Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11/16.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA
ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DENTRO DO PRAZO DE CADUCIDADE
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Sumário:I - Resulta do artigo 53.º da LGT que são pressupostos da concessão do direito à indemnização pela prestação indevida da garantia, por um lado, a prestação de garantia bancária ou equivalente, e por outro lado, que a mesma se tenha mantido por mais de três anos, independentemente do fundamento que sustenta o deferimento da pretensão do sujeito passivo, ou independentemente da verificação desse prazo nas situações em que tenha existido erro imputável aos serviços.
II - O conceito de “erro imputável aos serviços”, para efeitos dos artigos 53.º, n.º 2, e 43.º ambos da LGT, é entendido como o erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT, não se verificando, assim, tal erro quando o ato seja anulado por um vício formal, incompetência ou caducidade do direito à liquidação por falta de notificação dentro do prazo legal atinente ao efeito.
III - Se o vício que determinou a anulação do ato não pode ser entendido como erro imputável aos serviços, e não tendo, igualmente, a garantia sido mantida por mais de três anos, não assiste direito à Recorrente à peticionada indemnização por prestação indevida de garantia.
IV - A não atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia numa situação de falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, não comporta qualquer restrição ilegítima de um direito do contribuinte, ou mesmo denegação de justiça, porquanto nas situações em que o ato seja anulado por um vício formal sempre pode deduzir-se ação de responsabilidade civil para obter a reparação dos respetivos danos.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I. RELATÓRIO

L… Group Limited, anteriormente designada H… Group Limited, (doravante Recorrente) veio recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito do processo de ação de execução de acórdão proferido em 23 de abril de 2015, pelo Tribunal Central Administrativo Sul e transitado em julgado em 1 de junho de 2015, o qual confirmou a decisão proferida no processo n.º 2273/13.0BELRS que julgou procedente a ação “por ineficácia das liquidações exequendas resultante da respetiva falta de notificação antes da instauração da execução fiscal”.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1ª Na sequência da procedência total, com fundamento na falta de notificação dos atos tributários em crise no prazo de caducidade do direito de liquidar o tributo, da oposição judicial instaurada contra o processo de execução fiscal n.º 3085201201148311, peticionou a Recorrente o reembolso dos encargos por si suportados para efeitos da prestação e manutenção da garantia bancária destinada à obtenção da suspensão da cobrança coerciva da dívida tributária;

2.º O Tribunal a quo, não obstante, julgou improcedente o pedido de pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia, deduzido pela ora Recorrente no âmbito da presente ação de execução de julgados;

3.º Atendendo a que a garantia bancária em causa foi prestada por período inferior a três anos e que, por isso, o caso sub judice se reconduz ao âmbito de aplicação do n.º 2 do artigo 53.º, procedeu o Tribunal recorrido à enumeração dos requisitos de que depende o reconhecimento da pretensão indemnizatória da Recorrente: a prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, a existência de prejuízos emergentes da prestação de tal garantia e o vencimento na reclamação graciosa, impugnação judicial, ou oposição onde seja verificado o erro imputável aos serviços;

4.º Não colocando em causa a verificação dos dois primeiros requisitos, assim reconhecendo que a prestação da garantia determinou a existência de prejuízos para a ora Recorrente, o Tribunal a quo considerou não resultar demonstrado no caso concreto um qualquer “erro imputável aos serviços”, tal como impõe o n.º 2 do artigo 53.º da LGT;

5.º Mobilizou o Tribunal a quo, para a formação da sua convicção, um conjunto de acórdãos que, procedendo à análise conjunta do instituto da indemnização por prestação indevida de garantia e do instituto dos juros indemnizatórios, previsto no artigo 43.º da LGT, entende dever ser efetuada uma distinção entre os conceitos de “erro” e de “vício”, somente relevando para efeitos do apuramento de um erro imputável aos serviços o erro sobre os pressupostos de facto e de direito;

6.º Por conseguinte, entende o Tribunal recorrido, por recurso à supra referida corrente jurisprudencial, que os vícios formais ou procedimentais de que o ato tributário possa padecer nada revelam sobre o seu carácter devido e, por isso, nada indicam sobre o eventual prejuízo que o contribuinte tenha sofrido;

7.º Nos termos da interpretação efetuada pelo Tribunal a quo, não vislumbram os contribuintes o direito a qualquer indemnização nas situações em que, pese embora a prestação da garantia lhes tenha provocado prejuízos, a notificação do ato tributário somente tenha ocorrido após o término do prazo de caducidade ou, e tal como sucedeu nos presentes autos, nos casos em que se tenha verificado a completa ausência de notificação antes da instauração do processo de execução fiscal;

8.º Isto é, de acordo com o entendimento perfilhado pelo Tribunal recorrido, não obstante a prestação de garantia envolva, em qualquer caso, um prejuízo para o contribuinte, que sempre incorrerá em custos para esse efeito, este somente terá direito ao ressarcimento das suas despesas na eventualidade de a ilegalidade cometida pela administração tributária se reputar por material e não formal;

9.º Não pode, neste sentido, a Recorrente conformar-se com a sentença recorrida, pois que a mesma padece de erro de julgamento na interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” utilizado pelo legislador no n.º 2 do artigo 53.º da LGT:

10.º Esta interpretação, atento o seu carácter restritivo e literal, não se coaduna com a teleologia subjacente ao instituto da indemnização por prestação indevida de garantia, nem tão pouco, com importantes preceitos, de cariz infraconstitucional e constitucional;

11.º Subjaz ao instituto da indemnização por prestação indevida de garantia uma importante função reparadora, pensada e consagrada pelo legislador com objetivo de que os contribuintes se encontrem, em qualquer caso, protegidos face à atuação ilegítima da administração tributária;

12.º O conceito de “erro imputável aos serviços” deverá compreender, para que a função reparadora associada ao artigo 53.º se desempenhe na íntegra, os conceitos de “ilegalidade” e de “inexigibilidade”, assim se permitindo que o sujeito passivo tenha, independentemente do momento em que se verifica a atuação em desconformidade à Lei por parte da administração tributária, direito a ser ressarcido pelos prejuízos causados por tal ilicitude;

13.º Assim deverá ser, desde logo, porque a administração tributária se encontra, tanto no plano substantivo, como no plano procedimental, sujeita ao princípio da legalidade, mantendo os contribuintes, por isso, o direito à legalidade material e formal dos atos tributários que a si dizem respeito;

14.º Tal direito, diga-se, decorre da própria CRP, em cujo artigo 103.º, n.º 3, se indica que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei”;

15.º Posto isto, deverá ter lugar a indemnização por prestação indevida de garantia sempre que, tendo o sujeito passivo prestado garantia para suspender a execução da dívida tributária, o ato tributário em crise venha a ser declarado ilegal pela existência de um qualquer vício que, não sendo da sua responsabilidade, é inteiramente imputável à administração tributária.

