Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1626/04.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IRC 1993
ERRO DE JULGAMENTO
ABATE DE VEÍCULOS DO ATIVO IMOBILIZADO
REINTEGRAÇÕES E AMORTIZAÇÕES DE BENS REAVALIADOS
Sumário:I - O cálculo do período de vida útil dos bens que fazem parte do ativo imobilizado corpóreo, apura-se com base nas taxas legalmente fixadas, segundo o respetivo método, sendo que o pressuposto do direito à dedução não é a existência de um custo de utilização no período de tributação, mas sim a parcela do custo de aquisição no período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor, período este, definido na respetiva tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 2/90 de 12/01.

II - Decorre da alínea d) do n.º 1 do artigo 32.º do CIRC, na redação coeva, que não são aceites como custos as reintegrações e amortizações praticadas para além do período máximo de vida útil, ressalvando-se os casos especiais devidamente justificados e aceites pela Administração Tributária, ou seja, nos termos da norma citada, não são considerados custos de exercício as reintegrações e amortizações dos elementos do ativo imobilizado reavaliados ao abrigo do Dec. Lei n.º 264/93, de 24/11, praticados para além do período máximo de vida útil, a menos que sejam casos justificados e devidamente aceites pela DGCI.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a primeira Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO

O....., S.A, veio deduzir impugnação judicial contra a decisão de indeferimento total que recaiu sobre a reclamação graciosa, apresentada contra a liquidação adicional de IRC n.° 8310011548, relativa ao exercício de 1993 e respetivos juros compensatórios, no valor total de € 20.672,32.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por decisão de 26 de abril e 2010, julgou improcedente a impugnação.

Inconformado, a S....., S.A, veio recorrer da decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I - Impugnação de Facto

1. °- Encontram-se admitidos por acordo entre a Recorrente e a Administração Fiscal e demonstrados documentalmente diversos factos relevantes para a decisão da causa que não foram incluídos no elenco de factos provados.

2.° - Na petição inicial a Recorrente alegou que as correcções efectuadas ao lucro tributável do exercício de 1993 se reportavam a abate dos veículos com as matrículas DU-….., IO-…., CV-…., e ES-…. e que estes foram removidos das suas instalações por sucateiros, tendo sido atribuído o valor de venda zero, por se considerar que esse valor seria igual ao da remoção (artigos 7.° e 8.° da p.i.).

3. ° - Na sua contestação, a Administração Fiscal aceitou que estava em causa o abate dos veículos de mercadorias matrículas DU-…, IO-…, CV-…., e ES-…. (página 3 de 10 da contestação - cfr. também fls. 52 a 54 do processo administrativo tributário) e que o estado de degradação dos veículos era tal que os sucateiros só aceitariam efectuar a sua retirada se não lhes fosse exigida qualquer verba (ponto 38 da contestação e ultimo paragrafo de fls, 58 do processo administrativo tributário).

4.° - Já que, e no que concerne ao alegado no artigo 8º da p.i. a Administração Fiscal, não obstante discordar do enquadramento jurídico que a Recorrente lhes deu, aceitou a veracidade dos factos alegados (fls. 58 do processo administrativo tributário).

5.° - Acresce que dos requerimentos de cancelamento dos veículos decorre que o fundamento destes foi o abate dos automóveis para sucata (fls. 2 a 20 do processo administrativo tributário).

6° - Estes factos, por si só, justificam o entendimento da Recorrente de que houve uma transmissão dos bens ou, pelo menos, atento a sua afectação a sucata, que estes deixaram de poder ser utilizados paro qualquer fim que se visasse realizar com a actividade por si exercida.

7.° - Isto é, que os bens deixaram de integrar o activo imobilizado da Recorrente, enquadrando-se os custos com esta operação no artigo 42° do CIRC.

8.° - Assim, devem ser aditados ao probatório as seguintes alíneas:
"Os abates de bens do imobilizado da impugnante referem-se aos veículos com as matrículas DU-…., IO-…., CV-…., e ES-…..”
"Os veículos com as matrículas DU-…, IO-…., CV-…., e ES-…. foram abatidos para sucata.”
"O estado de degradação dos veículos era tal que os sucateiros só aceitaram efectuar a sua retirada se não lhes fosse exigida qualquer verba."

