Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:43/24.9 BCLSB
Secção:JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:03/26/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:JUSTIÇA DESPORTIVA.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
REQUISITOS
Sumário:I. São requisitos essenciais destas providências cautelares :
a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e
b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

II - No âmbito do procedimento disciplinar (e do processo penal, que aqui importa convocar), vigora tanto o princípio da presunção da inocência (art.º 32, n.º 2, da CRP), como o princípio in dubio pro reo.

III - Perante um caso de incerteza em matéria probatória, ou seja um non liquet, terá que funcionar o princípio de in dubio pro reo, o que se verifica nos autos, pois que não se demonstraram, sem margem para dúvida, os factos em que se fundou a aplicação da pena. É o que resulta da análise  perfunctória que aqui se faz.

IV - Verificado o requisito do periculum in mora, na vertente de situação de facto consumado, não se podendo concluir que o decretamento da providência é susceptível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (art. art. 368.º, n.º 2, do CPC), deve a providência requerida ser deferida.

Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Indicações Eventuais:Vice-Presidente em substituição do Juiz Presidente
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
DECISÃO

(artigo 41º, n.º 7, da Lei do TAD)



I – RELATÓRIO

D ………………, jogador profissional, atualmente ao serviço Grupo Desportivo de C……….- Futebol -SAD ( C………., SAD), com os demais sinais dos autos, intentou no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), em 22/03/24, contra a Federação Portuguesa de Futebol, uma ação de impugnação de ato administrativo, com requerimento de providência cautelar, pedindo o decretamento de suspensão de eficácia da decisão proferida pelo Pleno do Conselho de Disciplina da FPF, em 19/03/24 (e não 19.03.2023, como por lapso vem indicado na p.i), que, no âmbito do processo disciplinar nº …………./24, condenou o Requerente na sanção de suspensão de 30 (trinta) dias e, acessoriamente, com a sanção de multa de 25 UC, correspondente a €1.020,00, pela prática da infração p. e p. no artigo 145, nº2, al. b), do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante RDLFPF).

Juntou três documentos, procuração forense e comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida.

Após o recebimento dos autos neste Tribunal, a Relatora proferiu despacho com data de 25/03/24, solicitando a junção aos autos da decisão impugnada. O Requerente fez chegar aos autos nesse mesmo dia, pelas 18:39h, cópia do processo disciplinar nº …………/2024.

O requerente da providência veio alegar, essencialmente, que a decisão suspendenda é ilegal por ter sido proferida em clara violação dos direitos de defesa do arguido, pois além de não ter tido qualquer intervenção nas diligências instrutórias que a Comissão de Instrutores levou a cabo e que entendeu determinantes para contra ele deduzir acusação e instaurar procedimento disciplinar, a “ prova em que assenta o juízo do Conselho de Disciplina, além de ter sido produzida em violação e prejuízo dos direitos de defesa do Requerente - padecendo de nulidade - não permite imputar ao Requerente a prática de uma infraccão disciplinar.” Com efeito, “à exceção do depoimento do apanha-bolas M ……….., nenhum dos elementos instrutórios mencionados é capaz de indiciar ou demonstrar o comportamento imputado ao Requerente: as imagens nada revelam e as testemunhas nada viram”.

Sustenta que a decisão condenatória foi proferida em violação do disposto nos artigos 20° n° 4, 32° n.°s 5 e 10, 267° n° 5, 268° n.° 4 e 269° n° 4 da CRP e dos artigos 13.° als. d) e h), 14.°, n.° 7, 214 ° e 230.° n °3 do RDLPFP.

Alega, ainda, que a decisão de suspensão por 30 dias afeta de forma grave e irreparável a sua esfera jurídica enquanto jogador de futebol profissional, pois impede-o de jogar nos próximos 3 jogos da Liga Portugal Betclic e, desde logo, no jogo agendado para o próximo dia 29 de março.

Nos termos da sua alegação, o “cumprimento da sanção ilegalmente aplicada acaba por frustrar os motivos que presidiram a cedência do Requerente à C…….. SAD, podendo ainda custar-lhe, em definitivo, o lugar na equipa da C………… SAD, bem como o pretendido regresso à equipa principal da S………….. SAD.”

Por fim vem alegado que o decretamento da providência não causa qualquer prejuízo à Requerida.


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II. DA INTERVENÇÃO DO PRESIDENTE DO TCA SUL


Por despacho do Exmo. Presidente do TAD, de 25/03/24, foram os autos remetidos a este TCA Sul para apreciação e decisão, na constatação de não ser viável, em tempo útil, a constituição do colégio arbitral.

Vejamos se estão reunidos os pressupostos que justificam a intervenção do Presidente do TCA Sul.

O artigo 41.º da Lei do TAD, sob a epígrafe “procedimento cautelar”, estatui no seu n.º 7 que “consoante a natureza do litígio, cabe ao presidente do Tribunal Central Administrativo do Sul ou presidente do Tribunal da Relação de Lisboa a decisão sobre o pedido de aplicação das medidas provisórias e cautelares, se o processo ainda não tiver sido distribuído ou se o colégio arbitral ainda tiver constituído”.

Refere o Exmo. Presidente do TAD, no despacho por si proferido, que:

“(…)

« Texto no original»

(…)

« Texto no original»

No caso sub judice, afigura-se como seguro o entendimento assumido da impossibilidade de constituição do colégio arbitral em tempo de dar resposta útil ao que vem cautelarmente peticionado. Face aos prejuízos que o ora Requerente alega e à sua imediata continuidade temporal, terá que concluir-se que está preenchida a condição de que depende a intervenção do Presidente do TCA Sul, ou seja, a verificação da impossibilidade da constituição do colégio arbitral em tempo útil (cfr. artigo 41.º, n.º 7 da Lei do TAD).


*


III. DA DISPENSA DA AUDIÇÃO DA REQUERIDA


De acordo com o n.º 5 do art. 41.º da Lei do TAD, “[a] parte requerida é ouvida dispondo, para se pronunciar, de um prazo de cinco dias quando a audição não puser em risco sério o fim ou a eficácia da medida cautelar pretendida”.

Donde, considerando que a audição da entidade requerida, por força do prazo injuntivamente fixado neste preceito, que é de 5 dias e não pode ser legalmente encurtado, é suscetível de pôr em risco a eficácia da medida cautelar pretendida, ao abrigo do disposto neste artigo 41.º, n.º 5 da Lei do TAD, dispensa-se a audição da Requerida, procedendo-se de imediato à apreciação do mérito da presente providência cautelar.

