações adicionais, decorrentes das correcções propostas pela acção inspetiva não foram efetuadas até 31.12.2019 e as que foram em 2020 quanto ao ano de 2016 nulas também e de nenhum efeito, porque ilegais. Aliás, D - Ao contrário do que refere o MM o Juiz a quo, sob os números 33) e 34) dos factos assentes, a aceitarem-se como liquidações os referidos documentos de fls. 69 a 81 SITAF pags. 10 a 28 de fls 517 a 544 do SITAF; e fls 82 e 83, pags. 8 e 9 de fls 517 a 544 do SITAF, não só não existem liquidações, como foi postergada a possibilidade de defesa da aqui Impugnante juntando-se exemplificadamente DOCUMENTO B, SUPOSTA LIQUIDAÇÃO DE IRS 2015, que não está assinada, não contem meios defesa, data de emissão e data limite pagamento, NADA. Além de absolutamente contraditório com as notificações da LA de IRS, IVA e JC feitas pelo serviço púbico de notificações eletrónicas – fls.. dos autos, e aqui junto novamente com DOCUMENTO A, cuja data emissão das liquidações é a partir de 28.12.2019 e a sua notificação só ocorreu em 2020. E - Não obstante o vertido, a aqui recorrente, pelas razões referidas na sua P.I., que por questões de economia processual se dão aqui por integralmente reproduzidas, .. F – Cremos, pois, salvo o devido respeito pela opinião do Mmo Juiz a quo que se verificou a excepção peremptória da caducidade de liquidação de IRS, IVA e JC de 2015 e por via disso deve ser anulada a sentença recorrida. G - as liquidações dos tributos e juros compensatórios referentes ao exercício de 2015, não foram notificadas dentro do prazo de caducidade; H - as liquidações impugnadas não indicam designadamente o autor do ato nem da qualidade em que o praticou, os meios de Defesa, a data limite de pagamento, sendo nulas; I - A indiferença da administração tributária (AT) face ao exercício desse direito por parte do sujeito passivo quanto às conclusões do projeto de relatório de inspeção tributária (RIT), equivale à falta de audição prévia, inquinando de nulidade as liquidações adicionais. J - As margens estão erradamente calculadas e todos os custos foram necessários à atividade e imprescindíveis para a sua manutenção, não havendo a AT ou o MM juiz a quo provado que não eram custos da atividade e assim invertido o principío da verdade declarativa resultante do artigo 34º do CIRC aqui aplicado subsidiariamente, veracidade das declarações do contribuinte, que têm de continuar a presumir-se verdadeiras” 12-Tal como adiante melhor se explicitará. K - As liquidações adicionais de 2015, decorrentes das correções propostas pela ação inspetiva não foram notificadas ao sujeito passivo, aqui recorrente até 31.12.2019, como só foram emitidas após 28.12.2019 – cfr. Fls.. e aqui novamente cadastro do serviço público das notificações eletrónicas – DOCUMENTO A. Como também, L - As liquidações referentes a IRS e IVA 2015 não indicam o autor do ato nem da qualidade em que o praticou, meios defesa, data pagamento, data emissão, entre outras menções obrigatórias por lei, vejam-se as fls...82 e 83 SITAF dos autos, e exemplificadamente aqui novamente DOCUMENTO B junto, por isso sendo nulas. E, M - A indiferença da administração tributária (AT) face ao exercício quer do direito de audição por parte do sujeito passivo quanto às conclusões do projeto de relatório de inspeção tributária, quer quando solicitada documentação ilegível que compunha os autos – factos provados sob 31) e 32) da douta sentença. N - “... é jurisprudência pacífica que «[...] a liquidação contém uma manifestação unilateral da Administração Tributária sobre o montante da prestação, que fixa de modo exato, indicando ao obrigado tributário o prazo e o órgão onde efetuar o pagamento bem como os meios de defesa que pode utilizar. E só com a notificação válida do ato da liquidação é que se pode considerar totalmente encerrado o procedimento de liquidação. Embora conceptualmente e materialmente distintos o acto administrativo da liquidação e o ato da sua notificação, esta não deixa de integrar o procedimento de liquidação. Não é um pressuposto da legalidade do acto da liquidação, pois a notificação é sempre um acto posterior, mas é pressuposto da sua eficácia. Daí o prazo de caducidade continuar a correr enquanto não se verificar a notificação válida do ato que o interrompa. E dado que a notificação adquire a relevância de principio essencial no procedimento administrativo, como direito e garantia dos administrados (cfr. art.º 268º do CRP), o artigo 45º da LGT ao densificar essa relevância constitucional, integra a exigência de notificação da liquidação no prazo de caducidade do direito à liquidação e faz decorrer a interrupção desse prazo da caducidade do direito de liquidar pela AT a partir do momento da sua notificação ao sujeito passivo. E não do momento em que pratica o ato de liquidação. Assim sendo, decorrido o prazo de caducidade da liquidação sem que a sua notificação válida tenha ocorrido, tal ato ainda que praticado dentro do prazo, não deixa por força do artigo 45º da LGT de estar ferido de ilegalidade. (...) O que se disse supra é totalmente aplicável à falta de indicação do autor do ato porquanto, nos termos do n.º 12 do artigo 39.º do CPPT, sendo este ato nulo, essa nulidade constitui uma invalidade invocável em ação de impugnação, nos termos do referido artigo 99.º do mesmo Código.”13-Citação da douta sentença revidenda. O - Está assente sob os n.ºs 39) e 40) dos Factos Provados, que: “Foram notificadas em 6 de Janeiro de 2020, das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos anos de 2015 e 2016, com os números: - Liquidação adicional de IVA (201503T) com o número 2019030282256 no valor de € 6.470,34; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 201900000315081 no valor de € 1.189,83; - Liquidação adicional de IVA (201506T) com o número 2019030282284 no valor de € 2.493,70; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 201900000315082 no valor de € 432,87; - Liquidação adicional de IVA (201509T) com o número 2019030282325 no valor de € 16.740,28; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 201900000315083 no valor de € 2.738,98; - Liquidação adicional de IVA (201512T) com o número 2019030282370 no valor de € 3.598,65; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 201900000315084 no valor de € 552,91; - Liquidação adicional de IVA (201601M) com o número 2019030282372 no valor de € 659,77; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 201900000315159 no valor de € 99,63; - Liquidação adicional de IVA (201602M) com o número 2019030282378 no valor de € 1.297,35; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 201900000315160 no valor de € 191,36; - Liquidação adicional de IVA (201603M) com o número 2019030282379 no valor de € 80,84; de € 109,61; - Liquidação adicional de IVA (201605M) com o número 2019030282408 no valor de € 1.108,65; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 201900000315161 no valor de € 152,47; - Liquidação adicional de IVA (201606M) com o número 2019030282413 no valor de € 274,74; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 2019000003162 no valor de € 36,88; - Liquidação adicional de IVA (201608M) com o número 2019030282443 no valor de € 7080,14; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 2019000003163 no valor de € 903,15; - Liquidação adicional de IVA (201609M) com o número 2019030282450 no valor de € 108,27; - Liquidação adicional de IVA (201610M) com o número 2019030282476 no valor de € 3.670,51; liquidação adicional de juros compensatórios com o n.º 2019000003164 no valor de € 442,87; - Liquidação adicional de IVA (201611M) com o número 2019030282487 no valor de € 141,76; Liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios enviadas via ctt em 28.12.2020 e 31.12.2020, e presumida a notificação a 2.1.2020 e 5.1.2020 e efetivamente notificadas em 6 e janeiro de 2020, com data limite de pagamento 2020-02-13 e prazo de impugnação suspenso desde 9.3.2020 a 3.6.2020 E das Liquidações adicionais de IRS e juros compensatórios: - Liquidação adicional de IRS referente ao ano 2015 com o número 2019555759806 no valor de € 55.615,35 e de liquidações de juros compensatórios – nunca notificados ou enviados ao sujeito passivo por qualquer via, e de que teve conhecimento pela notificação junta aqui como DOC. 1, sem data limite de pagamento, prazo de impugnação suspenso desde 9.3.2020 a 3.6.2020; - Liquidação adicional de IRS referente ao ano 2016 com o número 20205000000497 no valor de € 36.663,77 e de liquidações de juros compensatórios 202000000153887 e 202000000136373 – enviados via CTT em 16.1.2020 e presumida a notificação a 21.1.2020, sem data limite de pagamento, prazo de impugnação suspenso desde 9.3.2020 a 3.6.2020,” P - Tudo conforme prints do cadastro do sujeito passivo no Portal da AT anexo à p.i. de impugnação e aqui novamente como DOCUMENTO A, para facilidade de percepção. IMPONDO-SE, POR ISSO, A ANULAÇÃO DAS LIQUIDAÇÕES REFERENTES A 2015, POR CADUCIDADE DAS MESMAS, o que se requer a V. Exas. Dignem decidir. Com efeito, Q - Dispõe o n.º 6, do art.º 77º da LGT “A eficácia da decisão depende da notificação”. R - Dispondo o n.º 1 do art.º 36º do CPPT “Os atos em matéria tributária que afetem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados” S - Esta exigência de notificação como condição de eficácia dos actos com eficácia externa aos serviços da AT é a concretização da imposição constitucional constante do n.º 3, do art.º 268º da CRP. E, T - Dispõe o n.º 12, do citado art.º 39º do CPPT: “O ato de notificação será nulo no caso da falta de indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e sua data.” U - Como é bem de ver, as liquidações impugnadas não cumprem tal prescrição, i.é, falta a indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu e do seu sentido, v.g. fls 82 e 83 citadas pelo MMo juiz a quo nos factos erradamente dados como provados sob 33) e 34), DOCUMENTO B, aqui junto para melhor perceção da sua ilegalidade e o DOCUMENTO C, liquidação de 2016 para comparação - É, pois, também, nula e de nenhum a notificação das liquidações impugnadas, gerando, consequentemente a sua ineficácia. Acrescendo que, V - Os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão. Equivale à falta de audição prévia, i.é., à falta de participação do contribuinte na decisão, a absoluta indiferença da Administração Tributária face ao exercício desse direito por parte do sujeito passivo quanto às conclusões do projeto de relatório, em arrepio, aliás, daquilo que o legislador preconiza, conforme, o relatório da LGT, enviado pelo Ministério das Finanças ao Conselho de Ministros, cuja parte que para aqui se reveste de maior interesse foi acima transcrita. A falta de audiência prévia dos interessados constitui vício insuprível que se traduz na preterição de uma formalidade essencial definida na Lei Geral Tributária. Deste vício só pode resultar a invalidade do acto tributário de liquidação. Isso mesmo resulta (14-Quanto ao tipo de vício de que enferma o acto em violação do direito à participação.) do Acórdão do STA, proferido no processo 026615, de 27/2/2002: “Há preterição de formalidade legal se, tendo o contribuinte sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, não for de novo ouvido antes do acto de liquidação, pois trata-se de duas audições autónomas relativamente a duas decisões distintas do processo de liquidação.” “(...) Neste STA, o MºPº emitiu douto parecer nos termos do qual se deve negar provimento ao recurso, pois tem de haver uma audição dos contribuintes antes da elaboração do relatório final e outra audição antes do acto de liquidação, como resulta da lei (...)” “ (...) O art.º 60º da LGT trata do princípio da participação dos contribuintes no procedimento de liquidação, correspondente ao direito de audiência prévia do procedimento administrativo. Depois de enunciar o princípio – PARTICIPAÇÃO DOS CONTRIBUINTES NA FORMAÇÃO DAS DECISÕES QUE LHES DIGAM RESPEITO – o n.º 1 indica cinco formas de participação dos contribuintes, cada uma delas com autonomia das restantes. Para o que nos interessa, estão previstas as seguintes formas de participação dos contribuintes: - audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos (al. d); - audição antes da conclusão do relatório da inspecção (al. e); - audição antes da liquidação (al. a). Trata-se de audições diferentes, cada uma delas não dispensando as demais. A lei não diz que, tendo havido audição antes da conclusão do relatório da inspecção, fica dispensada a audição antes da liquidação. Logo, o que se quis foi dar uma participação ao contribuinte ao longo do procedimento de liquidação e uma participação nas diferentes decisões que são tomadas ao longo do processo de liquidação. É por isso que o n.º 1 alude à participação na formação das decisões e não na formação da decisão final do procedimento. Logo, temos de concluir que a razão está do lado do M.º Juiz a quo quando distingue liquidação de actos que lhe são anteriores, como é o caso do relatório da inspecção tributária. Se o n.º 1 tem cinco alíneas diferentes, o cumprimento da alínea e) não dispensa o cumprimento da alínea a). Em conclusão: o facto de ter havido audição quanto ao relatório da inspecção tributária não dispensava a formalidade legal de nova audição antes da liquidação. Deste modo, ainda que o contribuinte tenha sido ouvido antes da conclusão do relatório da inspecção tributária, em caso algum pode ser dispensada nova audiência antes da liquidação” (15-Quanto à obrigatoriedade de audiência prévia do contribuinte, também, Acórdão do TCA, proferido no processo n.º 5810/01, de 19/2/2002;Acórdão do STA, processo 040692, de 21/5/1998; Acórdão do STA, processo 047311, de 5/2/2002; Acórdão do STA, processo 047134, de 8/3/2001; bem como, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, de Diogo Leite de Campos e outros, pág. 203 da 1ª edição.). X - Do exposto resulta que ao sujeito passivo deveriam ter sido facultados os documentos onde a AT fundamentou as correções, e solicitados, por três vezes nos termos do artigo 37º do CPPT, cfr. documentos juntos à p.i. e provados sob 31) e 32) da douta sentença revidenda, e assim dada efetiva oportunidade de ser ouvido antes da prática do ato de liquidação. Y - Da matéria de facto constante do relatório da fiscalização tributária e enunciação de contra-argumentação “III.2.2. Variações patrimoniais positivas” No que à movimentação das contas bancárias do impugnante, fls 11/22 e a alegada aplicabilidade teoria do incremento patrimonial pelo 17º circ, com referência ao “numerário e depósitos de cheques cuja origem se desconhece e não encontram justificação quer na actividade registada na contabilidade do sujeito passivo, quer na actividade omissa apurada na presente ação de inspeção, pois não correspondem a créditos registados no exercício ou entradas a dinheiro a qualquer título, nomeadamente adiantamentos de clientes, empréstimos ou outros” Z - O agente inspetivo confessa que aqueles depósitos não são rendimento da atividade ou conexos, e enquadra residualmente com incremento patrimonial, quando um depósito bancário não é um rendimento. O qual reconheceu a fls.. do RIT a colaboração na atividade dos Pais do impugnante/recorrente. E foram estes que utilizaram a conta do impugnante para depósito daqueles valores, ainda que nalguns casos possa haver sido o impugnante a fazer o depósito formalmente – nunca provando o agente inspetivo o contrário, i.