16.º Devemos, com efeito, acompanhar o raciocínio de DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, que estabelecem, justamente, que “O erro imputável aos serviços considerar-se-á verificado se o sujeito passivo obtiver vencimento na reclamação ou na impugnação e o fundamento da anulação não lhe for imputável” (cf. Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª edição, Encontro da Escrita Editora, 2012, p. 433; sublinhado nosso);

17.º Entendemos, portanto, que os conceitos de “erro” e de “vício” não deverão ser objeto de distinção, mas, ao invés, de equipação;

18.º Assim entendem JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, GONÇALO BULCÃO, JOSÉ RAMOS VIDAL e MARIA JOÃO MENEZES, referindo, entre o mais, que “A actividade da administração tributária na liquidação e cobrança de impostos produz efeitos directos no património dos contribuintes. Quando esta actividade está inquinada de erros ou vícios, a lei protege os contribuintes contra os custos indevidos que tenham suportado (…). Indemnizam-se, nestes casos, os custos suportados pelos contribuintes com a prestação de garantias para manterem suspensa a execução fiscal, nos casos em que a liquidação que deu origem à dívida venha a ser declarada ilegal e anulada total ou parcialmente, bem como nas situações em que a dívida venha a ser declarada inexigível” (cf. Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, pp. 549-550; sublinhados nossos).

19.º Justificam a sua posição estes autores, desde logo, pela vinculação da administração tributária ao princípio da legalidade em toda a sua ação de liquidação (cf. Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, 2015, p. 550; sublinhados nossos);

20.º Ação de liquidação esta que deverá ser entendida em sentido amplo e não como envolvendo, tão simplesmente, o cálculo aritmético que permite o apuramento do montante de imposto a ser pago;

21.º De facto, a expressão “liquidação”, mobilizada pelo legislador no n.º 2 do artigo 53.º, deve ser entendida num sentido amplo, sendo de acompanhar o raciocínio do Ilustre Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA que, em decisão arbitral por si proferida, refere que “A referência à «liquidação» na expressão «houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» deve ser entendida em sentido lato, como reportando-se ao procedimento de liquidação, constituído pelo conjunto de actos tendentes à definição de uma obrigação de pagamento do montante de um tributo por um determinado sujeito passivo, abrangendo não só a liquidação stricto sensu (…), mas também a fase de lançamento (…)”, concluindo, ainda, inclui-se no procedimento de liquidação a notificação do ato (cf. decisão arbitral de 24.02.2017, proferida no âmbito do processo n.º 239/2916-T);

22.º Os vícios verificados ao nível da notificação dos atos tributários, e cujas consequências poderão ser diversas, devem, assim, também fundamentar a atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia;

23.º No mais, a interpretação restritiva preconizada pelo Tribunal a quo, nos termos da qual somente parte dos contribuintes mantem o direito à indemnização por prestação indevida de garantia, os destinatários de atos tributários que padeçam de vícios materiais e não formais, colide com o princípio da igualdade;

24.º A propósito do princípio da igualdade e, igualmente, na supra referida decisão arbitral refere o Ilustre Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA o seguinte: “(…) na maior parte dos casos, os erros dos actos de liquidação não resultam do próprio acto que concretiza as operações aritméticas de determinação do tributo a pagar, mas de outros actos do procedimento que lhe estão subjacentes pelo que não se compreenderia uma interpretação do termo «liquidação» utilizado no n.º 2 do artigo 53.º com o sentido restrito, pois não há razões para distinguir, para efeitos de indemnização pelos prejuízos sofridos com a prestação de garantia, entre as lesões provocadas por actos não renováveis em que os vícios se reportam ao próprio acto de liquidação e as que derivam de vícios de outros actos do respectivo procedimento de liquidação” (sublinhado nosso).

25.º Em crise na oposição judicial que desencadeou a presente ação de execução de julgados encontrava-se a notificação da liquidação adicional de IVA referente a julho de 2005, assim como a notificação dos competentes juros compensatórios, qualificando-se tais atos tributários como ineficazes;

26.º Tal qualificação, ou seja, o facto de os atos tributários se reputarem por ineficazes e não propriamente de inválidos, não afeta, ressalvamos, a pretensão indemnizatória da Recorrente, devendo esta ser, ainda assim, reconhecida;

27.º É este, na verdade, o entendimento do Supremo Tribunal Administrativo que referiu, em acórdão por si proferido no âmbito do processo n.º 0208/11, de 02.11.2011, que refere, entre o mais, que “Na verdade, não são apenas os actos de liquidação errada que justificam a indemnização, mas também os actos de execução ilegais, que estiveram na origem da prestação da garantia indevida.” (sublinhado nosso);

28.º Cumpre-nos, em todo o caso, evidenciar que a não atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia diante da violação do princípio fundamental de notificação, assume-se como uma restrição ilegítima de um direito do contribuinte tão ou mais gravosa do que idêntica restrição quando está em causa um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito;

29.º A notificação, sendo condição de eficácia dos atos tributários, corresponde a um importante direito dos contribuintes porquanto lhes permite, ao possibilitar-lhes o seu conhecimento sobre o ato, escrutinar a sua legalidade e, assim, optar pela sua aceitação ou impugnação;