Considerando a natureza do processo, após a análise sumária da prova junta, entende-se que nenhuma outra carece de ser produzida, sendo, portanto, a existente suficiente para a apreciação do mérito da causa.


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IV. DA INSTÂNCIA

As partes são legítimas e o processo é o próprio.

Não existem exceções ou outras questões prévias que devam ser, desde já, conhecidas e que obstem à apreciação do mérito da providência requerida.

Atenta a natureza indeterminável dos interesses em discussão no presente processo, nos termos previstos no artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se ao presente processo o valor de € 30.000,01.


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V. FUNDAMENTAÇÃO

V.i. DE FACTO

Com interesse para a decisão da presente providência cautelar, relevam os seguintes factos, documentalmente comprovados:

a) O requerente é jogador profissional de futebol e atualmente encontra-se ao serviço do Grupo ……………….. – Futebol, SAD (cfr. p.i.);

b) Aquando do jogo realizado no dia 9 de dezembro de 2023- jogo n° 11303, da jornada 13 da Liga Portugal Bwin - entre as equipas da V.. ………………. - Futebol, SAD (“V……. SAD”) e da S…………… SAD, no Estádio D. ………………., em G…………….., o requerente encontrava-se ao serviço da S ………….. - Futebol, SAD (“S……….. SAD”) - cfr. Processo Disciplinar nº ……………../2024;

c) No Relatório dos Delegados da LPFP do jogo referido em b) consta que “Após o final do jogo, foi-nos reportado, pelo delegado ao jogo da sociedade desportiva visitada – V…………. SC, SAD – F……………… que, foi este informado pelo director de campo dessa sociedade desportiva que, ao minuto 45+2 da 2ª parte, dois jogadores da sociedade desportiva visitante – S……….. CP, SAD - que se encontravam a aquecer na zona lateral do banco suplementar – D ……….. (14) e N…….. (13) - empurraram um apanha-bolas que aí se encontrava, fazendo-o cair, facto que os delegados nomeados para o jogo não visualizaram.”. E ainda, que “Ao minuto 45+2 da 2ª parte, gerou-se uma enorme discussão junto à zona de aquecimento ocupada pela S……… CP-SAD, cuja origem não foi possível detectar, uma vez que os delegados da Liga nomeados para o jogo se encontravam junto ao túnel de acesso ao relvado, com vários empurrões entre os vários agentes desportivos, de ambas as sociedades desportivas, que rapidamente se aglomeraram no local.” (cfr. ibidem);

d) Em 14.12.23 e na sequência do relatório mencionado em c), a Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol ordenou a instauração e a subsequente remessa, à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, do processo de inquérito, que tomou o nº 17-23/24, com o seguinte objeto: «Factos ocorridos no jogo n.º 11303 (203.01.111), entre a V…………. SC SAD e a S………….. CP SAD, realizado no dia 09 de dezembro de 2023, a contar para a Liga Portugal BETCLIC» (cfr. ibidem);

e) Em 26.12.2023, a Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional elaborou relatório final no processo de inquérito aludido em d), propondo a instauração de processo disciplinar ao requerente, D …………………., Jogador do ……………. CP, SAD, pela infração p. e p. pelo art.º 145.º, n.º 2, al. b), do RD [Agressões] (cfr. ibidem);

f) Por Despacho da Presidente da Comissão de Instrutores, de 18.12.2023, o processo de inquérito referido em d) foi distribuído ao Sr. Inquiridor, o qual, após a realização das diligências consideradas relevantes, propôs, em 06.02.2024, ao Conselho de Disciplina (Secção Profissional), o seguinte:

“(…) i) a conversão deste processo de inquérito em processo disciplinar, que terá por arguidos:

(…)

B. D …………….., Jogador da S…………… CP, SAD, da infracção p. e p. pelo art.º 145.º, n.º 2, al. b), do RD [Agressões]; (….)”(cfr. ibidem);

g) Por deliberação da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação, foi instaurado (por conversão) processo disciplinar contra o ora requerente, D ………………….., o qual tomou o nº ………./24.(cfr. ibidem);

h) Por despacho datado de 9 de fevereiro de 2024, foi o arguido, ora requerente, notificado da instauração do presente processo disciplinar, bem como para, querendo, se pronunciar sobre a factualidade sob investigação, o que que fez (em data que não se apura), pugnando pelo arquivamento do processo disciplinar (cfr. ibidem);

i) Em 15.02.2024, o instrutor elaborou relatório final no processo disciplinar o nº 59-23/24, resultando do seu dispositivo, na parte que aqui releva, o seguinte:

“ 27. Queda suficientemente indiciado o cometimento:

(…)

B. Pelo Arguido D ……………., Jogador …………. CP, SAD, da infracção p. e p. pelo art.º 145.º, n.º 2, al. b), do RD [Agressões];

(…)

29. Relativamente a todos os Arguidos, poderão, excepcionalmente, ser consideradas outras atenuantes, para além das previstas no artigo 55.º n.ºs 1 e 2 do RD, quando a sua relevância o justifique (cfr. artigo 55.º n.º 3 do RD), havendo ainda a registar a possibilidade de atenuação especial da sanção nos termos do artigo 60.º do citado RD. (…)” (cfr. ibidem);

j) Em 16.02.2024, a Presidente do Conselho de Disciplina da FPF, determinou a remessa do Relatório Final da Comissão de Instrutores da LPFP ao Relator para pronúncia (cfr. ibidem);

k) Durante a audiência disciplinar, que se iniciou em 27.02.2024, o ora requerente, e ali arguido, esteve representado pelo seu mandatário (cfr. ibidem);

l) Em 19.03.2024, foi proferido acórdão nesse processo, no qual foi decidido julgar a acusação procedente por provada e, em consequência, condenar o “Arguido D …………………o, pela prática da infração disciplinar p. e p. artigo 145.º, n.º 2, al. b), do RDLPFP, com a sanção de suspensão de 30 (trinta) dias e, acessoriamente, com a sanção de multa de 25 UC, isto é, 1.020,00 € (mil e vinte euros)”. (cfr. ibidem);

m) Do acórdão supra, consta como factualidade provada e não provada o seguinte:

“1) Realizou-se o jogo n.º ………….. entre a V…………………..– Futebol SAD (V……….. SC SAD) e a S……………………de Portugal – Futebol SAD (S…………. CP SAD), no dia 09 de dezembro de 2023, a contar para a 13.ª jornada da Liga Portugal BETCLIC, no Estádio D. ……………..;

2) Foram inscritos na respetiva ficha técnica deste jogo, pela S………….. CP SAD, os seguintes jogadores, que integram a sua equipa principal: a. D ………………… (E………..), a quem esteve atribuída camisola com o n.º 14; b. E …………………… (E …………), a quem esteve atribuída camisola com o n.º 72; c. L ……………………. (N……..), a quem esteve atribuída camisola com o n.º 13.

