Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:247/23.1BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:DECLARAÇÃO EM FALHAS
EXECUÇÃO FISCAL
ARTIGO 272º DO CPPT
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:A declaração em falhas no processo de execução fiscal obedece aos requisitos previstos no artigo 272º do CPPT
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contra-Ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul
I – RELATÓRIO


R… C… R… F…, melhor identificado nos autos, apresentou reclamação judicial do despacho da Sra. Chefe do Serviço de Finanças do Funchal-1, que, proferido em 04/08/2023, deferiu apenas parcialmente o requerimento por si apresentado no sentido de ser reconhecida a prescrição das dívidas subjacentes aos processos de execução fiscal n.º 2810201001065521, 2810201001141988, 2810201401133934, 2810201481072201, 2810200301029614 e apensos, 2810201001165526, 2810201201053582, 28102007401084860 e apensos, 2810201201197940 e 2810201101015184, no valor total de €497.147,24, contra si instaurado como devedor originário, nuns casos, e também como revertido em outros processos.

O Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, por decisão de 08 de janeiro de 2024, julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada contra o referido despacho de do Serviço de Finanças do Funchal – 1, conforme os autos

Notificado da douta sentença proferida com o valor fixado de € 497.147,24, o Recorrente veio requerer, fundamentando, ao tribunal a quo a verificação do valor da causa e concluindo da forma seguinte:

«(…)

7. Segundo a listagem de dívidas em execução fiscal atualizada pela Administração Fiscal o valor total em dívida nos referidos processos ascendia, em 11/10/2023, ao valor de € 113.797,46 (o que se deve à extinção de alguns processos de execução fiscal previamente existentes).

8. Face ao exposto, requer-se a V. Exa. a verificação e correção do valor da causa, tendo em conta os valores efetivamente exigidos pela Administração Fiscal ao Reclamante nos referidos processos executivos, à data do pedido de prescrição das dívidas, uma vez que o valor da causa tem um impacto muito significativo em sede de custas.»

Notificada do requerimento da Reclamante, aqui Recorrente, a Representante da Fazenda Pública não se opôs.

Por Despacho de 12 de janeiro de 2024, o TAF Funchal deferiu o peticionado nos termos seguintes:

«passando a constar da sentença e valer como valor da causa, o valor concretamente indicado pelo Reclamante - € 115 581,78, mais se desconsiderando as partes da sentença especificamente relacionadas com o anterior valor, nomeadamente a dispensa do pagamento do remanescente (cfr. n.º 1 do art.º 614.º do CPC).

Proceda-se às alterações necessárias. Notifique.»

Não concordando com a decisão, o Recorrente interpôs recurso da mesma, tendo, nas suas alegações de recurso, formulado as seguintes conclusões:

«Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou parcialmente procedente a reclamação judicial apresentada contra a decisão de deferimento parcial do pedido de prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201001065521, 2810201001141988, 2810201401133934, 2810201481072201, 2810200301029614 e apensos, 2810201001165526, 2810201201053582, 28102007401084860 e apensos, 2810201201197940 e 2810201101015184.

No entender do Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, na douta sentença recorrida, uma vez que:

a) o Tribunal a quo errou ao não reconhecer a prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201197940, 2810201101015184 e 2810201201053582;

b) foi dado como provado que os processos de execução fiscal n.ºs 2810201001065521, 2810201001141988, apenso do processo principal n.º 2810200301029614, 2810201001165526 e apensos do processo principal n.º 2810200701084860 foram declarados em falhas em 16-02-2013, 07-04-2011, 29-12-2014 e 27-01-2011 respetivamente (factos assentes n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7);

c) o Tribunal a quo errou na contabilização do prazo de prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201197940, 2810201101015184 e 2810201201053582;

d) o Tribunal a quo errou ao contabilizar o prazo de prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201197940, 2810201101015184 e 2810201201053582 a partir das datas das declarações em falhas registadas nesses processos pela Administração Fiscal (24-01-2019 e 29-12-2017, respetivamente);