é, que se tratava de um rendimento. AB - “III.2.3 Correções por gastos não aceites fiscalmente Ano 2015 “...” AC - Concluiu a AT e o MMo a quo “colou-se” a tal argumentação sem qualquer análise crítica “Relativamente ao ano de 2015, os gastos não aceites totalizam € 9.839,33” IGUAL, PORTANTO, AO PROJECTO DE RELATÓRIO, SEM LEVAR EM CONTA NADA DO EXPENDIDO PELO SUJEITO PASSIVO. AD - “III.2.3.2 Correções por gastos não aceites fiscalmente Ano 2016” “......” AE - E concluiu a AT e MMo Juiz a quo “colou-se” a tal argumentação sem qualquer análise crítica relativamente ao ano de 2016, “os gastos não aceites totalizam € 14.189,15” IGUAL, PORTANTO, AO PROJECTO DE RELATÓRIO, SEM LEVAR EM CONTA NADA DO EXPENDIDO PELO SUJEITO PASSIVO AF - Todos os custos supra são necessários à atividade do sujeito passivo e imprescindíveis à sua manutenção, nos termos e para os efeitos do artigo 23º do CIRC, não podendo ser desconsiderados como tal pela AT, que, além do mais, é a quem compete fazer a prova justificando fundamentadamente o porquê da sua não aceitação, o que não fez. Nem podia, pois, repita-se, são absolutamente necessários e imprescindíveis à atividade - cfr. supra melhor explicitado, pois designada e exemplificadamente é necessário que o escritório tenha móveis, que tenha aspirador para ser limpo, bem como as viaturas, como igualmente, no que à preparação das mesmas tange, e à necessidade de alarme onde as mesmas pernoitam para esse efeito. AG - IGUALMENTE, no que tange às correções dos pontos III.3.1., III.3.2, III.3.3, estão as mesmas erradas, pois que indevidamente fundamentadas e injustificadas e sem base legal, como desacompanhadas de documentação que permita ao impugnante a correcta defesa. Efectivamente, os originais entregues ao impugnante são cópias de má qualidade, que nem tão pouco são legíveis ou perceptíveis, designada e exemplificadamente fls. 85 e 86, AH - E note-se que as viaturas, ainda que alguma não haja sido por lapso devidamente contabilizada, o que se ficou a dever, como explicação dada e documentada, não por falta de documentos, mas por doença da TOC e em virtude disso o impugnante tinha os mesmos numa “pasta desorganizada” e o AT poderia ter verificado a sua existência, como com os custos, v.g., iuc, mas não o fez. Assim, AI - Os carros não contabilizados têm um custo e esse custo, nalguns casos até foi comunicado por quem vendeu ao impugnante. Noutros, como resulta da documentação ora junta novamente como conjunto DOCs, e cujos quadros se anexa como “Quadro 1”, “Quadro 2” “Quadro 3” e “Quadro 4” , existiram e tal foi dado a conhecer ao agente inspectivo por quem vendeu, pelo que tem de levar o custo de aquisição dos mesmos em consideração em tal cálculo, para qualquer dos anos corrigidos: AJ - Assim, conforme Quadros 1, 2, 3 e 4 anexos, o sujeito passivo haveria que entregar à AT, referente ao ano de 2015 a quantia de € 13.605,27 e relativamente a 2016, a quantia de € 5.217,71. Mas, a AT, como vem sendo seu apanágio, não se comportando como pessoa de bem, não quis/quer saber e liquidou como liquidou – INQUINANDO TODAS AS LIQUIDAÇÕES DE NULIDADE – E o MMo Juiz a quo, certamente por excesso de trabalho, MAL, não cuidou sequer de ver e analisar a documentação dos autos (apesar de a citar – como V. Exas. Podem confirmar pelos DOCUMENTOS A, B E C, de fls e aqui juntos por facilidade de perceção), cingindo-se à remissão e citação das conclusões do RIT, obrigando o Impugnante/Recorrente a recorrer. AK - A AT, CALCULOU, POIS, ERRADAMENTE AS MARGENS E ERRADAMENTE DESCONSIDEROU CUSTOS, DESIGNADAMENTE COM A AQUISIÇÃO E OS IMPOSTOS DAS PRÓPRIAS VIATURAS, VIOLANDO O 23º DO CIRC., e com isso violou a regra de que a tributação incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real encontra-se consagrada no n.º 2 do art.º 104º da Constituição da República Portuguesa, sendo certo que esse rendimento, até prova em contrário, é o que resulta da declaração do contribuinte. É de tal forma gritante a colagem do MMo Juiz a quo ao inspetor da AT, que designada e exemplificadamente ao fazer uma absolutamente errada interpretação e aplicação da lei quanto aos artigos constantes sob 8) a 11), 16), 22) e 23) dos factos provados não serem necessários á atividade do impugnante, que cita o RIT e para lá remete, em absoluto desconhecimento da LEI – mormente o DR 25/2009 DE 14.09, N.º 1, DO ARTIGO 19º SOB EPÍGRAFE REDUZIDO VALOR, NÃO TÊM DE CONSTAR DOS ATIVOS FIXOS TANGÍVEIS PODENDO SER TOTALMENTE DEPRECIADOS OU AMORTIZADOS NUM SÓ PERÍODO DE TRIBUTACAO, COMO ACONTECEU. “27)Os artigos descritos supra em 8), 9), 10), 11), 16), 22) e 23) não constam dos ativos fixos tangíveis da contabilidade do Impugnante (cf. RIT a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199 do SITAF)” dos factos provados – FAZ DO RIT A LEI - ASSUSTADOR. AL - A faculdade que a Administração tem de alterar os valores declarados só pode ser utilizada em situações excepcionais, nomeadamente quando seja de todo impossível comprovar e quantificar directa e exactamente os elementos indispensáveis à determinação dos mesmos. O entendimento dos Serviços de Fiscalização e do MMo Juiz a quo constitui afronta, pois, ao princípio constitucional da tributação do lucro real - n.º 2 do art.º 104º da C.R.P., o que leva a liquidações viciadas, sendo consequentemente anuláveis (16-O que se verifica no caso sub judice.) - bem como ao princípio constitucional e fiscal da obrigatoriedade de fundamentação de todos os actos que afectem a situação do sujeito passivo – art.ºs 266º e 268º da CRP, 36º do CPPT e art.º 60º e ss da LGT. AM - Face ao que dispõe o n.º 3 do art.º 17º do CIRC (17-As referências ao CIRC são antes da republicação.), a contabilidade das pessoas colectivas (bem como outras que exerçam a título principal uma actividade comercial industrial ou agrícola, como in casu – empresário em nome individual com contabilidade organizada) deve: Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste código; Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se das restantes. Por outro lado, a obrigatoriedade de existência de uma contabilidade, organizada nos termos da lei comercial e fiscal (que permita o controlo do lucro tributável) resulta, também, do art.º 98º do CIRC e art.º 44 do CIVA, e do relatório da inspecção tributária resulta por parte do Impugnante o cumprimento de todas estas obrigações. AN - Mas ainda que se aplicassem as correcções técnicas, o que não se aceita, havia que levar em conta o disposto no art.º 100 do CPPT e art.º 74º da LGT, ou seja, sempre que dos elementos disponíveis resulte dúvida fundada sobre a existência do facto tributário, deverá o acto tributário em causa ser anulado. É que não deixa de constituir base fundamental que a prova de que a contabilidade não oferece credibilidade, compete à Administração Tributária e isso não nos parece que tenha sido feito. Se a declaração do contribuinte estiver de acordo com os elementos constantes da sua contabilidade ou escrita, esta se mostrar organizada nos termos da lei e não se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não corresponde à realidade, presumese que a matéria tributável declarada é a real, isto mesmo se pode inferir do art.º 75º da LGT: «quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte». AO - Atendendo a que, como aliás demonstrámos, a Administração Tributária não demonstrou a falta de veracidade das declarações do contribuinte elas têm de continuar a presumir-se verdadeiras, sendo certo, em função disso, que a possibilidade de desconsideração do direito à contabilização como custos fiscais não pode proceder. D. DO PEDIDO: Termos em que, e nos melhores de direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul se requer seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declare a procedência da Impugnação e consequentemente dignem V. Exas.: a) Considerar as liquidações de IVA, IRS e juros compensatórios de 2015 intempestivas, porquanto se encontra caduco o direito de a administração tributária liquidar os tributos nela incluídos, por decurso do prazo de 4 anos – art.º 45º LGT. Ou ainda que assim não se entendesse, o que por mera hipótese académica se aventa, à cautela sem conceder, b) Considerar as notificações das liquidações controvertidas nulas e de nenhum efeito por violação do disposto no n.º12 do art.º 39º do CPPT; Ou em alternativa, sem conceder, c) Considerar que os actos tributários controvertidos são inválidos, enfermando de vício de forma, por preterição de formalidades essenciais, porque omitiu a AT a fundamentação a que estava obrigada para legitimar as liquidações, violando o artigo 60º da LGT e bem assim o artigo 37º do CPPT. d) Considerar as liquidações controvertidas ilegais, porquanto atentórias do princípio constitucional da tributação pelo lucro real e do princípio constitucional da fundamentação dos actos administrativos e fiscais - art.ºs art.º 104º, n.º 2, 266º e 268º, todos da CRP, 36º do CPPT e art.º77º e ss da LGT, pois é à Administração Tributária que compete a prova dos pressupostos que, afastando a presunção de veracidade da declaração, lhe permitem o recurso às correcções técnicas no apuramento das correções, o que não se verificou no caso sub judice. Anulando V. Exa., em consequência, os atos tributários controvertidos, assim fazendo V. Exa. JUSTIÇA!” *** A Recorrida devidamente notificada optou por não apresentar contra-alegações. *** A Digna Magistrada do Ministério Público (DMMP) neste Tribunal Central Administrativo Sul proferiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. *** Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, decidir. *** II - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A decisão recorrida fixou a factualidade que infra se descreve: “Compulsados os autos e analisada a prova produzida, com relevância para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos: 1) Nos exercícios de 2015 e de 2016 o Impugnante tinha como atividade “Comércio de veículos automóveis ligeiros”, com a classificação portuguesa das atividades económicas (CAE) 45110 (cf. RIT a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199 do SITAF); 2) Nos mesmos exercícios o Impugnante encontrava-se em sede de IRS no regime de contabilidade organizada (cf. RIT a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199 do SITAF); 3) No exercício de 2015 o Impugnante encontrava-se em sede de IVA no regime normal de periodicidade trimestral (cf. RIT a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199 do SITAF); 4) No exercício de 2016 o Impugnante encontrava-se em sede de IVA no regime normal de periodicidade mensal (cf. RIT a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199 do SITAF); 5) Nos exercícios de 2015 e de 2016 a sociedade S…, Lda., emitiu em nome do Impugnante diversas faturas referentes a um serviço em E…, Lote 2… 2…-… Amora-Seixal (cf. Anexos 8 a 12 ao RIT, a págs. 20 a 27 de fls. 271 a 297, fls. 300 a 337 e págs. 1 a 39 de fls. 340 a 381 do SITAF); 6) A morada supra é da habitação dos pais do Impugnante (cf. RIT a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199 do SITAF); 7) No exercício de 2015 o Impugnante vendeu os veículos com as seguintes matrículas: …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…e …-…-… (cf. RIT, a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199, e Anexo 5, a págs. 22 a 33 de fls. 202 a 234 e págs. 1 a 9 de fls. 237 a 268 do SITAF); 8) Em 03-01-2015 foi emitida a fatura n.º FS AUS503/041540, sem NIF do comprador, no valor sem IVA de € 182,07, constando como descritivo: «[...] Eletrodomésticos: (C) 5073375 HR1605/00 42. 99 [...] (C) 5331003 GC2042/40 39,99 [...] (C) 5375609 ASPIR.R05353EA 104,99 [...] (C) 5122748 JNSB-99Y 2 x 17.99 35.98 [...]» (cf. fatura a págs. 22 de fls. 271 a 297 do SITAF); 9) Em 07-03-2015 foi emitida em nome do Impugnante a fatura n.º 798, no valor total de € 150,00, referente a tapetes (cf. fatura a págs. 25 de fls. 271 a 297 do SITAF); 10) Em 12-03-2015 foi emitida em nome do Impugnante a fatura n.º 799, no valor total de € 405,00, referente a tapetes (cf. fatura a págs. 25 de fls. 271 a 297 do SITAF); 11) Em 17-03-2015 foi emitida em nome do Impugnante a fatura n.º 15/204, no valor sem IVA de € 4.902,44, referente a mobiliário e artigos de decoração (cf. fatura a págs. 24 de fls. 271 a 297 do SITAF); 12) Em 18-06-2015 o veículo de matrícula …-…-…foi adquirido ao Impugnante com recurso a crédito no valor de € 14.000,00, acrescido da retoma de um veículo avaliado em € 10.000,00 (cf. Anexo 5 ao RIT a págs. 26 e 29 de fls. 202 a 234 do SITAF); 13) Em 17-07-2015 os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante uma notificação para pagamento de € 65,00 relativos a custas em processo de execução fiscal (PEF) (cf. notificação a págs. 3 de fls. 300 a 337 do SITAF); 14) Em 20-07-2015 os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante uma notificação para pagamento de € 65,00 relativos a custas em PEF (cf. notificação a págs. 5 de fls. 300 a 337 do SITAF); 15) Em 23-07-2015 os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante uma notificação para pagamento de € 130,00 relativos a custas em PEF (cf. notificação a págs. 5 de fls. 300 a 337 do SITAF); 16) Em 10-11-2015 foi emitida em nome do Impugnante a fatura n.º 15F/1825, no valor sem IVA de € 250,00, referente a reparação de aspirador (cf. fatura a págs. 20 de fls. 300 a 337 do SITAF); 17) Em 30-12-2015 o veículo de matrícula …-…-… foi adquirido ao Impugnante com recurso a crédito no valor de € 19.500,00 (cf. Anexo 6 ao RIT a págs. 10 e 11 de fls. 237 a 268 do SITAF); 18) No exercício de 2016 o Impugnante vendeu os veículos com as seguintes matrículas: …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… (cf. RIT, a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199, e Anexo 6, a págs. 10 a 31 de fls. 237 a 268 do SITAF); 19) Em 02-02-2016 os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante uma notificação para pagamento de € 195,00 relativos a custas em PEF (cf. notificação a págs. 27 de fls. 300 a 337 do SITAF); 20) Em 08-06-2016 a sociedade a sociedade S…, Lda., emitiu em nome do Impugnante a fatura n.º 16F/0066677 no valor sem IVA de € 100,00, referente a uma assistência na morada Rua … n.º … Feijó 2…-… Almada (cf. fatura a págs. 7 de fls. 435 a 465 do SITAF); 21) Em 30-08-2016 a sociedade C…, Lda., emitiu em nome do Impugnante a fatura n.º 16/1043 no valor sem IVA de € 105,36, respeitante a vernizes e diluentes (cf. fatura a págs. 8 de fls. 435 a 465 do SITAF); 22) Em 26-09-2016 foi emitida em nome do Impugnante a fatura n.º 36701020160043/193, no valor sem IVA de € 247,50, referente a móveis, decoração e artigos de cozinha (cf. fatura a págs. 22 a 24 de fls. 340 a 381 do SITAF); 23) Em 27-09-2016 foi emitida em nome do Impugnante a fatura n.º 36701020160043/436, no valor sem IVA de € 56,59, referente a móveis (cf. fatura a págs. 21 de fls. 340 a 381 do SITAF); 24) Em data incerta, mas com data limite de pagamento em 30-09-2019, os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante um documento único de cobrança no valor de € 202,82 relativos a um PEF (cf. documento a págs. 15 a 17 de fls. 300 a 337 do SITAF); 25) Em 19-10-2016 o veículo de matrícula …-…-…foi adquirido ao Impugnante com recurso a crédito no valor de € 18.500,00, acrescido de transferência bancária no valor de € 4.000,00 e da retoma de um veículo avaliado em € 5.000,00 (cf. Anexo 6 ao RIT a págs. 28 e 30 de fls. 237 a 268 do SITAF); 26) Em 01-12-2016 a sociedade a sociedade S…, Lda., emitiu em nome do Impugnante a fatura n.º 16Q/1186147 no valor sem IVA de € 31,84, referente a um serviço na Rua … n.