3) Da predita ficha técnica, constam, também, A …………………… (A ………………), na qualidade de Delegado de Controlo Anti-Doping, C ………………… (C ………………….), na qualidade de treinador adjunto, e G …………………….. (G ………….), na qualidade de Preparador Físico, associado ao Departamento de Alto Rendimento da S………….. CP, SAD;

4) Pela V………… SC SAD, foram inscritos na respetiva ficha técnica deste mesmo jogo: a. R …………………… (R …………….), na qualidade de seu Diretor de Segurança; b. A …………………… (A ………….), na qualidade de Diretor de Campo;

5) M ……………….. (M ……..), nascido em 21.08.2001, interveio no mesmo jogo, na qualidade de apanha-bolas, em colaboração com a V ……… SC, SAD, tendo sido selecionado no âmbito de recrutamento coordenado por A …………..;

6) J ………………….. (J ……………) integrou a equipa de arbitragem nomeada para o mesmo jogo, como 4.º Árbitro;

7) Todas as pessoas acima referidas intervieram no jogo em causa, nas qualidades acima referidas;

8) Cerca dos 91m30s, foi assinalado um canto a favor da S………. CP, SAD;

9) Nesse momento, M ………… encontrava-se entre o banco suplementar atribuído à S………….. CP, SAD e a baliza da equipa desta sociedade desportiva, e tinha uma bola nas mãos, que E…….. lhe tentou tirar;

10) M…………. resistiu, agarrando a bola, uma vez que estava uma outra bola em campo, pelo que considerou não poder devolver ao campo a bola que segurava;

11) E………. agarrou e puxou a bola com violência e, ato contínuo, atingiu M …………… na boca, com o cotovelo, provocando ferimento no lábio inferior deste, que sangrou;

12) Atordoado, assustado e com dores, na sequência da conduta de E……….., M …………….. ajoelhou-se e aproximou o seu tronco do chão;

13) E…………………viu M………………..na referida posição e abordou-o, perguntando se estava bem e se precisava de ajuda;

14) Após, M………………levantou-se e foi abordado por R……………., que lhe perguntou o que havia acontecido, ao que o depoente respondeu descrevendo o referido comportamento de E………, apontando na direção deste jogador;

15) Em seguida, M………….foi abordado pelo jogador N…………. que atirou uma bola contra o seu peito, tendo M…………………recuado, desequilibrado;

16) Encontravam-se no local o treinador adjunto da S…………… CP, SAD, C ……………., e Preparador Físico, G ………………;

17) Imediatamente após, E…………… reaproximou-se de M……………. e empurrou-o, provocando o seu desequilíbrio, após o que o jogador E………………….. agarrou E……………. e o afastou de M ………….;

18) Na imediata sequência da ocorrência factos supra, acorreram ao local o 4.º Árbitro, M ……………, que afastou as pessoas em confronto, A…………….., Delegado de Controlo Antidoping (este, utilizando um casaco verde), que também interveio com o objetivo de apaziguar e, sequentemente, vários agentes desportivos relacionados com ambas as sociedades desportivas que, involuntariamente, chocaram uns com os outros, sem que disso resultasse qualquer ferimento;

19) Os factos sob 9) a 14), 16) e 17) não foram presenciados por qualquer membro da equipa de arbitragem;

20) Do relatório de segurança do jogo supra, elaborado por R ………………, na qualidade de Diretor de Segurança ao serviço SAD promotora do jogo, não consta a descrição/relato de quaisquer agressões, injúrias ou ameaças entre adeptos, elementos de segurança, árbitros, jogadores, dirigentes e outros agentes desportivos, nomeadamente, de quaisquer dos factos acima descritos;

21) Os Arguidos agiram de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que os seus comportamentos (omissivo, o do Arguido R …………….) consubstanciam condutas previstas e punidas pelo ordenamento jusdisciplinar desportivo, não se abstendo, porém, de as realizar;

22) O Arguido A ……………. não tem antecedentes disciplinares;

23) Os Arguido R …………., D ………………. e L ………… têm antecedentes disciplinares; (cfr. ibidem);

Factos não provados:

1) Os factos sob 15) não foram presenciados por qualquer membro da equipa de arbitragem. (cfr. ibidem);

Motivação quanto à matéria de facto

“ (…) 47. A convicção formada apoia-se, fundamentalmente, nos documentos juntos aos autos (relatórios oficiais de jogo, esclarecimentos prestados pela equipa de arbitragem), dos depoimentos das testemunhas, das imagens de jogo e CCTV, do registo áudio e vídeo do sistema de gravação VAR e esclarecimentos prestados por VAR e AVAR, tendo sido analisados de forma crítica e conjugada, quer cada um deles isoladamente, quer todos eles de forma conjunta e global, à luz das regras da experiência e da lógica.

