Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1506/11.1BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/26/2022
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:REVERSÃO
GERÊNCIA DE FACTO
SOCIEDADE EXTINTA
Sumário:O art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, não é aplicável em situações nas quais quer a emissão da liquidação quer o termo do prazo para pagamento da dívida tributária ocorreram em momento ulterior ao do encerramento da liquidação da sociedade comercial devedora originária.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

J… (doravante Recorrente ou Oponente) veio recorrer da sentença proferida a 05.11.2016, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada improcedente a oposição por si apresentada, ao processo de execução fiscal (PEF) n.º 1350…………., que o Serviço de Finanças (SF) das Caldas da Rainha lhe moveu, por reversão de dívidas de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) – retenção na fonte, do ano de 2008, da devedora originária J…, Lda.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, o Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A) Contrariamente ao que veio a ser sentenciado pelo Tribunal "a quo", as constatações expostas na presente peça processual deverão conduzir, julga-se, à procedência da oposição deduzida;

B) -E à revogação da Sentença sob recurso;

C) - Com efeito, desde logo, a instauração da reversão pela AT contra o ora recorrente, deverá ter-se por ilegal, por errada aplicação do direito;

D) A ilegalidade da reversão é patente, por o processo de reversão da execução, contra o sócio-gerente (alegadamente responsável subsidiário ao tempo do pagamento dos impostos) de firma já dissolvida e extinta (tal como acontece no caso "sub-judice"), não constituir neste caso especial caso, meio processual legalmente idóneo, para demandar aquele por eventuais dívidas da sociedade (cfr. 163.º do Código das Sociedades Comerciais);

E) Uma vez que na circunstância, se trata já duma responsabilidade pessoal não subsidiária;

F) A Sentença “sub-judice", veio a sancionar o aludido erro de direito, traduzido no uso do meio processual em causa, em síntese, com o fundamento de que o termo da personalidade jurídica da sociedade com a sua dissolução e liquidação, não afasta a possibilidade da Administração Tributária de exigir coercivamente os seus créditos, cujo facto tributário tenha ocorrido e o imposto seja devido, antes da extinção da sociedade;

G) Contudo erradamente, e ao assim ao ter decidido como decidiu, pecando ela própria por erro de julgamento, por errada aplicação do direito.

Por outro lado,

ainda que assim não se entendesse:

H) O recorrente encontrava-se demandado (objecto de imputação de responsabilidade subsidiária na reversão) segundo o disposto na alínea b) do art.º 24.º da LG;.

I) Ora, tal qual se alcança da singela leitura de Motivação da Sentença, a construção da fundamentação de Direito explanada, tendo por base os factos dados como provados, é alicerçada não na alínea b) do citado preceito, mas sim na alínea a);

J) Subsumindo erradamente, os factos dados como provados ao direito;

K) Tendo a Sentença "sub-judice", conhecido além do pedido;

L) Indo (muito) além da questão que foi suscitada;

M) E assim (também) se encontrando a Sentença eivada de errada fundamentação.

Por último,

N) Ao ora recorrente, não assistiria qualquer culpa no não pagamento da dívida exequenda da sociedade executada "J..., Lda”, não se verificando por consequência, os pressupostos da reversão previstos no Art.º 24.º da LGT, alínea b;

O) Por tal facto, devendo ser considerado parte ilegítima na presente execução;

P) A Sentença recorrida não extraiu as ilacções devidas dos documentos anexos à P. I., concernentes à estatuição da alínea b) do art.º 24.º da LGT, preceito este fundamentador da reversão (Docs. 1,4,5,6e 7);

Q) E neste particular, cumprindo concluir, ter lavrado em errada avaliação das provas;

R) Em suma: ao ter decidido como decidiu, a Sentença "sub-judice" peca por erro de julgamento ao fazer errada avaliação da factualidade ali expressa e dada como provada;

S) Por errada aplicação do direito, por erro na apreciação de provas e por omissão de factos essenciais à boa descoberta da verdade;

A) Devendo ordenar-se a anulação da reversão contra o oponente, ora aqui recorrente;

B) E por tudo o exposto, verifica-se erro de direito, por violação das disposições constantes dos normativos dos artºs. 24.º alínea b), 77.º, n.º 1, ambos da LGT, e ainda as do Art.º 125.º do CPPT, do Art.º 668°-1 do CPC (aplicável ao processo fiscal, "ex-vi" do Artº 2.º do CPPT), Art.º 125.º do CPA, e artºs. 18.º, n.º 2 e 266º da CRP.

Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores:

Decidindo como se conclui e vai pedido, concedendo provimento ao presente recurso, assim o julgamos, fareis uma vez mais

Justiça”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT) vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Há erro no julgamento efetuado sobre a matéria de facto?

b) A sentença é nula, por ter conhecido além do pedido?

c) Há erro de julgamento, na medida em que é patente a ilegalidade da reversão, dado a devedora originária ter sido extinta?

d) Há erro de julgamento, em virtude de o Tribunal a quo ter feito a sua apreciação considerando o disposto no art.º 24.º, n.º 1, al. a), da LGT?

e) Verifica-se erro de julgamento, na medida em que não houve qualquer atuação culposa do Recorrente?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. Em 16/3/1982 foi registada na Conservatória do Registo comercial, a Sociedade “J. H. e J. A., Lda.” com o objecto de “Construção Civil, urbanizações, compra e venda de imóveis”, com o capital social de ESC 1.000.000, dividido por duas quotas iguais entre J… casado com C… e Jo…, ambos os sócios foram nomeados gerentes, a sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente (cf. cópia da matricula na Conservatória do Registo Comercial a fls. 22 a 24 dos autos em suporte de papel, suporte ao qual pertencem as demais remissões de origem).

2. Em 22/5/1995 foi inscrita a transmissão da quota de Jo… para C…, a cessação de funções do gerente Jo…, a nomeação do oponente como único gerente e a manutenção da forma de obrigar da sociedade (cf. cópia da matricula na Conservatória do Registo Comercial a fls. 22 a 24 dos autos em suporte de papel, suporte ao qual pertencem as demais remissões de origem).

3. Em 18/3/2008 o ora oponente na qualidade de sócio gerente da sociedade J. H. e J. A., Lda. e da sociedade U…, Lda., vendeu à segunda sociedade o artigo urbano 6… da freguesia de Caldas da Rainha/ Nossa Senhora do P… (cf. certidão da Conservatória do Registo Comercial constante de fls, 25 e 26 dos autos, informação oficial e cópia parcial da escritura de compra e venda a fls. 43, 64 e 65 dos autos).

4. Em 13/11/2008, a sociedade J. H. e J. A…, Lda. procedeu ainda à venda do artigo urbano 1…… da freguesia de Caldas da Rainha, Nossa Senhora do P…, fracção …. (cf. informação oficial a fls. 43 dos autos).

5. Em 27/11/2008, os dois sócios da sociedade identificada nos pontos anteriores deliberaram a dissolução da mesma, com a inexistência de passivo e activo (cf. acta a fls. 28 e 29 dos autos, certidão da Conservatória a fls. 31 dos autos).

6. Em 30/12/2008, o ora oponente entregou no Serviço de Finanças a declaração de cessação de actividade da J. H… e J. A…, Lda., constante de fls. 47 dos autos.

7. Em 10/5/2010, os Serviços de Inspecção Tributária de Leiria concluíram o relatório inspectivo resultante da acção de inspecção realizada à J. H… e J. A…, Lda. constante de fls. 53 a 62 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, no qual foi apurado que no ano de 2008 foram distribuídos aos dois sócios, ora oponente e C…, o montante total de rendimentos no valor de EUR 292.696,16, não foi feita a retenção na fonte à taxa liberatória de 20% nos termos do artigo 5.º, n.º2 alínea i) e art. 71.º, n.º3, alínea c) do CIRS, tendo sido ordenada uma correcção relativa ao mês de Dezembro de 2008, no valor de EUR 58.539,23.