9.° - Dos mapas de reintegrações e amortizações e da conta 6… do POC reportados a 1993 (a fls. 34 a 55 do processo administrativo tributário) consta que o valor das aquisições e reavaliações dos bens ascende ao total de 31.633.241 $00 e o montante amortizado até 1993 é de 25.563.500$00, pelo que o valor de aquisição deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas é de 6.069.741$00

10.°- Tal facto é relevante para efeitos de verificação da existência de menos- valia, nos termos do artigo 42° do CIRC, pelo que deve ser aditada a seguinte alínea ao probatório "O valor de aquisição dos veículos deduzido das reintegrações ou amortizações praticadas até 1993 é de 6.069.741$00”.

11.° - Dos resultados de pesquisa efectuada na base de dados da Administração Fiscal (a fls. 55 e 56 do procedimento administrativo) extrai-se que o direito de propriedade dos veículos IO-…, CV-…. e ES-…. não está registado em nome da Recorrente.

12.° - O que é relevante para a integração das operações efectuadas no conceito de menos-valia e para desenquadrar da definição de amortizações extraordinárias já que apenas se pode amortizar bens que integram o activo imobilizado do contribuinte (artigo 27° do CIRC e artigo 1º n.°1 do Decreto Regulamentar 2/90).

13.°- Pelo que deve ser aditada a seguinte alínea ao probatório “O direito de propriedade dos veículos de matrícula IO-…., CV-…. e ES-…., não está registado em nome da Recorrente" (fls. 56 e 57 do processo administrativo).

II - Impugnação de Direito

14.°- Verifica-se uma menos ou mais-valia quando um bem deixa de integrar o activo imobilizado de um sujeito passivo, através de, designadamente, transmissão ou afectação a fim estranho à actividade desenvolvida por aquele (artigo 42° do CIRC).

15.° - Apenas podem ser efectuadas amortizações em bens que integram o activo imobilizado de um sujeito passivo (artigo 27° do CIRC).

16.° - A questão central a dirimir nos presentes autos é a de saber se os bens foram efectivamente transmitidos ou afectos permanentemente a fim alheio à actividade desenvolvida pela Recorrente, tendo, assim, deixado de constar do activo imobilizado desta.


Ora

17.° - Está provado que a Recorrente entregou os veículos a sucateiros e solicitou o cancelamento das matrículas por abate para sucata.

18.° - Desde 1993 a Recorrente não exerce sobre os quatro veículos os poderes de uso, fruição ou disposição, do que se conclui que estes não estão afectos à sua actividade.

19.° - Decorre da pesquisa efectuada na base de dados da Administração Fiscal que os veículos IO-…., CV-…. e ES-…. não estão registados a favor da Recorrente (fls. 55 e 56 do procedimento administrativo).

20.° - Desconhece a Recorrente se a matrícula DU-…. foi efectivamente cancelada ou se, em caso negativo, os sucateiros procederam ao registo a seu favor, mas, como o registo não tem efeito constitutivo (artigo 1º n.° 1 do Decreto-Lei n.° 54/75 de 12 de Fevereiro), do facto de neste continuar a constar que os veículos são da propriedade da Recorrente não demonstra a sua propriedade.

21.° - E efectivamente o veículo já não integra o seu activo imobilizado.

22.° - A Recorrente adquiriu os veículos com o fim de os utilizar para transporte das mercadorias que transacciona.

23.° - Com o abate dos veículos deixaram estes de estar afectos ao fim de transporte de mercadorias, e passaram a ser utilizados, exclusiva e permanentemente, como sucata, deixando, assim, de poder realizar a actividade exercida pela Recorrente, isto é, o comércio de mercadorias.

24.° - Os veículos que não podem ser utilizados na actividade desenvolvida pelo sujeito passivo não integram o seu activo imobilizado (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 02 de Julho de 2002 (processo 6711 /02).