e) face às datas das declarações em falhas registadas nos demais processos de execução fiscal pendentes contra o ora Recorrente (27-01-2011, 07-04-2011, 16-02-2013 e 29-12-2014), o Tribunal a quo jamais poderia ter considerado as datas das declarações em falhas registadas pela Administração Fiscal nesses três processos para efeitos de contagem do prazo de prescrição;

f) ficou demonstrado que o Recorrente foi citado para o processo de execução fiscal n.º 2810201201053582 em 13/12/2010 e que este processo apenas foi declarado em falhas pela Administração Fiscal em 29/12/2017 (Facto assente n.º 12);

g) ficou comprovado que, após a citação do Recorrente nesse processo, a Administração Fiscal declarou em falhas vários processos de execução fiscal pendentes contra o ora Recorrente, designadamente, o processo de execução fiscal n.º 2810201001065521 em 16/02/2013 (facto assente n.º 3), o processo de execução fiscal n.º 2810201001141988 em 16/02/2013 (facto assente n.º 4), o apenso do processo de execução fiscal n.º 2810200301029614 em 07/04/2011 (facto assente n.º 5), o processo de execução fiscal n.º 2810201001165526 em 29/12/2014 (facto assente n.º 6) e ainda os apensos do processo de execução fiscal n.º 2810200701084860 em 27/01/2011 (facto assente n.º 7);

h) ao declarar em falhas os referidos processos de execução fiscal, a Administração Fiscal reconheceu que, nessas datas, o Recorrente não tinha quaisquer bens penhoráveis;

i) tendo a Administração Fiscal declarado em falhas vários processos de execução fiscal após a citação do Recorrente no processo de execução fiscal n.º 2810201201053582, o Tribunal a quo deveria ter reconhecido que a data de declaração em falhas a considerar neste processo, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, não poderia ser a data de 29/12/2017, mas sim a primeira data de declaração em falhas ocorrida após a citação do Recorrente neste processo, que foi a data de 27-01-2011 (facto assente n.º 7), o que conduziria necessariamente ao reconhecimento da prescrição das dívidas objeto do processo de execução fiscal n.º 2810201201053582;

j) ficou demonstrado nos autos que, após 27-01-2011, a Administração Fiscal jamais voltou a encontrar bens penhoráveis na esfera do ora Recorrente;

k) ficou provado que o processo de execução fiscal n.º 281020121197940 foi citado em 28/04/2014 e que este apenas foi declarado em falhas pela Administração Fiscal em 24/01/2019;

l) ficou comprovado que o processo de execução fiscal n.º 2810201101015184 foi citado em 28/04/2014 e que este apenas foi declarado em falhas pela Administração Fiscal em 29/12/2017;

m) se demonstrou que, após a citação do Recorrente em ambos os processos (281020121197940 e 2810201101015184) – ocorrida em 28/04/2014 - a Administração Fiscal declarou em falhas o processo de execução fiscal n.º 2810201001165526 em 29/12/2014 (facto assente n.º 6);

n) tendo a Administração Fiscal declarado em falhas o processo de execução fiscal n.º 2810201001165526, em 29/12/2014, após a citação do Recorrente nos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201197940 e 2810201101015184, o Tribunal a quo deveria ter reconhecido que a data de declaração em falhas a considerar nestes processos, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, não poderia ser a data de 24/01/2019 ou 29/12/2017, mas sim a primeira data de declaração em falhas ocorrida após a citação do Recorrente nestes processos, que foi a data de 29/12/2014 (facto assente n.º 6), o que conduziria também ao reconhecimento da prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201197940 e 2810201101015184;

o) o Tribunal a quo errou parcialmente no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do Direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender do Recorrente, deveria ter conduzido ao reconhecimento da prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201053582, 2810201201197940 e 2810201101015184, nos termos e com os fundamentos atrás indicados.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve ser anulada parcialmente a douta sentença recorrida e, consequentemente, ser reconhecida a prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201053582, 2810201201197940 e 2810201101015184, com base nos fundamentos acima indicados, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!»


