Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1974/13.7 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:IRS
AJUDAS DE CUSTO
Sumário:I. Não tendo a AT demonstrado a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição da verba a título de ajudas de custo (como lhe incumbia para poder alterar a declaração do contribuinte) não pode pretender que ela configure um rendimento de trabalho dependente, tributável em IRS.
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A Fazenda Pública, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 29-10-2021, que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida por A......... e V......... contra o ato de liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) com o n.º.........39 relativamente ao ano de 2010, no montante global de €21.884,62.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«a. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a Impugnação Judicial procedente e, em consequência, anulou a liquidação adicional de IRS nº .........39 do ano de 2010 bem como a liquidação de juros compensatórios.

b. Salvo o devido respeito, a douta sentença enferma de erro de julgamento resultante da incorreta valoração da factualidade assente, como também da errónea interpretação e aplicação do direito, tendo, assim, violado a norma prevista no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

c. A sentença proferida pelo tribunal a quo considerou que os abonos atribuídos aos impugnantes representam efetivamente ajudas de custo e, consequentemente, julgou ilegal a liquidação adicional de IRS relativa ao mesmo por erro nos pressupostos de facto e de direto.

d. Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com tal entendimento.

e. A caraterística essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que suportou a favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspetividade entre a sua perceção e a prestação do trabalho.

f. Não existe uma legislação específica para a matéria de ajudas de custo atribuídas aos trabalhadores do setor privado, pelo que tem vindo a ser aplicado o regime para as deslocações ao serviço dos trabalhadores da função pública regulado pelo Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril, (deslocações em serviço no território nacional) e o Decreto-Lei n.º 192/95, de 28 de julho (deslocações ao estrangeiro).

g. E prevê o artigo 12.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei 106/98 de 24 de abril, que «O abono de ajudas de custo não pode ter lugar para além de 90 dias seguidos de deslocação.» (sublinhado nosso)

h. Apesar deste limite não se aplicar diretamente às relações jurídicolaborais de direito privado, deve ser entendido como um indicador e um ponto de partida na interpretação do conceito de ajudas de custo.

i. Isto é, resulta daqui que a atribuição do abono de ajudas de custo pressupõe a realização de despesas excecionais resultantes de uma efetiva e pontual deslocação dos trabalhadores do seu local habitual de trabalho ao qual deverão regressar e onde deverão permanecer assim que a deslocação terminar.

j. Ora, exige-se, assim, que tenha ocorrido uma efetiva deslocação do local habitual de trabalho, pelo que importa saber qual é o local habitual de trabalho.

k. Um dos pressupostos legais de atribuição de ajudas de custo é que a deslocação seja ocasional, o que não foi o que sucedeu in casu, pois dos recibos das ajudas de custo resulta que foram pagas ajudas de custo quase todos os dias do ano, incluindo feriados e fins-de-semana (facto que deverá ser acrescentado aos factos dados como provados).

l. Da análise aos recibos das ajudas de custo resulta que os Impugnantes durante o ano de 2010 trabalharam fora da sede da empresa no Carregado, pelo que não podemos concluir que o local habitual de trabalho era no Carregado e que as ajudas de custo pagas se deveram a deslocações pontuais e temporárias a Espanha.

m. Na verdade, resulta de toda a prova produzida nos autos (sobretudo da análise dos recibos das ajudas de custo) que o local habitual de trabalho era em Espanha no caso do Impugnante V......... e na Holanda e Espanha no caso da Impugnante A…….

n. Pelo que não existiu assim qualquer deslocação ao serviço da entidade empregadora para efeitos do pagamento de ajudas de custo porque os trabalhadores tinham como local habitual de trabalho as cidades em Espanha referidas nos recibos das ajudas de custo e em Holanda (desconhece-se a cidade, pois nos recibos apenas refere o país “Holanda”).

o. Sendo o local de trabalho em Espanha e Holanda e aí o custo de vida ser alegadamente mais elevado do que em Portugal, estava na disponibilidade das partes, no âmbito da liberdade contratual, fixar um salário adequado à situação que os impugnantes iam encontrar no seu local de trabalho.

p. Sendo que, esta verba negociável sempre reuniria as caraterísticas de remuneração, e por isso sujeita a IRS.

q. Importa ainda salientar que os pagamentos de importâncias iguais ao longo dos meses não é um mero indício, esta coincidência “configura uma impossibilidade estatística que afasta a natureza compensatória dos valores recebidos a título de ajudas de custo e comprova a natureza remuneratória das mesmas” conforme é referido no relatório de inspeção

r. Outro facto que só vem reforçar a natureza remuneratória das alegadas ajudas de custo é o facto de a entidade patronal ter efetuado igualmente o pagamento do subsídio de almoço nos dias em que são auferidas ajudas de custo (facto que deverá ser acrescentado aos factos em complemento ao facto 7).

s. Se nas ajudas de custo estão abrangidas as despesas de alimentação, não é compreensível a entidade patronal pagar o subsídio de almoço nos dias em que o trabalhador se encontra deslocado. O subsídio de almoço deveria ter sido subtraído ao valor das ajudas de custo pagas ao trabalhador se de verdadeiras ajudas de custo se tratassem, o que não ocorreu no presente caso.

t. Perante todos os factos acima descritos, considerando ainda que a verba relativa às ajudas de custo é de montante elevado, excedendo em muito a própria remuneração declarada, tem carácter regular e periódico, configura uma verdadeira remuneração, sujeita, por isso, a tributação em de sede de Categoria A.

u. Contrariamente ao que foi decidido pelo tribunal a quo, entende a Fazenda Pública que por um lado, a situação concreta dos trabalhadores não era suficiente para que auferissem ajudas de custo, como ficou supra demonstrado e por outro, as características inerentes a estes montantes reconduzem a pagamentos com natureza remuneratória sujeitos a tributação, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

v. Assim, não se verifica qualquer erro de facto nos pressupostos na atuação da Administração Tributária pelo que deveria o tribunal a quo ter decidido pela legalidade da liquidação ora em causa.

w. Pelo exposto, a douta sentença ao decidir pela ilegalidade da liquidação de IRS violou a norma prevista no artigo 2.º, n.º 1, al. a), do CIRS.

x. Com efeito, é forçoso concluir, salvo melhor entendimento, que a sentença recorrida enferma de vício de violação de lei, devendo ser a mesma revogada e ser decidido pela legalidade da liquidação de IRS.

y. Assim, deverá ser dado provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença recorrida e ser substituída por acórdão que decida pela improcedência da Impugnação Judicial

Nos termos supra expostos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA»

3. Os recorridos, A......... e V….., devidamente notificados, apresentaram contra-alegações, onde formularam as seguintes conclusões:

«1) Por economia e comodidade de exposição e de confronto a presente resposta seguirá as conclusões da Recorrente, e tentar-se-á ser tão breve quanto o conteúdo das conclusões o permita. Por isso que, sem explanações inúteis, se entra directamente na matéria do recurso.

