Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1282/23.5BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:JOANA MATOS LOPES COSTA E NORA
Descritores:INÍCIO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO
REGISTO ELECTRÓNICO DO PEDIDO DE CONCESSÃO DE AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA
Sumário:I - Os procedimentos administrativos com vista à concessão de autorização de residência para investimento e reagrupamento familiar iniciam-se, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 53.º do CPA e 51.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de Novembro, com a apresentação de pedidos/candidaturas formulados por escrito, contendo a identificação dos requerentes e a indicação dos seus pedidos (autorização de residência para investimento e reagrupamento familiar), apresentados através de formulário disponível em plataforma digital no portal da entidade administrativa competente para a decisão.
II - O início do procedimento administrativo que visa a concessão de autorização de residência não depende de qualquer agendamento por parte dos serviços da entidade demandada com vista a uma qualquer “formalização dos pedidos e recolha dos dados biométricos”.
III - A referência constante do n.º 16.º do artigo 65.º-D do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de Novembro, de que o pedido de concessão de autorização de residência é “precedido de registo eletrónico em plataforma para o efeito”, não pode ter como efeito condicionar o início do procedimento administrativo pelos interessados, nem pode obstar a que se considere o registo electrónico na plataforma um verdadeiro requerimento do particular que constitua a Administração no dever de decidir, nem pode levar a que o particular que procede ao registo electrónico da sua pretensão na plataforma disponível, perante a inércia da Administração em dar andamento ao procedimento administrativo, tenha de instaurar mais do que uma acção em Tribunal para tutelar a sua posição subjectiva.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam, em conferência, os juízes da subsecção comum da secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – RELATÓRIO

K…, maior, nacional dos Estados Unidos da América, e N…, maior, nacional do Vietname, ambos residentes no Vietname e com domicílio profissional em Portugal, intentaram intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Ministério da Administração Interna. Pedem a condenação da entidade demandada “(…) a adotar as seguintes condutas, sob pena de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso: 1. Em prazo não superior a cinco dias úteis: i. Facultar ao menos três datas para que os Requerentes possam escolher uma para comparecerem a um balcão do SEF para entrega dos pedidos de concessão de ARI juntamente como a entrega da documentação legalmente exigida e a recolha de dados biométricos. 2. Em prazo não superior a 90 dias da receção dos pedidos de concessão dos Requerentes, a entidade demandada deverá: i. Analisar os pedidos de concessão de ARI e, caso os Requerentes reúnam as condições e apresentem todos os documentos necessários para o efeito, proferir os atos de concessão das ARI solicitadas. ii. Depois de emitido o ato de concessão de ARI dos Requerentes, a entidade demandada deverá facultar a emissão dos respetivos DUC, que serão pagos no prazo legal pelos Requerentes; iii. Após o pagamento, a entidade demandada deverá emitir o título de residência. iv. Emitir títulos de residência provisórios aos Requerentes válido por período não inferior a 120 dias da data dos respetivos agendamentos.”