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A Recorrida, Fazenda Pública, apresentou contra-alegações que não contendo conclusões, termina com da forma seguinte:
«(…)
através da sua Representante, no recurso interposto por R… C…. R… F…, da decisão judicial proferida em primeira instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal que julgou parcialmente procedente o processo de reclamação judicial referido em epígrafe, tendo tido conhecimento do teor das doutas alegações apresentadas pelo Recorrente, entende que a douta decisão do Tribunal a quo não merece censura, pelo que pugna pela manutenção do julgado.
Pede deferimento.»
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O Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com a dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«Em face da prova carreada para os autos, o Tribunal julga provados os factos e ocorrências processuais seguintes:

1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal-1 foram instaurados os processos de execução fiscal n.º 2810201001065521, 2810201001141988, o apenso do processo 2810200301029614, que apesar de “a zeros” se mantém ativo enquanto processo principal, o 2810201001165526, os apensos do processo 2810200701084860, que apesar de “a zeros” se mantém ativo enquanto processo principal, o 2810201201053582, o 2810201201197940 e o 2810201101015184 (cfr. processos de execução fiscal em suporte virtual);

2. Em todos estes processos é devedor o aqui Reclamante, nuns casos como devedor originário, noutros porque foi determinada a reversão dos processos de execução fiscal contra si (cfr. os processos de execução fiscal, em suporte virtual);

3. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201001065521, o Reclamante foi citado em 28/05/2012, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 16/02/2013 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual, e teor do ato reclamado onde consta tabela síntese de todos os processos de execução fiscal);

4. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201001141988, o Reclamante foi citado em 28/05/2012, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 16/02/2013 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual, e teor do ato reclamado onde consta tabela síntese de todos os processos de execução fiscal);

5. No âmbito do apenso do processo principal n.º 2810200301029614, o Reclamante foi citado em 17/11/2010, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 07/04/2011 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual);

6. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201001165526, o Reclamante foi citado em 02/05/2014, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 29/12/2014 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual, e teor do ato reclamado onde consta tabela síntese de todos os processos de execução fiscal);

7. No âmbito dos apensos do processo principal n.º 2810200701084860, o Reclamante foi citado em 13/12/2010, tendo os processos de execução fiscal sido declarados em falhas em 27/01/2011 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual, e teor do ato reclamado onde consta tabela síntese de todos os processos de execução fiscal);

8. No âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201201197940, o Reclamante foi citado em 28/04/2014, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 24/01/2019 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual, e teor do ato reclamado onde consta tabela síntese de todos os processos de execução fiscal);

9. Em tal processo o último pagamento a ser registado tem a data de 08/11/2017 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual);

10.No âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201101015184, o Reclamante foi citado em 28/04/2014, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 29/12/2017 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual, e teor do ato reclamado onde consta tabela síntese de todos os processos de execução fiscal);

11.Em tal processo o último pagamento a ser registado tem a data de 05/05/2023 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual);

12.No âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201201053582, o Reclamante foi citado em 13/12/2010, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 29/12/2017 (cfr. processo de execução fiscal, em suporte virtual, e teor do ato reclamado onde consta tabela síntese de todos os processos de execução fiscal);

13.No dia 27/04/2023, o Reclamante requereu junto do Serviço de Finanças do Funchal-1 o reconhecimento da prescrição das dívidas objeto dos processos de execução fiscal supra identificados (cfr. os processos de execução fiscal e teor do ato reclamado, em suporte virtual);

14. Notificado do despacho de 04/08/2023 da Sra. Chefe do Serviço de Finanças de Funchal-1 que apenas deferiu parcialmente o requerimento por si apresentado, veio o Reclamante apresentar a presente reclamação (cfr. teor da p.i. de reclamação, ato reclamado e os processos de execução fiscal em suporte virtual).»


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Factos não provados

«Inexistem factos não provados com relevo para a decisão da causa.»