º … Feijó 2…-… Almada (cf. fatura a págs. 11 de fls. 468 a 514 do SITAF); 27) Os artigos descritos supra em 8), 9), 10), 11), 16), 22) e 23) não constam dos ativos fixos tangíveis da contabilidade do Impugnante (cf. RIT a págs. 6 a 44 de fls. 96 a 199 do SITAF); 28) Em 27-11-2019 os serviços da AT entregaram ao Impugnante o projeto do RIT (cf. termo de diligência a págs. 41 de fls. 340 a 38 do SITAF); 29) Em 16-12-2019 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome do Impugnante do qual se extrai ter em vista o exercício do direito à audição prévia ao projeto do RIT, constando do mesmo, alem do mais, o seguinte: «[...] Sem prejuízo do exposto deverão, notificar corretamente o exponente dos documentos de fls. 50 a 90 e respectiva documentação de suporte, pois apenas juntaram autos de declarações de compradores/vendedores, alguns ilegíveis, outros incompletos e com valores aproximados e em dúvida e sem qualquer suporte documental [...]» (cf. requerimento a págs. 42 de fls. 340 a 381, fls. 384 a 465 e págs. 1 a 20 de fls. 468 a 514 do SITAF); 30) Em 19-12-2019 os serviços da AT elaboraram em nome do Impugnante o RIT titulado pelas ordens de serviço n.ºs OI201800771 e OI201800772, para inspeção externa aos exercícios de 2015 e de 2016, do qual resultaram correções à matéria tributável em sede de IRS no valor de € 114.295,65 e de € 87.296,06, e de IVA no valor de € 29.304,18 e de € 14.659.85, para cada exercício, respetivamente, constando do mesmo, nomeadamente, o seguinte: «[...] III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVÉL 31) Em 20-12-2019 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome do Impugnante constando do mesmo, alem do mais, o seguinte: «[...] Renova-se, por isso, o pedido de notificação correta e completa ao exponente do projeto de relatório da inspeção tributária e respetiva documentação, para cabalmente poder exercer o seu direito de defesa, mormente dos documentos de fls. 50 a 90 e respetiva documentação [...]» (cf. requerimento a págs. 33 e 34 de fls. 468 a 514 do SITAF); 32) Em 23-12-2019 deu entrada nos serviços da AT um requerimento em nome do Impugnante constando do mesmo, alem do mais, o seguinte: «[...] requer-se a emissão de certidão com a fundamentação e requisitos omitidos, mormente quanto a quadros de folhas 15, 16 e 23 e docs de fls. 50 a 90 com documentos de suporte [...]» (cf. requerimento a págs. 30 e 31 de fls. 468 a 514 do SITAF); 33) Na mesma data os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante as seguintes liquidações de IVA e juros compensatórios: (cf. contestação a fls. 69 a 81 do SITAF e demonstrações a págs. 10 a 28 de fls. 517 a 544 do SITAF); 34) Em 26-12-2019 os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante as seguintes liquidações de IRS e juros compensatórios: (cf. contestação a fls. 69 a 81 do SITAF e demonstrações a fls. 82 e 83 e págs. 8 e 9 de fls. 517 a 544 do SITAF); 35) Em 30-12-2019 foi emitido em nome do Impugnante o mandato de notificação das liquidações de IVA e de IRS do exercício de 2015, descritas em 33) e 34), constando do mesmo, nomeadamente, o seguinte: «[...] 2 - Da(s) liquidação(ões) efetuada(s) poderá, querendo, apresentar, no serviço de finanças competente, reclamação graciosa ou impugnação judicial, nos termos e prazos estabelecidos nos artigos 70 ° e 102.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), respectivamente.» (cf. mandato a págs. 45 de fls. 468 a 514 do SITAF); 36) Na mesma data os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante a notificação com hora certa das liquidações de IVA e de IRS do exercício de 2015, descritas em 33) e 34), constando da mesma que o Impugnante não foi encontrado e a marcação para o dia seguinte (cf. notificação e fotografias a págs. 46 e 47 de fls. 468 a 514 do SITAF); 37) Em 31-12-2019 foi emitida em nome do Impugnante a certidão de verificação de hora certa para notificação das liquidações de IVA e de IRS do exercício de 2015, descritas em 33) e 34), constando da mesma que o Impugnante não foi encontrado, que a notificação foi afixada à porta do seu domicílio e a assinatura de duas testemunhas (cf. certidão a págs. 3 a 7 de fls. 517 a 544 do SITAF); 38) Em 02-01-2020 os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante o ofício n.º 304 via correio registado com o seguinte teor: «[...] Em cumprimento do disposto no artigo 233.º do Código do Processo Civil, comunica-se que no dia 31 de Dezembro de 2019 lhe foi efetuada a notificação de liquidações de IRS e IVA referentes a períodos de imposto de 2015, decorrentes do procedimento de inspeção suportado pela Ordem de Serviço n.º OI201800771 da Direção de Finanças de Setúbal, por nota afixada na porta do seu domicilio fiscal, em virtude de não ter sido encontrado nessa morada, apesar das diligências efetuadas, incluindo a marcação de hora certa. Em anexo a este ofício, junta-se: . Cópia do "Mandado de notificação", datado de 2019/12/30 (1 p.); . Cópia da nota de "Notificação com hora certa’, datada de 2019/12/30 (1 p.); . Cópia da “Certidão de verificação de hora certa", datada de 2019/12/31 (1 p.); . Cópia da “Nota de notificação pessoal", datada de 2019/12/31 (1 p.); . Cópia da “Certidão de notificação", datada de 2019/12/31 (1 p.). Mais se informa que o objeto da notificação se encontra à sua disposição na Direção de Finanças de Setúbal, sita na morada indicada em rodapé. A Diretora de Finanças [...] Por delegação O Diretor de Finanças Adjunto [...]». (cf. ofício a págs. 42 de fls. 468 a 514 do SITAF); 39) Em 06-01-2020 o Impugnante teve conhecimento das liquidações de IVA e juros compensatórios (facto assente por confissão cf. 4.º paragrafo da PI); 40) Em 21-01-2020 o Impugnante teve conhecimento da liquidação de IRS do exercício de 2016 (facto assente por confissão cf. 6.º paragrafo da PI).” *** A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “a) Os pais do Impugnante utilizam uma conta bancária deste para efetuar depósitos; b) O Impugnante utiliza a garagem da habitação dos pais para preparar e guardar alguns dos carros; c) O Impugnante gastou € 576,83 em almoço com colegas de profissão e alguns clientes; d) O Impugnante efetuou pagamento relativos a custos da Conservatória do Registo Automóvel através das Finanças; e) O Impugnante gastou € 286,95 para pagamento da fatura FT 91106682; f) O Impugnante recebeu de retoma o veículo de matrícula …-…-…; g) O adquirente do veículo de matrícula …-…-… transferiu € 200,00 para o Impugnante; h) O Impugnante devolveu € 1.500,00 ao adquirente do veículo de matrícula …-…-…; i) O Impugnante devolveu € 500,00 ao adquirente do veículo de matrícula …-…-…; j) O veículo de matrícula …-…-…foi vendido por € 9.500,00; k) O Impugnante pagou a dívida referente ao veículo de matrícula …-…-… à sociedade C…, S.A.; l) Os documentos de fls. 50 a 90 do RIT entregues ao Impugnante são cópias de má qualidade, ilegíveis e impercetíveis. Não foram alegados quaisquer outros factos passíveis de afetar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como provados ou não provados.” *** A motivação da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, resulta dos factos alegados pelas partes e da análise dos documentos por estas juntos, que não foram impugnados, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos. Os factos não provados em a) e b) resultam de não ter sido junto aos autos qualquer elemento no sentido pugnado, nomeadamente comprovativos dos alegados depósitos efetuados pelos pais do Impugnante ou elementos que permitissem verificar que a garagem da casa destes era utilizada na atividade do Impugnante. Também não foram juntos qualquer comprovativo dos alegados pagamentos referidos em c), d), h) e i), e o documento para alegadamente comprovar a despesa referida em e), a págs. 13 de fls. 468 a 514 do SITAF, é totalmente ilegível, assim como não foram juntos os alegados documentos ilegíveis, facto que se deu como não provado em l). Os factos não provados em f), g), j) e k) resultam também de não terem sido juntos ao RIT qualquer informação ou elemento, apesar do descrito no Anexo 5, a págs. 22 de fls. 202 a 234 do SITAF, e no Anexo 6, a págs. 10 e 11 e págs. 28 a 30 de fls. 237 a 268 do SITAF, nada resultando dos autos no sentido pugnado pela AT para fundamentar a correção.” *** Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, nº 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade: 41) A 03 de julho de 2019, foram objeto de assinatura as Ordens de Serviço OI201800771, e OI201800722, que credenciaram a ação de inspeção externa respeitante aos exercícios de 2015 e 2016, e que culminou no Relatório de Inspeção Tributária referido em 30) (cfr. Ordens de Serviço constantes no PA apenso e disponibilizado na plataforma SITAF); 42) A 20 de dezembro de 2019, F…, foi notificado do Relatório de Inspeção Tributária, descrito em 30) e credenciado pelas Ordens de serviço referidas no ponto antecedente (cfr. comunicação prevista no artigo 233.º do CPC, e demais elementos de notificação constantes no PA apenso e disponibilizado na plataforma SITAF);
*** III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IRS, e IVA, relativas aos anos de 2015 e 2016. Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir: - Se a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação, porquanto se limita a remeter para o Relatório de Inspeção Tributária; Antes, porém, importa analisar uma questão prévia, coadunada com a admissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso. Vejamos. A lei processual civil, concretamente o artigo 425.º e bem assim o normativo 651.º do CPC, possibilita a junção de documentos ao processo em fase de recurso apenas quando não tenha sido possível a respetiva apresentação em momento anterior (artigo 425.º, nº1, do CPC) ou quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (artigo 651.º, nº.1, do CPC); O STA, por Acórdão proferido em Recurso de Revista (1-Cfr. Acórdão de 27-5-2015, proferido no processo n.º 570/14; Vide, igualmente, o Acórdão do TCA Sul proferido no processo nº 07915/14, de 08 de junho de 2017.) julgou que “são três, e não dois, os fundamentos excepcionais justificativos da apresentação de documentos com as alegações de recurso: (i) quando os documentos não tenham podido ser apresentados até ao termo do prazo para apresentação das alegações a que se refere o art. 120.º do CPPT (encerramento da discussão da causa na 1.ª instância); (ii) quando os documentos se destinem a provar factos posteriores aos articulados ou a sua junção se tenha tornado necessária, por virtude de ocorrência posterior; (iii) quando a sua apresentação apenas se revele necessária devido ao julgamento proferido em 1ª instância”. Sendo certo que, a verificação das circunstâncias supra identificadas têm, necessariamente, como pressuposto basilar que os factos documentados sejam pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, da circunstância dos documentos cuja junção se pretende visarem a prova dos fundamentos da ação e/ou da defesa e, bem assim da circunstância de o juiz se encontrar vinculado a ordenar o desentranhamento do processo dos que sejam impertinentes ou desnecessários (2-Vide José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.229 e seg.). Mais importa ter presente, neste particular, que o advérbio “apenas”, utilizado no artigo 651.º, nº 1, do CPC significa, tão-só, que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. É entendimento unânime jurisprudencial que deve ser recusada a junção de documentos que visem a prova de factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a demonstração, sendo certo que não pode servir de pretexto da junção a mera surpresa quanto ao resultado (3-Cfr. Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 312/17.4 BEBJA, de 25 de janeiro de 2018; Vide Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.230.) In casu, como já evidenciado anteriormente, a Recorrente procede à junção de diversos documentos com as alegações de recurso, os quais consubstanciam prints da demonstração de liquidação de IRS e da demonstração de compensação e documento de acerto de contas, respeitantes ao ano de 2015, quadros resumos dos custos concernentes a 2015 e 2016, ato de liquidação respeitante ao ano de 2016, logo documentos com data anterior à dedução da presente petição inicial, donde que poderiam ter sido entregues aquando a sua instauração, em nada consubstanciando superveniência objetiva ou subjetiva, de resto, nem tão-pouco alegada. Ademais, tais documentos visam a prova de factos que já antes da sentença o Recorrente sabia estarem sujeitos a prova, e que poderiam ter sido juntos até à aludida data, não podendo, portanto, considerar-se que a junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Inexiste, portanto, qualquer superveniência objetiva que permita propugnar que só após a prolação da decisão sindicada, se revestiu de utilidade a sua junção aos autos. Acresce, outrossim, que parte da documentação carreada em sede de alegações de recurso já se encontrava junta aos autos, e aliás suportou a decisão da matéria de facto, como é caso do print da nota de cobrança, e do ato de demonstração de acerto de contas. Ainda neste concreto particular, há que salientar que, conforme veremos em sede própria, o Recorrente não procedeu à impugnação da matéria de facto em ordem aos requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC, não requerendo, portanto, qualquer aditamento por complementação ou supressão, sendo certo que, in casu, face à documentação carreada aos autos, os mesmos se afigurariam irrelevantes para a descoberta da verdade material. Concluindo, dada a sua impertinência, os aludidos documentos não podem ser admitidos, decretando-se o seu desentranhamento e restituição à Recorrente, com a consequente condenação em custas pelo incidente anómalo a que deu causa, nos termos do artigo 527.º do CPC e 7.º n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) ao que se procederá no dispositivo da presente decisão. *** Atentemos, ora, na nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação. O Recorrente convoca, ainda que de forma inominada, que a decisão recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação de facto, na medida em que não é realizado qualquer exame crítico da prova, existindo uma total aderência ao Relatório de Inspeção Tributária. Apreciando. Dispõe o artigo 123.º, nº2, do CPPT que: “O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.” Mais preceitua o artigo 125.º do CPPT, sob a epígrafe de “nulidades da sentença” que: “ 1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.” Dir-se-á, neste particular, que esta norma corresponde ao regulamentado no normativo 615.º, nº1, alínea b), do CPC, segundo o qual “é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e direito que justifiquem a decisão”. De convocar, ainda neste particular, o comando constitucional contemplado no artigo 205.º da CRP o qual prevê que: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”. Quanto à falta de fundamentação, a Doutrina (4-Neste sentido Alberto dos Reis-Código de Processo Civil Anotado: Coimbra Editora 1984, reimpressão, Volume V, página 140.) tem entendido que o vício em análise apenas se verifica quando ocorre falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito, o mesmo sucedendo com a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a qual aduz que “[P]ara que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente. Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito. Já a mera insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, podendo afectar o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, mas não produz nulidade. Igualmente não sendo a eventual falta de exame crítico da prova produzida (cfr.artº.607, nº.4, do C.P.Civil) que preenche a nulidade sob apreciação. No processo judicial tributário o vício de não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artº.125, nº.1, do C.P.P.Tributário (5-Vide, designadamente, Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo nº 09420/16, de 29 de junho de 2016.)”. No caso em apreço, compulsado o teor da decisão recorrida verifica-se que vêm discriminados os fundamentos de facto. Com efeito, no item IV) denominado de “fundamentação de facto” estão elencados os factos provados deles constando, expressa e individualmente, o meio probatório que permitiu a fixação da aludida factualidade. Ficando, outrossim, consignada a factualidade não provada, com a devida materialização da motivação da decisão da matéria de facto que relevou para o caso vertente. Ora, em face do supra aludido entende-se que quanto à enumeração dos factos provados, e não provados e à concreta motivação da decisão da matéria de facto, foram analisadas, criticamente, as provas e especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgado, permitindo a mesma dar a conhecer quais os suportes probatórios que justificam a prova dos factos considerados provados e não provados. Por outro lado, não logra, outrossim, provimento que tenha existido uma adesão acrítica ao Relatório de Inspeção Tributária. Com efeito, e sem que qualquer vício possa ser apontado, foi plasmado no probatório a emissão do mesmo, transcrevendo-se os excertos reportados de relevo para o caso vertente. Note-se, ademais, que o Relatório de Inspeção Tributária é um meio de prova, donde, o facto do probatório contemplar excertos do mesmo apenas permite concluir pela existência de um documento com o conteúdo nele exarado e não que a fundamentação dele constante se encontra provada. Compete, assim, ao Tribunal valorá-lo de acordo com o princípio da livre apreciação da prova e fixar, autónoma e fundamentadamente, a factualidade que repute pertinente para o litígio a dirimir, como realizado no caso vertente. Logo, não assiste qualquer irregularidade à transcrição do Relatório e às competentes e ulteriores asserções, perfeitamente, autonomizadas na matéria de facto. Esta é, aliás, a técnica jurídica a empreender não merecendo a censura gizada pela Recorrente. Conclui-se, assim, que inexiste qualquer falta de fundamentação de facto da decisão recorrida, de resto, como já evidenciado anteriormente só existe nulidade, em caso de ausência absoluta de fundamentação jurídica, ou seja, quando não se conseguir discernir qual o iter cognoscitivo que esteve na base da decisão tomada. É certo que o Recorrente, e se bem interpretamos as suas conclusões, conclui, ainda, nesse sentido por, alegadamente, terem sido, erroneamente, interpretados pressupostos de facto com relevo para a lide, porém, como é bom de ver, tais considerações em nada traduzem ou importam nulidade da decisão por “falta especificada de fundamentação”, quando muito e no limite, podem consubstanciar erro de julgamento, mas nunca nulidade da sentença porquanto a mesma se encontra fundamentada de facto e de direito. Face a o exposto, conclui-se que a sentença não padece da arguida nulidade por falta de fundamentação. Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento de facto. Neste âmbito sufraga que, não foi, devidamente, valorada a documentação carreada aos autos, mormente, no domínio da concreta prova da emissão e notificação dos atos de liquidação e bem assim quanto ao cálculo das margens. Ora, se o que está em causa é o Tribunal a quo ter errado o seu julgamento de facto, cumpre ter em conta a tramitação processual atinente à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. Para o efeito, importa começar por aferir se a Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC. Preceitua o aludido normativo que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida (6-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.). Ora, convocado o quadro normativo e feitos estes considerandos de direito, dimana perentório que, in casu, o Recorrente não impugna a matéria de facto, não requerendo qualquer aditamento por complementação ou substituição, apenas convoca um erro de julgamento no sentido de que deveria ter valorado de forma distinta a prova documental constante dos autos, e que retirou ilações jurídicas distintas das pretendidas. Sendo certo que, no domínio das asserções fáticas atinentes às liquidações não se vislumbra qualquer erro na sua fixação, correspondendo os factos nela contemplados aos meios probatórios invocados, e sem que nenhuma irregularidade lhe possa ser apontada. E por assim ser, não se vislumbra qualquer erro de julgamento da matéria de facto que careça de ser alterado, encontrando-se, por conseguinte, estabilizado o respetivo probatório. *** Vejamos, ora, o erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Comecemos, então, pela caducidade do direito à liquidação respeitante ao ano de 2015, e a concreta falta de notificação dentro do prazo de caducidade. Neste âmbito, defende o Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento na medida em que existiu uma errónea ponderação do regime normativo à luz do recorte fático dos autos, não só relativamente à concreta data de emissão, como também da notificação, e que inquinam os atos de ilegalidade. Densifica, para o efeito, que as liquidações adicionais de 2015, decorrentes das correções propostas pela ação inspetiva não só não foram notificadas ao sujeito passivo, aqui Recorrente até 31 de dezembro de 2019, como só foram emitidas, após 28 de dezembro de 2019. O Tribunal a quo, após convocar o respetivo quadro normativo e tecer os considerandos de direito reputados de relevo para o caso vertente, fundamentou a improcedência da seguinte forma: “Atendendo a que o IRS e o IVA em crise respeitam ao exercício de 2015 e que a sua liquidação, bem como a dos correspondentes juros compensatórios, foi efetuada no mês de dezembro de 2019, tudo como resulta dos factos descritos em 33) e 34), são as liquidações tempestivas uma vez que foram emitidas dentro do prazo de quatro anos para o efeito. Vejamos, então. Começando por atentar no quadro normativo atinente à caducidade do direito à liquidação. Preceituava, à data, o artigo 45.º da LGT sob a epígrafe de caducidade do direito à liquidação, e na parte que, ora, releva o seguinte: “1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro. Mais consignava o artigo 46.º, nº1, do mesmo diploma legal, relativamente à suspensão e interrupção do prazo de caducidade que: “1 - O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da ação de inspeção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspeção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.” Sendo, outrossim, de chamar à colação o consignado no artigo 36.º do RCPIT relativamente ao “início e prazo do procedimento de inspeção”, segundo o qual: “1 - O procedimento de inspeção tributária pode iniciar-se até ao termo do prazo de caducidade do direito de liquidação dos tributos ou do procedimento sancionatório, sem prejuízo do direito de exame de documentos relativos a situações tributárias já abrangidas por aquele prazo, que os sujeitos passivos e demais obrigados tributários tenham a obrigação de conservar. 2 - O procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início (…).” No atinente à conclusão do procedimento de inspeção importa ter presente o consignado no artigo 62.º do RCPIT, o qual estatuía que para conclusão do procedimento deve ser elaborado um Relatório Final com vista à identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária, consagrando, por seu turno, o seu nº2 que a notificação ao contribuinte deve ser concretizada “no prazo de 10 dias após a notificação da nota de diligência, o relatório referido no número anterior deve ser notificado ao contribuinte por carta registada, ou por transmissão eletrónica de dados, através do serviço público de notificações associado à morada digital única, da caixa postal eletrónica ou na respetiva área reservada do Portal das Finanças, considerando-se concluído o procedimento na data da notificação do relatório.” Visto o regime normativo, há, efetivamente, que concluir que no caso vertente o prazo aplicável é de quatro anos, de harmonia com o artigo 45.º, nº 4, da LGT, cujo cômputo inicial, no caso do IRS coadunar-se-á com o termo do ano em que se verificou o facto tributário e no caso específico do IVA, respeita ao início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto. (7-Vide, designadamente, Aresto do STA, proferido no processo nº 0777/09, de 28.04.2010 e Acórdão deste TCAS, prolatado por este coletivo, no processo nº 220/14, de 14.10.2021.) No caso vertente, encontramo-nos perante IRS do ano de 2015, e IVA dos 4 trimestres de 2015, logo o seu termo ocorria a 31 de dezembro de 2019, com ressalva apenas do caso do IVA respeitante ao último trimestre, o qual atenta a data da sua exigibilidade apenas ocorria a 31 de dezembro de 2020. Ora, da leitura da factualidade supra expendida, haveria que concluir, sem mais, que atenta a data de emissão dos atos de liquidação, como visto, 23 de dezembro de 2019, e 26 de dezembro de 2019, dimana inequívoco que as mesmas foram, efetivamente, emitidas dentro do respetivo prazo legal. Note-se, de todo o modo, e sem embargo do exposto, que sempre haveria que contemplar a suspensão decorrente da ação de inspeção tributária, na medida em que a mesma não ultrapassou os seis meses. Com efeito, e conforme resulta da factualidade assente, a ação de Inspeção Tributária iniciou-se em 03 de julho de 2019, e terminou a 20 de dezembro de 2019, com a notificação do respetivo Relatório de Inspeção Tributária. No atinente à falta de notificação, atento o probatório dos autos, do qual resulta que a 30 de dezembro de 2019 foi emitido em nome do Impugnante o mandato de notificação das liquidações de IVA e de IRS do exercício de 2015, e que no dia seguinte foi emitida certidão de verificação de hora certa para notificação das aludidas liquidações de IVA e de IRS do exercício de 2015, constando da mesma que o Impugnante não foi encontrado, sendo, por isso, afixada notificação à porta do seu domicílio, contemplando a assinatura de duas testemunhas. E que, ulteriormente, e em cumprimento do consignado no artigo 233.º do CPC, a 2 de janeiro de 2020, os serviços da AT emitiram em nome do Impugnante o ofício n.º 304 via correio registado, tendente à comunicação de que no dia 31 de dezembro de 2019 lhe foi efetuada a notificação de liquidações de IRS e IVA referentes a períodos de imposto de 2015, decorrentes do procedimento de inspeção externa por nota afixada na porta do seu domicilio fiscal, e que do mesmo constavam os elementos indicados em 38), ter-se-á de concluir no sentido ajuizado pelo Tribunal a quo, ou seja, da inexistência do aludido vício de violação de lei. Dimana, assim, inequívoco que não só as liquidações de IRS e IVA respeitantes ao ano de 2015, foram emitidas dentro do prazo de caducidade como foram, validamente, notificadas nessa data, em conformidade com o plasmado nos n.ºs 4 e 6 do artigo 232.º do CPC, conjugados com os n.ºs 5 e 6 do artigo 38.º do CPPT, mediante notificação pessoal (8-Vide, Acórdãos do STA, proferidos nos processos nº 049/11, de 28.03.2012, e 0305/11, de 21.09.2011, e TCAS, prolatado no processo nº 101/08, de 28,01.2021). Note-se que, como propugnado na decisão recorrida, a entidade que dirige o procedimento pode ordenar que “[s]e proceda a notificação pessoal quando o entender necessário (nº5 do arti.38º do CPPT). A escolha da notificação pessoal pela entidade competente da administração tributária, para transmitir ao destinatário o conteúdo do acto tributário, constitui , manifestação do exercício de um poder discricionário que deve ponderar a eficácia no cumprimento do objectivo visado (9-In Ac. STA, já citado, proferido no processo nº 0305/11, de 21.09.2011.)”. Ademais, reitere-se é o próprio que assume o seu conhecimento na data evidenciada nos pontos 39) e 40), sendo que, in casu, e como já expendido anteriormente, sempre teria de ser computado o período de suspensão do prazo de caducidade decorrente do concreto período inspetivo, donde, nunca lograria provimento o aduzido, nesse e para esse efeito, pelo Recorrente. Face a todo o exposto, improcede o aludido erro de julgamento. Atentemos, ora, no erro de julgamento atinente à falta de indicação do autor do ato. O Recorrente alega que as liquidações impugnadas não indicam, designadamente, o autor do ato, nem a qualidade em que o praticou, os meios de defesa, a data limite de pagamento, sendo nulas, em ordem ao consignado no artigo 39.º, nº12, do CPPT. O Tribunal a quo, neste concreto particular, mediante abordagem do respetivo quadro normativo, concretamente, do artigo 39.º, nº12, do CPPT fundou a improcedência do aludido vício convocando, designadamente, a seguinte fundamentação jurídica: “[a] invocada disposição legal vem cominar de nulidade não os atos tributários, mas antes a sua notificação, porquanto o que aí se estabelece é que o ato de notificação será nulo no caso de falta de indicação do seu autor, e já não que as liquidações serão nulas. (…) No caso, porém, a notificação das liquidações do exercício de 2015 contêm o autor do ato e a qualidade em que o fez, sendo ali expressamente referido que foi o Diretor de Finanças Adjunto por delegação da Diretora de Finanças, nos termos provados em 38). Quanto às demais, o Impugnante não aponta qualquer vício à notificação em si, mas somente à liquidação, o que não consubstancia a nulidade prevista no n.º 12 do artigo 39.º do CPPT, como se referiu, sendo certo que o mesmo reconhece que teve conhecimento das liquidações, como decorre dos factos provados em 39) e 40). Desta forma, não decorrendo dos autos qualquer vício que decorra das notificações, nem tampouco sendo alegado tal vício, mas apenas nas liquidações, não padecem os atos do vício invocado. Termos em que improcede o vício de falta de indicação do autor dos atos.” E, de facto, nenhuma censura merece a decisão recorrida na medida em que, não só a nulidade consignada no citado artigo 39.º, nº 12 do CPPT se encontra circunscrita apenas e só à nulidade da notificação que não dos próprios atos de liquidação, como os atos de liquidação contemplam, efetivamente, as menções, alegadamente, reputadas em falta. Note-se que são realidades distintas o ato de notificação não identificar o autor do ato, e o facto de o autor não dispor de competências para o efeito, na medida em que esta última questão já entronca na validade do próprio ato de liquidação (10-Vide, neste âmbito, designadamente, Acórdão do STA, proferido no processo nº 0935/13, de 02.07.2014.), nada tendo a ver com a validade da notificação. Mas, feito este introito, atentemos, então. Comecemos por considerar o teor do artig0 39.º, nº12, do CPPT, segundo o qual: “O ato de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do ato e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data”. Daí resulta, portanto, que a notificação será nula se da mesma não constarem os elementos necessários à identificação do ato, o que não é confundível e equiparável aquela em que a notificação não contém todos os elementos exigíveis, mas que, ainda assim, permite tal identificação do ato, porquanto nesta última situação a mesma pode ser suprida mediante uso do expediente previsto no artigo 37.º do CPPT. Como se doutrina no Acórdão do STA, prolatado no processo nº 01108/13, de 22 de janeiro de 2014 “a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.º 9 do art. 39.