25.° - Consequentemente, se a operação que originou a sua saída do activo imobilizado gerar ganhos ou perdas, estes constituem, respectivamente, mais ou menos- valias, nos termos do artigo 42° do CIRC.


Acresce que

26.° - Um bem apenas pode ser amortizado por um sujeito passivo quando está integrado no seu activo imobilizado (artigo 27° do CIRC e artigo 1º n.° 1 do Decreto Regulamentar 2/90)

27.° - Os veículos foram transmitidos para os sucateiros, para abate, foi solicitado o cancelamento das matrículas, e peio menos três dos automóveis não estão registados em nome da Recorrente, pelo que deixaram de integrar o activo da Recorrente.

28.° - Assim o registo de custos ou perdas com estes veículos nunca pode ser configurado como amortização.


Posto isto

29.° - O valor de aquisição das viaturas, deduzidas as reintegrações e amortizações é de 6.069.741$00 (fls. 39 e seguintes do processo administrativo tributário), e o valor de alienação destas foi de 0.

30.° - Verifica-se, assim, uma menos-valia no valor de 6.069.741$00 (artigo 42.° do CIRC), dedutível nos termos do artigo 23° n.° 1 i) do CIRC que podia ter sido deduzida como custo pela Recorrente no exercício de 1993.


Acresce que

31.° - Não apenas as operações consubstanciam materialmente uma menos-valia, e não uma amortização como, formalmente, foi esse o tratamento fiscal e contabilístico que lhes foi dado.

32.° - No Modelo 22 do ano de 1993, a Recorrente registou o valor de 6.069.741 $00, no quadro 28 “Custos e Perdas Extraordinárias”, no ponto 4.5. "Abates”, (al. D) dos probatório e fls. 36 do procedimento administrativo tributário).

33.° - Os custos ou perdas em imobilizações são tratados na conta 6… do POC - Perdas em Imobilizações, neste se registando as perdas provenientes de alienação de sinistros ou abates de imobilizações" (nota explicativa à conta 6…. - Decreto-Lei n° 410/89).

34.° - A doutrina entende que a conta 6… tem correspondência no conceito fiscal de menos-valia (José Cabrito Lourenço, in Auditoria Fiscal, Lisboa, 2a Edição, 2000, Vislis, pág. 393, F. Pinto Fernandes e N. Pinto Fernandes, in IRC - Prestação de Contas à Administração Tributária, 2ª Edição, 1991, Rei dos Livros, páginas 270 e 285 e seguintes).

35.° - As perdas em imobilizações implicam a disposição do bem do activo imobilizado.

36.° - Ao invés, as amortizações extraordinárias que têm correspondência fiscal nas desvalorizações extraordinárias, visam apenas reflectir, no exercício em que ocorrem, uma depreciação anormal do valor do imobilizado que se mantém ao serviço da empresa, embora com menos aptidão.

37.° A Recorrente registou os abates na conta 6… do POC (fis. 52 a 54 do processo administrativo tributário), enquadrando as operações como perdas em imobilização e, consequentemente, menos-valia, presumindo-se verdadeiras tais declarações (artigo 75° da LGT).

38.° - Do que se conclui que, quer os factos ocorridos, quer do tratamento contabilístico e fiscal dado aos mesmos, se retira que os custos se traduziram numa menos- valia e não numa amortização, podendo a Recorrente tê-los deduzido sem precedência de pedidos de autorização à Direcção Geral dos Impostos.

Mas ainda que se entenda que os factos se consubstanciaram em amortizações, o quo apenas por cautela de patrocínio se considera

39.° - Entende o tribunal a quo que os abates se traduziram em amortizações extraordinárias porque a vida útil dos bens ainda não tinha expirado (fls. 107 e 108).

40.° - É certo que os veículos DU-…, IO-….e CV-….. foram reavaliados, mas tal reavaliação não determina o reinício de contagem do período de vida útil.

41.° - Já que decorre do artigo 1.º n.°2 e artigo 3.° n.°4 do Decreto Regulamentar n,° 2/90 que os períodos mínimos e máximos de vida útil dos elementos do activo imobilizado corpóreo contam-se a partir da sua entrada em funcionamento.