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Motivação da decisão de facto

«A convicção do Tribunal assentou na apreciação crítica dos documentos autênticos e particulares juntos, os quais não foram impugnados, conforme referenciado em cada alínea do probatório, tudo fundamentado no n.º 2 do art.º 34.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 1 dos art.ºs 369.º, 370.º e 371.º, todos do Código Civil (documentos produzidos pela Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira) e no n.º 1 dos art.ºs 373.º, 374.º e 376.º, todos também do Código Civil (documentos particulares).»


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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao contabilizar o prazo de prescrição das dívidas objecto dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201197940, 2810201101015184 e 2810201201053582 a partir das datas das declarações em falhas registadas nesses processos pela Administração Fiscal (24-01-2019 e 29-12-2017, respectivamente).

Afirma, em desacordo com o decidido quanto aos pef’s identificados no parágrafo anterior, que o Tribunal a quo deveria ter reconhecido a prescrição das dívidas objecto destes.

Entende que, tendo o SF declarado em falhas outros processos de execução fiscal que corriam contra o Recorrente, concretamente, em 2011, 2013 e 2014, por ter reconhecido, naqueles anos, que o Recorrente não tinha quaisquer bens penhoráveis, cabia ao Tribunal a quo reconhecer que a data da declaração em falhas a considerar nos processos em causa, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, não poderia ser a data de 24-01-2019 e 29-12-2017, mas sim a primeira data de declaração em falhas ocorrida após a citação do Recorrente nestes processos, que foi a data de 29/12/2014 (facto assente nº6).

Afirma que ficou demonstrado nos autos que, após 27/01/2011, a AT jamais voltou a encontrar bens penhoráveis na esfera do Recorrente.

Conclui que demonstrou ter o Tribunal a quo errado parcialmente no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorrecta dos factos e do Direito aplicáveis, já que que a asserção correcta era a de reconhecer a verificação da prescrição das dívidas em cobrança coerciva no âmbito dos processos de execução fiscal n.ºs 2810201201197940, 2810201101015184 e 2810201201053582.

Vejamos.

Do probatório (que não foi posto em causa) resulta que:

· o processo de execução fiscal n.º 2810201201197940 foi declarado em falhas em 24/01/2019 e que o Recorrente foi citado em 28/04/2014 – vide ponto 8 da factualidade dada como provada;

· o processo de execução fiscal nº 2810201101015184 foi declarado em falhas em 29/12/2017 e que o Recorrente foi citado em 28/04/2014 – vide ponto 9 da factualidade dada como provada;

· o processo de execução fiscal nº 2810201201053582 foi declarado em falhas em 29/12/2017 e que o Recorrente foi citado em 13/12/2010 – vide ponto 12 da factualidade dada como provada;

Por outro lado, foram dados como provados os pagamentos ocorridos nos processos n.º 2810201201197940 e 2810201101015184, respectivamente, em 0/11/2017 e 05/05/2023 – vide pontos 9 e 11 do probatório.

A sentença recorrida, relativamente a tais processos de execução fiscal, considerou não se verificar a prescrição das dívidas exequendas, tendo por base o seguinte entendimento:

“(…)- no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201201197940, o Reclamante foi citado em 28/04/2014, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 24/01/2019. 8 anos a contar desta data dá 24/01/2027, pelo que a dívida não está prescrita.

Tampouco poderia a declaração em falhas ter data anterior a 08/11/2017, dado que nessa data foi registado um pagamento.

- no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201101015184, o Reclamante foi citado em 28/04/2014, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 29/12/2017. 8 anos a contar desta data dá 29/12/2025, pelo que a dívida não está prescrita.

Mais, em tal processo o último pagamento a ser registado tem a data de 05/05/2023.

- no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2810201201053582, o Reclamante foi citado em 13/12/2010, tendo o processo de execução fiscal sido declarado em falhas em 29/12/2017. 8 anos a contar desta data dá 29/12/2025, pelo que a dívida não está prescrita.