. Alegam, para tanto e em síntese, que: (i) Sendo cidadãos estrangeiros e vivendo em condições análogas às dos cônjuge há mais de dois anos, em 21.12.2021, o primeiro autor realizou um investimento em fundo de investimento no valor de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros), destinado à aquisição de unidades de participação em fundo de investimento, constituído ao abrigo da legislação portuguesa, cuja maturidade era de, pelo menos, cinco anos e, pelo menos, 60% do valor dos investimentos era concretizado em sociedades comerciais sediadas em território nacional, e, após, reuniu todos os documentos relativos ao investimento, ao seu estatuto de cidadão estrangeiro e aos seus familiares, necessários à concessão das autorizações de residência para investimento, tendo submetido os seus requerimentos iniciais na plataforma do SEF para o efeito; (ii) O requerimento inicial da segunda autora foi instruído com os documentos necessários e submetido nos seguintes dias, antes de 04.01.2022, data em que foi gerado o Documento Único de Cobrança para análise do seu requerimento, e só em Março de 2023, os requerimentos dos autores foram aprovados pela entidade demandada; (iii) Por não haver vagas de agendamentos, os autores estão impossibilitados de apresentar os seus pedidos de concessão de ARI, pelo que não têm autorizações de residência para residir em Portugal, estando impedidos de gozar e usufruir os seus direitos, liberdades e garantias.
Admitida liminarmente a petição, a entidade demandada não apresentou resposta.
Pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi proferida sentença a intimar a entidade demandada “a indicar três datas alternativas, das quais os Requerentes escolherão uma para formalização dos seus pedidos, deslocando-se para o efeito aos serviços do SEF.”
Os autores e interpuseram o presente recurso de apelação, cujas alegações contêm a seguinte conclusão:
“Dispositivos violados: artigos 20º, n.º 4º e 5º, 266.º, n.º 1, da CRP; artigo 71º n.º 2 do CPTA; nos artigos 5º, 9º, 13º e 59º do CPA.
1. Por ter violado os dispositivos legais acima mencionados, aplicando o direito de forma incorreta ao caso concreto, a ilustre sentença recorrida deverá ser modificada para que o MAI seja condenado a decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência dos Requerentes e, se estas cumprirem todos os requisitos necessários, seja condenado a praticar todos os atos necessários à emissão dos respetivos títulos de residência, em prazo não superior a 90 dias contados da submissão dos pedidos, descontados os dias que o procedimentos estiverem a espera de impulso por parte dos Autores.”
A entidade recorrida não respondeu à alegação dos recorrentes.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, promoveu que os recorrentes fossem convidados a corrigir as conclusões da sua alegação de recurso, considerando que “(…) manifestamente o enunciado a gora transcrito não enumera de forma sintética as razões de facto e de direito que suportam o pedido e o Recurso, nos termos do disposto no artº 144 do CPTA.” Para o caso de assim não se entender, pugnou pela improcedência do recurso dado que a matéria de facto não foi impugnada e que a sentença recorrida “aplicou o Direito e analisou a prova de forma irrepreensível”.
Por requerimento de 26.10.2023, vieram os recorrentes, abrigo do artigo 423.º do CPC, requerer a junção aos autos de documento.
Sem vistos dos juízes-adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. n.º 2 do artigo 36.º do CPTA), importa apreciar e decidir.