º do CPPT, não deixará de valer como acto de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no artº. 37.º, n.º 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do acto notificado”. In casu, e conforme foi, desde logo, delimitado por parte do Tribunal a quo, a questão da preterição do artigo 39.º, nº12, do CPPT apenas foi arguida quanto aos atos de notificação respeitantes ao ano de 2015, e a verdade é que atentando nos respetivos atos de notificação plasmados no ponto 38 do probatório, dúvidas não existem que tais formalidades atinentes ao autor do ato encontram-se, efetivamente, preenchidas. E no concernente aos próprios atos de liquidação, ainda que, como visto, a invocação da preterição do aludido normativo não seja transponível para os próprios atos de liquidação, e quanto aos mesmos apenas pudesse, como visto, ser convocada a nulidade decorrente da própria incompetência do autor do ato-o que, como visto, não sucedeu no caso vertente-ainda assim se confirma e secunda o advogado na decisão recorrida quanto à expressa indicação nos visados atos de liquidação do autor do ato, conforme, expressamente, resulta do constante nos pontos 33 e 34. Mais uma vez, cumpre sublinhar e adensar que o probatório não foi, devidamente, impugnado, e que os atos de liquidação constantes no acervo fáctico dos autos constituem, efetivamente, os atos de liquidação decorrentes da ação de inspeção tributária referida em 30, em nada se compreendendo e aquiescendo o alcance da expressão pseudo liquidações. Improcede, assim, o aludido erro de julgamento, mantendo-se, assim, a sentenciada improcedência quanto ao vício atinente à nulidade por falta de indicação do autor do ato. Prosseguindo, ora, com a falta de ponderação dos novos elementos apresentados em audição prévia, donde preterição de formalidade essencial constante no artigo 60.º, nº7 da LGT. O Recorrente advoga violação de audição prévia, porquanto inversamente ao aduzido na decisão recorrida, os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, realidade que não foi materializada e atendida no caso vertente. E neste concreto particular, defende que deveriam ter sido facultados os documentos onde a AT fundamentou as correções, e solicitados, por três vezes nos termos do artigo 37.º do CPPT. Advoga, adicionalmente, que o facto de ter havido audição quanto ao Relatório de Inspeção Tributária, não dispensava uma nova audição antes da liquidação. O Tribunal a quo esteou, por seu turno, a improcedência, relevando, para o efeito, designadamente, o seguinte: “atendendo aos factos assentes como provados nos pontos 28), 29) e 30), na audição prévia ao RIT o Impugnante juntou documentos e invocou fundamentos que, no seu entender, refutavam o projeto de correções da AT, tendo, de facto, sido valorados alguns desses argumentos. De facto, decorre do RIT final que a AT considerou os elementos juntos, tendo, inclusive, alterado algumas das correções propostas e mantendo, fundadamente, as outras, conforme consta da nota de rodapé 11 à PI, apreciando, efetivamente, os argumentos do Impugnante. Refira-se também que apesar de este afirmar não ser possível conhecer as razões que estão na génese da decisão, certo é que tanto na audição prévia como, agora, na impugnação, demonstra conhecer os fundamentos da mesma, apresentando os argumentos que entende suscetíveis de a invalidar, motivo pelo qual não se verifica o vício de falta de fundamentação alegado. É certo, porém, conforme assente nos factos em 29), 31) e 32), que o Impugnante requereu nova notificação dos documentos de fls. 50 a 90 do RIT, não constando dos autos que tenham sido atendidos esses pedidos. Não obstante, também não resulta dos autos, conforme facto não provado em l), que os referidos documentos entregues ao Impugnante eram cópias de má qualidade, ilegíveis e impercetíveis, sendo verdade, por outro lado, que esses documentos são compostos por questionários preenchidos por compradores e vendedores de viaturas que tiveram relações comerciais com o Impugnante, devendo ser rasurada a informação de natureza pessoal dos respondentes, conforme o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016. Mais, estão incluídos também documentos da contabilidade do Impugnante, como os inventários e os documentos relativos às vendas das viaturas efetuadas com recurso a crédito de instituições financeiras, ou os extratos bancários de contas por si tituladas, informação essa no seu poder e constante do projeto do RIT, de forma sintetizada. Outrossim, como se disse, na audição prévia ao RIT o Impugnante demonstrou conhecer cabalmente toda a matéria em causa, o motivo das correções propostas e a sua fundamentação, apresentando, nessa sede, todos os argumentos e documentos que entendeu necessários a fazer valer a sua pretensão, conforme fez também aqui.” Apreciando. Comecemos por dar nota do respetivo regime normativo. O princípio da audiência prescrito nos artigos 100.º e seguintes do CPA assume-se como uma dimensão qualificada do princípio da participação consagrado no artigo 8.º do mesmo Código, surgindo na sequência e em cumprimento do comando constitucional contemplado no artigo 267.º da CRP, obrigando o órgão administrativo competente a, de alguma forma, associar o administrador à preparação da decisão final, transformando tal princípio em direito constitucional concretizado. Tal princípio veio, igualmente, a ser acolhido no âmbito do procedimento tributário no artigo 60.º da LGT, sob a forma de “direito de audição do contribuinte”, e no artigo 45.º do CPPT. De harmonia com o disposto no artigo 60.º da LGT, sob a epígrafe de direito de participação, com a redação, à data, aplicável dispunha-se que: “1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: Importa, outrossim, ter presente o consignado no artigo 60.º do RCPIT, que sob a epígrafe de “conclusão do procedimento de inspeção tributária” dispõe que: “1 - Concluída a prática de atos de inspeção e caso os mesmos possam originar atos tributários ou em matéria tributária desfavoráveis à entidade inspecionada, esta deve ser notificada no prazo de 10 dias do projeto de conclusões do relatório, com a identificação desses atos e a sua fundamentação. Resulta, assim, do regime jurídico traçado anteriormente e na parte que para os autos releva que é imposto o direito de audição antes da liquidação, antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, antes da decisão de aplicação de métodos indiretos, e antes da conclusão do relatório da inspeção tributária, só sendo dispensada tal formalidade quando o sujeito passivo já teve oportunidade de o fazer na fase do procedimento de inspeção, que culminou nos atos de liquidação, quando a liquidação se efetue com base na declaração do contribuinte ou quando a decisão lhe seja favorável. Dimanando, outrossim, que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes têm de ser, obrigatoriamente, ponderados na fundamentação da decisão. Razão pela qual, a falta de audição prévia do contribuinte, nos casos em que é obrigatória, constitui um vício de forma do procedimento tributário suscetível de conduzir, em regra, à anulação da decisão que vier a ser tomada podendo, todavia, degradar-se em formalidade não essencial ou em mera irregularidade, se independentemente do exercício de tal direito, aquele ato sempre tivesse de ser da mesma natureza e medida. Feitos estes considerandos, vejamos, então, o que resulta do acervo probatório dos autos. A 27 de novembro de 2019, os serviços da AT notificaram o Impugnante, ora Recorrente, do projeto de Relatório de Inspeção Tributária, e para exercer audição prévia, faculdade que o mesmo exerceu mediante articulado apresentado, em 16 de dezembro de 2019, no qual refuta as correções realizadas, e requer a notificação de fls. 50 a 90 e respetiva documentação de suporte por, alegadamente, existir ilegibilidade dos documentos. Nessa conformidade, e em resposta ao exercício de audição a AT, emite relatório de Inspeção Tributária no qual analisa, em pormenor, o direito de audição apresentado apartando a fundamentação concatenada, designadamente, com a aplicação do artigo 87.º da LGT, atenta a natureza das correções em contenda, das variações patrimoniais positivas, reiterando, mais uma vez, o alcance e extensão das entradas e sua qualificação, ressalvando, para o efeito, que “[r]elativamente ao alegado em direito de audição, o sujeito passivo não apresentou qualquer comprovativo, sendo ainda de notar que não fez qualquer referência às transferências bancárias em que são identificados os nomes dos ordenantes, os quais não correspondem aos nomes dos pais de F…, pelo que se mantém na integra a correção proposta.” No concernente aos gastos não aceites fiscalmente, mediante ponderação das razões apresentadas, entende ser aceitar, parcialmente, a dedutibilidade de parte desses gastos os quais concretiza, de forma individualizada, mantendo no demais, explicitando, igualmente, a razão do seu itinerário cognoscitivo e dessa concreta manutenção. No respeitante, por seu turno, às restantes correções em sede de IVA, é convocado pela AT que é o próprio Impugnante a admitir a não contabilização da totalidade das viaturas, afirmando, no entanto, que as mesmas padecem de erro, mas sem que o mesmo se mostre, devidamente, patenteado e sem junção de qualquer documentação de suporte atinente ao efeito. Ainda neste concreto particular, é afastada a alegada falta de documentação propugnando-se o seguinte: “Para além de não juntar qualquer documentação que sustente a sua afirmação de que as correções propostas estão erradas, F… omite que as correções propostas incluem montantes a seu favor, exatamente por se terem considerado os custos de aquisição, quando conhecidos, das viaturas transacionadas mas omissas, total ou parcialmente, da contabilidade. Estas correções, no montante de € 15.040,00 em 2015 e de € 2.500,00 em 2016, estão claramente evidenciadas, como correções a seu favor ao custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC), nos quadros incluídos nos capítulos III.2.1.1 e III.2.1.2 do relatório.” Mais adensando, que “relativamente à alegada falta de documentação no projeto de relatório, as mencionadas folhas 50 a 90 deste correspondem aos anexos 5 e 6 do relatório de Inspeção, os quais servem de suporte a correções às vendas declaradas e ao CMVMC. Estes anexos incluem questionários preenchidos por compradores e vendedores de viaturas que tiveram relações comerciais com F…, nos quais foi rasurada a informação de natureza pessoal dos respondentes, em cumprimento do dever de sigilo fiscal a que a Autoridade Tributária e Aduaneira está sujeita, estando a restante informação condensada em quadros resumo nos quais são indicadas as restantes fontes da informação utilizadas para efeitos de determinação dos montantes das correções propostas, sendo que estas fontes e o respetivo conteúdo são do total conhecimento de F… por serem documentos da sua própria contabilidade, como os Inventários e os documentos relativos às vendas de viaturas efetuadas com recurso a crédito de instituições financeiras, ou os extratos bancários de contas por si tituladas. F… não pode, assim, alegar qualquer falta de informação referente ao apuramento das correções propostas.” Ora, face ao supra expendido, é por demais evidente que inexiste a aduzida preterição de formalidade essencial constante no artigo 60.º, nº7, da LGT, na medida em que a AT na sequência do exercício de audição prévia não fez qualquer tábua rasa das razões e argumentos nele expendidos e apreciou os mesmos de forma casuística, tendo, inclusive, procedido à anulação de determinadas correções. Como doutrinado em Aresto deste TCAS, proferido no processo nº 1161/08, de 09 de junho de 2021: “se a Recorrente foi notificada para exercer o direito de audição prévia aquando da emissão do projeto de conclusões e antes da emissão do Relatório definitivo em conformidade com o preceituado no artigo 60.º da LGT, e se a AT analisou as razões expendidas no seu articulado e documentação carreada, tendo refutado, fundamentadamente, as razões atinentes à improcedência e à manutenção das correções aritméticas, inexiste qualquer violação do direito de participação.” Duas últimas notas. Uma primeira para relevar que, em face do expendido anteriormente, nenhuma ilegalidade dimana da falta de notificação para audição prévia antes da emissão do respetivo ato de liquidação, porquanto inexiste qualquer vinculação legal nesse e para esse efeito, conforme dimana da interpretação conjugada do artigo 60.º, nº1, alínea a), da LGT, com o seu nº 3. E uma última nota final, para reiterar que nenhuma censura merece o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo quanto à necessidade de serem notificados os documentos indicados pelo Recorrente, secundando-se, outrossim, a convocação do juízo de facto não provado constante em l). E por assim ser, e sem necessidade de quaisquer considerandos adicionais improcede, na íntegra, o aludido erro de julgamento. Atentemos, ora, no erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito. Comecemos, então, pelo erro de julgamento quanto às variações patrimoniais positivas. Neste âmbito, alega o Recorrente que não foi devidamente ponderada a origem dessas entradas quando, ademais, é a própria AT que confessa que aqueles depósitos não são rendimento da atividade ou conexos, e os enquadra, residualmente, como incremento patrimonial, quando um depósito bancário não é um rendimento. Descurando, outrossim, e com relevância que foram os pais do Impugnante que utilizaram essa conta do impugnante para depósito daqueles valores, ainda que, reconheça, nalguns casos possa ter existido depósito formal pelo próprio Recorrente. Neste âmbito ajuíza o Tribunal a quo o seguinte: “afirma o Impugnante que os depósitos não são rendimento da atividade e que os seus pais utilizavam a conta para efetuar os referidos depósitos. No entanto, para além de não se ter provado a segunda afirmação, conforme o facto não provado em a), nos termos do referido artigo 21.º do CIRC, aplicável por força do artigo 32.º do CIRS, ao contrário do afirmado pelo Impugnante, as variações patrimoniais positivas concorrem para a formação do lucro tributável, pelo que o montante de € 33.900,67, constante das contas bancárias do Impugnante, concorre para a formação do rendimento tributável do exercício de 2016.” E, de facto, não se vislumbra qualquer erro de julgamento. Senão vejamos. Comecemos por perscrutar a fundamentação jurídica que esteou a correção em contenda e o concreto modus faciendi adotado em sede de Inspeção Tributária. A AT mediante análise efetuada aos elementos enviados pelas instituições bancárias, relativos a contas tituladas pelo Recorrente, e depois de asseverados e cruzados esses movimentos constatou a existência de movimentos a crédito, ou seja, entradas decorrentes de transferências bancárias e depósitos em cheque ou numerário, que não têm correspondência nas contas de rendimentos. Equacionando, depois, que parte dessas entradas respeitavam a depósitos de montantes recebidos em numerário, procedendo, assim, ao cruzamento dos montantes faturados, acrescidos das correções propostas no contexto do procedimento de inspeção, com os montantes dos recebimentos comprovadamente associados a vendas, e com os montantes auferidos e sem justificação, tendo, nessa conformidade e face a esse cruzamento, apurado que no ano de 2016, ocorreu um saldo de €33.900,67 correspondente ao excesso das entradas relativamente ao montante que seria compatível com as vendas conhecidas, sejam faturadas ou não. O que implicou um apuramento exaustivo por parte da AT das competentes entradas em causa, por banco e conta, concluindo, assim, que os aludidos valores, referentes ao numerário e depósitos de cheques cuja origem se desconhece, não encontram justificação quer na atividade registada na contabilidade do sujeito passivo, quer na atividade omissa apurada na ação inspetiva, pois não correspondem a réditos registados no exercício ou a entradas de dinheiro a qualquer outro título, nomeadamente adiantamentos de clientes, empréstimos, ou outros. Concluindo, assim, que consistindo a determinação do lucro tributável, na teoria do incremento patrimonial, em conformidade com o estatuído nos artigos 17.