2) Com a presente apelação a Apelante apenas têm em vista alterar a verdade dos factos, absolutamente provados em sede de audiência discussão e julgamento, não aceitando assim esta Douta Sentença que decretou a anulação do acto impugnado, considerando a acção interposta pelos oras Recorridos totalmente procedente por provada, que aliás, estamos certos, que este Venerando Tribunal não deixará de confirmar.

3) Nas conclusões da motivação do recurso, a Apelante alega em síntese que os valores auferidos não se integram no conceito de ajudas de custo, tendo feito uma errónea interpretação do artigo 2.º do CIRE. Ora salvo melhor opinião, nenhuma razão assiste à ora Apelante, sendo certo que muito bem andou o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” quando proferiu a supra referida Sentença.

4) Pelo que, e por uma questão de relembrar o recorrente da matéria provada constante dos autos, desde já se passa a elencar a matéria dada como provada no presente processo, e que indubitavelmente levaria a sentença proferida: 15) Os trabalhadores, quando se encontravam deslocados a trabalhar no estrangeiro, assinavam os mapas de ajudas de custo com os montantes que lhe lhes eram pagos, cf. depoimento das testemunhas Â......... e V.A.........; 16) Os trabalhadores que estavam deslocados a trabalhar no estrangeiro pagavam as despesas inerentes a alojamento, alimentação, transportes e a entidade patronal reembolsava-os dos respetivos montantes, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........; 17) A entidade patronal deslocava-se ao estrangeiro, ao local onde iriam ocorrer as obras para aferir dos custos de alojamento, alimentação, transportes que importava a cada trabalhador tendo em conta a proximidade do local onde iriam ocorrer os trabalhos e a proximidade de alojamento dos trabalhadores para estes se poderem apoiar uns aos outros quer no alojamento quer nas deslocações, cfr. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........; 18) A entidade patronal estabelecia um valor máximo de ajudas de custo a pagar mensalmente aos trabalhadores que se encontravam deslocados a trabalhar nas obras em Espanha e na Holanda, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........; 19) A entidade patronal pagava o valor previamente estipulado para as ajudas de e não exigia a apresentação de documentos comprovativos do pagamento das despesas efetuadas pelos trabalhadores, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........; 20) Os montantes que constam nos recibos como despesas de representação correspondem às referidas ajudas de custo, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A......... e RIT, pág. 9; 21) Era processado o pagamento mensalmente e o montante da ajuda de custo era fixo mensalmente e variava consoante os meses de verão e de Natal derivado ao aumento dos preços da alimentação e alojamento, nessas alturas do ano cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A......... e RIT, pág. 9;

5) Ora tendo em atenção a matéria de facto provada e a legislação em vigor resulta do art. 2.° n.° 3 al. e) e 6 do CIRS, que não se consideram rendimentos do trabalho dependente as ajudas de custo recebidas pelos trabalhadores dependentes, em serviço da entidade patronal, na parte em que estas não excedam os limites legais, considerando-se como tais os anualmente fixados para os servidores do Estado.

6) As ajudas de custo são pagas para fazer face a despesas de alojamento, alimentação e deslocação das pessoas, quando estas se encontrem, temporariamente, deslocados por conta da entidade empregadora e/ou contratadora, com vista a realizar as suas funções de serviço.

7) Ora conjugadas estas circunstâncias não se retira que no ano de 2009 (pelo contrário ficou provado o contrário) os recorridos não se tenha deslocado ao serviço da entidade pagadora, sendo certo que a existência de controle documental interno por parte da empresa justificativo das declarações prestadas nos boletins de ajudas de custo pelo trabalhador à empresa, tão só pode significar que tenha efectivamente havido deslocações, como de facto ocorreu.

8) Assim em face deste quadro factológico, é de concluir que a Administração Tributária não coligiu os elementos mínimos, isto é, indícios sérios e objectivos, reveladores de uma probabilidade elevada de que as ajudas de custo pagas aos recorridos no ano 2010 não corresponderam à mera reposição ou reembolso de despesas incorridas por esta ao serviço e a favor da sua entidade patronal, por motivos de deslocações, ou de que foram ultrapassados os limites legais quantitativos previstos no Código do IRS.

9) Diga-se ainda, que, estando os montantes pagos aos recorridos contabilizados na escrita da entidade patronal como sendo relativos a ajudas de custo, competia à Fazenda, posto que alterou os rendimentos que aquele declarou para IRS, provar que os quantitativos em causa se reportam a complemento de remuneração e não a despesas feitas pelos recorridos ao serviço e por conta da entidade patronal.

10) É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que as ajudas de custo representam uma compensação ou reembolso pelas despesas que o trabalhador é obrigado a suportar por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço da entidade patronal, não existindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho prestado.

11) Mais se refira que a eventual inexistência de elementos de prova que permitam concluir, à AT no exercício do seu poder - dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, por parte dos contribuintes, pela realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, será suficiente para que englobe os respectivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.

12) A forma mais directa de se proceder a tal demonstração é, como temos, por evidente, através da prova documental, designadamente, através dos respectivos boletins de itinerário o que ocorreu, falhando assim a AT na demonstração do que pretendia.

13) Como resulta do estatuído pelo art. 2.º n.º 3 al. d) CIRS, nenhum tecto se coloca ao valor que pode ser auferido a título de ajudas de custo, para além da ultrapassagem dos montantes legais do mesmo tipo de prestação prevista para os servidores do Estado, sendo que, mesmo nesta última hipótese, o efeito não é desqualificar as ajudas de custo, mas sim, mantendo esta mesma condição, tributar a importância correspondente ao excesso.

14) Em segundo lugar, a AT não está dispensada de, casuisticamente, afirmar e comprovar tal ocorrência, em ordem a lograr o cumprimento do ónus da prova da ausência de qualquer fim compensatório de abonos feitos com o pretexto de custear despesas com estadia, alimentação e deslocação.