II – QUESTÕES A DECIDIR

Não obstante os recorrentes apenas formularem uma conclusão na sua alegação de recurso, o certo é que a mesma cumpre as indicações enunciadas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 639.º do CPC, não se mostrando deficiente, obscura nem complexa, pelo que não tem cabimento proceder ao convite a que se reporta o n.º 3 do referido artigo, conforme promove o Ministério Público. Assim, é a conclusão enunciada que delimita o objecto do recurso, por aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 635.º, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3, do CPTA.

As questões que ao Tribunal cumpre solucionar são as de saber:
a) Se é admissível a junção de documento com o requerimento de 26.10.2023;
b) Se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por não ter condenado a entidade demandada a decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar e a praticar todos os actos necessários à emissão dos respectivos títulos de residência, em prazo não superior a 90 dias, contados da submissão dos pedidos, em violação do disposto nos artigos 20.º, n.ºs 4 e 5, e 266.º, n.º 1, da CRP, 71.º, n.º 2, do CPTA, e 5.º, 9.º, 13.º e 59.º do CPA.


III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos, que considerou provados:
A. Em dezembro de 2021, o 1º Requerente realizou um investimento em um fundo de investimento no valor de 350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros), destinados à aquisição de unidades de participação em fundo de investimento, constituído ao abrigo da legislação portuguesa, cuja maturidade era de, pelo menos, cinco anos e, pelo menos, 60% do valor dos investimentos era concretizado em sociedades comerciais sediadas em território nacional, cfr documentos 6 e 7 juntos com a petição inicial que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
B. Em 21.12.2021 o Requerente, K…, deu entrada nos serviços do SEF/MAI de uma candidatura de concessão de ARI nos termos do nº 1 do artigo 90-A da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, não contestado;
C. Em data anterior a 4.1.2022, a 2ª Requerente deu entrada nos mesmos serviços, de um pedido de reagrupamento familiar, no âmbito do processo de Autorização de Residência de Investimento (ARI instruído com os documentos necessários, cfr documentos juntos com o requerimento de fls 186 a 191 que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
D. Em 25.3.2023, foram admitidas as candidaturas de ambos os Requerentes, cfr documentos 7 e 8 juntos com a petição inicial e documentos juntos com o requerimento de fls 186 a 191 que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais;
E. Em consulta sobre a candidatura do Requerente em 4.5.2023 foi possível verificar, pelos serviços do MAI, que a mesma “aguardava decisão”, cfr documento junto a fls 145 do SITAF;
F. Em consulta sobre a candidatura da Requerente em 22.5.2023 foi possível verificar, o seguinte,

«Imagem em texto no original»







IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


A. Da junção de documento com o requerimento de 26.10.2023

Com o requerimento de 26.10.2023, vieram os recorrentes juntar um documento, correspondente a resposta da entidade demandada ao seu pedido de informação sobre o estado dos procedimentos de análise dos pedidos de autorização de residência em causa, alegando que o teor de tal documento “evidencia, assim, a necessidade absoluta do Recurso interposto ser considerado procedente”.
Cabe aferir da respectiva admissibilidade.
Sob a epígrafe “Junção de documentos e de pareceres”, dispõe o artigo 651.º do CPC: “1 - As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. 2 - As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão.”
Assim, a junção de documentos em sede de recurso só é admissível se a sua apresentação não tiver sido possível até àquele momento (cfr. artigo 425.º do CPC) ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
O documento junto pelos recorrentes nesta sede recursiva visa, segundo os mesmos, a demonstração da “necessidade absoluta do Recurso interposto ser considerado procedente”, e não a demonstração de factos relevantes para a decisão da causa, sendo legalmente admissível a junção de documentos com essa função probatória. Deste modo, manifestamente, não está em causa qualquer uma das situações taxativamente previstas para que o documento seja admitido.
Ante o exposto, indefere-se a requerida junção e determina-se o desentranhamento do documento.


B. Do erro de julgamento

Os recorrentes alegam que a sentença recorrida padece de erro de julgamento por não ter condenado a entidade demandada – conforme os mesmos peticionaram na p.i. - a decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar e a praticar todos os actos necessários à emissão dos respectivos títulos de residência, em prazo não superior a 90 dias, contados da submissão dos pedidos, considerando, assim, que a sentença recorrida (i) não lhes confere a “tutela efectiva” do artigo 20.º, n.ºs 4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, pois que, até terem autorização de residência, permanecerão numa situação de incerteza e angústia; (ii) viola o disposto no n.º 1 do artigo 266.º da Constituição e os artigos 5.º, 9.º, 13.º e 59.º do CPA, porquanto não lhes garante “um procedimento administrativo razoável no qual os seus títulos de residência serão emitidos em observância aos prazos legais”; e (iii) viola o artigo 71.º, n.º 2, do CPTA, na medida em que não estabeleceu as vinculações a observar pela entidade administrativa.