º e 21.º, ambos do CIRC, aplicáveis por remissão do artigo 32.º do CIRS, o montante de € 33.900,67 concorre para a formação do rendimento tributável, sendo, portanto, de acrescer ao resultado líquido apurado em 2016. Vista a fundamentação, convoquemos, então, o quadro normativo que releva para o caso dos autos. Dispunha o artigo 21.º do CIRC, aplicável ex vi artigo 32.º do CIRS, sob a epígrafe de variações patrimoniais positivas, que: “1 - Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período de tributação, exceto: a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de ações ou quotas, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre ações, quotas e outros instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio; b) As mais -valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de carácter fiscal; c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota; d) As relativas a impostos sobre o rendimento. e) O aumento do capital próprio da sociedade beneficiária decorrente de operações de fusão, cisão, entrada de ativos ou permuta de partes sociais, com exclusão da componente que corresponder à anulação das partes de capital detidas por esta nas sociedades fundidas ou cindidas.” O que significa, portanto, que as variações patrimoniais positivas contempladas no citado normativo são aquelas que contribuem para aumentos de ativo ou diminuição de passivo, desde que não tenham sido refletidas na demonstração de resultados (11-Vide, designadamente, Ac. TCAS, proferido no processo nº 153/13, de 11.02.2021.). Como doutrina Gustavo Lopes Courinha (12-In Manual do Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas, Almedina, 2019, p. 93) “[s]eja na componente positiva ou na componente negativa, as variações patrimoniais são uma demonstração da pretensão de completude do IRC e da proximidade ao rendimento real (de que são corolário), não deixando zonas por tributar. Elas ultrapassam os meros resultados contabilisticamente registados pela empresa e relevados fiscalmente e abarcam quaisquer outras oscilações de património (acréscimos ou decréscimos) apuradas no decurso do período de tributação.” Ora, no caso vertente, e face à fundamentação contemporânea do ato e às diligências adotadas pela AT, verifica-se que a AT cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia, competindo, assim, ao Recorrente demonstrar a origem dessas entradas, justificando a proveniência desse fluxo financeiro. Mas, a verdade é que, in casu, não obstante tenha alegado que essas entradas nas contas bancárias advinham de depósitos provenientes de seus pais, tal realidade de facto não resultou provada como resulta atestado no facto não provado enumerado em a). Destarte, nenhuma ilegalidade pode ser apontada à correção realizada pela AT, que enquadrou enquanto variação patrimonial positiva que concorre para a formação do seu lucro tributável subsumível no artigo 21.º do CIRC. Logo, sendo esse o sentido da decisão recorrida, e estando, como visto, em total conformidade com o probatório dos autos, não merece qualquer censura a improcedência sentenciada pelo Tribunal a quo. Prosseguindo. Atentemos, ora, no erro de julgamento atinente ao erro de cálculo, e concatenado com a errónea ponderação e apuramento das margens. Alega o Recorrente que as margens estão erradamente calculadas descurando a AT os montantes inerentes às aquisições e aos impostos. Mas, mais uma vez, e conforme deu nota e, bem, a decisão recorrida o entendimento do Recorrente neste concreto particular é absolutamente conclusivo, remetendo para quadros resumo que não explicitam as razões que estão na génese dessa concreta ponderação de valores e que permitiriam apartar a bondade das correções realizadas. Atentemos, para o efeito, o que foi propugnado na decisão recorrida, transcrevendo os excertos de relevo para o caso vertente. “[n]o caso, é certo que o Impugnante não indica ou fundamenta os motivos concretos pelos quais não concorda com as correções da AT, apresentando somente vários cálculos no artigo 37.º da PI sem, contudo, os justificar. Não obstante, contrapondo o ali inscrito com os quadros de correções a págs. 8, 16 e 17 do RIT, o Anexo 5 ao mesmo, e atento também os veículos vendidos no exercício de 2015, conforme provado em 7), verificam-se divergências ao nível dos veículos com as matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…. No veículo de matrícula …-…-…, o Impugnante considera como base tributável em IVA a diferença entre o valor de aquisição e o valor da venda de € 17.250,00, ao passo que os serviços da AT acrescem a este valor € 12.900,00 resultante da retoma do veículo de matrícula …-…-…. Todavia, não ficou provado nos autos que a contabilização deste veículo tenha resultado de uma retoma aquando da venda do veículo de matrícula …-…-…, conforme facto não provado em f), pelo que a correção não se pode manter. No veículo de matrícula …-…-…, o Impugnante considera como base tributável em IVA € 19.000,00, e os serviços da AT acrescem a este valor € 10.000,00 resultante da retoma de outro veículo, como provado em 12), sendo a correção de manter. Nos restantes veículos, as partes divergem quanto ao regime do IVA, quanto ao cálculo da base tributável ou, ainda, quanto ao valor do CMVMC. No entanto, sendo certo que é ao Impugnante que cabe a demonstração do direito a que se arroga, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, nada é sequer referido sobre o motivo pelo qual estas viaturas deveriam ser contabilizadas como indica, pelo regime da margem, pelo que a correção, de acordo com o regime normal, se deve manter. Mais, não é sequer alegado porque se devem considerar os valores do CMVMC referidos, e não os da AT, nem se verifica, também, qualquer erro nos cálculos constantes do Anexo 5 ao RIT, a págs. 22 a 33 de fls. 202 a 234 e págs. 1 a 9 de fls. 237 a 268 do SITAF, não procedendo a impugnação com estes fundamentos. No que respeita ao exercício de 2016, considerando o quadro apresentado pelo Impugnante e aqueles constantes do RIT, a págs. 9, 16 e 17, bem como o Anexo 6 ao mesmo e, ainda, os veículos vendidos nesse ano, conforme provado em 18), a diferença prende-se com os veículos de matrículas …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-…, …-…-… e …-…-…. Quanto ao veículo de matrícula …-…-…, o Impugnante considera como valor de venda € 18.200,00, por ter devolvido € 1.500,00 ao adquirente, enquanto os serviços da AT consideraram € 19.700,00, resultante da soma do crédito concedido e de uma alegada transferência do adquirente. Todavia, somente ficou demonstrado nos autos a aquisição com recurso ao crédito, conforme o facto provado em 17), e já não a transferência de € 200,00 ou a alegada devolução, factos dados como não provados em g) e h), pelo que a correção procede parcialmente apenas sendo considerado como valor de aquisição € 19.500,00. No que respeita ao veículo de matrícula …-…-…, o Impugnante afirma que devolveu € 500,00 ao adquirente, facto esse que não se provou, conforme alínea i), sendo de manter a correção. A divergência no que respeita ao veículo de matrícula …-…-… é também quanto ao valor da venda, entendendo o Impugnante que esta se cifrou em € 6.500,00, enquanto os serviços da AT consideraram € 9.500,00, valor este que, no entanto, não resulta provado nos autos, conforme facto não provado em j), pelo que a correção não se pode manter. No que respeita ao veículo de matrícula …-…-…, discordam as partes quanto ao valor da venda, indicando o Impugnante € 22.500,00 e a AT o valor de € 31.595,96. Todavia, o que resulta dos autos, conforme o facto provado em 25), é que o veículo foi adquirido pela quantia de € 22.500,00, paga em pelo crédito e em espécie, acrescida da quantia de € 5.000,00, paga em géneros, mormente pela retoma do veículo avaliado naquele valor, nada sendo comprovado relativamente ao pagamento à sociedade C…, S.A., alegado pela AT, nos termos não provados em k). Assim, atendendo ao regime do IVA de margem, o valor a considerar será a soma destes, o que perfaz € 27.500,00, procedendo, assim, parcialmente a impugnação neste aspeto. Nos restantes veículos, as partes divergem quanto ao regime do IVA, quanto ao cálculo da base tributável ou, ainda, quanto ao valor do CMVMC. No entanto, novamente, o Impugnante nada refere sobre o motivo pelo qual estas viaturas deveriam ser contabilizadas pelo regime da margem e não é sequer alegado porque se devem considerar os valores do CMVMC referidos, e não os da AT, nem se verifica, também, qualquer erro nos cálculos constantes do Anexo 6 ao RIT, a págs. 10 a 31 de fls. 237 a 268 do SITAF, não procedendo a impugnação com estes fundamentos. Refira-se ainda, como decorre do RIT, que os serviços da AT consideraram os custos de aquisição, quando conhecidos, das viaturas transacionadas, mas omissas total ou parcialmente da contabilidade, no montante de € 15.040,00, no exercício de 2015, e de € 2.500,00, no de 2016, evidenciadas como correções a favor do Impugnante no CMVMC, nos quadros incluídos nos capítulos III.2.1.1 e III.2.1.2 do RIT. Ora, atentando na aludida fundamentação jurídica, e tendo por base, naturalmente, as alegações recursivas as quais não apartam, casuisticamente, o juízo de entendimento acolhido por parte do Tribunal a quo, não justificando o Recorrente, conforme legalmente, se impunha, a contabilização pelo regime da margem, a consideração dos valores, conclusivamente alvitrados como CMVMC e não se vislumbrando, outrossim, qualquer erro de quantum nenhuma censura pode ser apontado ao julgamento sindicado, e da concreta manutenção das correções sindicadas. Ademais, e conforme expendido anteriormente, in casu, a matéria de facto não foi, devidamente, impugnada, existindo, neste concreto particular, factualidade não provada que colide com o entendimento propugnado pelo Recorrente. Prosseguindo, ora, com a insusceptibilidade de dedução fiscal dos gastos incorridos pelo Recorrente. Neste âmbito, alega o Recorrente que, inversamente ao propugnado pela AT, os gastos sindicados são indispensáveis e concatenados com a fonte produtora, subsumindo-se, portanto, no artigo 23.º do CIRC, não podendo, assim, ser desconsiderados como tal pela AT, que, além do mais, é a quem compete fazer a prova justificando fundamentadamente o porquê da sua não aceitação, o que não fez. Ora, vejamos. Comecemos por ter presente o entendimento que apoiou a improcedência do presente vício. O Tribunal a quo após estabelecer o devido enquadramento normativo e tecer os considerandos de direito que reputou de relevo para o caso vertente, corporizou mediante a correspondente densificação fática casuística das correções em contenda, designadamente, o seguinte: “atento o RIT e, nomeadamente, a correção aos gastos não aceites após o exercício do direito de audição pelo Impugnante, conforme provado em 28) e 29), apesar não serem impugnadas especificadamente as correções da AT, é apresentado um quadro do qual resulta discórdia quanto aos seguintes gastos: -alarme do imóvel sito em E…, Lote … 2…-… Amora-Seixal; - aquisição de eletrodomésticos, de mobiliário de escritório, de tapetes, de artigos de mobiliário e decoração; - valores pagos em processo de execução fiscal (PEF); - valores sem documento de suporte, justificação ou com faturas sem os formalismos legais; e - reparação de aspirador industrial. Quanto aos gastos com o alarme do imóvel sito em Estrada dos Foros de Amora, atentos os factos provados em 5) e 6) e o facto não provado em b), embora o Impugnante refira que era onde os veículos eram preparados e guardados, certo é que nada nos autos nos indica isso, não se relevando nos autos, por isso, a necessária conexão do gasto com a sua atividade para efeitos de considerar como gasto nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC. No que respeita à aquisição de eletrodomésticos no valor de € 182,07, afirma o Impugnante que aceita parcialmente a correção porquanto na fatura consta um aspirador e um aquecedor usados para a atividade, informação essa que, todavia, não resulta da fatura descrita como provada em 8), pelo que a correção será de manter. Quanto aos gastos nos valores de € 4.902,44, € 451,22, € 250,00, € 247,50 e € 56,59, incorridos com mobiliário, tapetes, artigos de decoração e reparação de um aspirador, conforme decorre dos factos provados em 9), 10), 11), 16), 22) e 23), embora se pudesse considerar que os mesmos são relevantes para a atividade do Impugnante, certo é que nenhum destes elementos consta dos ativos fixos tangíveis, conforme provado em 27), assim como também não constam os eletrodomésticos suprarreferidos, pelo que não decorre dos autos o nexo de causalidade necessário entre os gastos e a atividade para terem relevância ao nível do artigo 23.º do CIRC. No que respeita aos gastos de € 100,00 e de € 31,84, descritos nos factos 20) e 26), respeitam a um serviço com morada na Rua … n.º …, Feijó, 2…-… Almada, onde o Impugnante exerce a atividade, conforme o RIT, pelo que se devem considerar como relevantes para efeitos do artigo 23.º do CIRC, anulando-se as correções. Não se provou que o gasto no valor de € 576,83 é referente a refeições, facto não provado c), pelo que a correção se mantém nesta parte. Quanto aos gastos com pagamentos em PEF, descritos nos factos provados em 13), 14), 15), 19) e 24), embora o Impugnante afirme que se tratam de despesas com a Conservatória do Registo Automóvel, o que não se provou, como decorre do facto não provado em d), certo é que tais encargos não são dedutíveis para efeitos fiscais, por força da alínea e) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, sendo de manter as correções. A sociedade C…, Lda., emitiu em nome do Impugnante a fatura n.º 16/1043 no valor sem IVA de € 105,36, conforme facto provado em 21), não se podendo manter a correção porquanto se entende existir uma conexão com a atividade e os produtos adquiridos, que pode ser utilizados na manutenção de veículos. Por fim, não se pode considerar o gasto de € 286,95, alegadamente titulado pela fatura FT 91106682, porquanto esta está totalmente ilegível e, assim, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, não cumpre o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do mesmo Código, motivo pelo qual se considerou como não provado o gasto, na alínea e). Resumindo, serão de anular as correções relativas a € 237,20, sendo as restantes de manter.” E a verdade é que nenhuma censura merece a decisão recorrida, na medida em que analisou corretamente o quadro normativo vigente com a devida transposição para o caso vertente. Senão vejamos. Mediante convocação da fundamentação jurídica constante no Relatório de Inspeção Tributária resulta que a mesma redundou na falta de demonstração do nexo inerente à atividade comercial, porquanto adstritos a uma morada que respeita a moradia de habitação, e não integrantes, tão-pouco, no ativo fixo tangível. Externando-se, neste âmbito, designadamente, o seguinte: “Alarme de imóvel sito na E…, lote … - o sujeito passivo alega ser a “Morada onde está a garagem onde pernoitam alguns carros e onde é feita a preparação dos carros”. O imóvel em causa é uma moradia de habitação, enquadrada em zona residencial, com uma garagem cuja dimensão não permite a alegada pernoita de “alguns carros”. No decurso do procedimento de inspeção, F… sempre disse que a atividade em 2015 e 2016 foi, exclusivamente, exercida nos locais indicados no capitulo III.1, e que o referido imóvel correspondia ao local de residência dos pais. A situação aqui descrita verifica-se também em 2016. Aquisição de eletrodomésticos (1.