Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:209/10.9BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:06/09/2022
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IRC.
AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:A prova de que as despesas com ajudas de custo foram imputadas a clientes exige a concretização das prestações efectuadas a fim de permitir o controlo da imputação dos custos.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão
I- Relatório
C…………………-Consultores ………………….., S.A., deduziu impugnação judicial na sequência do indeferimento do recurso hierárquico que interpôs contra a decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa por si apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) com o nº ……………..328, no valor de 81.764,54, e com o nº ……………….393, no valor de €75.464,93, referentes, respectivamente, aos exercícios de 2003 e 2004. O Juízo Tributário Comum do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 526 e ss. (numeração no processo em formato digital-sitaf), datada de 28/09/2021, decidiu julgar, entre o mais, procedente a presente impugnação e determinou a anulação dos actos de liquidação de IRC sindicados. A Fazenda Pública interpôs recurso contra a sentença, em cujas alegações de fls. 552 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf) alegou e formulou as seguintes conclusões:
I. O presente Recurso vem reagir contra a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação judicial, por considerar que o relatório inspetivo não explica o motivo que originou as correções e que apenas na parte que respeita à apreciação do direito de audição se consegue entender que a questão suscitada pela AT é a de as faturas conterem um item que respeita a essas ajudas de custo. Considera ainda a douta sentença recorrida que a AT admitiu a existência de documentos internos, concluindo que a lei não exige que as faturas discriminem as ajudas de custo nas faturas dos clientes, acrescentando ainda que caberia à AT o ónus de coligir a prova de que as ajudas de custo contabilizadas pela impugnante não foram faturadas aos seus clientes (cf motivação da decisão a páginas 19 e 20 da sentença).
II. A Fazenda não se conforma com tal decisão, desde logo, por constatar que a douta sentença recorrida alude à insuficiência de fundamentação. Contudo, verifica-se que o sujeito passivo não a invoca e revela ter compreendido os motivos de facto e de direito que originaram a correção, tendo-os discutido na reclamação graciosa, no recurso hierárquico e na presente impugnação.
III. Relativamente à existência de documentos internos, é de referir que os motivos da correção não estão relacionados com a natureza interna ou não dos documentos, mas sim com a ausência de prova do preenchimento dos pressupostos da norma do artigo 42º, nº 1, alínea f) do CIRC, como decorre inequivocamente do relatório de inspeção: o sujeito passivo “não demonstrou a faturação do valor de “Ajudas de Custo”, que afirma incluir nas faturas emitidas a clientes” (…) “Nas faturas emitidas não é evidenciado o custo de “Ajudas de Custo”. O Documento Interno não identifica as obras realizadas, dias e outros elementos indispensáveis.” (cf o parecer do chefe de equipa que faz parte integrante do relatório de inspeção (que consta a páginas 111 do PDF da Reclamação Graciosa que se encontra junto aos autos como DOC nº 006287025 do SITAF).
IV. É de salientar que o sujeito passivo foi notificado no âmbito do procedimento de inspeção para esclarecer o motivo pelo qual não acresceu no quadro 07 da declaração modelo 22 de IRC referente aos exercícios de 2003 e 2004, o montante correspondente a 20% das ajudas de custo inscritos nas contas 64204 e 64105 (cf páginas 120 e 121 do PDF da Reclamação Graciosa que se encontra junto aos autos como DOC nº 006287025 do SITAF).
V. Em suma, a AT procedeu à notificação do sujeito passivo para vir explicar o motivo pelo qual não acresceu o montante correspondente a 20 % previsto no artigo 42º, nº 1, alínea f) do CIRC, na redação em vigor à data.
VI. O sujeito passivo veio alegar que os valores estão incluídos nas faturas. Contudo, não decorre dos documentos juntos que a ora impugnante tenha faturado os encargos em questão aos seus clientes, não bastando a imputação às obras em curso das ajudas de custo pagas aos trabalhadores.