30.º Com efeito, o direito à válida notificação é igualmente um direito que visa a proteção dos contribuintes contra a atuação ilegal da administração tributária;

31.º Negar a indemnização por prestação indevida de garantia, nos casos em que, tal como nos presentes autos, a administração tributária incumpriu um dos mais elementares princípios do procedimento tributário, com o fundamento de que o contribuinte poderá não ter razão no que toca à “relação material tributária subjacente”, nada mais significa que fazer recair sobre os contribuintes, aqueles que a lei visa proteger, consequências atinentes ao desrespeito das normas jurídicas por quem a elas está vinculado;

32.º A interpretação que assim preconizamos é uma tal que não assenta somente no elemento literal da norma elencada no n.º 2 do artigo 53.º, antes assentando no seu elemento teleológico, possibilidade que decorre do facto de as normas fiscais se interpretarem nos mesmos termos que as demais normas de direito;

33.º O elemento teleológico, por nos evidenciar qual a intenção do legislador ao estatuir determinada norma, é deveras importante, devendo estabelecer-se, para o correto julgamento da causa, qual a teleologia subjacente ao n.º 2 do artigo 53.º;

34.º Ao instituto da indemnização por prestação indevida de garantia está associada uma importante função reparadora, visando o mesmo, na prática, mitigar as consequências que da atuação ilícita da administração tributária resultam para o contribuinte;

35.º Os montantes em que incorre o sujeito passivo para efeitos da prestação de garantia tendente a suspender a execução fiscal traduzem-se em gastos tão somente efetuados porque a administração tributária não atuou em conformidade com o disposto na lei, pelo que, necessariamente, se tem que estabelecer ser consequência dessa atuação contra legem, o ressarcimento dos custos em que incorreu o contribuinte;

36.º Como entende ANA BARBOSA, Na verdade, a atividade da Administração Tributária na liquidação e cobrança dos tributos produz efeitos diretos no património dos contribuintes, pelo que quando essa atividade padece de erros ou vícios, deve a lei contemplar mecanismos capazes de proteger os contribuintes contra custos que, indevidamente, tenham suportado. A inexistência de qualquer direito ao reembolso de garantia que tenha sido indevidamente prestada poder-se-ia considerar ofensiva do acesso à justiça, pelo menos quando tivesse sido a Administração Tributária ou o Tribunal Tributário a terem dado causa ao dano sofrido pelo contribuinte, em virtude de decisões administrativas ou judiciais erróneas.” (cf. A Prestação e a Constituição de Garantias no Procedimento e no Processo Tributário, Almedina, 2017, pp- 252-253; sublinhados nossos).

37.º Notemos que o cariz indemnizatório por que se pauta o instituto da prestação indevida de garantia é igualmente identificável no instituto dos juros indemnizatórios, sendo também ao nível deste último, e porque no artigo 43.º da LGT o legislador igualmente utiliza a expressão “erro imputável aos serviços”, efetuada a distinção entre “erro” e “vício”;

38.º Porém, também nesse plano a distinção entre “erro” e “vício” é contrária à função reparadora que os juros indemnizatórios visam desempenhar, sendo, em boa verdade, o prejuízo sofrido pelos contribuintes exatamente o mesmo independentemente da natureza da ilegalidade cometida pela administração tributária, isto é, independentemente de o vício de que padece o ato tributário se reputar por material ou formal, o contribuinte viu-se privado de dispor normalmente de uma certa quantia monetária por determinado período de tempo, sendo exatamente essa privação, que sucede tanto num caso como noutro, que estes juros visam compensar;

39.º Como nos explica JOÃO TABORDA DA GAMA, Ou seja, em nosso entender, qualquer vício de forma (…) dá origem ao pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que o direito ao ressarcimento é motivado pela indevida privação de uma quantia monetária e esta ocorre em qualquer dos casos.” (cf. Erros, Serviços e Vícios na atribuição de juros indemnizatórios– comentário ao AcSTA n.º 114/02, de 29-05, e ao AcSTA n.º 772/04, de 17-11, in Fiscalidade n.º 23, Julho-Setembro 2005, p. 132-133; sublinhados nossos).

40.º Os dois institutos referidos constituem, assim, direitos indemnizatórios específicos estabelecidos pelo legislador em decorrência do dever geral de reconstituição elencado no artigo 100.º da LGT, que dispõe que “A Administração Tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei”.

41.º Resulta do artigo 100.º que a administração tributária, pela anulação de um ato tributário, deverá proceder à eliminação de todos os seus efeitos ex tunc, assim reconstituindo a situação que hipoteticamente existiria se tal ato ilegal não tivesse sido praticado;

42.º Ora, num caso como o dos presentes autos, em que o sujeito passivo prestou garantia bancária para que tivesse lugar a suspensão da execução fiscal, os custos por si incorridos para a prestação e manutenção dessa garantia devem ser perspetivados como despesas que, não apenas estão associadas à prática de um ato ilegal pela Administração, como, na realidade, foram tão somente motivadas por tal atuação;

43.º A obrigação de restituição imposta pelo artigo 100.º terá, necessariamente, que envolver o reembolso dos montantes despendidos pelo contribuinte para efeitos da prestação de garantia, pois que estes, ao fim ao cabo, se podem reputar de danos emergentes da ilicitude do ato (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 13/04/2011, proferido no âmbito do processo n.º 1032/10);

44.º Nos supra expostos termos, o não reconhecimento do direito à indemnização por prestação indevida de garantia quando a inexigibilidade da dívida tributária cuja execução se suspendeu resulta de uma ilegalidade que, praticada pela administração tributária, apresenta natureza formal, não só colide com a teleologia do artigo 53.º, como, em rigor, implica o despeito pelo dever de reconstituição elencado no artigo 100.º;

45.º Sucede que o artigo 100.º é, na prática, uma concretização no plano infraconstitucional do princípio da responsabilidade de civil ou patrimonial do Estado e das demais entidades públicas pelos danos causados aos cidadãos, consagrado no artigo 22.º da CRP, que indica que o Estado e demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”;