Termos em que não pode deixar de proceder a questão da prescrição, mas apenas relativamente aos processos de execução fiscal 2810201001065521, 2810201001141988, apenso do processo principal n.º 2810200301029614, 2810201001165526 e apensos do processo principal n.º 2810200701084860, improcedendo por sua vez, no que concerne aos processos de execução fiscal 2810201201197940, 2810201101015184 e 2810201201053582.(…)”

A sentença recorrida entendeu não se verificar a prescrição nos processos de execução aqui em causa por duas razões, no que se refere aos processos nºs 2810201201197940, 2810201101015184. Por um lado, considerou a data em que foram declarados em falhas e conclui não se ter cumprido o prazo de prescrição. Por outro lado, entendeu que, pela circunstância de terem ocorrido pagamentos, respectivamente, em 08/11/2017 e 05/05/2023, a declaração em falhas não poderia ter data anterior à da ocorrência destes pagamentos.

No que diz respeito à declaração em falhas, a sentença recorrida referiu o seguinte:

“(…) Estabilizado o regime prescricional aplicável in casu, e a respetiva interrupção e suspensão de prazo com a citação do Reclamante, há então que apurar quais as eventuais consequências da declaração em falhas na contagem do prazo prescricional.

E sobre isso diremos que a declaração em falhas é de considerar como uma ficção da decisão que põe termo ao processo, equivalendo-se-lhe, despoletando então o início da contagem de um novo prazo de prescrição (cfr. n.º 1 do art.º 327.º do Código Civil; no mesmo sentido, cfr. acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 08/01/2020, 09/06/2021 e 16/02/2022, tirados, respetivamente, nos processos n.º 0717/19.6BEAVR, 0953/16.7BEBRG e 01208/21.0BEBRG, arestos todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt).

Decisão de declaração em falhas que é necessário esclarecer que se trata de uma competência exclusiva do Órgão de Execução Fiscal (cfr. al. f) do n.º 1 do art.º 10.º e n.º 1 do art.º 151.º, preceitos ambos do Código de Procedimento e de Processo Tributário).

Visto novamente o caso dos autos, temos então que o prazo de prescrição interrompido e “congelado”, por efeito da citação do Reclamante nos diversos processos de execução fiscal, voltou a correr com os diversos despachos de declaração em falhas, correndo assim, desde essa data, um novo prazo prescricional de 8 anos.

Há assim que relativamente a cada um dos processos de execução fiscal ver se existe evidência factual que se enquadre numa das causas suspensivas ou interruptivas do prazo de prescrição (cfr. art.ºs 48.º e 49.º da Lei Geral Tributária), com data posterior à data de declaração em falhas.

E vistos os autos, não se deteta qualquer causa que conste daquele elenco.(…)”

Ora, da leitura da sentença recorrida o que se conclui é que nada foi dito relativamente ao facto de não terem os processos ora em apreciação sido declarados em falhas anteriormente, salvo a referência ao pagamento efectuado muito posteriormente.

Se é certo que se deu como provado que foi efectuado um pagamento em dois dos mencionados processos executivos, cremos que tal circunstância não pode justificar as razões por que, à data das declarações em falhas mais antigas, não foram estes processos declarados em falhas, partindo do pressuposto que as situações seriam semelhantes.

Compulsados os autos, verificamos que a AT não apresentou resposta, e que a informação prestada pelo SF não é esclarecedora quanto à razão de não terem sido também declarados em falhas estes processos.

Sobre uma situação idêntica à presente, foi proferido Acórdão, neste TCAS, em 30/03/2023, no âmbito do processo nº 251/22, que acompanhamos, nos seguintes termos:


“(…)Tenhamos presente que não é ponto de discórdia nem o prazo de prescrição, de oito anos, nem os efeitos para a prescrição da citação do devedor, nem tão-pouco a relevância da declaração em falhas no retomar da contagem do prazo prescricional. Todos estes aspetos, analisados pela sentença, não suscitam a oposição da Recorrente.

