Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1/98.7 BTSNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/15/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:SUCUMBÊNCIA
ISENÇÃO LEGAL DE CUSTAS
FAZENDA PÚBLICA
TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DE REMANESCENTE
Sumário:I - No regime de custas anterior à vigência do DL nº 324/2003, de 27/12 (diploma que introduziu alterações substanciais ao CCJ aprovado pelo DL nº 224-A/96, de 26/11), a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária.
II - A isenção de custas não abarca as custas de parte (nº 7 do art. 4º do RCP).
III - Sendo aplicável o disposto no n° 7 do art. 4° do RCP (na redacção actual), a isenção de custas de que goza a Fazenda Pública não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte.
IV - Tem sido orientação da jurisprudência, expressada em diversos arestos, que a norma constante do nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e conduta processual das partes), iluminada pelos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, notificado do acórdão deste TCAS de 13/07/2023, que negou provimento ao recurso que interpôs da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na parte em que julgou procedente a impugnação apresentada por S… e D… respeitante às liquidações de IVA relativas aos anos de 1990 e 1991, vem requerer a reforma do acórdão quanto a custas, pedindo que lhe seja reconhecida a isenção de que beneficia legalmente por se tratar de processo anterior a 2004 com a consequente devolução dos valores de taxa de justiça pagos nos autos, ou, subsidiariamente, seja concedida dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça devida no processo, atendendo ao valor atribuído ao mesmo de EUR.1.072.602,40

Notificada a parte contrária, nada disse.

Ouvido o Exmo. Senhor PGA, pronunciou-se nos seguintes termos:
«Requerimento de fls. 944:
Por se nos afigurar assistir razão à Fazenda Pública quando alega que nos presentes auto não há lugar ao pagamento de quaisquer valores de taxa de justiça, em virtude da isenção de custas de que beneficia, dado que se trata de um processo anterior a 2004, promovo se defira o requerido e seja determinada a devolução dos valores de taxa de justiça por ela pagos, no montante de € 2.448,00.».


2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Colhe-se dos autos que os impugnantes impugnaram no TAF de Sintra liquidações oficiosas de IVA dos anos de 1989, 1990 e 1991, nos valores de 76.612.167$00 (€382.178.78), 83.286.429$00 (€415.473,25) e 55.116.990$00 (€274.950,37), respectivamente.

Por sentença de 28/12/2022, foi decidido:
«IV. Decisão:
Pelo exposto:
I. Julgo parcialmente procedente a presente Impugnação e determino a anulação das liquidações adicionais de IVA relativas aos exercícios de 1990 e 1991.
II. Mantendo-se a liquidação de IVA relativa ao exercício de 1989, conforme já decidido.
III. Custas por ambas as partes que fixo em 37% para a impugnante e 63% para a Fazenda Pública.
IV. Registe e notifique».

O recurso interposto pelos impugnantes dessa sentença para o TCAS na parte em que lhes foi desfavorável, foi julgado improcedente, tendo-se deixado lavrado na parte dispositiva do acórdão de 13/07/2023, que o julgou:
«III – Decisão
Face ao exposto, acordam em conferência os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Sem custas».
Constata-se que o processo deu entrada no então Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa em 21/09/1998 (carimbo aposto a fls.1) e que o valor atribuído ao processo é de EUR. 1.072.602,40.

Que não foram apresentadas contra-alegações no recurso jurisdicional que culminou com o acórdão reformando.

Que o requerimento ora sob análise foi apresentado pela Fazenda Pública em 11/09/2023.

Como se deixou consignado no ac. deste TCAS, de 02/24/2022, tirado no proc.º 77/17.0BCLSB, em que o Relator é o mesmo deste.

«Seguindo de perto o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09/10/13 (processo nº 172/13), deve dizer-se, tendo presente que o processo de impugnação foi instaurado em 21/09/1998, que:

“(…) no regime de custas anterior à vigência do Dec.Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, a Fazenda Pública estava isenta de custas nos processos de natureza tributária, por expressa previsão dessa isenção no art. 3º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (DL 29/98, de 11 de Fevereiro), como, aliás, já antes constava do art. 5º do Regulamento das Custas nos Processos das Contribuições e Impostos e do art. 2º da Tabela das Custas no Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo DL n.º 42.150, de 12/2/59.

Ora, embora as disposições que isentavam a Fazenda Pública de custas nos processos tributários tivessem sido revogadas pelo art. 4º, nºs. 4 e 5, do citado Dec.Lei n.º 324/2003, deixando a Fazenda Pública de beneficiar de isenção no Código das Custas Judiciais que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2004 (art. 16º), este diploma só se aplica aos processos instaurados após a sua entrada em vigor (art. 14º, n.º 1), produzindo apenas efeitos, no tocante às custas judiciais tributárias, a partir da data da transferência dos tribunais tributários para a tutela do Ministério da Justiça (art. 15º, n.º 2), transferência que ocorreu com a publicação do Dec.Lei n.º 325/2003, de 29.12, que entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação (art. 18º).

Assim, tendo em conta os citados diplomas legais e a data da instauração da presente impugnação judicial, a Fazenda Pública não paga custas…”.

Não se questionando embora a isenção de custas de que goza a Fazenda Pública neste processo, assistindo plena razão ao requerente, haverá, no entanto, que esclarecer (até por a questão já ter motivado vários pedidos de reforma dirigidos ao Tribunal) que a isenção de custas não abarca as custas de parte, nos termos do n.º 7 do art.º 4.º do Regulamento das Custas Processuais, no segmento em que refere que “a isenção de custas não abrange os reembolsos à parte vencedora a título de custas de parte, que, naqueles casos, as suportará”, aplicável aos autos por força do disposto no art.º 8.º, n.º 12 da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, segundo o qual, «São aplicáveis a todos os processos pendentes as normas do Regulamento das Custas Processuais, na redacção que lhe é dada pela presente lei, respeitantes às custas de parte, incluindo as relativas aos honorários dos mandatários, salvo se a respectiva nota discriminativa e justificativa tiver sido remetida à parte responsável em data anterior à entrada em vigor da presente lei».

Tem, pois, parcial razão o Requerente no pedido principal de reforma em apreciação, que não pode deixar de ser atendido, embora com as ressalvas indicadas, determinando-se que a isenção legalmente reconhecida à Fazenda Pública seja reflectida na elaboração e liquidação da conta.
*

Quanto ao pedido subsidiário de dispensa de pagamento do remanescente de taxa de justiça devida no processo, vejamos.

Tem sido orientação da jurisprudência, expressada em diversos arestos, que a norma constante do nº 7 do art.º 6º do Regulamento das Custas Processuais deve ser interpretada em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e conduta processual das partes), iluminada pelos princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade.

Na ponderação dos elementos em causa, atendendo a que o valor do processo é de EUR.1.072.602,40 e que o pedido é feito antes do trânsito em julgado da decisão final do processo, entende-se ser de conceder dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça devida no processo, que aproveita a ambas as partes, o que também deverá ser reflectido na elaboração e liquidação da conta.

3– DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
Ø Deferir a requerida reforma do acórdão proferido nos presentes autos alterando o segmento condenatório em custas de que consta «Sem custas», dele passando a constar o seguinte: «Não são devidas custas no recurso e no decaimento da Recorrente em 1.ª instância, por isenção legal de que goza Fazenda Pública (processo anterior a 2004)».
Ø Deferir o pedido de dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça devida no processo, que aproveita a ambas as partes.

Sem custas neste.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2024.

_______________________________
Vital Lopes


________________________________
Jorge Cortês


________________________________
Patrícia Manuel Pires