46.º Mantendo presente que é aplicável no âmbito da interpretação das normas fiscais o princípio da interpretação conforme à Constituição, sempre se terá de efetuar sobre o n.º 2 do artigo 53.º uma interpretação que se compatibilize com o disposto no artigo 22.º da CRP;

47.º Atendendo a que a prestação de garantia pressupõe sempre a ocorrência de um prejuízo para o contribuinte, uma vez que, independentemente da ilegalidade cometida, tal prestação sempre implica que o sujeito passivo incorra em despesas, e que, por outro lado, o artigo 22.º da CRP determina que a administração tributária é, em qualquer caso, responsável pelos prejuízos gerados pela sua atuação, somente uma interpretação se torna possível: a expressão “erro imputável aos serviços” utilizada pelo legislador no n.º 2 do artigo 53.º refere-se a qualquer ilegalidade cometida pela Administração, assim se garantindo que o contribuinte será ressarcido pelos custos em que incorreu independentemente da natureza do vício que enferma o ato;

48.º Caso assim não se entenda, o que mera cautela de patrocínio se pondera, sempre seria materialmente inconstitucional, por violação do artigo 22.º da CRP, o n.º 2 do artigo 53.º da LGT quando interpretado no sentido de que a plena reconstituição da legalidade não compreende o pagamento da indemnização por prestação indevida de garantia no caso de a anulação do ato tributário ter por base um vício de forma ou procedimental, o que desde já se invoca para todos os devidos efeitos legais;

49.º Resulta, pois, claro que somente uma interpretação não restritiva do conceito de “erro imputável aos serviços” permitirá, não apenas cumprir a função reparadora que motivou, numa primeira linha, a consagração do instituto pelo legislador, mas, ainda, que seja respeitado o princípio da igualdade entre os sujeitos passivos, assim como o estipulado noutros igualmente importantes preceitos, tais como o artigo 100.º da LGT e o artigo 22.º da CRP;

50.º Contribuintes que, em rigor, estão em situações materialmente idênticas, são tratados de forma diferente, assim resultando violado o princípio da igualdade que, na teoria, entre eles deve existir. Mas mais: considerar que o contribuinte não tem direito à indemnização por prestação indevida de garantia pelo facto de o vício que enferma o ato tributário ser formal significa desonerar a Administração da obrigação de reconstituição que, de acordo com o artigo 100.º, mantém, assim resultando violado esse preceito. Simultaneamente, e tornando a que as consequências da ilegalidade praticada pela Administração somente recaiam sobre o sujeito passivo, tal solução implica o desresponsabilizar da administração tributária, assim se desrespeitando o artigo 22.º da CRP;

51.º O disposto nos artigos 100.º da LGT e 22.º da CRP, atendendo a que o seu propósito é o de proteger os contribuintes face a atuações ilícitas da Administração, são aplicáveis em toda e qualquer situação, pelo que somente se coaduna com eles uma interpretação do n.º 2 do artigo

53.º que faça estabelecer que, independentemente da ilegalidade cometida pela administração tributária, o contribuinte tem direito à indemnização por prestação indevida de garantia;

52.º Em face de todo o supra exposto, conclui-se que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços”, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que reconheça ter o sujeito passivo o direito a ser indemnizado pela prestação indevida de garantia;

53.º Ainda que fosse de se perfilhar uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 53.º, nos termos da qual somente releva o erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, o que não se concede e apenas por mera cautela de patrocínio se pondera, sempre deveria, ainda assim, ser reconhecida a pretensão indemnizatória do sujeito passivo;

54.º Notemos que, tal como decorre dos factos provados elencados no acórdão cuja execução nos presentes autos se pediu, não apenas a notificação do ato somente ocorreu após o término do prazo de caducidade, como a própria emissão das liquidações também apenas aí teve lugar;

55.º Atendendo ao disposto no artigo 45.º da LGT, o prazo de caducidade da liquidação adicional de IVA, assim como da liquidação dos respetivos juros compensatórios, mantendo presente que a mesma é relativa ao período de julho de 2005, terminou a 1 de janeiro de 2010, pois que o seu termo inicial se verificou a 1 de janeiro de 1006;

56.º Ora, sendo a notificação no prazo de caducidade um pressuposto de direito da liquidação, pois que a mesma se traduz numa condição legalmente exigida e de que depende a válida liquidação do tributo, podemos, com certeza, afirmar que, no âmbito das notificações das liquidações nos presentes autos em crise, a administração tributária laborou em erro sobre os pressupostos de direito;

57.º Ora, se for de se admitir que a interpretação a efetuar do n.º 2 do artigo 53.º é aquela que somente atende aos erros sobre os pressupostos de facto e de direito da liquidação, o facto de a emissão dos atos tributários ter sido efetuada após o término do prazo de caducidade não poderá ser ignorado, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que reconheça à ora Recorrente o direito a receber a indemnização por prestação indevida de garantia.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, concedida a indemnização por prestação indevida de garantia nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja a Recorrente dispensada do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.”


***


A Recorrida apresentou contra-alegações, com o seguinte teor:

“A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), entidade recorrida nos autos à margem identificados, notificada do despacho de admissão do recurso e consequentes alegações apresentadas pela Recorrente L… GROUP LIMITED, NIPC: 7…, vem CONTRA-ALEGAR, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.º

O Autor recorre da decisão proferida pelo Tribunal a quo que julgou improcedente o pedido formulado no âmbito da execução de julgados, do reembolso dos encargos incorridos com a prestação de garantia no processo executivo 3085201201148311, instaurado para cobrança de dívida de IVA, referente ao período de julho de 2005.

2.º

É evidente que o Recorrente, ultrapassando todas as apreciações que explanou no seu recurso, não conseguiu contrariar o entendimento expresso relativamente ao que é considerado como “erro imputável aos serviços na liquidação do tributo” referido no artigo 53.º, n.º 2 da LGT, e as consequências de um vício formal no procedimento da liquidação.