Destarte, concretizando:

i) Os factos descritos em 1) a 4) e 6) e 7) de §2. Factos provados têm o seu múnus probatório na documentação oficial [Relatório de Árbitro e Relatório de Delegado] referente ao jogo em apreço nos autos, juntos de fls. 4 a 11;

ii) Os factos descritos em 5) de §2. Factos provados assentam nos três fotogramas extraídos das imagens televisivas do jogo e das imagens CCTV, bem como das informações e depoimento de M …………., tudo constante de fls. 84 a 86, 132 e 161 e 162;

iii) Os factos descritos de 8) a 19) de §2. Factos provados, encontram suporte probatório nas imagens televisivas do jogo (fls. 19, em particular de 02:07:02 a 02:07:49), nas imagens CCTV (fls. 40, em particular de 1:58 a 2:32), nos esclarecimentos escritos e depoimentos prestados nos autos por A ………………., M………………., E ………………. e R. …..….. de fls. 75, 153-154, 161 e 162, 168 a 169. Não colhendo a tese do jogador Arguido D ………….., em sede de memorial de defesa (Cap. V), de que a prova destes factos se basta, quase em exclusivo, no depoimento do apanha-bolas M ……….. e do Arguido R …………….. Pois, os eventos narrados nesses depoimentos conjugados com os excertos das imagens atrás referidas (mesmo estas não tendo um registo continuo e direto de todos os eventos), permite-nos, de acordo com as regras da experiência, afirmar que o que se vê nas imagens (a postura do jogador D ……………. na direção do apanha-bolas, este caído no chão, e, após se levantar, apontando na direção do Arguido D …………..), são a consequência normal e típica (id quod plerumque accidit) do que é narrado naqueles depoimentos, que, nos oferecem credibilidade, para além de toda a dúvida razoável, à luz desta confrontação. Em suma, as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitenos afirmar a existência dos factos imputados ao Arguido D …………….;

iv) Os factos descritos em 20) de §2. Factos provados escoram-se no Relatório de Segurança a fls. 17;

v) No que respeita à materialidade de índole subjetiva dos arguidos aposta no facto descrito em 21) de §2. Factos provados, representando o estado psíquico atinente ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo das infrações disciplinares em dissídio, a sua demonstração decorre in re ipsa e, por conseguinte, também da valoração dos elementos probatórios juntos ao processo (acima já analisados) à luz das regras da experiência comum e da lógica;

vi) O extrato disciplinar dos Arguidos oferece a prova aos factos descritos de 22) e 23) de §2. Factos provados, conforme fls. 263 a 268 dos autos;

48. Já no que concerne à factualidade não provada constante de 1) de §3. Factos não provados, a mesma foi assim considerada em virtude da prova produzida em sede de audiência disciplinar, nomeadamente a análise da gravação resultante do sistema VAR [cfr. fls. 527] bem como pela circunstância de os esclarecimentos prestados pelos VAR H ………….. e o AVAR A ……………… [cfr. fls. 558] terem permitido, nomeadamente estes últimos, concluir que o VAR e AVAR visionaram a conduta descrita no facto 15) quanto ao jogador L ……….” (cfr. ibidem);

n) Do Comunicado Oficial nº230, da Liga Portugal Betlic emitido em 18.03.2024, consta o seguinte:

«Texto no original»

- cfr, doc. 3 junto com a pi.

Nada mais vindo alegado, de facto, nada mais importa indiciariamente provar.


*

V.ii. DE DIREITO

Como se deixou dito na decisão do Presidente do TCA Sul, de 20/01/23, no processo nº 17/23.7 BCLSB, consultável em https://www.dgsi.pt, “Nos termos do disposto no art. 41.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Arbitral do Desporto, aprovada pela Lei n.º 74/2013, de 6 de Setembro, “[o] TAD pode decretar providências cautelares adequadas à garantia da efetividade do direito ameaçado, quando se mostre fundado receio de lesão grave e de difícil reparação, ficando o respetivo procedimento cautelar sujeito ao regime previsto no presente artigo”. E, de acordo com o n.º 9 desse artigo, “[a]o procedimento cautelar previsto no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os preceitos legais relativos ao procedimento cautelar comum, constantes do Código de Processo Civil”.

Dispõe o art. 368.º do CPC:

1- A providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.

2 - A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar.

3 - A providência decretada pode ser substituída por caução adequada, a pedido do requerido, sempre que a caução oferecida, ouvido o requerente, se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente.

4 - A substituição por caução não prejudica o direito de recorrer do despacho que haja ordenado a providência substituída, nem a faculdade de contra esta deduzir oposição, nos termos do artigo 370.º.

Como já se deixou estabelecido anteriormente, são requisitos essenciais destas providências cautelares (cfr., i.a., a decisão de 5.11.2021, proc. n.º 130/21.5BCLSB):

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

Sendo que esta titularidade do direito, deve ser séria; ou seja, no sentido de que ao requerente da providência lhe venha a ser reconhecida razão, ainda que essa análise deva ser feita – como não podia deixar de o ser, face à natureza deste meio processual – sob os ditames próprios de uma summario cognitio. Dito de modo diverso, é pressuposto (cumulativo) do decretamento da providência a probabilidade séria (fumus boni juris), embora colhida a partir de análise sumária (summaria cognitio) e de um juízo de verosimilhança, de o direito invocado e a acautelar já existir ou de vir a emergir de acção constitutiva, já proposta ou a propor.

Por sua vez, na demonstração do grau de probabilidade ou verosimilhança em relação à existência do direito invocado pelo requerente da providência, concorre não só o acervo probatório constante do processo e que se revele adequado a formar a convicção do julgador quanto ao grau de probabilidade de existência do direito invocado, como a jurisprudência tirada sobre casos análogos e cuja decisão seja proferida por referência ao mesmo quadro normativo. Não poderá afirmar-se a “probabilidade séria da existência direito” invocado, se esse mesmo direito não é reiteradamente reconhecido nas acções principais que sobre ele versam.

É certo que o fumus boni iuris decorre da suficiência da mera justificação dos fundamentos do mesmo. Mas, como se escreveu no ac. de 19.09.2019 do TR de Guimarães, proc. n.º 97/19.0T8VNC.G1: “na aferição de tal requisito, bem como dos demais, deve ter-se sempre presente uma perspectiva de instrumentalidade hipotética, isto é, de que a composição final e definitiva do litígio no processo respectivo possa vir a ser favorável ao requerente”.

No caso concreto, o Requerente alega, nos termos que melhor constam da p.i., que a sanção punitiva é ilegal.

Por um lado, defende o Requerente que a prova coligida pelo CD é manifestamente insuficiente para sustentar a decisão alcançada, não permitindo ultrapassar a dúvida quanto a saber se o Requerente praticou os factos que lhe são imputados. Com efeito, sustenta o Requerente que a decisão condenatória assenta no depoimento de uma única testemunha, o ofendido. Para o ora Requerente, há um claro erro nos pressupostos de facto e na valoração da prova que não pode senão levar à invalidade da decisão condenatória contestada.

Por outro lado, defende o Requerente que, no caso, o CD não observou os direitos de audiência e de defesa, não garantindo um processo justo e equitativo, realçando a violação do artigo 266º do RDLPFO e, bem assim, o disposto no nº 3 do artigo 230º do mesmo diploma, nos termos do qual se prevê o direito do arguido a estar presente ou representado e a intervir em todas as diligências instrutórias que não sejam de mera junção documental.