Efectivamente, na sua p.i., os recorrentes pediram a condenação da entidade demandada, não só a facultar-lhes três datas para os mesmos procederem à entrega dos pedidos de concessão de autorização de residência e correspondente documentação e à recolha dos dados biométricos, mas também a decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar e a praticar todos os actos necessários à emissão dos respectivos títulos de residência.
Acontece que a sentença recorrida se limitou a condenar a entidade demandada “a indicar três datas alternativas, das quais os Requerentes escolherão uma para formalização dos seus pedidos, deslocando-se para o efeito aos serviços do SEF.”, assentando na seguinte fundamentação fáctico-jurídica:
“(…)
Ora, in casu, decorre da factualidade assente que os Requerentes formalizaram junto dos serviços da Entidade Requerida, candidaturas de autorização de residência para investimento, e de reagrupamento familiar, ao abrigo da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, que aprova o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, cfr factos B) e C). E a 25.3.2023, foram aceites as candidaturas de ambos os Requerentes, cfr facto D).
Atenta a aceitação das candidaturas dos Requerentes, cabia aos serviços do MAI disponibilizar datas para formalização dos pedidos e recolha dos dados biométricos dos Requerentes.
O que não aconteceu até à presente data, cfr factos A) a F).
Ora, sem o referido agendamento os Requerentes não poderão dar início ao procedimento administrativo cfr artigo 53º do Código de Procedimento Administrativo-CPA.
Procedimento administrativo sobre o qual os Requerente possuem o direito de iniciar ao abrigo dos artigos 15º, 18º e 52º da CRP, 3º, 8º e 53 do CPA e 90.º-A, n.º 2, da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho e nos artigos 65.º-E do Decreto Regulamentar.º 84/2007, de 05 de novembro.
Direito que os Requerente ainda não lograram exercer atento a que, por mero formalismo do SEF, os pedidos formulados estão sujeitos a prévio agendamento de acordo com as vagas disponibilizadas pelo mesmo serviço.
Formalismo que condiciona o exercício dos direitos dos Requerentes quer de iniciar o próprio procedimento, quer de gozar dos direitos de circulação e fixação de residência em território nacional, cfr Artigo 15º e 44º da CRP.
Assim, é de concluir que o MAI deverá diligenciar no sentido de efetuar o agendamento necessário à concretização dos pedidos dos Requerentes, de acordo com as suas atribuições.
Pelo que, considerando o lapso de tempo decorrido e a insatisfação dos pedidos dos Requerentes, será de intimar, a final, o MAI a indicar 3 datas alternativas, das quais os Requerentes escolherão uma para formalização dos seus pedidos junto daquela entidade, prosseguindo-se, após, os demais termos estabelecidos na Lei n.º 23/2007, de 4 de julho e no Decreto Regulamentar.º 84/2007, de 05 de novembro, de acordo com as atribuições do MAI-SEF.
(…)”
Ou seja, entendeu-se na sentença recorrida que, uma vez aceites as candidaturas dos recorrentes, de autorização de residência para investimento e de reagrupamento familiar, efectuadas ao abrigo da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, cabia aos serviços da entidade demandada disponibilizar datas para formalização dos pedidos e recolha dos dados biométricos dos autores, sem o que estes não poderiam dar início ao procedimento administrativo, nos termos do artigo 53.º do CPA, solicitando a emissão das autorizações de residência.

Cumpre apreciar o invocado erro de julgamento, adiantando-se que assiste razão aos recorrentes, como se passa a expor.