3.º

A mui bem fundamentada sentença a quo, de que o Exequente recorre, explana e sustenta-se em profícua jurisprudência que não merece qualquer reparo.

4.º

Não está em causa nos autos a anulação de liquidação considerada ilegal, compreendendo a ilegalidade, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da União Europeia.

5.º

O consagrado no artigo 53º da LGT tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços, nos casos em que não tenha mantido a garantia por período superior a três anos.

6.º

No caso dos autos, a anulação da liquidação deveu-se a um vício formal, tendo o Tribunal determinado a extinção do processo de execução fiscal “por ineficácia das liquidações exequendas resultante da respetiva falta de notificação antes da instauração da execução fiscal”.

7.º

Ou seja, não se pode confundir a ineficácia das liquidações por falta de notificação, com uma liquidação ilegal, não tendo sido discutido a legalidade da liquidação que originou a dívida.

8.º

Conforme muito bem expressa a douta sentença ora em recurso, «os atos de liquidação foram anulados apenas e só com base em caducidade do direito à liquidação», previsto no artigo 45.º da LGT.

9.º

A caducidade do direito à liquidação não atribui à liquidação qualquer ilegalidade, mas somente a preclusão de a mesma se verificar.

10.º

Conforme jurisprudência firmada, a anulação de um ato de liquidação baseada na caducidade do direito de liquidar o tributo, por a notificação daquele ato não ter sido efetuada dentro do prazo de caducidade, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito da liquidação.

11.º

De acordo com o prolatado no Acórdão Uniformizador do STA, de 04-11-2020, Proc.º 037/19.6BALSB «…quando os actos tributários são anulados por vícios de forma (incompetência do autor do acto, vício procedimental ou falta de fundamentação, para referir alguns exemplos) não fica demonstrado que tenha sido exigida ao sujeito passivo o cumprimento de uma obrigação materialmente contrária à lei (ou seja, que não era devida), mas apenas que essa obrigação não foi determinada ou calculada em conformidade com as normas legais e, por essa razão, a mera restituição do que foi pago é suficiente para tornar indemne o sujeito passivo.» sublinhado pela signatária.

12.º

A garantia bancária foi prestada para suspensão do processo executivo de qual o Autor deduziu oposição judicial, e a liquidação anulada por vício formal, ou seja, por falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade.

13.º

Acompanhando o discorrido no Acórdão do STA, 0578/13, de 18-09-2013, a notificação intempestiva não constitui ilegalidade do ato notificado, à semelhança do que sucede em relação à generalidade de todos os outros atos administrativos e tributários; esse vício do ato de notificação (intempestividade) afeta-o apenas a ele próprio e não ao ato notificado, retirando-lhe a potencialidade de produzir os efeitos que produziria se não enfermasse dessa ilegalidade, que era o de atribuir eficácia ao ato notificado. Tanto a falta de notificação como a falta de uma notificação tempestiva afetam a eficácia do ato de liquidação e não a sua validade.

14.º

Nas situações em que a notificação do ato de liquidação nunca ocorreu ou não ocorreu antes da instauração da execução fiscal, está-se perante uma situação de ineficácia do ato de liquidação.

15.º

Nunca foi discutida a perfeição da liquidação, a exigência ou não do tributo. Foi discutido e verificado que, independentemente da sua legalidade e exigibilidade, estava precludido o direito de ser arrecadado.

Conclusão:

16.º

Por todo o expendido, muito bem andou o tribunal a quo ao decidir como decidiu, não merecendo nenhum reparo, estando a sentença alicerçada em jurisprudência uniforme perfilhada pelos tribunais superiores, relativamente aos pressupostos para o direito à indemnização por prestação indevida de garantia, previsto no artigo 53.º da LGT.

17.º

Nos termos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a sentença sob recurso na ordem jurídica.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicável, que V. Exas melhor suprirão, deverá esse Douto Tribunal negar provimento ao presente recurso por a douta sentença recorrida estar de acordo com a lei e com o entendimento jurisprudencial expresso pelos tribunais superiores, com as consequências legais.”


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Foram os autos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos dos Exmos. Senhores Juízes Desembargadores, vem o processo à conferência.

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II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:

Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:

1. Foi instaurado contra a ora Exequente o processo de execução fiscal nº 3085201201148311, para cobrança de dívida de IVA referente ao período de tributação de julho de 2005, no valor de € 3.398.949,89 – cfr. docs. 2 e 4, juntos aos autos com a p.i.;

2. Citada a ora Exequente para os termos do processo de execução fiscal, deduziu ação de oposição judicial, a qual correu termos neste Tribunal Tributário de Lisboa sob o nº 2273/13.0BELRS - cfr. docs. 2 e 4, juntos aos autos com a p.i.;

3. Para suspensão do processo de execução fiscal, em 19.06.2013, a ora Exequente prestou garantia bancária, no montante de € 4.664.392,32 – cfr. doc. 3, junto aos autos com a p.i., e doc. 1, junto aos autos pela Executada em 30.01.2018;

4. Com a manutenção da referida garantia bancária, a ora Exequente suportou os custos constantes do doc. 6, junto aos autos com a p.i. e respetiva tradução, junta aos autos pela Executada em 30.01.2018;

5. Em 27.06.2014, o Tribunal Tributário de Lisboa proferiu decisão, julgando a ação procedente e determinando a extinção do processo de execução fiscal “por ineficácia das liquidações exequendas resultante da respetiva falta de notificação antes da instauração da execução fiscal” – cfr. doc. 4, junto aos autos com a p.i.;

6. Foi interposto recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul pela Fazenda Pública, que correu termos sob o nº 8573/15 – cfr. doc. 2, junto aos autos com a p.i.;

7. Por acórdão de 23.04.2015, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso, mantendo a decisão da primeira instância – cfr. doc. 2, junto aos autos com a p.i.;

8. O referido acórdão transitou em julgado – facto não controvertido;

9. Por despacho da Chefe de Finanças de Lisboa 3 datado de 17.07.2015, foi determinado o cancelamento da garantia bancária apresentada – cfr. doc. 5, junto aos autos com a p.i.;

10. Em 4.01.2016, a petição inicial da presente ação de execução foi apresentada neste Tribunal, através do SITAF – cfr. respetivo comprovativo de entrega.