Vejamos, então, se ocorre ou não probabilidade séria da existência do direito invocado.

Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que estamos no domínio cautelar, por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória. A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

O Requerente foi condenado pela prática de infração disciplinar prevista no artigo 145º, nº2, b) do RDLPFP, nos termos do qual:


“Agressões

1. São punidas nos termos das alíneas seguintes as agressões praticadas pelos jogadores contra os membros dos órgãos da estrutura desportiva, elementos da equipa de arbitragem, observadores, delegados da Liga Portugal, dirigentes ou delegados ao jogo de outros clubes, agentes de segurança pública, e treinadores:

a) no caso de agressão que determine lesão de especial gravidade, com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de seis meses e o máximo de quatro anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 150 UC e o máximo de 750 UC;

b) noutros casos de agressão, com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de dois meses e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 75 UC e o máximo de 375 UC.

2. São punidos nos termos das alíneas seguintes as agressões praticadas pelos jogadores contra os demais agentes desportivos não previstos no número anterior:

a) no caso de agressão que determine lesão de especial gravidade, com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de dois meses e o máximo de dois anos e, acessoriamente, com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 50 UC e o máximo de 250 UC;

b) noutros casos de agressão, com a sanção de suspensão a fixar entre o mínimo de um e o máximo de quatro meses e, acessoriamente, com a sanção de multa a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 75 UC.

(…)” – sublinhado nosso.

Sobre a responsabilidade disciplinar do arguido D……………., consta da decisão do CD da FPP, no processo nº ………/2024, o seguinte:

“65. Nos termos constantes da acusação, recorde-se, vem imputada ao Arguido D …….. a infração disciplinar p. e p. nos termos do disposto no artigo 145.º, n.º 2, al. b), do RDLPFP [Agressões],

66. Ora, conforme ficou gravado no Acórdão deste Conselho, de 18.01.2022, no âmbito do Processo Disciplinar n.º …./22 (Relator J ……………….), o que se apresenta central nos ilícitos em causa, do ponto de vista objetivo, é verificar o conceito de “agressão”, nomeadamente se o mesmo é compatível ou se demonstra preenchido com o bater com uma das mãos na mão de outro, provocando a queda do telemóvel dessa pessoa, factos aqui dados como provados: «Sendo “agressão” um comportamento lesivo da integridade física ou saúde de terceiros pode consubstanciar-se igualmente num empurrão. Não é qualquer empurrão que pode constituir uma agressão para efeitos do tipo de ilícito em liça. Apenas aqueles que objetivamente constituem uma lesão mais intensa suscetível de pôr em causa a integridade física e/ou saúde de outrem (e que tal outrem tenha a qualidade exigida nos preceitos regulamentares). Subjetivamente é necessário que exista dolo, i.e., conhecimento e intenção de atingir o terceiro de modo mais intenso e que naturalmente não esteja coberto por nenhuma causa de exclusão de ilicitude (e.g., com animus defendendi). É certo que os clássicos exemplos de agressões como murros ou similares são os comportamentos mais evidentes de agressão, porém não esgotam nem sequer precludem a possibilidade de empurrões mais intensos constituírem agressões para efeitos do tipo p. e p. pelo artigo 131.º do RD (…)».

67. No caso que ora nos ocupa, a situação é manifestamente clara em face da prova carreada e que habilita os factos dados como provados: a conduta descrita nos Factos Provados 11) e 17) do jogador D ……………… – ao agarrar e puxar a bola com violência quem o apanhabolas tinha na mão e, ato contínuo, atingir esse apanha-bolas na boca, com o cotovelo, provocando ferimento no lábio inferior deste, que sangrou e empurrar esse apanha-bolas, provocando o seu desequilíbrio – ultrapassa o nível objetivo de mera violação dos deveres gerais, constituindo tal ação, pela sua intensidade e desvalor de ação (mais grave), conduta objetivamente sancionável pelo tipo de agressões (ilícito disciplinar p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 2, al. b), do RDLPFP).

68. Destarte, mirando a factualidade em causa, para que se preencha o tipo da infração imputada [artigo 145.º, n.º 2, al. b), do RDLPFP], necessário se torna que, voluntariamente e ainda que de forma meramente culposa: (i) um jogador; (ii) cometa uma agressão; (iii) contra os demais agentes desportivos não previstos no n.º 1 do mesmo normativo.

69. Fundamental no ilícito em causa, do ponto de vista objetivo, é verificar o conceito de “agressão”, nomeadamente se o mesmo é compatível ou se mostra preenchido com a matéria apurada (atingir alguém na boca com o cotovelo e empurrá-lo provocando o seu desequilíbrio). Não será qualquer ação adotada por um agente desportivo que contenda com o corpo ou a saúde de outros agentes desportivos, in casu um apanha-bolas, que será disciplinarmente sancionável, mas apenas aquelas que, pela sua gravidade, se prestem a ser objetivamente consideradas, pelo menos, como um comportamento lesivo da integridade física ou saúde de terceiros – in casu, o Arguido D …………….. quer agredir o apanha-bolas visado, pelo menos com dolo necessário, porquanto representa a agressão como necessária ao desapossamento da bola que aquele apanha-bolas tinha na sua posse.

70. E, também aqui, é precisamente este o caso: devido à intensidade da conduta mantida pelo Arguido D ……………… que atinge o apanha-bolas na boca com o cotovelo (provocando sangramento) e o empurra provocando o seu desequilíbrio, causando-lhe desconforto e dor, pratica um comportamento disciplinarmente censurável.

71. A conduta praticada pelo Arguido D …………., pela sua intensidade e desvalor de ação, é objetivamente sancionável pelo tipo de agressões [p. e p. pelo artigo 145.º, n.º 2, al. b), do RDLPFP] porquanto constitui uma lesão da integridade física do agente desportivo visado. E, subjetivamente, não resta qualquer dúvida que o Arguido sabia e desejou tal comportamento e resultado (atuando com dolo necessário) não atuando ao abrigo de qualquer causa excludente da responsabilidade. Tal conduta é por isso igualmente ilícita porque contrária à ordem jurídica, nomeadamente aos deveres regulamentares a que estão sujeitos os agentes desportivos – em especial os que constam do artigo 52.º RCLPFP – não beneficiando de qualquer causa excludente da ilicitude.