42.° - Os veículos foram fabricados entre 1978 e 1981 (fls. 12 a 20 do processo administrativo tributário).

43.° - O período mínimo de vida útil dos veículos automóveis ligeiros, e dos pesados de mercadorias é de, respectivamente, 4 e 5 anos e o período máximo é de 8 e 10 anos (artigo 3º n.° 1 a) e b) e Código 2375 e 2385 da Tabela I do Decreto Regulamentar n.° 2/90).

44.° - Do que resulto que o período de vida útil dos veículos DU-…, IO-…., CV- …. e ES-…. já tinha expirado em 1993.

45.° - Assim, ainda que se pudesse entender que a operação que a Recorrente efectuou se consubstanciou numa amortização, este não se enquadra no disposto no artigo 10º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, pelo que a sua aceitação como custo não depende de qualquer autorização da Direcção Geral dos Impostos.

46.° - A sentença recorrida violou os artigos 3.° n.° 1 al. a), e n.°2, 15° n.° 1, 17°, 32° n.° 1 d) o 42° do C!RC, bem como o artigo 10.° do Decreto Regulamentar n.°2/90.

47.° - Deve assim o presento recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta sentença recorrida, com a consequente anulação do acto de liquidação de IRC n.° 8310….., assim se fazendo a consumada JUSTIÇA.»


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A recorrida, FAZENDA PUBLICA, devidamente notificada para o efeito, não contra-alegou.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, veio oferecer o seu parecer no sentido do não provimento do recurso.

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Com dispensa de vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – OBJECTO DO RECURSO

Como sabemos, independentemente das questões que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito da sua e intervenção (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639 n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).

Acresce dizer que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas de pode pretender, salvo a já mencionada situação de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida á apreciação do Tribunal a quo.

Assim, as questões a apreciar e decidir nesta sede são, segundo percebemos, as de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por errada qualificação das operações realizadas com os veículos removidos para abate no exercício e incorreta valoração dos factos que as suportam.

III – FUNDAMENTAÇÃO

De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A impugnante exerce a actividade de comércio por grosso n/especial produtos alimentares, bebidas e tabaco (CAE 051390). (Doc. a fls. 47 e 48 dos autos em apenso)

B) A impugnante é sujeito passivo de IRC, nos termos da al. a) do n.° 1 do art. 2° do CIRC, e encontra-se a ser tributada pelo regime geral de determinação do lucro tributável. (Doc. a fls. 49 dos autos em apenso)

C) A impugnante é sujeito passivo de IVA, conforme art. 2º do CIVA, enquadrada no regime geral de periodicidade mensal, nos termos do art.28°, n.° 1, al. c) e 40°, n.° 1, al. a) do CIVA, desde 01.01.1986. ( Doc. a fls. 49 do p.a.t. em apenso)

D) A impugnante na sua declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 1993, inscreveu como Custos e Perdas Extraordinárias - o valor de 6.069.741$00- abates de bens imobilizados. (Doc. a fls. 34 a 38 dos autos de Reclamação Graciosa em apenso)

E) Dão-se como integralmente reproduzidos os mapas de reintegrações e amortizações juntos à declaração modelo 22 de IRC levada à al. D) do probatório. (Doc. a fls. 34 a 55 dos autos de Reclamação Graciosa em apenso)

F) A impugnante foi objecto de uma acção de fiscalização externa com referência ao exercício de 1993, na sequência da qual a Administração Fiscal efectuou uma correcção ao lucro fiscal declarado, tendo o mesmo sido alterado de € 580,488,51 para € 610.764,25, tendo a correcção efectuada totalizado € 30.275,74. ( Doc. a fls. 7 a 10 do p.a.t. em apenso)