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A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

Inexistem factos com relevância para a decisão a tomar que importe destacar como não provados.


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Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A convicção do tribunal sobre a matéria de facto provada formou-se com base na análise crítica conjugada dos documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados e aqui são dados por integralmente reproduzido, não antevendo o Tribunal razão para não lhes atribuir credibilidade ou à respetiva tradução.”



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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a ação de execução de julgados, porquanto o vício que materializou a procedência da ação não pode ser entendido como erro imputável aos serviços, não assistindo, por conseguinte, à Exequente o direito à peticionada indemnização por prestação indevida de garantia, a qual não foi mantida por superior a três anos.

Ab initio, importa relevar que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim face ao exposto, importa apreciar se a decisão recorrida padece de erro de julgamento por errónea interpretação dos pressupostos de facto e de direito:

- Porquanto realizou uma interpretação restritiva do artigo 53.º da LGT, na medida em que a falta de notificação do ato de liquidação dentro do prazo de caducidade tem de ser configurada como erro imputável aos serviços;

- Mantendo-se essa interpretação a mesma traduz uma restrição ilegítima de direitos dos contribuintes, e a concreta violação do princípio da igualdade, comportando, igualmente, uma interpretação materialmente inconstitucional, por violação do artigo 22.º da CRP.

Apreciando.

A Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, quanto à concreta interpretação do conceito de “erro imputável aos serviços” constante no n.º 2 do artigo 53.º da LGT, na medida em que a mesma não se coaduna com a teleologia subjacente ao instituto da indemnização por prestação indevida de garantia concatenada com a função reparadora, devendo ter direito a ser ressarcido pelos prejuízos causados por tal ilicitude.

Advogando, por conseguinte, que os vícios verificados ao nível da notificação dos atos tributários, devem fundamentar a atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia, sob pena inclusive de violação do princípio da igualdade.

Sufraga, outrossim, que tal entendimento acarreta uma restrição ilegítima de um direito do contribuinte tão ou mais gravosa do que idêntica restrição quando está em causa um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, sendo certo que do próprio teor do artigo 100.º da LGT ter-se-á de advogar entendimento que conduza a uma total reconstituição da situação ex ante.

Conclui, in fine, que tal interpretação é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 22.º da CRP.

O Tribunal a quo fundou a improcedência convocando Jurisprudência que reputa de relevante para o caso em apreço e conclui que

“O conceito de “erro imputável aos serviços”, quer para efeitos do art.º 43.º, n.º 1, quer para efeitos do art.º 53.º, n.º 2, ambos da LGT, é entendido como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária”, não se verificando, designadamente, quando o ato de liquidação for anulado em consequência da procedência de vício de forma ou com base em caducidade do direito à liquidação, em virtude de a sua notificação ter sido efetivada depois de ultrapassado o prazo do respetivo direito.”

Assim, face à fundamentação jurídica supra citada e a análise jurisprudencial dela feita, considerada pacífica e com a qual se concorda, o vício que determinou a anulação dos atos de liquidação aqui em causa não pode ser entendido como erro imputável aos serviços.

Assim sendo, uma vez que, como resulta provado, a garantia não foi sido mantida por mais de três anos, não assiste à Exequente o direito à peticionada indemnização por prestação indevida de garantia.”

Vejamos, então.

Comecemos por convocar o quadro normativo que para os autos releva.

Para o efeito cumpre fazer uma interpretação articulada de dois normativos legais, especificamente, os artigos 53. ° da LGT, e 171. ° do CPPT.

Preceitua o artigo 53.º da LGT, e sob a epígrafe de “Garantia em caso de prestação indevida” que:

“1- O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.

2- O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

3-A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”

Por sua vez, dispõe o artigo 171.º do CPPT, com a epígrafe “Indemnização em caso de garantia indevida” que:

“1-A indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda.

2-A indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou, em caso de o seu fundamento ser superveniente, no prazo de 30 dias após a sua ocorrência.”

Resulta, assim, do teor dos normativos legais citados que no domínio do contencioso tributário se “(…) consagra o direito do contribuinte a ser indemnizado, total ou parcialmente, pelos prejuízos resultantes da prestação de garantia bancária ou equivalente que tenha oferecido para obter a suspensão da execução fiscal, no caso de esta vir a revelar-se indevida por força do vencimento do procedimento ou processo tributário em que era controvertida a legalidade da dívida exequenda (…)”(1- In Acórdão do STA, proferido no recurso nº 01032/10, de 13 de abril de 2011.)

São, portanto, pressupostos da concessão do direito à indemnização pela prestação indevida da garantia, por um lado, a prestação de garantia bancária ou equivalente, e por outro lado, que a mesma se tenha mantido por mais de três anos, independentemente do fundamento que sustenta o deferimento da pretensão do sujeito passivo, ou independentemente da verificação desse prazo nas situações em que tenha existido erro imputável aos serviços.

No respeitante à concreta interpretação do conceito de erro imputável aos serviços há que convocar o doutrinado no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido no processo nº 0632/14, de 21 de maio de 2015, do qual se extrata, designadamente, o seguinte:

“De acordo com o disposto o artº 53º nº 1 da LGT o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida. Nos termos do nº 2 do mesmo normativo o prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

A indemnização será total ou parcial conforme o vencimento que o interessado obtenha em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida (cfr.artº.53, nº.1, da L.G.T.). Se se comprovar que houve erro imputável aos serviços, essa indemnização será devida independentemente do período de tempo durante o qual a garantia tiver sido mantida (cfr. artº. 53, nº. 2, da L.G.T.). Se a anulação, total ou parcial, não tem por fundamento um erro daquele tipo (designadamente, se a liquidação for anulada por erro imputável ao próprio contribuinte ou por vício de forma ou incompetência) a indemnização só é devida se a garantia tiver sido mantida por mais de três anos (cfr. artº. 53, nº. 1, da L.G.T.).(neste sentido vide, Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 4ª.edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.433 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.237 e seg.).