15) Por último cumpre referir que com interesse para a matéria da presente impugnação, cabe ainda notar que apesar do regime aplicável em relação às ajudas de custo por deslocações ao estrangeiro ser o D.L. nº 192/05, de 26-07, nada obsta a que a parte geral do D.L. 106/98, de 24-04 ( que rege sobre as ajudas de custo em território nacional - arts. 3º a 14º - e que remete para diploma próprio o abono por ajudas de custo por deslocações ao e no estrangeiro - art. 15º ) se aplique ao caso em apreço.

16) Ora arts. 1.º e 2.º que definem o âmbito de aplicação pessoal e definem o domicílio necessário para efeitos de ajudas de custo. A não ser assim só se poderia sindicar, desde logo pela AT, estas ajudas na parte que excedesse os limites legais, mesmo que o trabalhador sempre tivesse residência no local de trabalho e desde que entre este e o seu empregador se convencionasse que a remuneração paga o fosse a título de ajudas de custo.

17) A partir daqui, tem de entender-se que existiu deslocação do domicílio necessário, na medida em que os recorridos foram contratado para exercer funções no escritório da empresa pagadora e deslocou-se em 2010 para Espanha e Holanda, para aí trabalhar ao serviço da M........., Lda.

18) Não deixa, assim, de haver deslocação do domicílio necessário a partir do momento em que os recorridos vão trabalhar para Espanha e Holanda na medida em que o seu domicílio necessário era a área correspondente à sede da empresa, isto é, nos escritórios desta no Carregado.

19) Assim, porque o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à AT e porque, no vertente caso, da matéria de facto provada nem resulta provada a falta de finalidade compensatória do referido montante nem, por outro lado, que o mesmo exceda os limites consagrados até pelo contrário resulta por confissão da AT que tais montantes não excedem os limites previstos, não pode esse mesmo montante configurar-se como um rendimento de trabalho dependente, tributável em sede de IRS.

20) Decorre, pois, do que se vem de referir, que, no caso, a AT não fez a indispensável demonstração de que as quantias que estão na base da impugnada liquidação, foi pagos a título remuneratório, falecendo, por isso, o pressuposto essencial à realização daqueles actos tributários.

21) Note-se como refere, e bem, a Douta sentença ora recorrida: “(…) No caso em apreço, como resulta do probatório, as verbas em causa encontram devidamente documentadas com Mapas e respetivos recibos, não tendo os serviços de Inspeção Tributária efetuado qualquer correção a esse respeito. (…)

22) Mais referindo igualmente a Douta sentença que, entendimento este que se perfilha m absoluto (…) Ao invés, tendo em conta o depoimento das testemunhas podemos afirmar que o acréscimo pecuniário pago mensalmente aos impugnantes ao longo do ano de 2010 são efetivamente ajudas de custo auferidas em razão da deslocação do seu local de trabalho para exercerem a função para a qual foram contratados pela sua entidade patronal no estrangeiro. Resulta, pois, do probatório que são despesas efetivamente suportadas pelos trabalhadores que posteriormente são reembolsadas pela entidade patronal que, previamente, estabelecia um limite de despesas mensais para os trabalhadores deslocados poderem escolher alojamento, alimentação e transportes apenas dentro daqueles limites, sob pena de tais despesas incorrerem por conta própria, cf. factos 15 a 20 do probatório. (…)

23) Face ao exposto (matéria de direito e matéria de facto), verificamos, claramente, que face à matéria dada como provada, outra solução jurídica não poderia ser dada. De facto, como resulta claro da própria sentença ora recorrida, a A. provou sem margem para dúvidas que as quantias que recebeu são de facto e de direito ajudas de custo. Assim sendo e por tudo o atrás descrito, resta senão concluir conforme sentença doutamente proferida.

24) Pelo exposto, resulta claro, que o entendimento da Apelante é totalmente desprovido de fundamento, pois a Douta Sentença recorrida valorizou e considerou devidamente toda a prova oferecida nos autos e decidiu em conformidade com a mesma.

25) A sentença recorrida, pelos motivos atrás invocados é a única possível para a questão em apreço, pois cumpre e respeita todos os requisitos impostos por lei, e processo civil.

TERMOS EM QUE DEVERÁ SER NEGADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE INTEGRALMENTE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA.

ASSIM FARÃO V. EX.ª COMO SEMPRE E MAIS UMA VEZ JUSTIÇA!»


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4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, emitiu douto parecer, no sentido de julgar improcedente o recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento (i) quanto à decisão da matéria de facto e (ii) na aplicação do direito aos factos, por ter concluindo que os rendimentos atribuídos aos Recorridos representam «ajudas de custo» e não pagamentos com natureza remuneratória sujeitos a tributação, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIRS .


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, julgo provados os seguintes factos:


1.

Os impugnantes entregaram em 21.04.2010 e em 05.05.2011 as declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS referentes aos anos de 2009 e 2010, onde declararam ter obtido rendimentos da categoria A – trabalho dependente, cf. pág. 5 do Relatório de Inspeção Tributária – RIT;

2.

Como resultado dos valores e informações declarados, foram efetuadas as respetivas liquidações de IRS, com valores a receber no total de €1.211,47, em 2009, e €2.690,13, em 2010, cf. pág. 5 do RIT;

3.

No cumprimento das Ordens de Serviço OI201300570 e OI201300571, foi realizada uma inspeção interna, aos impugnantes, com o âmbito do Código de Atividade ........19 – “Ações de controlo declarativo”, tendo como base proposta de inspeção elaborada no decurso de ação inspetiva efetuada à entidade patronal do contribuinte, M..........., Lda, “onde foi detetado o pagamento de rendimentos de trabalho dependente (categoria A), a ambos os impugnantes que não foram sujeitos a tributação em sede de IRS”, cfr. pág. 5 do RIT;

4.

A ação inspetiva efetuada à entidade patronal teve por base o ofício n.º 674, de 26.11.2010, do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social, tendo sido por este departamento apurado, que a entidade pagadora dos referidos rendimentos “M...........Lda.” tinha pago à generalidade dos trabalhadores importâncias a título de “ajudas de custo”, que integram o conceito de remuneração, cf. fls. 5 do RIT;

5.

Durante o ano de 2010 a sociedade «M..........., Lda.», NIPC ..........30, com sede na P. I. D. H., lote …… – Escritório – Carregado, pagou rendimentos de trabalho dependente (categoria A) a ambos os impugnantes, cf. pág. 5 do RIT;

6.

A atividade exercida por aquela sociedade consistia nomeadamente em trabalhos de serralharia e soldadura, decapagem e pintura de navios em estaleiros, cf. pág. 7 do RIT;

7.