VII. É de salientar que a impugnante deverá obrigatoriamente dispor de contabilidade organizada de acordo com as normas contabilísticas e outras disposições legais em vigor (artigo 17º, nº 3 do CIRC). Acresce ainda que a contabilidade deve estar organizada de modo refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo (artigo 17º, nº 3, alínea b) do CIRC), de modo a permitir o controlo do lucro tributável, sendo que todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário (artigo 115º, nº 1 e nº 3 do CIRC).
VIII. Decorre ainda do disposto no artigo 42º, nº 1, alínea g) do CIRC, que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como custo, os encargos não devidamente documentados, sendo que da alínea f) do mesmo artigo 42º, nº 1 do CIRC, decorre expressamente a indispensabilidade de o sujeito passivo provar a efetiva faturação aos seus clientes.
IX. A douta sentença, ao considerar que cabia à AT o ónus de demonstrar que as ajudas de custo contabilizadas pela impugnante não foram faturadas aos seus clientes, incorre em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto, como ficou demonstrado, o ónus da prova cabe indiscutivelmente ao sujeito passivo. Verificando-se que o sujeito passivo não demonstrou ter faturado aos seus clientes os montantes contabilizados como ajudas de custo, necessariamente terão de manter-se as correções resultantes da ação de inspeção.
X. Face ao exposto, salvo o devido respeito que é muito, entendemos que a douta sentença recorrida ao julgar procedente a presente impugnação judicial, enferma de erro de apreciação da prova e de erro de interpretação de lei, violando assim o disposto no artigo 42º, nº 1, alínea g) do CIRC, dos artigos 17º e 115º do CIRC, bem como do artigo 74º, nº 1 da LGT e do artigo 342º do C. Civil.
X
A recorrida, C..............- Consultores …………………, S.A., devidamente notificada para o efeito, apresentou contra-alegações de fls. 572 e ss. (numeração no processo em formato digital-sitaf), expendendo conclusivamente o seguinte:
A. Nas facturas emitidas pela aqui Recorrida (e sobre as quais recaía a questão em apreço) estava evidenciada a facturação de "Ajudas de Custo", sendo que através do documento interno pertinente a cada factura era junta pela aqui Recorrida a indicação da afectação de custos ao Contrato em causa (art. 42°, n° 1, alínea f) do CIRC).
B. A lei não exige que o dito documento revista uma forma ou um modelo/formulário normalizado para efeitos de dar cumprimento ao disposto no art. 42°, n° 1, al. f) do CIRC ou art. 17°, n° 3, al. b) do CIRC, nem tão pouco que, a facturação emitida pelo sujeito passivo (aqui pela ora Recorrida) aos seus Clientes evidencie o exacto montante das ajudas de custo.
C. A Recorrida apresentou toda a documentação solicitada pela AT aquando da inspecção tendo (quer em sede de reclamação graciosa e recurso hierárquico quer, nos presentes autos) evidenciado que o montante concreto das ajudas de custo é, por via do sistema de custeios apurado por consulta directa dos Contratos de Prestação de Serviços que a esta são adjudicados.
D. Cabia à Fazenda Pública o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, ou seja, da existência dos factos de que depende legalmente que ela deva agir ou possa agir em certo sentido", como factos constitutivos do direito, tudo, nos termos do princípio da legalidade, o qual, deve ser entendido não como simples limite à actividade da Fazenda Pública, mas como fundamento de toda a sua actividade.
E. Não é ao contribuinte e neste caso à Recorrida, que caberia o ónus de provar da indispensabilidade, para a obtenção dos proveitos (cfr. art.º 23.° do CIRC) que teve e sobre os quais incidiu o Imposto que pagou ou para a manutenção da força produtora, nem basta à Fazenda Pública questionar essa indispensabilidade.
F. Sendo óbvio que, a ora Recorrida conseguia, tal como o conseguiria a Fazenda Pública se tivesse conformado a sua actividade com a lei, através de tais documentos - mapas - averiguar o montante de ajudas de custo pagas a cada trabalhador da ora Recorrida ao abrigo de um determinado contrato e, consequentemente, incluí-lo na facturação do Cliente, que as pagava não se pode aceitar, por ser contrário à Lei, que como a Fazenda Pública afirme, sem mais, que não consegue descortinar tal imputação.