O objectivo da norma é assim indemnizar o contribuinte pelos prejuízos que teve com a prestação de uma garantia que não teria que prestar se a Administração não tivesse actuado ilegalmente”.

O que significa, portanto, que o conceito de “erro imputável aos serviços”, quer para efeitos do artigo 43.º, n.º 1, quer para efeitos do artigo 53.º, n.º 2, ambos da LGT, é entendido como o “erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Tributária”.

Feito o devido enquadramento normativo, e transpondo para o mesmo para o caso vertente, nenhuma censura merece a decisão recorrida, na medida em que, encontrando-se assente que a garantia não foi prestada por período superior a três anos, e que o vício que fundou a procedência e determinou a inexigibilidade da dívida se coadunou com a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade, o mesmo não é passível de qualificação como erro imputável aos serviços, não legitimando, assim, qualquer direito a indemnização por prestação indevida ao abrigo do artigo 53.º da LGT.

Note-se que, no caso em apreço inexistiu uma anulação do ato de liquidação, mas, tão-só, uma decisão de inexigibilidade da dívida exequenda. De todo o modo, sempre se dirá que mesmo nas situações em que as concretas liquidações foram objeto de anulação por falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade é unânime a Jurisprudência em considerar que inexiste qualquer direito ao pagamento de juros indemnizatórios e indemnização por prestação indevida de garantia-naturalmente quando não observado o prazo de três anos [Vide, designadamente Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 01610/13, datado de 12 de fevereiro de 2015, Acórdão do Pleno do STA, proferido no processo nº 037/19.6BALSB, datado de 04 de novembro de 2020, e bem assim nos Acórdãos do STA, proferidos igualmente em Plenário, da Secção de Contencioso Tributário, processos nºs 02009/18.9BALSB, de 30 de setembro de 2020, e 2005/18, de 29 de janeiro de 2020, e Processo nº 011/23.8BALSB, de 21-06-2023, Pleno da Secção do STA, Uniformização de Jurisprudência] (2-Também este Tribunal já decidiu em situação similar à dos autos, designadamente, no âmbito dos processos nº 527/15, datado de 16 de novembro de 2023, 1353/04, de 11 de novembro de 2021 e 3009/04, datado de 22 de outubro de 2020.).

E por assim ser, transpondo a fundamentação jurídica supra expendida, a qual acolhemos, na íntegra, ter-se-á de concluir que a falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade não pode ser entendida como erro imputável aos serviços. Carecendo, portanto, de relevância o aduzido em 54.ºa 56.º das suas conclusões, na medida em que o regime normativo e a concreta insusceptibilidade de atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia, é justamente o mesmo quer nos encontremos perante falta de notificação do ato de liquidação dentro do prazo de caducidade, quer o próprio ato tenha sido emitido após o decurso do prazo consignado no artigo 45.º da LGT.

De relevar, neste concreto particular, e inversamente ao propugnado pela Recorrente, que a não atribuição de indemnização por prestação indevida de garantia diante da violação do princípio fundamental de notificação, não comporta uma restrição ilegítima de um direito do contribuinte tão ou mais gravosa do que idêntica restrição quando está em causa um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, e desde logo, porque a falta de notificação não contendem com a validade do ato apenas afetam a sua eficácia.

Por outro lado, em nada pode radicar, igualmente, em restrição ilegítima dos direitos dos contribuintes, porquanto nas situações em que o ato seja anulado por um vício formal, por incompetência e, particularmente, por falta de notificação do ato de liquidação dentro do prazo de caducidade, sempre pode deduzir ação de responsabilidade civil para obter a reparação dos respetivos danos.

Daí que, a interpretação supra expendida, não colida com a teleologia do artigo 53.º da LGT, em nada implicando, outrossim, o desrespeito pelo dever de reconstituição elencado no artigo 100.º da LGT, e naturalmente do princípio da legalidade.

Não preconizando, igualmente, uma violação do princípio da igualdade.

Com efeito, o Tribunal Constitucional [Acórdão n.º 590/2015 (3-Processo nº 590/2015, processo nº 542/2014, de 11 de novembro de 2015.] tem-se pronunciado diversas vezes sobre o princípio da igualdade tributária, doutrinando, desde logo, que:

“O princípio constitucional da igualdade tributária, como expressão específica do princípio geral estruturante da igualdade (artigo 13.º da Constituição), encontra concretização “na generalidade e na uniformidade dos impostos. Generalidade quer dizer que todos os cidadãos estão adstritos ao pagamento de impostos (…); por seu turno, uniformidade quer dizer que a repartição dos impostos pelos cidadãos obedece ao mesmo critério idêntico para todos” (TEIXEIRA RIBEIRO, Lições de Finanças Públicas, 5.ª edi­ção, pág. 261).

E tal critério, como sublinha CASALTA NABAIS, encontra-se no princípio da capacidade contributiva: “Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)” (Direito Fiscal, 7.ª edição, 2012, pág. 155).

Como pressuposto e critério de tributação, o princípio da capacidade contributiva “de um lado, constituindo a ratio ou causa da tributação afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na seleção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objeto a matéria coletável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respetivo imposto” (CASALTA NABAIS, ob. cit., pág. 157).”

Mais esclarecendo, [Aresto do Tribunal Constitucional nº 176/2023, datado de 30.03.2023] que:

“A igualdade fiscal conforma uma dimanação do princípio da igualdade quando colocado no domínio tributário, impondo por isso não apenas uma proibição absoluta de discriminação negativa (artigo 13.º, n.º 2 da Constituição da República), mas também um tratamento legal-fiscal uniforme de situações substancialmente iguais e diferenciador quanto a situações dissemelhantes. Resulta assim vedado um primado universalista que se reduzisse a uma paridade de mero cunho formal entre sujeitos dotados de personalidade tributária, antes se impondo um padrão de critério que alcance uma situação de equilíbrio funcional conforme com a substancialidade assimétrica das situações reguladas (cfr. artigos 13.º e 103.º, n.º 1, parte final, da Constituição da República).”