G) A correcção a que alude a al. F) do probatório, assentou na seguinte fundamentação: " Q20 L21 —ESC: 6.069.741 $00 ( seis milhões sessenta e nove mil setecentos e quarenta e um escudos), valor a acrescer ao lucro tributável, pelo incumprimento a alínea d) do n.° 1 do artigo 32° do CIRC, referente a Abates de bens do imobilizado registados em “Custos e Perdas Extraordinárias”, sendo que a sua aceitação, uma vez que se considera uma amortização excepcional, depende de autorização da D.G.C.I., mediante a apresentação de exposição fundamentada, nos termos do artigo 10° do Dec. Reg. 2/90 de 12 de Janeiro. Vide anexo n.° 1 fls. (1 a 12).” (Doc. a fls. 7 a 10 do p.a.t. em apenso)

H) Em 18.11.1993 requereu junto da Direcção-Geral de Transportes Terrestres, o cancelamento dos veículos de matrículas DU-…., IO-…., CV-….. e ES-….. (Doc. a fls. 12 a 20 dos autos de Reclamação Graciosa em apenso)

I) O veículo de marca Ford, modelo D 1210 L, tipo - pesado de matricula DU-…. consta no activo em 01.01.1999, veiculo não abatido, alterado em 1998 e colocado no activo em 1999, encontram-se na posse da impugnante. (Doc. a fls. 52 a 55 do p.a.t. em apenso)

J) O veículo de matrícula I0-…., não consta do activo e não consta como veiculo abatido. (Doc. a fls. 57 a 59 do p.a.t. em apenso)

K) O veículo de marca Ford, modelo Transit 175, tipo-ligeiro, matrícula CV-….. foi abatido em 18.05.00, alterado em 1998 e abatido no ano de 2000. (Doc. a fls. 60 a 62 do p. a. t. em apenso)

L) O veículo ES-…. não consta do activo e não consta como veículo abatido. (Doc. a fls. 63 a 65 do p.a.t. em apenso)

M) O imposto resultante da correcção efectuada, deu origem à liquidação adicional de IRC n.° 831….., referente ao exercício de 1993, no montante de € 20.672,32, tendo a mesma sido paga em 02.11.1998. (Doc. a fls. 6, 39 e 40 do p.a.t. em apenso)

N) Em 28.01.1999, a impugnante deduziu reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IRC a que alude a al. M) do probatório, à qual foi atribuído n.° 40020.3/99. (Doc. a fls. 2 a 5 dos autos em apenso)

O) A reclamação graciosa a que alude a al. N) do probatório, foi objecto de indeferimento, por despacho de 04.11.2004. (Doc. a fls. 60 a 61 dos autos em apenso)

P) Em 02.12.2004, a impugnante foi notificada do despacho de indeferimento a que alude a al. O) do probatório. ( Doc. a fls. 62 dos autos em apenso)

Q) Em 02.11.1998, a impugnante procedeu ao pagamento aposto na liquidação a que alude a al. M) do probatório. (Doc. fls. 68 e 68 dos autos)

R) Em 09.12.2004, deu entrada em juízo a petição inicial que originou os presentes autos. (Cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos)

MOTIVAÇÃO DE FACTO

A decisão da matéria de facto de efectuou-se com base no exame dos documentos não impugnados, que constam dos autos, referenciados em cada uma das alíneas do probatório.

FACTOS NÃO PROVADOS

Inexistem.

As demais asserções constituem conclusões de facto e/ou direito.»


»«

De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC de 1993, por não aceitar como custo fiscal as reintegrações e amortizações praticadas para além do período máximo de vida útil dos veículos abatidos no respetivo exercício.

Dissente do assim decidido a recorrente vem, em síntese, sustentar que o tribunal errou ao não dar como provado que diversos factos, que foram admitidos por acordo, entre a recorrente e a AT, que, em seu entender “… por si só, justificam o entendimento da Recorrente de que houve uma transmissão dos bens ou, pelo menos, atento a sua afectação a sucata, que estes deixaram de poder ser utilizados para qualquer fim que se visasse realizar com a actividade por si exercida.”, ou seja “…deixaram de integrar o activo imobilizado da Recorrente, enquadrando-se os custos com esta operação no artigo 42° do CIRC.” – concl. 1.º, 6º e 7.º

Considera que deveriam ser aditados aos probatório as seguintes alíneas:

"Os abates de bens do imobilizado da impugnante referem-se aos veículos com as matrículas DU-…., IO-…., CV-…., e ES-….”