Durante os anos de 2009 e 2010 foram mensalmente processados a cada um dos impugnantes dois recibos mensais (três nos meses em que foram pagos subsídios de férias ou subsídios de Natal), sendo que um dos recibos continha o salário e o subsídio de alimentação, outro com a descrição “ajudas de custo” e, no caso de férias ou Natal, com descrição “subsídio de férias” ou “subsídio de Natal”, cf. pág. 9 e Anexo 2 do RIT;

8.

Aos impugnantes foram emitidos recibos que continham ajudas de custo e o respetivo subsídio de refeição, cf. pág. 9 e anexos I e 2 do RIT;

9.

O somatório mensal do valor do salário, acrescido do subsídio de refeição e das ajudas de custo é sempre o mesmo, cf. pág. 9 do RIT;

10.

A impugnante (A........) entre janeiro de 2009 e maio de 2010 auferiu mensalmente €8.000 (oito mil euros), com exceção de dezembro de 2009 onde o processamento de dois subsídios – férias e Natal – elevou aquele montante para €14.600,00 (quatorze mil e seiscentos euros); nos meses de junho e dezembro de 2010, aquele valor fixou-se em €5.634,61 (cinco mil, seiscentos e trinta e quatro euros e sessenta e um cêntimos), cf. págs. 09 e 10 do RIT:

“(texto integral no original; imagem)”

11.


O impugnante (V........), no mesmo hiato temporal, auferiu os valores descritos na pág. 10 do RIT, cujo teor se transcreve:

“(texto integral no original; imagem)”


12.

Os impugnantes recebiam, conjuntamente, mensalmente €9.600,00 (nove mil e seiscentos euros) ou €10.600,00 (dez mil e seiscentos euros), cf. pág. 10 do RIT:

13.

Os valores pagos a título de ajudas de custo aos impugnantes em 2009 e 2010, foram de €62.284,70 e de €57.051,40, respetivamente, cf. pág. 11 do RIT;

14.

Os impugnantes não procederam ao pagamento da importância liquidada no prazo de pagamento voluntário o que deu origem à instauração, em 22 de agosto de 2013, de um processo de execução fiscal n.º ….552, para a respetiva cobrança coerciva que se encontra suspenso por ter sido prestada garantia para o efeito, cf. fls. 183 do PA;

15

Os trabalhadores, quando se encontravam deslocados a trabalhar no estrangeiro, assinavam os mapas de ajudas de custo com os montantes que lhe lhes eram pagos, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........;

16.

Os trabalhadores que estavam deslocados a trabalhar no estrangeiro pagavam as despesas inerentes a alojamento, alimentação, transportes e a entidade patronal reembolsava-os dos respetivos montantes, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........;

17.

A entidade patronal deslocava-se ao estrangeiro, ao local onde iriam ocorrer as obras para aferir dos custos de alojamento, alimentação, transportes que importava a cada trabalhador tendo em conta a proximidade do local onde iriam ocorrer os trabalhos e a proximidade de alojamento dos trabalhadores para estes se poderem apoiar uns aos outros quer no alojamento quer nas deslocações, cfr. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........;

18.

A entidade patronal estabelecia um valor máximo de ajudas de custo a pagar mensalmente aos trabalhadores que se encontravam deslocados a trabalhar nas obras em Espanha e na Holanda, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........;

19.

A entidade patronal pagava o valor previamente estipulado para as ajudas de e não exigia a apresentação de documentos comprovativos do pagamento das despesas efetuadas pelos trabalhadores, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A.........;

20.

Os montantes que constam nos recibos como despesas de representação correspondem às referidas ajudas de custo, cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A......... e RIT, pág. 9;

21.

Era processado o pagamento mensalmente e o montante da ajuda de custo era fixo mensalmente e variava consoante os meses de verão e de Natal derivado ao aumento dos preços da alimentação e alojamento, nessas alturas do ano cf. depoimento das testemunhas Â.........e V.A......... e RIT, pág. 9;

III.II - Factos não Provados.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão a proferir.

Motivação. A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram, bem como nos esclarecimentos efetuados ao tribunal pelas testemunhas arroladas pela impugnante.

O depoimento das testemunhas Â.........e V.A......... funcionários da entidade empregadora «M..........., Lda.» revelou (sem outra prova junta aos autos pela AT) no sentido de explicar ao tribunal o modus operandi da entidade patronal no que diz respeito à forma como era calculado e processado o pagamento aos trabalhadores deslocados no estrangeiro das ajudas de custo aqui em questão, conforme resulta dos factos provados n.º 15 a 20.

Os responsáveis da impugnante deslocavam-se previamente às localidades onde iriam ocorrer as obras para as quais tinham de deslocar trabalhadores.

Essa deslocação tinha com objetivo indagar a proximidade do local de realização dos trabalhos, com a proximidade de alojamento dos trabalhadores, no sentido de encontrar os preços médios de alojamento, alimentação e transporte para definir os montantes de ajudas de custo a pagar mensalmente a cada trabalhador para a sua subsistência em relação à duração dos trabalhos a efetuar nas obras contratadas. O local do alojamento dos trabalhadores perto uns dos outros era preferencial no sentido de se poderem ajudar mutuamente. Mais afirmaram que o pagamento da ajuda de custo fixado era processado mensalmente e variava consoante os meses de verão e de Natal derivado ao aumento dos preços da alimentação e alojamento nessas alturas do ano. Os depoimentos foram prestados de forma credível, segura e espontânea, o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade.»


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2. DO ERRO DE JULGAMENTO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

A primeira questão que importa apreciar é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto.

O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que concluiu que a liquidação impugnada enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, por os pagamentos efectuados aos Impugnantes pela sua deslocação do seu local de trabalho ao estrangeiro para aí exercerem as funções para a qual foram contratados pela sua entidade patronal revestem a natureza de ajudas de custo e pela ausência de prova face à fundamentação do acto que se consubstancia em afirmações genéricas e não especificadas, anulando a liquidação adicional de IRS, referente ao ano de 2010 e a liquidação de juros compensatórios.

A Recorrente não se conforme com o decidido, pedindo que seja aditado aos factos dados como provados, em complemento do facto 7, que a entidade patronal efectuou igualmente o pagamento do subsídio de almoço nos dias em que são auferidas ajudas de custo (cfr. alínea r. das conclusões da alegação de recurso).

Vejamos.