72. Em síntese, sendo a conduta concretamente adotada pelo Arguido subsumível a este tipo normativo (agressão), não poderão deixar de se produzir as respetivas consequências jurídicas sancionatórias contidas na respetiva estatuição normativa”.

Como resulta pacífico, o crime de ofensa à integridade supõe a produção de um resultado que é a ofensa do corpo ou da saúde de outra pessoa e que tem que ser imputado à conduta ou omissão do agente, de acordo com a regras gerais de apuramento da causalidade (cfr. TR Porto, acórdão de 28/04/21, processo nº 1132/18.4 PBMTS. P1).

Ora, no caso, partindo da leitura atenta do julgamento da matéria de facto e da sua motivação, tal como constam da decisão do CD da FPF, considerada a apreciação da responsabilidade disciplinar do Arguido, ora Requerente, tal como ficou transcrita, aí se evidenciando a apreciação crítica da prova, concluímos – numa análise sumária e perfunctória – que inexistem elementos suficientes para sustentar a condenação do Requerente, sendo de evidenciar, como refere o mesmo que, face à prova produzida, nada se sabe sobre a “dinâmica do incidente, (…) a violência e a intensidade da suposta agressão”.

Vejamos por partes.

As imagens do jogo, juntas aos autos e por nós visionadas, nada permitem concluir quanto à alegada agressão de D ……………. sobre M …………... Com efeito, tais imagens não revelam o momento da suposta agressão na boca de M …………., com o cotovelo de D…………….., nem o alegado ferimento “no lábio inferior (…), que sangrou”. Tudo o que se pode visionar é o momento em que M…………….. está agachado no chão e que, interpelado por outrem, aponta no sentido de D ……………. Ou seja, as imagens por nós visionadas reportam-se a um momento posterior ao alegado incidente e não permitem, por isso, uma conclusão segura sobre o que realmente terá sucedido.

A isto acresce que, como vem evidenciado nos autos, quer o relatório de policiamento desportivo, como o do delegado da LPFP e, bem assim, o relatório de arbitragem são, os três, omissos quanto aos contornos subjacentes ao alegado incidente, entre D …………….. e o apanha-bolas, M ……………. De notar que o relatório de policiamento se limita a referir “Observações/fita de tempo: “20h03: incidentes entre comitivas e atletas na área de jogo”.

Quanto às testemunhas, salienta-se que A ………….. depôs no sentido de não ter observado qualquer interação e/ou contato físico inicial entre jogador e apanha-bolas.

Também os árbitros J ………….. e José ………….., ouvidos, não confirmaram a versão dos factos segundo a qual jogadores do S ………… CP SAD empurraram um apanha-bolas que se encontrava na zona lateral do banco suplementar.

A testemunha R ……………… salientou que, quando se deslocou ao local onde se encontrava o apanha-bolas, “aí lhe foi dito pelo referido apanha-bolas, cujo nome desconhece, que o jogador do clube visitante, D ………………, o havia agredido com uma cotovelada na boca, enquanto tentava tirar-lhe uma bola que segurava. O depoente notou que o apanha-bolas se queixava de dores no lábio inferior que, aparentemente, sentia”. Mais referiu que “não percepcionou qualquer outra abordagem do jogador D …………. ao apanha-bolas que se vem referindo”.Também o depoimento de E ………………. é absolutamente imprestável para concluir sobre a alegada agressão na boca de M………………, com o cotovelo de D …………, pois “não viu D …………… ou qualquer outra pessoa a agredir de qualquer forma (empurrando, nomeadamente) qualquer apanha-bolas”.

Resta, pois, o testemunho do ofendido, M ………...

Feita esta análise – sublinhe-se – sumária e perfuntória, como é timbre da tutela cautelar, a prova da agressão que vem imputada ao Requerente é meramente aparente.

Ora, no âmbito do procedimento disciplinar (e do processo penal, que aqui importa convocar), vigora tanto o princípio da presunção da inocência (art.º 32, n.º 2, da CRP), como o princípio in dubio pro reo. Como é sabido, o arguido em processo disciplinar, tal como ocorre em processo penal, não tem de provar que é inocente da acusação que lhe é imputada, pois o ónus da prova dos factos constitutivos da infração cabe ao titular do poder disciplinar.

Não suscita dúvidas que, verificando-se um caso de incerteza em matéria probatória, ou seja um non liquet, terá que funcionar o princípio de in dubio pro reo, o que se verifica nos autos, pois que não se demonstraram, sem margem para dúvida, os factos em que se fundou a aplicação da pena. É o que resulta da análise que perfunctória que aqui se faz. Dito de outro, sem que esteja demonstrada e devidamente comprovada, através de robustas provas, a materialidade e autoria da infração disciplinar fica comprometida qualquer condenação do arguido, que tem em seu favor a presunção de inocência.

Em suma, tudo indicia pela não prática do ilícito disciplinar pelo arguido, sem prejuízo de, na ação principal, se vir a apreciar e decidir em sentido diverso. Tenhamos presente que estamos no domínio cautelar, “por definição de natureza instrumental, com prova sumária e perfunctória, não sendo, portanto, exigível uma prova total para a decisão cautelar. Essa tarefa instrutória e de produção e decisão da prova ficará reservada para a ação principal, sob pena de se desvirtuar a perfunctoriedade dos processos cautelares”. – cfr. decisão do Presidente do TCA, de 20/01/23, processo nº 17/23.7 BCLSB.

A apreciação que é feita em sede de procedimento de cautelar assenta, assim, num mero juízo de verosimilhança. Ao apreciar a providência, o tribunal “não se baseia sobre a certeza do direito do requerente, mas apenas sobre uma probabilidade séria da existência desse direito (fumus boni iuris; summaria cognitio; não verdadeira prova, mas simples justificação)” (cfr. Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, 1993, p. 9).

Dissemos, ainda, que defende o Requerente que, no caso, o CD não observou os direitos de audiência e de defesa, não garantindo um processo justo e equitativo, realçando a violação do artigo 266º do RDLPFO e, bem assim, o disposto no nº 3 do artigo 230º do mesmo diploma, nos termos do qual se prevê o direito do arguido a estar presente ou representado e a intervir em todas as diligências instrutórias que não sejam de mera junção documental.