8. Em 21/06/2010 a Direcção Geral dos Impostos emitiu a liquidação de IRS n.º 2010 641………, em nome de J. H… e J. A…, Lda., representada por J…, relativa ao ano de 2008 no valor de EUR 58.539, com data limite de pagamento de 28/7/2010 (cf. liquidação a fls. 39 dos autos).

9. Em 18/8/2010, o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha emitiu a certidão de divida n.º 2010/5…….., relativa a IRS do ano de 2008 no valor de EUR 61.586,47, com data limite para pagamento voluntário em 28/7/2010 (cf. certidão de divida a fls. 41 dos autos).

10. Em 31/8/2011, o Serviço de Finanças de Caldas da Rainha procedeu ao auto de diligências constante de fls. 42 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, no qual foi apurada a inexistência de bens da sociedade J. H… e J. A…, Lda.

11. Em 29/9/2011, o Chefe do Serviço de finanças de Caldas da Rainha, emitiu o despacho constante a fls. 41 do processo de execução fiscal e o oficio com o assunto “Despacho para audição (reversão) contra J…, nos termos do artigo 24.º, n.º1 alínea b) da LGT, por divida de IRS e juros no valor de EUR 61.586,47, constante a fls. 44 dos autos em suporte de papel e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido (cf. informação a fls. 32, do Processo de execução fiscal).

12. Em 27/10/2011, o Chefe do Serviço de Finanças emitiu o despacho de reversão constante de fls. 43 do Processo de Execução fiscal, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e do qual consta o seguinte:

“ (…)

Fundamentos da reversão

Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da divida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do seu cargo (art. 24.º, n.º1 b) da LGT).

Fundamenta-se ainda, com os factos descritos na informação de 4/10/2011, junto aos autos e que fica a fazer parte integrante deste despacho, nomeadamente no que respeita à venda de imóveis e de distribuição de lucros.

(…)”

13. Em 9/11/2011, o oponente recepcionou o aviso de recepção que acompanhou envio por correio registado do ofício com o assunto “Citação (reversão) dirigido ao oponente (cf. oficio, registo e AR constantes de fls. 45 e 46 dos autos).

14. Em 7/12/2011, o ora oponente procedeu ao pagamento da quantia exequenda no processo de execução fiscal n.º 1350………., no valor de EUR 61.566,47 (cf. documento único de cobrança e selo de pagamento constantes de fls. 66 dos autos).

15. No ano de 2008, o ora oponente e C…, casados entre si, eram os únicos sócios das sociedades J. H… e J. A…, Lda. e da U…, Lda. (certidão da conservatória do Registo Comercial a fls. 25 a 27 dos autos)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se provaram quaisquer outros factos passiveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada”.

(…) A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não revelar interesse para a decisão da causa”.

II.D. Atento o disposto no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, acorda-se aditar a seguinte matéria de facto provada:

16. Através da Inscrição 3 – Ap. 2/20……., foi registada a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade referida em 1 (cfr. fls. 31 dos autos em suporte de papel).

II.E. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

O Recorrente, não pugnando pela alteração ou supressão de qualquer um dos factos assentes pelo Tribunal a quo, entende que a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de défice, atenta a prova documental por si carreada.

Assim, considera ser de julgar provados os seguintes factos:

¾ A sociedade devedora originária dissolveu-se com um valor negativo de Situação Líquida, que se apurou ser de € - 42.544,94;

¾ A sociedade finalizou a atividade sem existências, imobilizado ou qualquer património a partilhar, ou seja, tal qual se colhe da acta número cinco, datada de 27/11/2008 "sem activo nem passivo";

¾ A dívida revertida surge de liquidação adicional levada a cabo pelos competentes Serviços da AT, liquidação que apenas foi lançada em 21/06/2010;

¾ O seu pagamento tornou-se exigível apenas em 28/07/2010 (data do término do pagamento voluntário).

Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão (1).

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].

Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados (2).

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus foram minimamente cumpridos, pelo que se irá proceder à apreciação do requerido.

Refira-se ainda que nem todos os factos alegados pelas partes, ainda que provados, carecem de integrar a decisão atinente à matéria de facto, porquanto apenas são de considerar os factos cuja prova (ou não prova) seja relevante face às várias soluções plausíveis de direito.