O n.º 1 do artigo 662. º do CPC, determina que A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na perspectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

O legislador rejeitou a possibilidade de repetição de julgamentos bem como de recursos genéricos sobre a matéria de facto impondo ao recorrente não só que indique os concretos pontos da matéria de facto em divergência bem como os concretos meios probatórios que constam do processo que permitam o julgamento pretendido.

Da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC resulta que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa, desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram minimamente cumpridos, uma vez que não individualiza o facto, nem a respectiva prova.

Porém, conclusão distinta é a de saber se, tendo-o feito, existe fundamento para a pretendida alteração dos factos provados, através do seu aditamento.

O Recorrente pretende que seja dado como provado e aditado aos factos provados, em complemento do ponto 7, que a entidade patronal efectuou o pagamento do subsidio de almoço nos dias em que são auferidas ajudas de custo.

Porém, tal facto já resulta dos pontos 8 e 16 dos factos dados como provados.

Pelo que se desatende o aditamento do referido facto ao probatório.

A Recorrente alega ainda que da análise aos recibos das ajudas de custo resulta que os impugnantes durante o ano de 2010 trabalharam fora da sede da empresa no Carregado, pelo que não se pode concluir que o local habitual de trabalho era no Carregado e que as ajudas de custo pagas se deveram a deslocações pontuais e temporárias a Espanha. Mais alega, com base nos recibos das ajudas de custo, que o local habitual de trabalho era em Espanha no caso do Impugnante V........ e na Holanda e Espanha no caso da Impugnante A......... Daqui retira a conclusão que não existiu qualquer deslocação ao serviço da entidade empregadora para efeitos de pagamento de ajudas de custo.

Refere ainda que os pagamentos de importâncias iguais ao longo dos meses não é um mero indicio, a entidade patronal efectuou igualmente o pagamento do subsidio de almoço nos dias em que são auferidas ajudas de custo, valores que não foram subtraídos ao valor das ajudas de custo pagas e considerou ainda que a verba relativa às ajudas de custo é de montante elevado, excedendo em muito a própria remuneração declarada.

De salientar que a Recorrente não impugna directamente a factualidade dada como assente (cfr. artigo 640.º do CPC).

Assim, entende que a sentença fez uma errada apreciação dos factos que fixou.

Mas desde já se diga que não tem razão.

O que a Recorrente aqui faz é retirar dos recibos das ajudas de custos e de factos dados como provados (que não identifica) as ilações de facto favoráveis à sua tese de que o domicilio dos Impugnantes é o local onde exerceram funções durante o ano de 2010, desgarrado dos demais factos dados como provados

Nesta conformidade, o desacordo da Recorrente acaba por se resumir tão-somente a uma divergência sobre a valoração da prova, sem concretizar o vício lógico em que o julgador tivesse incorrido.

No que respeita ao erro na apreciação das provas, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/11, proferido no processo 334/07.3 TBASL.E1: O erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios e leis científicas, nomeadamente, das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum (sendo em todos os casos o erro mesmo notório e evidente), seja também quando a valoração das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial mas, note-se, excluindo este.

Não basta, pois, que as provas permitam dentro da liberdade de apreciação das mesmas, uma conclusão diferente, a decisão diversa a que aludem os artºs 690-A nº 1 al. b) e 712º nº 1 al. a) e b), terá que ser única ou, no mínimo, com elevada probabilidade e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. (disponível em www.dgsi.pt/).

Na motivação da decisão da matéria de facto, o Mmo. Juiz a quo deixou expresso o seguinte:

A matéria de facto, constante das alíneas do probatório foi a considerada relevante para a decisão da causa e, a formação da convicção do tribunal assentou na análise crítica dos documentos identificados e não impugnados, referenciados em cada uma das alíneas, para as folhas dos processos onde se encontram, bem como nos esclarecimentos efetuados ao tribunal pelas testemunhas arroladas pela impugnante.

O depoimento das testemunhas Â.........e V.A......... funcionários da entidade empregadora «M..........., Lda.» revelou (sem outra prova junta aos autos pela AT) no sentido de explicar ao tribunal o modus operandi da entidade patronal no que diz respeito à forma como era calculado e processado o pagamento aos trabalhadores deslocados no estrangeiro das ajudas de custo aqui em questão, conforme resulta dos factos provados n.º 15 a 20.

Os responsáveis da impugnante deslocavam-se previamente às localidades onde iriam ocorrer as obras para as quais tinham de deslocar trabalhadores.

Essa deslocação tinha com objetivo indagar a proximidade do local de realização dos trabalhos, com a proximidade de alojamento dos trabalhadores, no sentido de encontrar os preços médios de alojamento, alimentação e transporte para definir os montantes de ajudas de custo a pagar mensalmente a cada trabalhador para a sua subsistência em relação à duração dos trabalhos a efetuar nas obras contratadas. O local do alojamento dos trabalhadores perto uns dos outros era preferencial no sentido de se poderem ajudar mutuamente. Mais afirmaram que o pagamento da ajuda de custo fixado era processado mensalmente e variava consoante os meses de verão e de Natal derivado ao aumento dos preços da alimentação e alojamento nessas alturas do ano. Os depoimentos foram prestados de forma credível, segura e espontânea, o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade.

Na verdade, da factualidade dada como provada não resulta que os Impugnantes foram contratados para exercer funções em locais fora de Portugal, tendo como domicilio esses locais de trabalho, apontando antes em sentido diametralmente oposto, ou seja, que o Recorrido estava deslocado em Espanha e a Recorrida em Espanha e na Holanda, e não que foram contratados para trabalhar nesses países.

Aqui chegados, não vislumbrámos nós que o juízo em que assentou a fixação da factualidade padeça de qualquer erro de julgamento ou que a prova tenha sido erradamente valorada, atente-se para o efeito à motivação quanto à convicção do Tribunal a quo.

Pelo exposto, improcede a pretensão da Recorrente quanto ao aditamento ao probatório supra referida, não se verificando erro de julgamento sobre a matéria de facto, pelo que improcedem todas as conclusões do recurso concernentes à decisão da matéria de facto.


*

3. DO DIREITO

Estabilizada a matéria de facto importa agora decidir se a sentença recorrida errou ao concluir que a Administração Tributária não demonstrou que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem remunerações de trabalho, e, consequentemente, que a liquidação de IRS impugnada enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto.

O que está em causa é, pois, saber se se verificam ou não os pressupostos da tributação em sede de IRS, como rendimentos de trabalho, das quantias pagas aos Impugnantes, pela entidade patronal, a título de ajudas de custo.