G. Se a Fazenda Pública sobre quem recaía o ónus da prova tinha dúvidas perante a documentação que lhe foi fornecida pela aqui Recorrida relativamente às quantias de ajudas de custo efectivamente facturadas por esta aos seus Clientes e por estes pagas, bastaria que, junto destes, houvesse averiguado se, alguma vez, haviam posto em causa tal pagamento por considerarem que o mesmo não era devido. Mas não, em manifesta situação de ilegalidade e com ausência de fundamentação real e efectiva, a Fazenda Pública não só não o fez, como arrecadou o IVA que incidiu sobre a facturação efectuada aos Clientes e onde estavam incluídas as ajudas de custo.
H. Com efeito, da conjugação dos documentos juntos aos autos de Reclamação Graciosa e do Recurso Hierárquico que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, resulta inequívoco que se encontram reunidos os requisitos "negativos" previstos na al. f) do n°1 do art. 42°, do CIRC e que permitem que as ajudas de custo sejam dedutíveis ao lucro tributável da ora Recorrida e não, que acresçam a tributação, obrigando a Recorrida a sofrer uma dupla penalização.
l. Acresce que, o dever de pronúncia a que o juiz está adstrito, não abrange os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, desde logo por o juiz não estar sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5°, do CPC)!»
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação
1.De Facto.
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto: «
1. A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva que abrangeu o IRC dos exercícios de 2003 e 2004 (facto que se retira do doc. de fls.16 a 25 do doc. de fls. 224 do SITAF);
2. No âmbito da acção inspectiva identificada no ponto anterior foi elaborado, em 25/09/2006, o Relatório Inspectivo do qual consta, com relevo para os presentes autos, o seguinte: // “(…)
« Texto no original»

(cfr. doc. de fls. 16 a 25 do doc de fls 224 do SIATF);
3. Em data concreta que não se consegue concretizar, foram efectuadas as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2003 e 2004, com os nºs …………..328 e ……………..393 (cfr. docs. de fls. 88 e 89 do doc. de fls. 274 do SITAF);
4. A impugnante reclamou graciosamente das liquidações identificadas no ponto anterior em 28/11/2006 (cfr. doc. de fls. 2 e segs. do doc. de fls. 274 do SITAF);
5. Por despacho de 19/09/2008 foi indeferida a reclamação graciosa deduzida pela impugnante (cfr. doc. de fls. 161 do doc. de fls. 274 do SITAF);
6. À Ilustre Mandatária da impugnante foi remetido ofício nº 072937, de 29/09/2008 comunicando o indeferimento da reclamação graciosa (cfr. doc. de fls. 170 do doc. de fls. 274 do SITAF);
7. O ofício identificado no ponto anterior foi remetido por carta registada RS……………PT e foi rececpionada pela Ilustre Mandatária da impugnante em data que se desconhece (cfr. doc. de fls. 171 do doc. de fls. 274 do SITAF);
8. Em 03/11/2008 a impugnante deduziu recurso hierárquico contra a decisão melhor identificada no ponto 5 deste probatório, via fax (cfr. doc. de fls. 2 a 25 do doc. de fls. 448 do SITAF);
9. Por despacho de 09/10/2009, da Directora de Serviços do IRC, por delegação, foi indeferido com fundamento em intempestividade o recurso hierárquico melhor identificado no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 56 a 60 do doc. de fls. 448 do SITAF);
10. A impugnante foi notificada do despacho identificado no ponto anterior pelo ofício nº 097111, de 12/11/2009, nos seguintes termos:
«Texto no original»
(cfr. doc. de fls. 24 do doc. de fls. 122 do SITAF).»
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«B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS//a) Não ficou provado a data em que a impugnante foi notificada da decisão da reclamação graciosa. // Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram outros com interesse para a decisão.»