º trimestre de 2015) - os artigos adquiridos, em conjunto, enquadram-se numa utilização pessoal, não existindo evidências da sua utilização na atividade. Mobiliário diverso e artigos de decoração (1.º trimestre de 2015) - conforme indicado em III.2.3.1, os artigos em causa não são compatíveis com as instalações do exercício de atividade, caracterizadas pela sua simplicidade. Acresce que, se destinados à atividade deveriam ter integrado o conjunto de ativos fixos tangíveis, o que não se verificou. Custas em processo de execução fiscal - encargos não dedutíveis nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 23.º-A do CIRC, aplicável por remissão do artigo 32.º do CIRS. Situação recorrente, que se verifica também em 2016. Reparação de aspirador industrial (4.º trimestre de 2015) - bem que não integra o conjunto dos ativos fixos tangíveis. [...].” Vejamos, então, começando por convocar o quadro normativo vigente e tecer os considerandos de relevo para o caso sub judice. Importa, relevar, ab initio, que, em regra, todos os custos contraídos por um sujeito passivo serão relevados negativamente na determinação do seu lucro tributável, conforme dimana expressamente do artigo 17.º, nº1, do CIRC. De resto, por imperativo constitucional, estatuído no artigo 104.º, n.º 2 da CRP, a tributação das empresas deve incidir sobre o rendimento real. Contudo, conforme dimana da letra do artigo 23.º do CIRC, o legislador não estabeleceu uma correspondência absoluta entre os custos contabilísticos e os custos fiscais, porquanto só devem relevar negativamente no apuramento do lucro tributável os custos ou perdas que comprovadamente tenham sido suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. A Reforma do CIRC, com a Lei 2/2014, de 16 de janeiro, com efeitos desde 1 de janeiro de 2014, alterou o teor do artigo 23.º do CIRC, deixando de estar consagrado, expressamente, que “consideram -se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”. Passando o mesmo a preceituar, sob a epígrafe de “gastos e perdas” o seguinte: “1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Estatuindo, por seu turno, o artigo 23.º A, do CIRC, sob a epígrafe de “Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais” que: “1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: (…) Com efeito, de uma leitura conjugada do artigo 23.º do CIRC, com o artigo 23.º A do CIRC, decorre uma assunção da dedutibilidade na vertente positiva e negativa, na medida em que se infere que são gastos dedutíveis em sede de IRC aqueles que obedeçam aos requisitos constantes do citado artigo 23.º do CIRC, e desde que essa dedutibilidade não se encontre excluída nos termos do artigo 23.º-A do mesmo diploma legal. O que significa, portanto, que a lei não recorta o conceito objetivo de custo, podendo, no entanto, aferir-se a existência de diversos requisitos. Como predicado essencial, tem que existir um gasto económico como contraprestação da aquisição de um fator de produção, em segundo lugar, mostra-se necessário que a componente negativa da base contabilística no âmbito da atividade da empresa não esteja precludida por uma qualquer previsão legal expressa e que se encontre justificada atenta a sua natureza finalística, e numa terceira esteira, surgem as exigências formais que determinam a imprescindibilidade de uma idónea comprovação das componentes negativas do rendimento. Inferindo-se, portanto, enquanto predicados os seguintes pressupostos: efetividade, justificação e demonstração do gasto. No caso vertente, como visto, não são controvertidos os pressupostos atinentes à efetividade dos gastos e sua concreta documentabilidade, entroncando, por isso, a questão na justificação dos gastos, concretamente na sua natureza e vertente finalística. Como visto, a lei deixou de preceituar, expressamente, a indispensabilidade dos gastos, conforme fazia anteriormente, sendo, ora, determinante para a dedutibilidade do gasto que o mesmo tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. De todo o modo, não obstante a alteração da letra do citado normativo, mormente, no domínio da indispensabilidade entende-se, ainda assim, que a menção, ora, plasmada no citado normativo, no sentido de “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, está, naturalmente, relacionada e adstrita à demonstração, efetiva, do nexo empresarial e obtenção de proveitos. Como doutrina António Martins, Cristina Sá e Daniel Taborda (13-In A Dedutibilidade de Gastos no IRC-Uma Análise Económico-Financeira, Almedina, 2020, página 58.), “voltando à redação do artigo 23,º, nº1, a solução proposta pela Comissão de reforma assentou na aproximação do texto legal à interpretação jurisprudencial e doutrinal que vinha colhendo consenso.” Note-se, neste particular, que a fundamentação da Comissão (14-Relatório Final, COMISSÃO PARA A REFORMA DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLETIVAS – 2013 Comissão, páginas 128 e 129.) para esta alteração legislativa assenta, designadamente, no seguinte: “Ora, na doutrina, é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado, pois, a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos. A jurisprudência tem firmado, consistentemente, uma linha interpretativa na qual se sustenta que o critério da indispensabilidade foi criado para impedir a consideração fiscal de gastos que não se inscrevem no âmbito da atividade das empresas sujeitas ao IRC. Isto é, encargos que foram incorridos no âmbito da prossecução de interesses alheios, mormente dos sócios. Neste contexto, entendeu a Comissão propor uma evolução normativa quanto ao princípio geral da aceitação dos gastos. Tal proposta acolhe a linha que a doutrina e a jurisprudência vêm sustentando, e pode revelar-se um meio para incrementar o grau de certeza na aplicação concreta do princípio basilar relativo à dedutibilidade. Adicionalmente, pode ainda constituir uma via para o decréscimo da significativa litigância decorrente da aplicação do preceito em causa. Assim, o artigo 23.º do Código do IRC passa a consagrar como princípio geral que, para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis os gastos relacionados com a atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados.” Daí que concluam os citados autores, e cujo sentido acompanhamos, que “pesem embora as alterações do CIRC (2013) para a Proposta da Comissão de Reforma, e desta Proposta para o texto legal do CIRC (2014), entendemos que a aplicação concreta do preceito continuará a assentar na relação dos gastos com a atividade empresarial, o escopo societário, ou business purpose, como condição geral para a respetiva dedutibilidade (15-In Ob. Cit, página 62.)”. Com efeito, o desiderato do artigo 23.º do CIRC coaduna-se com o evitar a dedutibilidade de gastos que não se encontrem conexos e interligados com o desenvolvimento do objeto social, ou seja, evitar a prossecução de interesses alheios à atividade societária do sujeito passivo. O que significa que tem de existir uma apreciação casuística em resultado de uma análise de perspetiva económica-empresarial, na perceção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um custo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa. E nessa medida, tem sido entendido pela Jurisprudência que estão vedadas à AT atuações que coloquem em causa o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo (16-Neste sentido, vide, designadamente, os Acórdão do STA, proferidos nos processos 0627/16, 1236/05, datados de 28.06.2017 e de 29.03.2006, respetivamente.) . Significa, portanto, que um gasto será fiscalmente dedutível se por reporte ao momento em que foi contraído se mostrar adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, em nada podendo relevar a circunstância da operação económica se apresentar improdutiva ou economicamente prejudicial ou mesmo danosa. Logo, a AT apenas pode desconsiderar os custos que não se inscrevem no objeto social e no âmbito da atividade do sujeito passivo, ou seja, os que foram contraídos para a prossecução de objetivos alheios. Feita esta delimitação, atentemos, então, de forma casuística. No caso vertente, como visto, foram anuladas as correções no valor global de €237,20, mantendo-se as demais. Assim, e uma vez que não foi interposto recurso pela AT quanto a essa sentenciada procedência, cumpre apenas aquilatar da bondade das correções julgadas legais, concretamente as que infra se descrevem: i. Gastos com o alarme do imóvel sito em Estrada dos Foros de Amora; ii. Aquisição de aspirador e aquecedor; iii. Gastos incorridos com mobiliário, tapetes, artigos de decoração e reparação de um aspirador; iv. Gasto referente a refeições; v. Gastos com pagamentos em PEF; vi. Gasto titulado pela fatura FT 91106682. Ora, no atinente aos gastos com o alarme do imóvel sito em Estrada dos Foros de Amora, e conforme ajuizado pela decisão recorrida, a correção deve manter-se na medida em que face à realidade de facto constante no probatório falta, efetivamente, a demonstração do nexo com o exercício concreto da sua atividade, ou seja, a prova de que esse gasto tenha como objetivo contribuir para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC. Com efeito, decorre da factualidade consignada nos pontos 5) e 6) do probatório que nos exercícios de 2015 e de 2016 a sociedade S…, Lda., emitiu em nome do Impugnante diversas faturas referentes a um serviço em E…, Lote … 2…-… Amora-Seixal, morada essa que respeita à habitação dos pais do Impugnante. E bem assim que, não resultou provado que o Impugnante utiliza a garagem da habitação dos pais para preparar e guardar alguns dos carros. Ora, face ao supra expendido e ao enquadramento jurídico supra expendido nenhuma censura merece a decisão recorrida, sendo, assim, de manter as correções realizadas pela AT. No respeitante à fatura FS AUS503/041540, no valor de €182,07, descrita em 8) do probatório, o Impugnante não aceitou parte da sua insusceptibilidade de dedutibilidade fiscal, na medida em que a mesma integrava um aspirador e um aquecedor que eram utilizados para o exercício da sua atividade, mas a verdade é mediante cotejo da aludida fatura e do seu descritivo, não é possível inferir, com rigor, a aquisição dos bens em contenda, o que impossibilita per se, a assunção como gastos enquadráveis no artigo 23.º do CIRC. Atentemos, ora, nos gastos incorridos com mobiliário, tapetes, artigos de decoração e reparação de um aspirador nos valores de € 4.902,44, € 451,22, € 250,00, € 247,50 e € 56,59, que, como visto, a decisão recorrida propugna a manutenção dessas correções porquanto não decorre dos autos o nexo de causalidade necessário entre os gastos e a atividade para terem relevância ao nível do artigo 23.º do CIRC, adensando, para o efeito, que tais elementos não se encontram contabilizados no ativo fixo tangível. No caso vertente, tais gastos encontram-se descritos nos pontos 9), 10), 11), 16), 22) e 23) do acervo fáctico dos autos, estando, efetivamente, contemplado no probatório que tais bens não integram os ativos fixos tangíveis, conforme plasmado no ponto 27), sendo que a dissonância do Recorrente assenta, essencialmente, no erro de julgamento atinente a essa falta de integração, porquanto propugna que sendo elementos de valor reduzido não têm de constar enquanto tal, convocando, para o efeito, o disposto no artigo 19.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009. Mas, a verdade é que, não só o artigo 19.º do citado Decreto Regulamentar, não permite retirar esse entendimento, como nada permite inferir que os mesmos fossem gastos do período. Com efeito, dispõe o citado normativo que “os elementos do ativo sujeitos a deperecimento, cujos custos unitários de aquisição ou de produção não ultrapassem (euro) 1000, podem ser totalmente depreciados ou amortizados num só período de tributação, exceto quando façam parte integrante de um conjunto de elementos que deva ser depreciado ou amortizado como um todo.” Com efeito, os ativos fixos tangíveis são elementos tangíveis detidos para uso, durante mais do que um período, na atividade produtiva, o que significa que ainda que um bem possa enquadrar-se no aludido montante pecuniário, certo é que caso os fins a que se destinam não se esgotem num único exercício, esse elemento deverá ser capitalizado. Ou seja, demonstrando-se que é expectável, de acordo com as características do aparelho e pela utilidade que irá ter na esfera da empresa, um período de utilização superior a um ano, então, deverá ser enquadrado enquanto ativo fixo tangível. Significa, assim, que a conta 43-Ativos Fixos Tangíveis integra os elementos tangíveis móveis ou imóveis, que o sujeito passivo utiliza na sua atividade económica, que não se destinem a ser vendidos, transformados, com caráter de permanência superior a um ano. No caso vertente, não resultou provado, por um lado, que não devessem ser enquadrados enquanto elemento fixo tangível, atenta, como visto, a natureza dos bens em contenda, não se vislumbrando, por conseguinte, que os mesmos não devessem ser objeto de uso por mais de um ano, e por outro lado, não resultou demonstrado pelo Recorrente que os mesmos estavam alocados ao seu escopo empresarial. E por assim ser, improcede o aludido erro de julgamento. Relativamente ao gasto no valor de €576,83, basta atentar na factualidade não provada, para se aquiescer que inexiste o apontado erro de julgamento, na medida em que, inversamente ao propugnado pelo Recorrente, não se provou que o gasto nesse montante respeite a refeições, o que impossibilita a aferição da concreta subsunção no normativo em questão, devendo, portanto, a correção manter-se. No concernente aos gastos com pagamentos em processos de execução fiscal, a sua dedutibilidade fiscal encontra-se, expressamente, excluída pelo consignado no artigo 23.º A, nº1, alínea e), do CIRC. É certo que o Recorrente aduz que se tratam de despesas com a Conservatória do Registo Automóvel, mas a verdade é que tal realidade não resultou provada, como resulta, expressamente, do facto não provado constante em d). No atinente ao gasto titulado pela fatura FT 91106682, nenhuma censura há a estabelecer quanto ao ajuizado na decisão recorrida, na medida em que a sua dedutibilidade fiscal se encontra excluída atento o consignado na alínea c), do n.º 1, do artigo 23.º-A do CIRC, na medida em que não cumpre o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 23.