A Recorrente insurge-se contra a decisão da primeira instância, em suma, por entender que as características inerentes aos montantes pagos pela entidade patronal reconduzem-se a pagamentos com natureza remuneratória sujeitos a tributação, nos temos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do CIRS, e que não se verifica qualquer erro nos pressupostos na actuação da AT.

Os Recorridos, por sua vez, sustentam que bem andou sentença recorrida ao considerar, face ao quadro factológico (pontos 15 a 21 dos factos dados como provados) que a AT não coligiu os elementos mínimos, isto é, indícios sérios e objectivos, reveladores de uma probabilidade elevada de que as ajudas de custo pagas no ano de 2010 não correspondem à mera reposição ou reembolso de despesas incorridas por esta ao serviço da sua entidade patronal, por motivo de deslocações, ou de que foram ultrapassados os limites legais quantitativos previstos no Código do IRS.

Invoca ainda em seu favor a sentença e o acórdão do TCAS proferido no processo n.º 2942/12, já transitado em julgado, que confirmou a total procedência da impugnação deduzida contra a liquidação de IRS do não de 2008, que tem como referência factualidade em tudo idêntica àquela em causa nos presentes autos.

Vejamos.

A sentença recorrida para julgar procedente a impugnação e, em consequência anular os actos impugnados, por violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, estruturou discurso fundamentador, em suma, nos seguintes termos:

As ajudas de custo são remunerações, e como tal abonos, pagos aos trabalhadores de uma empresa ocasionadas pela sua deslocação em serviço, quando esta ultrapasse determinados limites mínimos espaciais e temporais, visando compensar ou indemnizar os referidos trabalhadores com tal deslocação.

Da leitura da alínea d) do n.º 3 do Art.2º do CIRS conclui-se que as ajudas de custo são rendimentos do trabalho dependente sujeitos a tributação pela categoria "A" (n.º 1, Art.º 2º, proémio), "...quando não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas para despesas de deslocação, viagens ou representação de que não tenham sido prestadas contas até ao termo do exercício".

Por interpretação “a contrário sensu”, conclui-se não serem as ajudas de custo tributadas, quando forem observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, e em relação às verbas atribuídas sejam prestadas contas até ao termo do exercício.

A consulta do decreto-lei n.º 519-M/79 de 28 de dezembro - que regula os pressupostos e demais requisitos para atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado – permite concluir pela existência de requisitos temporais e espaciais omitidos no caso "sub judice".

Logo o Art.º 1º do referido diploma determina que os funcionários ou agentes da Administração Central e das administrações local e regional e dos institutos públicos nas modalidades de serviços públicos personalizados e de fundos públicos, quando deslocados da sua residência oficial por motivo de serviço público, têm direito ao abono de ajudas de custo conforme tabela em vigor e de acordo com o disposto neste diploma.

Depois, no que se refere às deslocações diárias, o Art.º 6 prevê que só haverá direito ao abono de ajudas de custo nas deslocações diárias que se realizem para além de 5 km da residência. E no que respeita às condições de atribuição, o Art.º 7 dispõe que:

1 - O abono da ajuda de custo corresponderá ao pagamento de uma parte da importância diária que estiver fixada ou da sua totalidade, conforme o disposto nos números seguintes.

2 - Nas deslocações diárias abonar-se-ão as seguintes percentagens da ajuda de custo diária:

Se a deslocação abranger o período compreendido entre as 13 e as 14 horas - 25%; Se a deslocação abranger o período compreendido entre as 20 e as 21 horas - 25%;

c) Se a deslocação implicar dormida - 50%.

Note-se que estas regras são aplicáveis a todos os rendimentos sujeitos a tributação pela categoria "A" do IRS, conforme determina a alínea d) do n.º 3 Art.2º do CIRS.

Portanto, conclui-se que há-de estar suficientemente documentado:

- O motivo de serviço;

- O local de serviço e as

- Horas de partida e de chegada.

Se assim não for, não foram observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado e as verbas recebidas a título de ajudas de custo estão sujeitas a tributação pela categoria "A" do IRS.

E porque é que o motivo de serviço, o local as horas de partida e de chegada hão-de estar devidamente documentados, não bastando mero documento interno a processar a despesa, ou mera prova testemunhal?

Em primeiro lugar, porque sendo a contabilidade um instrumento de medida e informação do lucro da empresa, há-de estar organizada e documentada de modo a evidenciar e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, permitindo o controlo da declaração do contribuinte pela Administração Fiscal no âmbito dos seus poderes de fiscalização com vista à descoberta da verdade material ( Cf. Art.134º CIRS; 17º, n.º3; 115º e 124º do CIRC; 63º e segs. da LGT, em articulação com os Art.2º e 6º do R.C.P.I.T. (Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária, aprovado pelo Dec.- Lei n.º 413/98, de 31 de Dez.).

Em segundo lugar, concretamente em relação às ajudas de custo, remetendo a lei para os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado, não podem aqueles abonos deixar de estar devidamente documentados.

No caso em apreço, como resulta do probatório, as verbas em causa encontram devidamente documentadas com Mapas e respetivos recibos, não tendo os serviços de Inspeção Tributária efetuado qualquer correção a esse respeito.

Não obstante a importância do registo contabilístico desses documentos, no nosso sistema fiscal vigora o princípio da verdade declarativa do sujeito passivo de imposto no apuramento da matéria tributável, o que implica um acréscimo dos deveres de colaboração do sujeito passivo para com a AT (cf. artigos 31º e 59º LGT), designadamente esclarecer a AT sobre a sua situação tributária.

Entre aquelas obrigações, os sujeitos passivos têm o dever declarativo e é com base nessas declarações que é efetuado o apuramento da matéria tributável.

É certo que essas declarações gozam da presunção de veracidade, pois como resulta do n.º 1 art.75º da LGT, com a epígrafe “declarações e outros elementos dos contribuintes”:

«(…) 1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”

Porém, essa presunção cessa quando, nos termos do nº 2 do mesmo artigo:

“a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;

b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;

c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na presente lei.

d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A.”

Assim, quando a AT, através do controlo efetuado à situação tributária do sujeito passivo, fundamentadamente considere que nas declarações, figura um imposto inferior ou revelarem omissões, erros ou indícios fundados de que não refletem ou impedem o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo cessa aquela presunção e passam, nos termos do artigo 76º, nº 1 da LGT a fazer fé as declarações da inspeção tributária, desde que, como já foi referido, sejam fundamentadas e se basearem em critérios objetivos.