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«MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO://A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta. //Relativamente ao facto não provado cumpre esclarecer que o aviso de recepção foi assinado, mas dele não consta qualquer data que indique a recepção do mesmo. Aliás, do referido aviso nem sequer a data da devolução do mesmo consta legível como se pode retirar do original junto a fls. 171 do doc. de fls. 274 do SITAF e doc. de fls. 168 do processo instrutor - volume referente à reclamação graciosa.».
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
11. Em 28.09.2006, o Chefe de Equipa exarou no relatório inspectivo parecer do qual consta, entre o mais, o seguinte: «Não exerceu [o direito de audição] no prazo. Em data posterior remeteu informação, que respeita somente a facturas emitidas e doc. interno de imputação, supostamente, de ajudas de custo a cada uma das facturas. A este respeito é oportuno esclarecer o seguinte: 1. Nas facturas emitidas não é evidenciado o custo de “Ajudas de Custo”. O documento interno não identifica as obras realizadas, dias e outros elementos indispensáveis» - fls. 12 do PAT.
12. Na sequência de ofício dos serviços da impugnada, em 19/07/2006, a impugnante enviou aos serviços da Administração Fiscal resposta tendo em vista o esclarecimento, entre o mais, da contabilidade, relativa a “ajudas de custo” de 2003 e 2004 – fls. 56/57, do PAT.
13. Juntamente com a reclamação graciosa, referida em 4., a impugnante juntou um conjunto de documentos relativos a contratos de clientes, facturas e mapas de ajudas de custo por cliente, mapas de afectação de custos a contratos – fls. 45/88, do PAT.
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2.2. De Direito.
2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa em que terá incorrido a sentença recorrida. A sentença julgou procedente a impugnação e determinou a anulação das liquidações adicionais de IRC de 2003 e 2004.
Para assim proceder, considerou, em síntese, que «(…) a conclusão [que] …a AT retira de que as ajudas de custo não estavam facturadas a clientes, fundou-se na ausência dessa referência nas facturas ou nos contratos, sendo que o montante considerado como não facturado a clientes é desconsiderado pela AT. Nunca a AT coloca em causa a existência dos documentos internos, que aliás reconhece. // (…) a lei não exige que as faturas discriminem as ajudas de custo nas facturas dos clientes, tal significa que não existe qualquer irregularidade formal que pudesse afastar a presunção de veracidade de que goza a contabilidade dos sujeitos passivos, conforme o disposto no nº 1 do art. 75º da LGT. Em consequência, e como também já afirmamos, em face daquela presunção, cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos em que assentam a correção (cfr. nº 1, do art. 74º da LGT e 342º do CC). // Tal significa que se impunha à AT coligir indícios consistentes de que as ajudas de custo contabilizadas pela Impugnante não foram facturadas aos clientes».
2.2.2. A recorrente coloca sob censura o veredicto que fez vencimento na instância. Invoca que: «[o] sujeito passivo veio alegar que os valores estão incluídos nas faturas» sem que, contudo, decorra «dos documentos juntos que a ora impugnante tenha faturado os encargos em questão aos seus clientes, não bastando a imputação às obras em curso das ajudas de custo pagas aos trabalhadores». Mais invoca que decorre «do disposto no artigo 42.º, n.º 1, alínea g) do CIRC, que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como custo, os encargos não devidamente documentados, sendo que da alínea f) do mesmo artigo 42º, nº 1 do CIRC, decorre expressamente a indispensabilidade de o sujeito passivo provar a efetiva faturação aos seus clientes». Alega ainda que, «[v]erificando-se que o sujeito passivo não demonstrou ter faturado aos seus clientes os montantes contabilizados como ajudas de custo, necessariamente terão de manter-se as correções resultantes da ação de inspeção».
Apreciação. A fundamentação da correcção em exame é a que consta do relatório inspectivo (n.º 2 do probatório). Assenta na falta de comprovação da facturação aos clientes da impugnante das ajudas de custo pagas aos seus trabalhadores, por ocasião do serviço àqueles prestado. A impugnante afirma que o montante de ajudas de custo que pagou a cada trabalhador é imputado a cada cliente e a cada factura.