Tenhamos presente que, nos termos do artigo 230º, nº3 do RDLPFO (Processo Disciplinar, Secção II, Instrução), se dispõe nos seguintes termos:O arguido tem direito a estar presente ou representado e a intervir em todas as diligências instrutórias que não sejam de mera junção documental.”

O que resulta da análise dos autos é que a CI e o CD inquiriram as testemunhas sem conceder ao arguido, ora Requerente, a possibilidade de intervir ativamente no desenvolvimento do procedimento disciplinar.

Ora, em relação aos direitos de defesa do arguido, é sabido que decorre dos princípios constitucionais, designadamente do artigo 20.º da CRP, o direito a um processo equitativo, que se concretiza através de outros princípios, entre os quais “o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas” (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª Ed., 2007, p. 415). E entre essas dimensões do princípio do contraditório temos a proibição da indefesa, a que se associa o princípio de participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio, materializado no direito de cada um a ser ouvido em juízo, preferencialmente antes de a decisão ser tomada.

Tudo isto dito, num juízo de prognose de summaria cognitio - que é o que aqui se impõe a este Tribunal -, pode concluir-se pela verificação de uma titularidade séria do direito invocado pelo Requerente. Por outras palavras, a providência requerida passa o crivo do requisito do fumus boni juris.


*

Ultrapassada a verificação do requisito do fumus boni juris, vejamos seguidamente se vem demonstrado o periculum in mora.

Relembre-se que são requisitos essenciais destas providências cautelares:

a) A titularidade de um direito que releva do ordenamento jurídico desportivo ou relacionado com a prática do desporto; e

b) O receio fundado da lesão grave e de difícil reparação desse direito.

A propósito do periculum in mora, veja-se o que se concluiu no ac. de 11/02/21 do T. R. de Lisboa, no proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2:

“(…) não é toda uma qualquer ou mera consequência que previsivelmente ocorra antes de uma decisão definitiva, que se configura com capacidade de justificar o recurso e decretamento de uma medida provisória com reflexos imediatos na esfera jurídica da requerida contraparte;

III - efectivamente, de acordo com a legal enunciação, só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade e viabilidade de permitir ao tribunal, mediante iniciativa do interessado, a tomada de uma decisão que o coloque a coberto e salvaguarda da previsível lesão;

IV – destra forma, a decisão cautelar do tribunal, de forma a evitar a lesão, está condicionada à projecção da lesão como grave, bem como ao facto, em cumulação, de ser dificilmente reparável do direito afirmado;

(…)

VII - revelando-se, inclusive, necessário o preenchimento concludente ou impressivo de tal requisito de periculum in mora, devendo a gravidade e a difícil reparação da lesão ou dano, configurar-se com um plus, acrescento ou excesso de risco, relativamente àquele que normalmente existe e é inerente à pendência de qualquer acção ;

(…).”

O periculum in mora, como afirmado no acórdão de 14/.06. 18 do STA, proc. nº 435/18, “constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação aos interesses perseguidos nesse processo que justifica este tipo de tutela urgente”.

No caso, o que se deteta é que o periculum in mora alegado funda-se nos seguintes termos: a aplicação imediata da sanção de suspensão impede o jogador de ser “utilizado nos próximos 3 jogos da Liga Portugal Betclic”, impossibilitando-o de “desempenhar aquela que é a sua atividade profissional por 30 dias”, drstacando-se-se o próximo jogo da sua equipa da Liga Portugal Betclic, no dia 29 de março; trata-se, segundo alega, de um jogo de importância capital para o desfecho da competição e, como tal, para as suas aspirações profissionais. Acresce que, como invoca o Requerente, a sua equipa encontra-se “nos últimos lugares da tabela classificativa, almejando amealhar o máximo número de pontos possíveis nos próximos jogos do campeonato a fim de atingir o objetivo desportivo de se manter na principal competição de futebol profissional de Portugal”. Por outro lado, realça o Requerente que tem apenas 19 anos de idade, que se encontra numa fase especialmente importante da sua carreira e que almeja assegurar o seu lugar na equipa. Para mais, considerando a circunstância de o Requerente ter sido recentemente cedido, temporariamente, pela S ………….SAD ao C…………. SAD, prevendo-se o ingresso na equipa principal do S…………. SAD na próxima época desportiva, a aplicação imediata da suspensão aplicada é suscetível de pôr em causa os motivos que determinaram a sua cedência ao C………., o seu lugar nesta equipa e, ainda, o desejado regresso à equipa principal do S ………. SAD.

Recuperemos, pela sua pertinência para o caso que nos ocupa, a síntese de doutrina e jurisprudência, aqui inteiramente aplicáveis, constante da decisão do Presidente do TCA Sul, de 20/01/23, no processo nº 17/23.7 BCLSB. Aí se escreveu:

“O fundado receio ou periculum in mora, cuja verificação é necessária para a procedência do procedimento cautelar comum, tem de resultar da alegação de factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo. Como ensina Abrantes Geraldes: “só devem ter-se em conta para a aferição da existência do requisito do “periculum in mora” as lesões graves e dificilmente reparáveis, em que se exigem maiores cuidados, devendo o juiz “convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.// A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado” (in Temas Da Reforma Do Processo Civil, vol. III, 1998, pp. 83 a 88).

E como a jurisprudência tem entendido, a “previsível gravidade da lesão deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera do interessado, abrangendo tanto os prejuízos materiais, como os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação” (cfr., i.a., o ac. do T.R.Coimbra, proc. n.º 306/15.4T8FND.C1). É que, como bem sintetiza Antunes Varela, as providências cautelares “visam precisamente impedir que, durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere de modo que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela. Pretende-se deste modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença não se torne numa decisão puramente platónica” (cfr. A. Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. revista e actualizada, 1985, p. 23).

E sabido é que os danos ou prejuízos imateriais ou morais são por natureza irreparáveis ou de difícil reparação (cfr. o ac. de 8.04.2021 do T.R. de Guimarães, proc. n.º 1053/21.3T8GMR.G1; idem, o ac. de 11.02.2021 do T.R. de Lisboa, proc. n.º534/16.5T8SXL-A.L1-2). Sendo que a privação ou limitação do exercício daqueles direitos constituem, por regra, em si mesmo, um dano de difícil reparação.

Também no que concerne à gravidade, “apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida” (idem, o ac. do T.R. de Lisboa citado).