Que é como quem diz, a AT terá de fazer prova que o teor das declarações do sujeito passivo não é credível.

Nessa medida, no âmbito do procedimento administrativo-tributário de liquidação, cabe à AT o ónus da prova da existência dos pressupostos do facto tributável e demais elementos pertinentes da liquidação do imposto não podendo a mesma deixar de averiguar sobre a verificação dos factos suscetíveis de corresponder aos elementos do tipo legal, nos termos do art.74º da LGT e art.342º do Código Civil (CC), exceto nos casos em que a lei estabeleça presunções juris et jure.

(…)

Portanto, os SIT, deveriam de, no procedimento inspetivo e nos presentes autos, fazer prova, ainda que através de factos indiciantes, que os valores auferidos a título de ajudas de custo rececionados pelos impugnantes eram na realidade remuneração e que não estavam reunidos os pressupostos para a atribuição de ajudas de custo em cada caso concreto, cf. o Ac. do STA, de 22.05.2013, proferido no proc.º 0146/13.

Para a AT alcançar o entendimento que a natureza das quantias atribuídas pela entidade patronal aos impugnantes eram ajudas de custo, considerou (cf. factos 7 a 13 do probatório) que foram mensalmente processados €9.600,00, divididos em dois recibos, que um dos recibos tinha o salário e o subsídio de alimentação e o outro as ajudas de custo (e nos meses que havia lugar, um terceiro recibo com o subsídio de férias ou Natal) sendo que nos dias em que recebiam ajudas de custo também recebiam subsídio de alimentação, para além de entender que os impugnantes não goraram este raciocínio com prova documental.

No caso em apreço, os pagamentos de importâncias iguais ao longo dos meses de 2010, pode ser, sem dúvida, um indício, porém, a AT apenas o conjuga com o facto de ser pago o subsídio de alimentação em simultâneo, esquecendo, por exemplo, que se as ajudas de custo fossem remuneração, os subsídios de férias e Natal contemplariam esse montante pago em dobro, tal como é legalmente estabelecido pelo Código do Trabalho (artigos 263º e 264º - atuais), o que não sucede nos presentes autos, cf. factos 10 a 12 do probatório.

Com efeito, a AT afirma, no RIT, Capítulo III- Objetivos, Âmbito e Extensão da Ação Inspetiva que “A ação inspetiva efetuada à entidade patronal teve por base o ofício nº 674, de 26/11/2010, do Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social, tendo sido por este departamento apurado, que a entidade pagadora “M……” tinha pago à generalidade dos trabalhadores importâncias a título de “ajudas de custo”, que integram o conceito de remuneração, conforme estipulado nos princípios gerais do art.º 249º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto e artº 258º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro (Código do Trabalho), bem como na al. a), do nº1 do art.º2 do CIRS.”, cfr factos3 e 4 do probatório.

Ora, sendo aquele o fundamento da ação inspetiva é notório a insuficiência de instrução do procedimento inspetivo, já que os seus cinco anexos são: Anexo 1 – Mapas de ajudas de custo; Anexo 2 – Recibos de remunerações e recibos de ajudas de custo (18 páginas); Anexo 3 – Notificação; Anexo 4 – Resposta à notificação, V........; Anexo 5 – Resposta à notificação, A.........

Na verdade, não constam como Anexo ao RIT ou junto aos autos quaisquer documentos que demonstrem o resultado da ação inspetiva da Segurança Social, nem das conclusões do RIT relativamente à «M..........., Lda.,» designadamente se a contabilidade é fidedigna (ou não e porquê), tal como não constam nos autos quaisquer comprovativos de diligências para tentar comprovar quem pagou as despesas nas deslocações dos trabalhadores, ou ainda quaisquer contactos com a entidade patronal para juntar os contratos de trabalho com os impugnantes ou com a Autoridade para as Condições do Trabalho para aferir da existência de contrato escrito ou verbal (ou auto de declarações à entidade patronal sobre os factos aqui em apreço), não consta, também, nenhum pedido de acesso às contas bancárias dos impugnantes para comprovar a veracidade (ou não) das afirmações destes quando alegam ter pago todas as despesas quando estavam deslocados e que os montantes em causa são apenas o seu reembolso.

Face a este défice instrutório, está o tribunal impedido de substituir-se às partes, pelo que tendo conta os parcos indícios apresentados/colhidos pela inspeção tributária não é possível aferir se os acréscimos dos montantes tinham como destino reembolsar os impugnantes por despesas que tiveram de efetuar em serviço e a favor da entidade patronal, com carácter temporário e fora do local habitual de trabalho fixado no respetivo contrato de trabalho.

Não podemos olvidar que as ajudas de custo são devidas uma vez que foram efetivamente pagas aos trabalhadores que se encontravam a exercer as suas funções para que foram contratados deslocados fora do seu local de trabalho e fora do território nacional.

São distintos os conceitos de “transferência de local de trabalho” e de “deslocação” do trabalhador que se encontra adstrito às deslocações inerentes às suas funções a desempenhar no estrangeiro como é o caso dos autos.

Conforme ficou decidido no Acórdão STA n.º 0544/15.0BECBR de 01-07-2020, o que é «relevante, para efeitos da atribuição de ajudas de custo, é que o trabalhador esteja deslocado relativamente ao seu local de trabalho fixado no contrato e que, por força dessa deslocação, incorra em despesas que devem ser suportadas pela entidade patronal porque efectuadas ao serviço e a favor desta. Sem embargo da designação “ajudas de custo por deslocação ao estrangeiro”, em bom rigor, os montantes em causa não têm natureza compensatória, mas sim remuneratória, devendo ser base de incidência de contribuições para a segurança social, nos termos dos artigos 44.°, 46.° e 47.° do CRC.»

Face ao défice instrutório referido, está o tribunal impedido de substituir-se às partes, pelo que tendo conta os parcos indícios apresentados/colhidos pela inspeção tributária não é possível aferir pelas conclusões da AT se os acréscimos dos montantes tinham como destino reembolsar os impugnantes por despesas que tiveram de efetuar em serviço e a favor da entidade patronal, com carácter temporário e fora do local habitual de trabalho, mais propriamente durante o ano inteiro no estrangeiro.

Acresce que, a Inspeção Tributária deve pautar a sua atuação inspetiva no uso das sus competências tendo por base um princípio fundamental que é o princípio do inquisitório em realizar as diligências necessárias à descoberta da verdade material, conforme estabelecem os art.58 da LGT e 6º do RCPIT.