Ora, acolhendo os ensinamentos supra expendidos, ter-se-á de concluir que não logra provimento o entendimento respeitante à violação do princípio da igualdade, na medida em que para ocorrer uma inequívoca violação do princípio da igualdade é imperioso que estejamos a falar de situações exatamente com os mesmos contornos, exigindo-se, assim, a apelidada igualdade vertical e horizontal.

Sendo que, in casu, situações idênticas à da Recorrente serão tratadas da mesma forma. Aliás, a diferenciação por si propugnada é que, em bom rigor, seria atentatória do princípio da igualdade.

E no mesmo sentido se terá de ajuizar quanto à invocada inconstitucionalidade material por violação do disposto no artigo 22.º da CRP.

Neste particular, e porque a questão foi inteiramente tratada no recente Aresto proferido no processo nº 527/15, já citado, e no qual integrámos o Coletivo enquanto Primeira Adjunta, adere-se à fundamentação nele constante e que, ora, se transcreve:

“Por fim, importa apreciar da questão invocada nas conclusões 22ª e sgs, de saber se a interpretação do artigo 53.°, n.° 2, da LGT, no sentido de que o conceito de erro imputável aos serviços não abrange qualquer tipo de ilegalidade, mas apenas os erros sobre os pressupostos de facto e de direito na liquidação do tributo, quando esteja em causa a prestação de garantia incorre em inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 22.° da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Alega a Recorrente que o pagamento dos juros indemnizatórios, no caso da indemnização pela prestação de garantia indevida há um inequívoco prejuízo para o contribuinte não admitido pelas normas fiscais - qual seja, a ocorrência de danos concretos com a prestação de uma garantia - que não pode deixar de ser ressarcido.
E assim é. A interpretação que se propugna sobre os efeitos da apreciação dos actos tributários com base em vícios orgânico-formais na determinação de juros indemnizatórios, não viola o artigo 22.º da CRP.
A aplicabilidade da jurisprudência supra citada, no sentido de limitar o pagamento de juros indemnizatórios pelo pagamento de dívida tributária indevida, quando estejam em causa vícios de natureza orgânico-formais, é inteiramente transponível para o caso dos autos, não deixando de ter aplicação no caso concreto da prestação de garantia por não colocar em causa o princípio da tutela jurisdicional efectiva, na medida em que não está vedado o direito a indemnização com vista à reparação de danos por outra via.
Com efeito, como salienta Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, volume I, anotação 5 a) ao artigo 61.º, pág. 532/533, quando não esteja em causa a antijuricidade material da exigência da prestação tributária, tal «não significa que, na sequência de uma anulação derivada de vício procedimental ou de forma ou incompetência, o contribuinte que se sinta lesado nos seus direitos patrimoniais, esteja legalmente impedido de exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, que lhe é assegurado não só pela Constituição, nos termos do seu art. 22.°, como pela lei ordinária, designadamente no RRCEE, aprovado pela Lei n.° 67/2007, de 31 de Dezembro, e, anteriormente, DL n.° 48051, de 21-11-67, diplomas estes em que se faz equivaler ilegalidade a ilicitude (arts. 9.° e 6.° destes diplomas, respectivamente).»
No mesmo sentido pode ver-se o Acórdão do STA proferido no processo n.º 0245/13 datado de 22/05/2013 «não significa isto que a Recorrida, se entender estar lesada nos seus direitos patrimoniais não possa exigir judicialmente a reparação a que se julgue com direito, o que lhe é assegurado não só pela Constituição da República (cfr. art. 22.º), como pela lei ordinária (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, diploma em cujo art. 9.º se faz equivaler qualquer ilegalidade a ilicitude). Porém, para obter essa reparação terá de fazer, em processo próprio, a demonstração da existência do direito a essa indemnização, à face das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, como qualquer outra pessoa que seja lesada nos seus direitos por actos de outrem, não havendo qualquer norma constitucional ou legal que imponha que, em todos os casos de anulação de actos administrativos, se presumam os prejuízos, como está ínsito nas normas que prevêem a atribuição de juros indemnizatórios (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume I, anotação 5. ao art. 61.º, pág. 532/533.).»
Também o Tribunal Constitucional sufragou tal interpretação no acórdão n.º 83/14 proferido pelo no processo n.º 203/13 no sentido de não julgar inconstitucional a interpretação da norma extraída dos artigos 43.º e 100.º, ambos da Lei Geral Tributária, segundo a qual não são devidos juros indemnizatórios, em execução de decisão anulatória da liquidação de tributo, quando a anulação do ato tributário se funde em ilegalidade de natureza orgânico-formal.
Tendo em consideração que o contribuinte pode pedir a indemnização a que se julgue com direito, nos termos do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, o direito à tutela jurisdicional consagrado no artigo 22.º da CRP está assegurado através de meio processual próprio.
Assim se conclui, que não existe qualquer negação da tutela porquanto sempre pode utilizar-se a acção de responsabilidade civil para obter a reparação dos danos que considere devidos.”

E por assim ser, entende-se que não estão reunidos os pressupostos para a concessão da indemnização por prestação indevida de garantia, como ajuizado na decisão recorrida, logo improcede, integralmente, o recurso interposto, mantendo-se, assim, o juízo de improcedência sentenciado pelo Tribunal a quo.


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Resta apreciar, a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo, outrossim, que as questões em apreciação já foram objeto de apreciação quer por este Tribunal, e pelo STA, acarretando, assim, menor complexidade na solução jurídica das questões decidendas, determina-se que haja lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no artigo 6.º, n.º 7, do RCP.


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IV. DECISÃO

Nestes termos, acorda-se em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, Subsecção Tributária Comum, em:

NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, E MANTER A DECISÃO RECORRIDA

Custas a cargo da Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.

Registe. Notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Jorge Cortês)

(Tânia Meireles da Cunha)