O que de facto sustenta a discordância da Recorrente com a sentença é a total desconsideração por parte do Tribunal, relativamente aos processos nºs …………………839, …………………..500 e ………………..573, da data de 29/01/14, como sendo (também) a data relevante em que estes três processos deviam ter sido declarados em falhas (e não, como aconteceu, em 10/01/20). Explicando melhor, dir-se-ia que a perplexidade da Recorrente se pode resumir numa interrogação: se o órgão de execução fiscal reconheceu, em 29/01/14, a inexistência de bens suscetíveis de penhora pertença da Recorrente, no âmbito do processo nº ………………..152 e apensos, declarando-o em falhas, nos termos do artigo 272º do CPPT, como não eleger essa data também como o termo inicial do prazo de prescrição no âmbito dos outros processos de execução fiscal que se encontravam igualmente pendentes, independentemente da declaração em falhas proferida nestes processos só ter ocorrido em 2020?

A questão assim posta que – diga-se – aparenta pertinência foi, pura e simplesmente, ignorada pelo Tribunal a quo que se limitou a analisar o decurso do prazo prescricional, considerando a data da citação e a declaração em falhas nos apontados três processos, em 10/01/20.

Note-se que, em 29/01/14, momento em que foi declarado em falhas o processo nº ……………………152 e apensos, o respetivo SF atestou que a Recorrente não tinha bens suscetíveis de penhora e, nessa medida, a dúvida que fica é a de saber por que razão o não fez nos demais processos, tanto mais que o chamamento à execução em todos eles (através da citação) se verificou em datas próximas. Com efeito, no processo nº ………………152 e apensos a Recorrente foi citada em agosto de 2010 e nos processos nºs …………………….839, …………….500 e …………..573 as citações ocorreram em setembro de 2009, junho e novembro de 2010, respetivamente.

Embora este Tribunal não acompanhe diversas considerações feitas pela Recorrente ao longo das suas alegações de recurso, nomeadamente quanto às consequências da falta de impugnação especificada de factos ou documentos por parte da Fazenda Pública e, bem assim, quanto ao alcance da declaração em falhas (que consiste, sim, num arquivamento provisório do processo e que não impede que o mesmo prossiga nas específicas situações previstas no referido artigo 274º do CPPT), a verdade é que – repete-se – as dúvidas e interrogações da Recorrente sobre a concreta atuação do SF, no caso em apreciação, assumem (ou podem assumir, melhor dito) pertinência.

De facto, tendo presente os relevantes efeitos da declaração em falhas na contagem do prazo prescricional, percebe-se a importância da diferença em fixar aquela data em 2014 ou em 2020, pois seis anos de diferença (entre uma e outra declaração) podem interferir decisivamente no decurso do prazo de prescrição. No caso, não se percebe, nem há elementos para tal, se a inexistência de bens atestada em 2014 se manteve inalterada até 2020. E se sim, qual a razão para a declaração em falhas nos processos nºs …………..839, …………….500 e ………….573 só ter ocorrido seis anos mais tarde. E se não, se surgiram entretanto bens suscetíveis de penhora, então qual a razão para o processo nº ……………..152 e apensos não ter prosseguido, uma vez que só estava provisoriamente arquivado?

Uma coisa surge clara no entendimento deste Tribunal. A declaração em falhas tem os seus pressupostos na lei (272º do CPPT) e deve ocorrer quando os mesmos se verificarem, não podendo a sua verificação estar dependente da vontade de quem num SF resolve declará-la (ou não), a ponto de distarem seis anos de diferença entre uma declaração e outra, em contextos que aparentam ser iguais (mas que - admite-se - podem não ser) e relativos à mesma Executada.