Nos termos do preceito do artigo 42.º/1/f), do CIRC, «[n]ão são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável (…) [a]s despesas com ajudas de custo e com compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, na proporção de 20%, e a totalidade das mesmas sempre que a entidade patronal não possua, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário».
«A ratio legis da norma [do artigo 41.º/1/f), do CIRC] parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribuiu) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários» (1). A Administração Fiscal alega a falta de comprovação de que os custos em causa, com pagamentos de ajudas de custo, foram debitados aos clientes. Trata-se de despesas com ajudas de custo que, aparentemente, «não [foram] facturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, em que a entidade patronal não possui, por cada pagamento efectuado, um mapa através do qual seja possível efectuar o controlo das deslocações a que se referem aquelas despesas, designadamente os respectivos locais, tempo de permanência e objectivo, excepto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respectivo beneficiário».
O requisito legal para a limitação da dedução dos custos em causa pressupõe «que as ajudas de custo não tenham sido faturadas a clientes», sem exigir a «discriminação das ajudas de custo nas faturas». Tal significa que não há irregularidade formal que possa «afastar a presunção de veracidade conforme o disposto no n.º 1 do art. 75.º da LGT, pelo que, vigorando aquela presunção, então cabe à AT o ónus da prova dos pressupostos em que assentam a correção (cf. n.º 1, do art. 74.º da LGT)», isto é, cabe-lhe «coligir indícios consistentes de que as ajudas de custo contabilizadas pela Impugnante não foram faturadas aos clientes». (2)
A correcção em exame assenta na asserção de que a mera de junção de documentos internos não permite discernir o concreto nexo de imputação de certos montantes pagos, a título de ajudas de custo, a certo contrato e-ou a certa factura (n.º 11). Resulta do relatório inspectivo que existem documentos da contabilidade que invocam a afectação dos montantes pagos a título de ajudas de custos a certos contratos (3). Em sede de procedimento administrativo foram também juntos pela impugnante um conjunto de elementos da contabilidade que servem de suporte a tais documentos (4). Coloca-se, todavia, a questão de saber se os elementos juntos pela impugnante permitem a conciliação das despesas invocadas, com as facturas ou com os mapas de afectação de custos, de forma a garantir o nexo entre obra, cliente, funcionário, deslocação, montante de ajuda de custo, horas de actividade. A relação concreta entre os vectores referidos não é assegurada através da documentação junta pela impugnante, nem é pela mesma invocada. Pelo que o ónus da prova da imputação dos montantes pagos a titulo de ajudas de custos aos clientes não foi observado pela contribuinte. A concretização e comprovação da relação concreta dos custos em referência pode ser realizada através de qualquer meio de prova, admissível em Direito. Mas cabe à contribuinte fazê-lo. O que no caso não sucedeu, faltando a conciliação das indicações constantes da documentação junta que permitisse, por esta via, aquilatar da aderência à realidade dos registos declarados.
A presunção de veracidade da contabilidade exige a adução de indícios sérios e consistentes sobre a falsidade do declarado. O que no caso a Administração Fiscal logrou fazer, suscitando a falta de elementos de prova que garantem a imputação concreta a cada cliente dos montantes liquidados a título de ajudas de custo. Pelo que a correcção em exame não enferma do erro ou vício que lhe é apontado, devendo ser confirmada. A sentença recorrida, ao julgar em sentido discrepante, incorreu em erro, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue improcedente a impugnação.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.
(Jorge Cortês - Relator)



(1.ª Adjunta - Hélia Gameiro Silva)


(2.ª Adjunta –Ana Cristina Carvalho)

(1) Rui Marques, Código do IRC, anotado, Almedina, 2021, p. 228.
(2)Acórdão do TCAS, de 24/06/2021, P. 1954/05.6BELSB.
(3)Relatório Inspectivo, ponto VIII.
(4) N.os 12 a 13.