º do mesmo diploma legal. Ademais, há que ter presente o consignado, expressamente, na factualidade não provada e bem assim que o Recorrente nada externou, de forma devidamente substanciada, que permitisse apartar o juízo de entendimento vertido na sentença em apreço. Face a todo expendido, e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede, igualmente, o erro de julgamento atinente à falta de dedutibilidade fiscal dos gastos. Prosseguindo, ora, com a falta de fundamentação. Aduz o Recorrente que da leitura da fundamentação aduzida pelos serviços de fiscalização resulta que não foram expressos com suficiência, clareza e congruência os motivos que justificam as correções técnicas, particularizando no que tange às correções dos pontos III.3.1., III.3.2, III.3.3, que as mesmas padecem de falta de fundamentação, sendo que, ademais, os originais entregues ao impugnante são cópias de má qualidade, e que nem tão pouco são legíveis ou percetíveis. O Tribunal a quo julgou improcedente o aludido vício na medida em que “[a]pesar de este afirmar não ser possível conhecer as razões que estão na génese da decisão, certo é que tanto na audição prévia como, agora, na impugnação, demonstra conhecer os fundamentos da mesma, apresentando os argumentos que entende suscetíveis de a invalidar, motivo pelo qual não se verifica o vício de falta de fundamentação alegado.” Vejamos, então. Ab initio, importa ter presente que a fundamentação é, desde logo, uma imposição constitucional, porquanto a CRP, no n.º 3, do seu artigo 268.º, garante aos administrados o direito a uma fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos. Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que: “1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária. 2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”. Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente” (17-cfr. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.º edição, 2012, página 675.). Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (18-neste sentido vide Acórdãos do STA, de 17.03.2011, proc. n.º 0964/10, de 12.03.2014, proc. n.º 01674/13, de 09.09.2015, proc. n.º 01173/14, integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.). “[C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido: o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto (19-Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01674/13, de 12 de março de 2014, disponível para consulta em www.dgsi.pt.)”. É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação. Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato. Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística. Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09) (20-Vide Acórdão deste TCA, proferido no processo n.º 06134/12, de 04.12.2012) ” (destaques nossos). Feitos estes considerandos aplicando os mesmos ao caso vertente, resulta inequívoco que de uma leitura atenta do Relatório de Inspeção Tributária se encontram externados os fundamentos de facto e de direito que fundaram as correções em contenda. Note-se, ademais, que o teor do aludido Relatório de Inspeção deve ser visto como um todo, e ter em consideração todas as remissões nele contempladas, sendo que para além de no respetivo item inerente às correções meramente aritméticas existir uma identificação clara, sucinta e precisa das razões que presidiram à concretização das mesmas, mormente, das evidenciadas nos pontos III.3.1., III.3.2, III.3.3, existe uma superior densificação desse mesmo elenco de facto e de direito no item atinente à análise do respetivo direito de audição. Assim, face a todo o exposto, estando o ato suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater famíliae (artigo 487.º nº 2 do Código Civil) possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação-e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efetivo controle da legalidade do ato- aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual, ter-se-á de concluir, face a todo o exposto que, in casu, inexiste a arguida falta de fundamentação. No concernente à ilegibilidade dos documentos e concreta necessidade de notificação desses documentos, dão-se por integralmente reproduzidas todas as considerações vertidas anteriormente, mormente, no âmbito da preterição de formalidade essencial, nesse e para esse efeito, concluindo-se, portanto, pela sua improcedência. E por assim ser, entende-se que, conforme evidenciado pelo Tribunal a quo, as correções visadas se encontram formalmente fundamentadas, conseguindo-se percecionar quais as razões que estiveram na sua génese, inerentes cálculos e premissas base, quer de facto, quer de direito. E no mesmo sentido se terá de ajuizar quanto à concreta violação do princípio da verdade declarativa e do princípio da tributação do rendimento real, expressamente, apartada pelo Tribunal a quo. Diz-nos, neste conspecto, a decisão recorrida que “[n]os casos em que a AT verifique que as declarações, contabilidade ou escrita revelam omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados que não refletem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, cessa a presunção de boa-fé das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, como prescreve o n.º 1 e a alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT.” Sublinhando, depois, que “[s]omente quando a infidelidade contabilística tornar impossível a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, há lugar à avaliação indireta (vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 116/10.5BEALM, de 11-04-2019, disponível em www.dgsi.pt).” Aduzindo ainda quanto à tributação do lucro real “[e]mbora o Impugnante afirme que as correções em crise violam o princípio da tributação pelo lucro real, previsto no n.º 2 do artigo 104.º da CRP, as correções meramente aritméticas são, todavia, o método mais aproximado de se tributar, efetivamente, o lucro real, motivo pelo qual o legislador não colocou na discricionariedade da AT a opção pela sua utilização, como vimos.” E, de facto, nada há censurar quanto à visada improcedência, nem, em rigor, o Recorrente aparta, com a devida substanciação, tal fundamentação. Preceitua, neste âmbito, o artigo 75.º, nº1, da LGT, de que se presumem verdadeiras as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. O princípio da verdade declarativa coloca, assim, na esfera de atuação dos contribuintes a iniciativa no procedimento de apuramento, fixação e pagamento dos impostos, logo a AT está vinculada a liquidar os tributos com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do direito que lhe é concedido de proceder, a posteriori, ao controlo dos factos declarados. Com efeito, só passa a competir ao contribuinte a prova de que declarou todos as situações a que estava legalmente vinculado quando, efetivamente, a AT tenha carreado elementos de facto que sejam suscetíveis de abalar a dita presunção da escrita. Nessa medida, se por qualquer das razões previstas na lei, a presunção consagrada no citado normativo 75.º, n.º 1 da LGT deixar de funcionar, a AT fica legitimada a efetuar a determinação da matéria tributável, preferencialmente com recurso aos métodos diretos ou, quando tal não seja, de todo, possível, a métodos indiretos. Note-se que, como decorre do citado normativo, concretamente, do seu nº2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “[o]missões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. Daí que, tenha existido a preocupação legal de se objetivarem as situações em que a matéria coletável pode ser fixada através de métodos indiretos, consagração legislativa taxativa, na medida em que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta. O mesmo é dizer que, se não obstante a existência de irregularidades contabilísticas, for, ainda assim, possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos diretos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta. Sendo que, no atinente ao princípio da tributação do lucro real doutrina o Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 197/2013, de 15 de maio, e demais jurisprudência nele convocada, designadamente, o seguinte: “Ora, tal-qualmente afirmou o Acórdão n.º 84/03 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), "o princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária". Isto porque se o princípio da igualdade tributária pressupõe o tratamento igual de situações iguais e o tratamento desigual de situações desiguais, a capacidade contributiva é o tertium comparationis - leia-se, o critério - que há de servir de base à comparação. Neste sentido, o princípio da capacidade contributiva opera tanto como condição ou pressuposto quanto como critério ou parâmetro da tributação (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Opera como pressuposto ou condição visto que impede que a tributação atinja uma riqueza ou um rendimento que não existe; vale como critério ou parâmetro porque determina que a exação do património dos contribuintes se faça de acordo com a sua "capacidade de gastar" (ability to pay). Ou seja, contribuintes com a mesma capacidade de gastar devem pagar os mesmos impostos (igualdade horizontal), e contribuintes com diferente capacidade de gastar devem pagar impostos diferentes (igualdade vertical). Outro dos corolários deste princípio é precisamente a tributação do rendimento líquido do contribuinte, de onde deflui uma exigência de dedução das despesas necessárias à angariação do próprio rendimento (cfr. o Acórdão n.º 601/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Tributar o lucro real das empresas, por seu turno, significa atingir a matéria coletável auferida pelo sujeito passivo, pelo que a tributação do lucro real é, também, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva (cfr. o Acórdão n.º 162/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Trata-se, no entanto, de um princípio cuja principal concretização é afastar a tributação das empresas pelo seu lucro normal, isto é, tributar o rendimento que estas poderiam ter obtido em condições normais de exploração, independentemente, pois, das condições concretas em que desenvolveram a sua atividade (Xavier de Basto, "O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária, Fiscalidade, n.º 5, 2001, p. 10). A questão tem sido objeto de discussão na jurisprudência constitucional, a propósito dos métodos indiretos de apuramento da matéria coletável (cfr. os artigos da Lei Geral Tributária), assumindo tal jurisprudência que a tributação pelo lucro real é um princípio que admite "desvios", entenda-se, é compatível com alguma "normalização" no apuramento da matéria coletável (cfr. os Acórdãos n.º 84/03 e 85/10, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).” No mesmo sentido, atente-se na fundamentação jurídica constante no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 176/2023, datado de 30.03.2023, e demais jurisprudência para o qual remete, da qual se extrata, designadamente, o seguinte: “O artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República recorta ainda um paradigma de tributação das empresas pelo seu rendimento real, afastando o arquétipo de definição de base de incidência pelo rendimento normalizado, ou seja, aquele que poderia ser obtido pelo operador em condições medianas (levando em conta aptidões médias de gestão e as condições genéricas no sector, período e lugar). (…) E por assim ser, aderindo à fundamentação jurídica supratranscrita, não se vislumbra qualquer violação dos aludidos princípios, visto que a esteira de entendimento preconizada pela AT dimana da falta de demonstração e prova dos pressupostos que estavam acometidos na esfera jurídica do Recorrente, em nada sendo desvirtuada a cessação da presunção da verdade declarativa, e que ponha em causa a tributação pelo lucro real. In casu, é por demais evidente que a AT adotou a metodologia inerente às correções técnicas, socorrendo-se da avaliação direta e sem que nenhuma ilegalidade possa ser apontada, porquanto, como é consabido, a avaliação indireta representa uma última ratio fisci, e sem que as mesmas possam traduzir qualquer afronta ao comando constitucional constante no artigo 104.º da CRP e demais princípios com ele concatenados, mormente, da capacidade contributiva e igualdade. Destarte, há que, igualmente, julgar improcedente a alegada preterição. Subsiste, apenas, a análise do princípio consignado no artigo 100.º do CPPT. Inversamente ao propugnado pelo Recorrente, inexiste qualquer fundada dúvida que possa reclamar a subsunção no artigo 100.º do CPPT, e concreta valoração a favor do sujeito passivo. Com efeito, dispõe expressamente o citado normativo sob a epígrafe de “Dúvidas sobre o facto tributário e utilização de métodos indiretos” que : “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, resultando, assim, do seu teor literal um princípio estruturante do direito tributário que estabelece, per se, que a fundada dúvida alicerçada na prova produzida -e não na inércia probatória- terá de reverter a favor do contribuinte. Daí que, doutrine Alberto Xavier que a AT só deve praticar o ato tributário-liquidação, quando : “formar convicção da existência e conteúdo do facto tributável” (21-Alberto Xavier-Conceito e natureza do acto tributário, página 150.). Significa isto que, em caso de subsistência de dúvida “acerca do objeto do processo deve a Administração Fiscal abster-se de praticar o ato tributário, dando assim cumprimento ao princípio in dubio contra fiscum” (22-vide ob. citada, páginas 158 e 169.) Ora, no caso vertente, não se verifica a convocada preterição legal, na medida em que a dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, no caso do Impugnante, ora Recorrente, sobre quem recaía, conforme já devidamente evidenciado anteriormente, o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (artigo 342º, nº 1, do Código Civil e 74.º da LGT). Significa isto, então, que não tendo o Recorrente cumprido o seu ónus probatório, não pode reclamar a subsunção normativa no normativo 100.º do CPPT, e aplicação da regra ínsita no seu nº1. De chamar, outrossim, à colação o Aresto do TCA Norte, prolatado no âmbito do processo nº 00438/12.0BEPRT, datado de 17 de setembro de 2015, no qual se sumariou, o seguinte: “1. Nos termos do art. 100º/1 do CPPT, sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado. 2. Este preceito constitui aplicação no processo de impugnação judicial da regra geral sobre o ónus da prova, enunciada no art. 74º/1 LGT. Regra que também encontramos no art. 414º do CPC (anterior art. 516º) fazendo recair sobre o onerado com a prova de um facto a desvantagem da dúvida. 3. A norma é aplicável quando da prova produzida resultem fundadas dúvidas sobre a existência do facto tributário. 4. A prova produzida de que há-de resultar a «fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário» deverá ser não só a prova mobilizada pelas partes mas também aquela que o juiz deverá impulsionar (art. 13º/1 do CPPT). 5. A dúvida relevante nunca se poderá considerar fundada se assentar na ausência ou inércia probatória da parte onerada com a prova, especialmente do impugnante, sobre quem recai o dever de comprovar os factos constitutivos do direito alegado (art. 342º/1 do Código Civil). “(destaques e sublinhados nossos). E por assim ser, face a todo o exposto e sem necessidade de quaisquer considerações adicionais, improcede na íntegra o alegado pelo Recorrente, devendo, por conseguinte, confirmar-se a decisão recorrida. Destarte, o presente recurso improcede na íntegra, mantendo-se, assim, a sentença recorrida e os atos impugnados, por não padecerem das arguidas ilegalidades. *** IV. DECISÃO Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário, Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Sul em: Ordenar o desentranhamento e restituição ao Recorrente dos documentos juntos com as alegações de recurso. -NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E manter A DECISÃO RECORRIDA. Condenar o Recorrente nas custas do incidente reportado à junção indevida de documentos em sede de instância recursória e nesta instância, fixando-se, quanto àquele primeiro, a taxa de justiça em 1(uma) UC. Registe. Notifique. Lisboa, 24 de abril de 2024 (Patrícia Manuel Pires) (Susana Barreto) (Jorge Cortês) |