Feito este introito, cumpre apreciar o requerido:

¾ Factos a aditar, supra identificados sob as alíneas a) e b):

De facto, do documento n.º 6 junto com a petição inicial, correspondente ao balanço de 2008, da sociedade referida em 1., constam os elementos conducentes ao alegado pelo Recorrente. Tal resulta igualmente da ata n.º 31 (cfr. documento n.º 4 junto com a petição inicial), na qual se refere que a assembleia geral da devedora originária deliberou a dissolução da sociedade e, bem assim, a sua imediata liquidação, atenta a inexistência de ativo e passivo.

Assim, é de aditar o seguinte facto:

17. Do balanço da sociedade referida em 1., atinente ao exercício de 2008, consta um resultado líquido do exercício de (42.544,94) e ativo e passivo inexistentes (cfr. documentos n.ºs 4 e 6 juntos com a petição inicial).

¾ Factos a aditar supra identificados sob as alíneas c) e d):

Estes dois factos respeitam à emissão da liquidação que está na origem da dívida exequenda.

No entanto, os mesmos já resultam do facto 8. – cfr. supra II.A.

Como tal, nesta parte indefere-se o requerido.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da nulidade da sentença

Considera o Recorrente que o Tribunal a quo conheceu além do pedido, extravasando a questão que foi suscitada, o que, apesar de inominadamente, configura alegação de nulidade por excesso de pronúncia.

Refira-se ademais que, no corpo das suas alegações, o Recorrente alega ainda falta de conhecimento de questões que devia conhecer e défice de fundamentação, de forma não consubstanciada (sendo que, compulsada a petição inicial, apenas foi alegada a falta de culpa e a circunstância de a devedora originária ter sido extinta antes da liquidação do imposto, o que foi conhecido), motivo pelo qual nada apreciaremos a esse propósito, dado que a mencionada não consubstanciação equivale a não alegação.

Vejamos, então, quanto ao alegado excesso de pronúncia.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há excesso de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja pronúncia sobre questões de que o juiz não deva conhecer [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, desde já se refira que não se verifica a mencionada nulidade.

Com efeito, compulsada a petição inicial, as questões suscitadas foram a ausência de culpa por parte do Recorrente e, bem assim, a circunstância de a devedora originária já ter sido extinta.

Ora, a sentença recorrida fez a sua apreciação considerando o alegado e atentando a que a reversão foi operada ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT [e não ao abrigo da al. a), ao contrário do que refere o Recorrente].

Como tal, quando muito poderemos estar perante erro de julgamento, não se verificando a mencionada nulidade, não assistindo razão ao Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento, em virtude de não ser possível lançar mão da reversão

Considera, por outro lado, o Recorrente que, em casos como o dos autos, nos quais a devedora originária foi dissolvida e extinta, não se pode lançar mão da reversão.

A este respeito, o Tribunal a quo refere que “ao contrário do alegado pelo oponente, o termo da personalidade jurídica da sociedade com a sua dissolução e liquidação, não afasta a possibilidade da Administração Tributária de exigir coercivamente os seus créditos, cujo facto tributário tenha ocorrido e o imposto seja devido, antes da extinção da sociedade. // A lei responsabiliza subsidiariamente os gerentes quando o património da sociedade se tornou insuficiente por culpa sua”.

Vejamos então.

No que concerne à responsabilidade subsidiária dos gerentes e administradores de sociedades pelas dívidas tributárias, somos remetidos para o art.º 24.º, n.º 1, da LGT, nos termos do qual:

“1. Os administradores (…) e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas coletivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa coletiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento”.

À semelhança do que já decorria do art.º 13.º do CPT, o art.º 24.º, n.º 1, da LGT determina que a simples gestão de facto é suficiente para acionar a responsabilidade em causa, não sendo, por outro lado, suficiente a mera gerência ou administração de direito.

O art.º 24.º da LGT demarca duas situações, nas duas alíneas do seu n.º 1.