Ao contrário do que se afirmou na sentença recorrida, os procedimentos administrativos com vista à concessão de autorização de residência e de reagrupamento familiar foram iniciados pelos recorrentes.
Na verdade, o artigo 53.º do CPA, prevê que o procedimento administrativo se inicie “a solicitação dos interessados”, solicitação essa que consubstancia um requerimento, entendido como “acto do titular de uma posição jurídica substantiva – direito subjectivo ou interesse legalmente protegido ou de interesses difusos, na medida em que possam ser objecto de pretensões perante a Administração (art. 53.º) -, que visa obter, do órgão administrativo competente, a produção de um efeito jurídico constitutivo ou recognitivo só realizável através da prática de um acto (ou contrato) administrativo. O requerimento há-de necessariamente (pre)tender à produção de uma decisão administrativa, o que não significa que a sua apresentação origine, sem mais, um direito à decisão de fundo da pretensão formulada.” – neste sentido, cfr. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA/PEDRO COSTA GONÇALVES E JOÃO PACHECO DE AMORIM, Código do Procedimento Administrativo, 2.ª edição, Coimbra, 1997, pp. 293 e 377. O requerimento inicial do particular que dá início ao procedimento administrativo deve ser formulado por escrito e, designadamente, identificar o requerente e indicar o pedido e o órgão administrativo a que se dirige (cfr. artigo 102.º, n.º 1, do CPA), podendo ser apresentado por uma de diversas formas: entrega nos serviços, remessa pelo correio, sob registo, envio através de telefax ou transmissão eletrónica de dados, envio por transmissão eletrónica de dados, ou formulação verbal, quando a lei admita essa forma de apresentação (cfr. artigo 104.º do CPA).
Sobre o procedimento especial para a concessão de autorização de residência para investimento, dispõe o artigo 51.º do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de Novembro – que regulamenta a Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, que define as condições e procedimentos de entrada, permanência, saída e afastamento de cidadãos estrangeiros do território português -, nos seus n.ºs 1 e 2, que o pedido de concessão de autorização de residência deve ser preferencialmente submetido de forma desmaterializada em plataforma digital acessível através do portal único de serviços, podendo ser ainda apresentado em atendimento presencial ou através de atendimento digital assistido nos locais divulgados pela AIMA, I. P..
No caso em apreço, conforme resulta do probatório (pontos B., C. e D.), em 21.12.2021 o recorrente deu entrada nos serviços do SEF/MAI de uma candidatura de concessão de autorização de residência de investimento, nos termos do n.º 1 do artigo 90.º-A da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, e, em data anterior a 04.01.2022, a recorrente deu entrada nos mesmos serviços de um pedido de reagrupamento familiar, no âmbito do processo de autorização de residência de investimento, instruído com os documentos necessários, tendo sido admitidas as candidaturas de ambos os recorrentes em 25.3.2023.
Deste modo, e ao contrário do que se afirma na sentença recorrida, os procedimentos administrativos com vista à concessão de autorização de residência para investimento e reagrupamento familiar foram iniciados, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 53.º do CPA e 51.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de Novembro, com os pedidos apresentados por ambos os recorrentes. Com efeito, tais pedidos/candidaturas, independentemente da designação que se lhes der, consubstanciam verdadeiros requerimentos no sentido anteriormente descrito, na medida em que foram formulados por escrito, identificam os requerentes, indicam os seus pedidos (autorização de residência para investimento e reagrupamento familiar), dirigem-se à entidade com competência para decidir tais pretensões e foram apresentados por forma legalmente prevista, através de formulário disponível em plataforma digital do portal da entidade demandada; tanto que foram “aceites”.
Ademais, diferentemente do que entendeu a sentença recorrida, o início do procedimento administrativo que visa a concessão de autorização de residência não depende de qualquer agendamento por parte dos serviços da entidade demandada com vista a uma qualquer “formalização dos pedidos e recolha dos dados biométricos”, carecendo tal afirmação de qualquer suporte legal que o preveja; antes depende da apresentação de um pedido nesse sentido, o que, como ficou provado, foi feito pelos recorrentes. É certo que o n.º 16.º do artigo 65.º-D do Decreto Regulamentar n.º 84/2007, de 05 de Novembro, a propósito da apresentação de meios prova e da declaração sob compromisso de honra, refere que o pedido de concessão de autorização de residência é “precedido de registo eletrónico em plataforma para o efeito”. No entanto, tal referência não pode ter como efeito condicionar o início do procedimento administrativo pelos interessados, colocando-os na dependência da aceitação desse registo por parte da entidade administrativa decisora para iniciar o procedimento, pois que isso, para além de beliscar o direito subjectivo dos administrados a iniciar um procedimento administrativo no momento em que pretendam (nos termos do referido artigo 53.