Tem assento constitucional (art.º 266º da CRP) e encontra-se inscrito em várias normas que regem a atividade administrativa, de que são exemplo, além dos citados preceitos também os artigos 13º do CPPT, 55º, 59º, 63º, n.º1 e 99º da LGT, bem como os artigos 58º, 115º e segs. do CPA.

Nesse sentido, veja-se o Acórdão do TCA Norte tirado no processo n.º 00039/17.7BEVIS, de 13.07.2017 e Ac TCA Sul tirado no Processo nº 2346/18.2BELRS, de 16.09.2019 onde ficou decidido que:

«(…) I. O alcance do princípio do inquisitório não pode ser tal que conduza a que o Tribunal se substitua às partes, produzindo a prova que a estas cabe produzir.”

Concluiu-se assim que, no presente caso, os Serviços de Inspeção Tributária deveriam ter ido mais longe do que foram no procedimento inspetivo para obter provas suficientes que sustentassem a sua tese.

(…)

Ao invés, tendo em conta o depoimento das testemunhas podemos afirmar que o acréscimo pecuniário pago mensalmente aos impugnantes ao longo do ano de 2010 são efetivamente ajudas de custo auferidas em razão da deslocação do seu local de trabalho para exercerem a função para a qual foram contratados pela sua entidade patronal no estrangeiro.

Resulta, pois, do probatório que são despesas efetivamente suportadas pelos trabalhadores que posteriormente são reembolsadas pela entidade patronal que, previamente, estabelecia um limite de despesas mensais para os trabalhadores deslocados poderem escolher alojamento, alimentação e transportes apenas dentro daqueles limites, sob pena de tais despesas incorrerem por conta própria, cf. factos 15 a 20 do probatório.

Em situação idêntica à dos autos decidiu, o TCA Sul em Acórdão tirado no Processo nº 98/09.6BESNT de 11.03.2021 que: «(…) I. Em regra, os valores pagos a título de ajudas de custo, dado o caráter compensatório que lhes é reconhecido (compensação por despesas que o trabalhador é obrigado a suportar, designadamente por motivo de deslocações), não se integram no conceito de remuneração, para efeitos de IRS.

II. Gozando as declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes de uma presunção de veracidade, cabe à AT de forma sustentada afastar tal presunção, o que não ocorre quando a fundamentação do ato se consubstancia em afirmações genéricas e não especificadas.

III. A circunstância de terem sido pagos valores, a título de ajudas de custo, ao longo de todo o ano e com valores em parte aproximados não é suficiente para a caraterização de tais valores como remuneração para efeitos de IRS.

IV. A salvaguarda do interesse público, ao nível tributário, não se reduz ao interesse na mera arrecadação de receitas, configurando-se, sim, como salvaguarda desse interesse, uma atuação em respeito pelos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade e em respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários. (…)»

Como vimos, também no caso dos autos, como se disse acima gozando as declarações de rendimentos apresentadas pelos contribuintes de uma presunção de veracidade, cabia à AT de forma sustentada afastar tal presunção, o que não ocorre quando a fundamentação do ato se consubstancia em afirmações genéricas e não especificadas.

E não é pelo facto de terem sido pagos valores, a título de ajudas de custo, ao longo de todo o ano e com valores em parte aproximados que se mostra suficiente para a caraterização de tais valores como remuneração para efeitos de IRS.

Neste conspecto, podemos concluir que a liquidação de IRS impugnada enferma de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto não pode manter-se na ordem jurídica pelo que deve ser anulada, o que se fará no dispositivo da presente sentença.

Diga-se, desde já, que o decidido pela primeira instância merece a nossa total concordância.

A questão colocada no presente recurso foi já submetida à apreciação deste Tribunal Central Administrativo, em acórdão de 11/11/2021, proferido no processo n.º 2942/12.1BELRS (disponível em www.dgsi.pt/), onde estava em causa a liquidação de IRS do ano de 2008, relativamente à Recorrida mulher, cuja fundamentação do acto constante do RIT é em tudo idêntica à dos presentes autos.

Assim, em função da semelhança em relação ao caso em apreço e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica constante do identificado acórdão, por as questões aqui em análise não deferirem, pois, tratam-se das mesmas situações de facto (embora comporte outras obras da entidade patronal no estrangeiro) e de direito, pelo que permitindo-nos transcrever as passagens relevantes, cujo entendimento perfilhamos:

«(…) O que verdadeiramente releva no caso vertente é que a impugnante prestou serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obras sitas em Espanha, isto é, que se encontrava deslocada do seu local de trabalho.

Portanto, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.

Também não se desconsidera que a AT evidencia a circunstância de o valor das “ajudas de custo” superar o montante da respectiva remuneração, como sendo um elemento indiciador da natureza remuneratória (não compensatória) dos valores recebidos. Este facto, por si só, pouco diz.

Com efeito, aceite que era, pela Administração Tributária, a efectividade das deslocações feitas pela Recorrida, as quais, segundo as regras da experiência comum, implicam despesas, incumbia aos competentes serviços demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que o apontado abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal.

Ora - repete-se - nada disso foi feito, não tendo a AT demonstrado, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar.

Impunha-se, pois, como sucedeu, a anulação da liquidação adicional impugnada de IRS, o que, pelas razões supra expostas, aqui se mantém.»

Face do exposto, impõe-se concluir que a sentença recorrida, ao julgar no sentido referido, não enferma dos erros de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito apontados.

Efectivamente, não tendo a AT demonstrado a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição da verba a título de ajudas de custo (como lhe incumbia para poder alterar a declaração do contribuinte) não pode pretender que ela configure um rendimento de trabalho dependente, tributável em IRS (vide neste sentido Ac. do TCAS de 24/1072000, proc. n.º 3978/00, disponível em www.dgsi.pt/).

Concluímos, assim, pela improcedência de todas as conclusões do recurso.

Daí que na improcedência das conclusões da alegação da Recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.

Por conseguinte, o presente recurso jurisdicional não merece provimento.


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Conclusões/Sumário:

I. Não tendo a AT demonstrado a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição da verba a título de ajudas de custo (como lhe incumbia para poder alterar a declaração do contribuinte) não pode pretender que ela configure um rendimento de trabalho dependente, tributável em IRS.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção Tributária Comum do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente

Notifique.

Lisboa, 19 de Outubro de 2023.


Maria Cardoso - Relatora
Patrícia Manuel Pires – 1.ª Adjunta
Ana Cristina Gomes Carvalho – 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)