A primeira, correspondente à sua al. a), refere-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções quer no momento de ocorrência do facto tributário, quer após este momento, mas antes do término do prazo de pagamento da dívida tributária, sendo esta responsabilidade pelo depauperamento do património social, de molde a torná-lo insuficiente para responder pelas dívidas em causa. A culpa exigida aos gerentes ou administradores, nesta situação, é uma culpa efetiva — culpa por o património da sociedade se ter tornado insuficiente. Não há qualquer presunção de culpa, o que nos remete para o disposto no art.º 74.º, n.º 1, da LGT, pelo que cabe à AT alegar e provar a culpa dos gerentes ou administradores.

A segunda, constante da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º, da LGT, refere­-se à responsabilidade dos gerentes ou administradores em funções no período no qual ocorre o fim do prazo de pagamento ou entrega do montante correspondente à dívida tributária. No art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT, presume-se que a falta de pagamento da obrigação tributária é imputável ao gestor. Assim, atentando na al. b) do n.º 1 do art.º 24.º, da LGT, o momento relevante a considerar é o do termo do prazo para pagamento voluntário. Esta presunção de culpa é ilidível, cabendo ao gestor revertido o ónus de a ilidir.

In casu, o despacho de reversão proferido foi-o ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, ou seja, considerando os potenciais responsáveis à data do término do prazo para pagamento.

Desde já se refira que o momento temporal relevante é o da data efetiva e em concreto até à qual deveria ter sido feito o pagamento voluntário e que, in casu, ocorreu em 2010, na sequência da atuação inspetiva – cfr. factos 7. e 8.

Ora, a liquidação do imposto em causa ocorreu já em momento ulterior ao da dissolução e encerramento da liquidação da sociedade devedora originária, ou seja, em momento ulterior à sua extinção (cfr. facto 16.), motivo pelo qual há uma impossibilidade conceptual de aplicação do disposto no art.º 24.º, n.º 1, al. b), da LGT.

Com efeito, o regime ali previsto pressupõe o exercício de funções de gestão à data em que o prazo legal de pagamento ocorreu.

Se, na data em que foi feita a ação inspetiva, a sociedade já tinha sido extinta, naturalmente que o prazo para o pagamento dos valores de imposto decorrentes dessa ação ocorreu também depois de tal extinção (3).

Inexistindo sociedade comercial, por força da extinção, já não existem os seus órgãos sociais, designadamente a gerência [cfr., v.g., os Acórdãos deste TCAS, de 22.05.2019 (Processo: 300/08.1BESNT) e de 16.12.2020 (Processo: 496/13.0BECTB)].

Na verdade, enquanto o regime previsto no art.º 22.º da LGT, lido em consonância com o art.º 147.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), é suscetível de aplicação em casos como o dos autos, e, bem assim, a própria al. a) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, ou seja, em casos nos quais a dívida foi posta a pagamento num momento ulterior à extinção da sociedade, o mesmo não se pode dizer quanto ao regime constante da al. b) do n.º 1 do mencionado art.º 24.º da LGT.

Este último tem como ponto de partida o exercício de funções no momento em que termina o prazo para pagamento e esse exercício de funções só pode ocorrer se a sociedade existir.

Assim, estando extinta a sociedade no momento em que termina o prazo para pagamento do imposto, já não é conceptualmente aplicável a al. b) do n.º 1 do art.º 24.º da LGT, que, como referimos, tem como pressuposto de partida a existência da devedora originária e dos seus órgãos no momento temporal mencionado.

Daí que, aliás, exista o regime próprio no CSC atinente a dívidas fiscais não exigíveis à data da dissolução, distinto do regime geral e até em termos mais exigentes, como referimos, e que poderá ser convocado pela AT (4).

Como tal, assiste razão ao Recorrente, resultando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgando-se procedente a oposição e, em consequência, determinando-se a extinção do PEF quanto ao Recorrente;

b) Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 26 de maio de 2022

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)


_____________________________
(1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
(2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
(3) V. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 14.01.2016 (Processo: 02985/10.0BEPRT).
(4) Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18.09.2014 (Processo: 04767/11).