"Os veículos com as matrículas DU-…., IO-…., CV-…, e ES-…. foram abatidos para sucata.”

"O estado de degradação dos veículos era tal que os sucateiros só aceitaram efectuar a sua retirada se não lhes fosse exigida qualquer verba." – concl. 8

E bem assim que:

O direito de propriedade dos veículos de matrícula IO-…., CV-…. e ES-…., não está registado em nome da Recorrente" (fls. 56 e 57 do processo administrativo). – concl. 13

Na apreciação da questão que nos vem colocada, encetamos por reafirmar que, a impugnação da matéria de facto se encontra, em primeira linha, balizada pelo disposto no artigo 640º do CPC e, por esta via, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas, impondo-se, nomeadamente, ao recorrente a obrigatoriedade de especificar, nas alegações de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida, sendo que o não cumprimento do ónus fixado, implica a condenação ao insucesso.

Por outro lado, é também certo, que relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que considera relevante para a decisão, tendo em conta a causa que fundamentam o pedido formulado pelo autor (causa de pedir) - cfr. artigos 596.º, nº.1 e 607.º, nºs. 2 a 4, do CPC] - e consignar se a considera provada ou não provada - cfr. artigo n.º 123.º nº.2, do CPPT.

É o que ressalta do princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual “… o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas.” – cfr. acórdão deste TCAS, proferido em 08/05/2019 do processo n.º 838/17.0BELRS.

Acrescenta ainda o acórdão citado que: ”[S]somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
(…)
Tal ónus rigoroso ainda se pode considerar mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6. Por outras palavras, o recorrente apenas observa os ónus de impugnação legalmente exigidos, quando especifica os concretos meios de prova que impõem que, para cada um dos factos impugnados, fosse julgado não provado, quando indica qual a decisão que em concreto deve ser proferida sobre a matéria impugnada e menciona os documentos ou pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento ou, pelo menos, apresenta transcrições dos depoimentos das testemunhas que corroboram a sua pretensão (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/04/2014, proc.7396/14; ac.T.R.Lisboa, 1/03/2018, proc.1770/06.8TVLSB-B.L1-2; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 25/10/2018, proc.6584/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/02/2019, proc. 118/18.3BELRS).
(…)” - fim de citação

Na apreciação que fizemos da situação em apreço, damos, desde logo, conta que não foi cumprido o ónus probatório imposto pelo artigo 640.º do CPC, que supra deixamos enunciado, uma vez que, não obstante a recorrente venha enunciar a decisão que em concreto considera que deveria ter sido proferida face à matéria impugnada e bem assim quanto à factualidade que pretende ver aditada, nada se diz ou especifica quanto aos concretos meios de prova que, em seu entender, escoram os factos indicados, para além de referir, sem concretizar, que se encontram “… admitidos por acordo entre a Recorrente e a Administração Fiscal e demonstrados documentalmente diversos factos relevantes para a decisão da causa que não foram incluídos no elenco de factos provados.”.

Com efeito, a recorrente não logrou, em momento algum, identificar quaisquer documentos e/ou factos capazes de demonstrar o acordo a que se refere, assim como não evidência a relevância que atribui a esse acordo para a situação em análise, sendo certo que, como resulta da sentença recorrida, o TAF de Sintra, não põe em causa o abate dos veículos, assume-o e qualifica-o exatamente como tal, ou seja, como “prestação de serviços” de “remoção de veículos”.

Termos em que se indeferem os requeridos aditamentos.