De igual modo, afirmou o STJ, no acórdão de 7.12.2017, proc. n.º 697/16.0T8VVD.G1, que “[n]o essencial, pretendem-se prevenir os prejuízos que decorrem da natural demora do processo - o periculum in mora. // Decidiu o S.T.J., no Ac. de 18/03/2010, que a providência deve ser decretada, “sempre que se esteja ante uma lesão grave, atenta a importância patrimonial ou extrapatrimonial do direito ou do bem que aquele incide (objecto mediato) e que está em risco de ser sacrificado, e não seja razoável exigir que tal risco seja suportado pelo titular do direito ameaçado, na medida em que a reparação de tal dano seja avultada ou mesmo impossível (ut Procº. 1004/07.8TYLSB.L1.S1, Cons.º Álvaro Rodrigues in www.dgsi.pt).” – fim de citação.

Ora, de acordo com o probatório em conjugação com as regras da experiência, é incontornável que a aplicação da sanção de suspensão comporta uma lesão grave e dificilmente reparável.

O cenário de aplicação da sanção disciplinar de suspensão, de 30 dias, ao Requerente é especialmente gravosa atendendo, desde logo: à sua jovem idade (19 anos) e à necessidade de assegurar o seu lugar na equipa; à importância do jogo de 29 de março para o desfecho da competição e, como tal, para as suas aspirações profissionais; o lugar da tabela classificativa em que se encontra a sua equipa (últimos lugares) e a aspiração a somar o máximo número de pontos possíveis nos próximos jogos do campeonato, a fim de atingir o objetivo de se manter na principal competição de futebol profissional de Portugal; poderem ficar comprometidos os objetivos que ditaram a sua recente cedência pela S…………… SAD ao C………… SAD, em concreto, o seu lugar no C……….. SAD e o almejado regresso à equipa principal do S………… SAD. Note-se que um período de suspensão de 30 dias é longo o suficiente para comprometer a participação noutro jogos.

Diríamos que os danos invocados constituem, em si, um prejuízo grave e de difícil reparação.

“Para utilizar uma terminologia própria do contencioso administrativo, uma situação de facto consumado. Dito de outro modo, caso o Requerente venha a obter ganho de causa na acção principal, sempre os efeitos danosos se teriam produzido e consumado integralmente (o requisito do periculum in mora encontrar-se-á preenchido sempre que exista fundado receio de que quando venha a ser proferida uma decisão no processo principal a mesma já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal à situação jurídica e pretensão objeto de litígio – v. ac. do STA de 17.12.2019, proc. n.º 620/18.7BEBJA)”. – cfr. decisão de 20/01/23 que vimos seguindo.

Note-se que, em causa, não está a sanção de multa aplicada ao Requerente, o que não constitui objeto da lide cautelar, como o mesmo esclareceu no seu articulado.

Nestes termos, tudo ponderado, na situação concreta em análise e no que respeita à sanção de suspensão, temos, igualmente, por verificado o requisito do periculum in mora.


*

Verificados estes requisitos, cumpre ainda ao Tribunal analisar se o decretamento da providência é suscetível de causar à Requerida um prejuízo que excede consideravelmente o dano que se pretende evitar (artigo 368.º, n.º 2, do CPC 2 – “A providência pode, não obstante, ser recusada pelo tribunal quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar”). Dito de outro modo, importa verificar da proporcionalidade do decretamento da providência, perante os valores contrapostos.

Como reiteradamente se tem afirmado neste Tribunal “O decretamento de uma qualquer providência cautelar implica necessariamente a formulação de um juízo de proporcionalidade acerca dos respectivos efeitos, “o que reclama na actuação do julgador, no momento da decisão, a conjugação e a interferência dos factores de ponderação, de bom senso e equilíbrio na busca da justa medida que permita estabelecer a melhor composição dos interesses conflituantes” (cfr., i.a., o ac. de 23.11.2004 do T.R.de Coimbra, proc. n.º 3064/04; idem o ac. de 4.07.2019 do STJ, proc. n.º 32/19.5YFLSB).

Ora, certo é que não vislumbramos que o decretamento da providência cause qualquer prejuízo relevante à Requerida, para além do (mero) retardamento da acção punitiva; o que é consequência “natural”, aliás, do provimento da medida cautelar (cfr. as nossas decisões de 7.02.2022, proc. n.º 34/22.4BCLSB, e de 20.01.2023, proc. n.º17/23.7BCLSB).

Com efeito, não se antevê que a não execução imediata da sanção seja susceptível de afectar, e muito menos de modo grave, a esfera jurídica da Requerida e dos valores que a mesma defende no processo. Para além de que só uma considerável desproporção relativamente às consequências para o requerido será capaz de justificar a recusa da providência (cfr., sobre esta matéria, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 4.ª ed., 2010, pp. 245-251); o que sempre não seria o caso, dado que, a ser confirmada na acção principal a sanção aplicada – o que, nesta fase, não se afigura como provável -, nada obstará à efectiva aplicação desta (apenas o seria num momento temporalmente posterior)” por todos, veja-se a decisão do Presidente do TCA Sul, de 9 de setembro de 2023, no processo nº 127/23.1 BCLSB.

O que acaba de se transcrever é inteiramente aplicável ao caso dos autos, sendo claro que o retardamento da execução da sanção punitiva não importa qualquer prejuízo para a esfera jurídica da Requerida e dos valores que a mesma defende no processo. O cumprimento da ação punitiva pode, sem mácula, ter lugar no momento em que for confirmada, na ação principal, a sanção aplicada.

Pelo que, tudo visto, entende-se nada obstar ao decretamento da providência requerida, o que se determinará no local próprio (infra).

Face à procedência da providência, mostra-se evidente a perda da utilidade no conhecimento do requerido decretamento provisório da providência cautelar requerida (116º, nº5 e 131º do CPTA).

Nada mais há, pois, que cumpre apreciar.


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VI - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a providência cautelar requerida e suspender a execução da sanção aplicada, na parte que condena o Requerente, D ………………, com a sanção de 30 (trinta dias).

Custas da responsabilidade do Requerente, que do processo tirou proveito (art. 539.º, n.º 1, do CPC), a atender, a final, na acção principal (art. 539.º, n.º 2, do CPC).

Notifique pelo meio mais expedito; também o TAD.

Lisboa, 26 de março de 2024

Catarina Almeida e Sousa

Vice-Presidente, em substituição do Juiz Presidente