De facto, admitindo a hipótese de estarmos perante quadros factuais idênticos e sem alterações quanto à inexistência de bens penhoráveis da executada, mal se entende que seja o próprio credor, contra quem corre o prazo de prescrição, aquele que tem o poder de, sem justificação aparente, declarar em falhas processos (com datas de citação próximas) com seis anos de diferença, com isso “controlando”, em termos que lhe são favoráveis, o retomar do prazo de prescrição da dívidas. É que, subjacente ao instituto da prescrição estão razões de certeza e segurança das relações jurídicas e tais objetivos, sob pena se saírem incontornavelmente frustrados, não se compadecem com atuações mais ou menos voluntariosas (ou, em todo o caso, que não são objetivamente evidentes e apreensíveis) por parte do credor. A não ser assim, estaria aberta a porta para a subversão do objetivo visado com a lei, seja relativamente à fixação de um prazo prescricional, seja quanto à figura (e ao alcance) da declaração em falhas.

Por conseguinte, assume a maior pertinência a posição supra transcrita do EMMP junto do STA e seguida pelo EMMP no TCA, no sentido de que há um circunstancialismo (como o que ficou apontado) que deve ser esclarecido a montante de uma decisão fundada e esclarecida sobre a prescrição das dívidas em cobrança nos processos nºs ……………..839, ………………500 e …………….573.

Nesta linha de entendimento é imperioso saber se a executada, ora Recorrente “teve ou não conhecimento, anteriormente à notificação do indeferimento do pedido de declaração da prescrição da dívida, do despacho a declarar em falhas os processos”, pois, caso se confirme “essa falta de conhecimento, pode nesta sede discutir a validade desse despacho, ou seja, no sentido de que em face dos elementos constantes da execução fiscal esse despacho devia ter sido proferido em momento anterior, por estarem reunidos os respetivos pressupostos legais previstos no artigo 272° do CPPT, e só por falha ou arbitrariedade do órgão de execução fiscal tal não ocorreu”.

Aqui chegados, o desfecho que se adivinha não é difícil, porquanto é evidente que os autos não reúnem os elementos necessários ao adequado conhecimento da prescrição da dívida exequenda. Desde logo, e para além de saber se a Executada teve conhecimento da declaração em falhas anteriormente ao indeferimento do reconhecimento da prescrição, mostra-se indispensável “a ampliação da matéria de facto, com vista a fixar elementos sobre a tramitação dos três processos e sobre o resultado das diligências de cobrança realizadas em cada um deles, de modo a esclarecer se se impunha ou não a prolação do despacho de declaração em falhas por parte do órgão de execução fiscal em momento anterior ao proferido”.

Entendemos, pois, ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 2 do CPC, que se impõe a baixa dos autos para efeitos de ampliação da matéria de facto e reapreciação da questão da prescrição, à luz daquilo que ficou dito supra. Isto mesmo aqui se determinará.(…)”

Concordamos inteiramente com o assim decidido, sendo que a Relatora interveio na qualidade de 1ª adjunta.

Uma vez que os autos não reúnem os elementos necessários ao adequado conhecimento da prescrição da dívida exequenda, aqui, como ali, importa determinar a baixa dos autos à 1ª instância para além de saber se o Recorrente teve conhecimento da declaração em falhas anteriormente ao indeferimento do reconhecimento da prescrição, ampliar a matéria de facto, com vista a fixar elementos sobre a tramitação dos três processos supra identificados, bem como sobre o resultado das eventuais diligências de cobrança realizadas em cada um deles, de modo a esclarecer se se impunha, ou não, a prolação do despacho de declaração em falhas por parte do órgão de execução fiscal em momento anterior ao proferido.

Assim, ao abrigo do preceituado no nº2 do artigo 662º do CPC, deverão os autos baixar à 1ª instância, para ampliação da matéria de facto e reapreciação da questão da prescrição, tendo em consideração o que supra se disse.


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III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais do Tribunal Central Administrativo Sul em anular a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos para instrução e ampliação da matéria de facto, conforme supra referido, após o que deverá ser proferida nova decisão de acordo com o circunstancialismo que se venha a apurar.

Sem custas.

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Março de 2024

(Isabel Fernandes)

(Maria Cardoso)

(Luísa Soares)