Quanto à matéria de direito pretende a recorrente que a operação efetuada seja enquadrada, contabilisticamente, como menos valia tributária, como de resto, ela própria declarou na declaração mod. 22 do no exercício de 1993, o que faz face suportada nos artigos 42.º e 27.º do CIRC, na redação coeva, concluindo que, a questão a dirimir nos presentes autos é “… a de saber se os bens foram efectivamente transmitidos ou afectos permanentemente a fim alheio à actividade desenvolvida pela Recorrente, tendo, assim, deixado de constar do activo imobilizado desta.”- concl. 14.º a 16.º

Porém, antes de passar a apreciação da questão que nos vem dirigida, recordemos as razões em que se fundou a inspeção tributária aquando da correção do lucro fiscal declarado pela impugnante, aqui recorrente, no exercício de 1993 são anteriores à transmissão dos bens, já que se relacionam com a impossibilidade de deduzir como custo a reavaliação extraordinária de bens não autorizada pela, então DGCI,

Na verdade, na fundamentação das correções consta o seguinte: “Q20 L21 —ESC: 6.069.741 $00 ( seis milhões sessenta e nove mil setecentos e quarenta e um escudos), valor a acrescer ao lucro tributável, pelo incumprimento a alínea d) do n.° 1 do artigo 32° do CIRC, referente a Abates de bens do imobilizado registados em “Custos e Perdas Extraordinárias”, sendo que a sua aceitação, uma vez que se considera uma amortização excepcional, depende de autorização da D.G.C.I., mediante a apresentação de exposição fundamentada, nos termos do artigo 10° do Dec. Reg. 2/90 de 12 de Janeiro. Vide anexo n.° 1 fls. (1 a 12).” – ponto G) da materialidade dada por provada

Dito isto debrucemo-nos sobre a argumentação que foi estruturada na sentença recorrida.

Com efeito diz-se ali que: «(…) contrariamente ao defendido pela impugnante não estamos perante uma transmissão onerosa de bens corpóreos, pelo que não se pode enquadrar a situação no n.°2 do art. 42° do CIRC.
O que houve foi uma prestação de serviços, mediante a qual em contrapartida da — prestação - de remoção dos veículos foi estipulado o preço de € 30.275,74. (Cfr.art. 8° da p.i.)
Donde, não estarmos perante uma transmissão onerosa de bens corpóreos, pelo que não se pode enquadrar a situação no n.°2 do art. 42° do CIRC.
Extrai-se da análise da declaração Mode. 22 de IRC e respectivos Mapas de Reintegrações e Amortizações, que a impugnante contabilizou as reintegrações sindicadas para além da vida útil esperada dos bens, tendo nalguns dos bens, sido efectuadas grandes reparações, e inclusive, reavaliados ao abrigo do DL. n.° 264/92, 11. [Cfr. al. E) do probatório]
Com efeito, os veículos DU-…., IO-…. e CV-…., tiveram grandes reparações, e foram reavaliados nos termos do Decreto -Lei n.° 264/93, de 24.11, sendo que o único veículo totalmente reintegrado e sem reavaliação foi o de matrícula ES-…..
Resulta ainda, que no ano de utilização dos veículos foi praticada por inteiro uma quota anual de reintegração, pelo que, no ano em que se verificou a inutilização dos mesmos, não são aceites para efeitos fiscais, as reintegrações efectuadas.
Acresce que, pese embora a impugnante para justificar os abates dos veículos, tenha requerido em 18.11.1993, à Direcção - Geral de Transportes Terrestres o cancelamento das matriculas, por abate para a sucata, a verdade é que não obteve deferimento quanto ao peticionado, por outra banda, da consulta ao Sistema Informático, recolheu a Administração Fiscal relativamente aos mesmos veículos que: “ O veículo de marca Ford, modelo D 1210 L, tipo - pesado de matrícula DU-… consta no activo em 01.01.1999, veiculo não abatido, alterado em 1998 e colocado no activo em 1999, encontram-se na posse da impugnante “O veículo de matrícula IO-…., não consta do activo e não consta como veiculo abatido; “ O veículo de marca Ford, modelo Transit 175, tipo-ligeiro, matrícula CV-…. foi abatido em 18.05.00, alterado em 1998 e abatido no ano de 2000” e “ O veículo ES-…. não consta do activo e não consta como veiculo abatido ”.
Quando à alegação vertida pela impugnante em torno dos conceitos fiscais “reintegrações e “amortizações", efectivamente os autores do Plano Oficial de Contabilidade não tomaram posição face a esta matéria, deixando ao critério de cada contribuinte a utilização daquele que entenderam mais adequado” (vide Noções Fundamentais sobre o IRC, CFAP - DGCI, fls. 99 e 100), tem no entanto vindo a entender-se que as reintegrações como o registo contabilístico do valor do consumo anual dos elementos do activo imobilizado corpóreo e as amortizações (registo contabilístico anual da desvalorização ou da repartição do custo dos elementos do activo imobilizado incorpóreo
Aqui chegados, é de concluir que a correcção da matéria colectável que originou a liquidação sindicada deve qualificar-se como reintegração extraordinária, a que se refere o art. 10° Decreto Regulamentar n° 2/90 de 12 de Janeiro e não como mais-valia, conforme o defendido pela impugnante.
Assim, por o montante em crise corresponder a reintegrações extraordinárias, apuradas em abates de veículos, cuja vida útil para efeitos fiscais, nos termos do n° 2/90 de 12 de Janeiro, não havia ainda expirado e não tendo a impugnante solicitado o pedido de autorização, através de exposição devidamente fundamentada, junto da Direcção Geral os Impostos nos termos do art. 10° do diploma referido no paragrafo anterior e obtido deferimento, não podem estas reintegrações serem aceites como custos fiscais.”- fim de citação