º do CPA) – em violação do n.º 1 do artigo 266.º da Constituição, que impõe à Administração que prossiga o interesse público “no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.” -, afecta o dever de pronúncia/decisão da Administração, permitindo-lhe dilatar no tempo o cumprimento de tal dever (demorando na aceitação do registo), sendo ainda violador dos princípios da boa administração e da celeridade, consagrados nos artigos 5.º e 59.º do CPA, que impõem que a actuação administrativa se paute por critérios de eficiência e celeridade, providenciando por um andamento rápido e eficaz do procedimento administrativo. Tal referência também não pode obstar a que se considere o registo electrónico na plataforma um verdadeiro requerimento do particular que constitua a Administração no dever de decidir, assim acontecendo, como vimos, se tal registo, como é o caso, contiver os elementos consubstanciadores de um verdadeiro requerimento de uma pretensão do particular. Por último, tal referência também não pode levar a que o particular que procede ao registo electrónico da sua pretensão na plataforma disponível, perante a inércia da Administração em dar andamento ao procedimento administrativo, tenha de instaurar duas acções em Tribunal para tutelar a sua posição subjectiva: uma para obter a condenação da Administração a agendar a “formalização dos pedidos e recolha dos dados biométricos” – como entendeu a sentença recorrida – e, posteriormente, outra para obter a condenação da Administração a decidir o pedido após aquele agendamento, constando já o pedido do registo inicial, pois que isto seria violador do princípio da tutela jurisdicional efectiva, assegurado pelo artigo 20.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.”
Tendo sido iniciados procedimentos administrativos, com a apresentação, por parte dos recorrentes, dos pedidos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar, ficou a entidade administrativa responsável pelos mesmos incumbida de os conduzir e neles proferir decisão, estando em causa o cumprimento do dever de decisão, previsto no n.º 1 do artigo 13.º do CPA, nos seguintes termos: “Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.”.
Não tendo a entidade administrativa responsável pelos procedimentos, ora entidade demandada recorrida, proferido decisão nos mesmos, impunha-se, nestes termos, que o Tribunal a quo a condenasse a fazê-lo - pretensão esta que foi deduzida pelos recorrentes na p.i. -, não bastando, como fez a sentença recorrida, condenar a entidade demandada “a indicar três datas alternativas, das quais os Requerentes escolherão uma para formalização dos seus pedidos, deslocando-se para o efeito aos serviços do SEF.”.
Por conseguinte, a sentença recorrida errou ao não condenar a entidade demandada a tramitar e decidir os pedidos de autorização de residência e reagrupamento familiar que lhe foram apresentados pelos recorrentes, limitando a condenação da mesma à indicação de datas “para formalização dos seus pedidos”, com o que se impõe julgar procedente o presente recurso, revogar a decisão recorrida e, em substituição, condenar a entidade demandada a decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar.
Nos termos do artigo 82.º, n.º 5, da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, “O pedido de concessão de autorização de residência deve ser decidido no prazo de 90 dias.” e a decisão do pedido de reagrupamento familiar “Logo que possível, e em todo o caso no prazo de três meses” – cfr. artigo 105.º, n.º 1, do mesmo diploma. Porém, não tendo os pedidos de autorização de residência e reagrupamento familiar sido decididos dentro dos referidos prazos, e face ao lapso de tempo decorrido desde a sua apresentação (ocorrida em Dezembro de 2021), e nos termos do n.º 4 do artigo 95.º do CPTA, fixa-se um prazo procedimental de 25 (vinte e cinco) dias para cumprimento do ora determinado.
*
Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do Regulamento das Custas Processuais.


V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes da Subsecção comum da Secção administrativa do Tribunal Central Administrativo Sul em:
a) Não admitir a junção aos autos do documento apresentado pelos recorrentes com o requerimento de 26.10.2023 e, consequentemente, determinar o seu desentranhamento;
b) Conceder provimento ao recurso interposto e, em consequência, revogar a sentença recorrida, condenando a entidade demandada a, no prazo procedimental de 25 (vinte e cinco) dias, decidir os procedimentos administrativos de concessão de autorização de residência e reagrupamento familiar iniciados com os pedidos apresentados pelos recorrentes.

Sem custas.

Lisboa, 24 de Abril de 2024

Joana Costa e Nora (Relatora)
Pedro Nuno Figueiredo
Ricardo Ferreira Leite