Adiantamos, desde já, que o assim decidido não nos merece qualquer censura.

Com efeito o cálculo do período de vida útil dos bens que fazem parte do ativo imobilizado corpóreo, apura-se com base nas taxas legalmente fixadas, segundo o respetivo método, sendo que o pressuposto do direito à dedução não é a existência de um custo de utilização no período de tributação, mas sim a parcela do custo de aquisição no período durante o qual se reintegra ou amortiza totalmente o seu valor, período este, definido na respetiva tabela anexa ao Decreto Regulamentar n.º 2/90 de 12/01.

Assim e como se diz no acórdão do STA proferido em 09/10/2019 no processo n.º 0123/05.0BEALM 01322/17, “com a amortização não se deduz o valor correspondente ao desgaste do elemento do ativo imobilizado em cada exercício, mas a parcela do custo suportado com a aquisição ou produção desse elemento do ativo imobilizado, expresso em quotas constantes que refletem a sua vida útil previsível [sobre as duas teses contrapostas desenvolvidas na Alemanha em torno do significado e da função da amortização ver, por todos, ENRIQUE ORTIZ CALLE, in «El Régimen Jurídico Tributário de las Amortizaciones en el Impuesto sobre Sociedades», Editorial Colex 2001, pág. 15].”

Decorre da alínea d) do n.º 1 do artigo 32.º do CIRC, na redação coeva, que não são aceites como custos: “[A]as reintegrações e amortizações praticadas para além do período máximo de vida útil, ressalvando-se os casos especiais devidamente justificados e aceites pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos;”(1) ou seja, nos termos da norma citada, não são considerados custos de exercício as reintegrações e amortizações dos elementos do ativo imobilizado reavaliados ao abrigo do Dec. Lei n.º 264/93, de 24/11, praticados para além do período máximo de vida útil, a menos que sejam casos justificados e devidamente aceites pela DGCI.

A fundamentação utilizada na sentença recorrida, é adequada, dado que, conforme referimos, as correções levadas a cabo pela AT reportam-se apenas a casos resultantes de reavaliação de bens totalmente reintegrados, mas que já haviam excedido o período máximo de vida útil e sendo assim nada há a censura à AT ao desconsiderar como custos os valores contabilizados e declarados como «Abates de bens do imobilizado registados em “Custos e Perdas Extraordinárias”»(2)

Termos em que improcedem in totum, as conclusões recursivas.

IV- DECISÂO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da primeira Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo recorrente

Registe e Notifique

Lisboa em 26 de maio de 2022

Hélia Gameiro Silva - Relatora
Ana Cristina Carvalho – 1.ª Adjunta
Isabel Fernandes – 2.ª Adjunta



(1)No mesmo sentido o n.º 5 do artigo 3.º do Decreto Regulamentar 02/90 de 12/01
(2)Vide neste sentido os acórdãos do STA proferidos em 27/10/99, no processo n.º 24042 e em 10/10/2001, no processo n.º 25836.