Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:43/20.8BEBJA
Secção:CT
Data do Acordão:03/14/2024
Relator:VITAL LOPES
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA
TRIBUNAIS TRIBUTÁRIOS
RECURSO DA SENTENÇA
ALÇADA
Sumário:I - Os recursos de actos jurisdicionais dos tribunais tributários de 1.ª instância proferidos em Acção Administrativa são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.
II - Se o valor atribuído à Acção Administrativa é de EUR. 3.754,55, verifica-se irrecorribilidade em função da relação entre o valor da acção e a alçada dos tribunais tributários de 1.ª instância (EUR.5.000,00).
III - Essa circunstância, a verificar-se, obsta ao conhecimento do objecto do recurso.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO COMUM DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

1 – RELATÓRIO

F… e M… recorrem da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja que julgou improcedente a impugnação judicial, convolada em Acção Administrativa, deduzida contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico proferido pelo Sr. Subdirector-Geral da Autoridade Tributária, em 31/10/2019, por caducidade do direito de reclamar juros indemnizatórios.
Alegam, conclusivamente, o seguinte:
«
1. O presente recurso de Apelação vem interposto da, aliás, mui douta sentença de fls. … e seg.s, dos autos, que julgou totalmente improcedente o peticionado pelos recorrentes, fundamentando a sua decisão na alegada caducidade do direito dos AA aos juros indemnizatórios, que peticionam.
2. Com o respeito devido - que é muito - afigura-se-nos que aquela douta sentença viola, crassamente, o disposto nos art.s 175.º, do CPTA e 61.º, n.º 7, do CPPT.
Porquanto,
3. O Tribunal recorrido deu como provado os factos constantes das alíneas A) a R), dos factos provados;
4. E, posteriormente, considerando a aplicação do disposto no art. 61.º, n.º 7, do CPPT, bem como que a decisão de anulação de liquidações transitou em julgado em 14/03/2019 e o requerimento dos AA/recorrentes, peticionando os juros indemnizatórios, apenas foi entregue em 26/06/2019, conclui pela caducidade do direito destes aos sobreditos juros.
5. Na nossa modesta opinião, o prazo para execução espontânea do julgado, que determinou a anulação parcial da liquidação, é de 90 (noventa) dias, por força do nº1 do artigo 175º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e não de 30, como também alegou o Tribunal a quo.
6. Salvo o devido respeito por opinião diversa, a estatuição do n.º 3, do art. 175.º, do CPTA, apenas tem aplicação quando a sentença anulatória determinar expressamente o quantum a restituir.
7. Sem prejuízo do disposto no artigo 177.º, quando a execução da sentença consista no pagamento de uma quantia pecuniária, não é invocável a existência de causa legítima de inexecução e o pagamento deve ser realizado no prazo de 30 dias.
8.Ora a decisão que deu causa para os juros peticionados pelos AA foi a constante da Alinea D) dos factos provados, ou seja, “a liquidação impugnada de juros compensatórios é ilegal por falta de verificação dos pressupostos legais dos quais ele depende, concretamente a imputabilidade aos impugnantes do atraso na liquidação do IRS por eles devido”
9. Donde, considerando que a decisão transitou em julgado em 14/03/2019, conforme Alinea G), dos factos provados e que o requerimento peticionando os juros indemnizatórios, por banda dos ora recorrentes, deu entrada, junto da AT, em 26/06/2019, conforme Alinea J) dos factos provados, forçoso é concluir que o direito invocado pelos AA recorrentes - nomeadamente, o prazo de 30 dias, apos o termo do prazo para o cumprimento espontâneo da decisão - foi exercido tempestivamente por estes.
10. Termos em que, atentas as violações das disposições legais acima mencionada, deverá a douta sentença proferida ser revogada e substituída por outra que condene a AT, ora recorrida, nos exactos termos peticionados.
Assim decidindo, mais uma vez será feita, Venerandos Desembargadores, a costumada e verdadeira
JUSTIÇA!».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes conclusões:
«
a) O presente recurso, por não preencher os pressupostos consagrados no n.º 1 do artigo 142.º do CPTA, deve ser liminarmente rejeitado.
b) A decisão recorrida não é merecedora de qualquer reparo, sendo a sua interpretação e
conclusão as únicas juridicamente possíveis, atento o quadro legal vigente, inexistindo assim qualquer vício que inquine a sua validade.
c) Ao invés, são as alegações de recurso que padecem de erro manifesto nos pressupostos de direito.
d) Tratando-se de anulação judicial do ato tributário, cabe à entidade que execute a decisão judicial da qual resulte esse direito determinar o pagamento dos juros indemnizatórios a que houver lugar, como decorre do n.º 2 do artigo 61.º do CPPT.
e) Com efeito, impende sobre a Administração Tributária um exercício interpretativo do texto da sentença, para apurar se dela resulta que a ilegalidade na tributação foi emergente de erro imputável aos serviços e, consequentemente, existe um dever de pagamento de juros indemnizatórios.
f) E conforme refere a douta sentença “colocou o legislador ao seu dispor o nº 7 do artigo 61º do CPPT que dispõe do seguinte modo. “interessado pode ainda, no prazo de 30 dias contados do termo do prazo de execução espontânea da decisão, reclamar, junto do competente órgão periférico regional da administração tributária, do não pagamento de juros indemnizatórios no caso da execução de uma decisão judicial de que resulte esse direito.”
g) O artigo 170.º do CPTA dispõe, no seu n.º 1, que “se outro prazo não for por elas fixado, as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração ao pagamento de quantia certa devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração, no máximo, no prazo procedimental de 30 dias”.
h) Isto significa que, após o trânsito em julgado da decisão judicial, caso a Administração Tributária não proceda ao pagamento dos juros indemnizatórios no prazo de 30 dias úteis, os ora recorrentes dispunham de um prazo de 30 dias subsequentes para reclamar do não pagamento dos aludidos juros junto da Administração Tributária, sob pena de ver o pedido de juros indemnizatórios indeferido, por intempestividade (o que é o caso dos presentes autos).
i) Tendo os ora recorrentes requerido “o pagamento dos mencionados juros, em 2019-06-26 e 2019-07- 25”, e tendo a decisão judicial transitado em julgado “em 2019-03-14”, podemos concluir que os mesmos deveriam ter reclamado do não pagamento de juros indemnizatórios, junto da Direção de Finanças de Évora, até 2019-05-29.
j) Por sua vez, estando a AT sujeita ao princípio da legalidade tributária, por força do artigo 266.º, n.º 2 da CRP, do artigo 8.º da LGT e do artigo 3.º, n.º 1 do CPA, a posição da ora recorrida nos autos, face ao legalmente determinado, nunca poderia ser diversa da adotada.
k) Nesta medida, e perante o supra exposto, a aqui recorrida nunca poderia ter decidido de modo diferente razão pelo qual o despacho de indeferimento proferido em 31 de outubro de 2019, pela Subdiretora-Geral da Área da Justiça Tributária e Aduaneira, não merece censura.
l) Refere ainda, a bem elaborada sentença, que tendo sido, ainda assim, por via do despacho do Diretor de Finanças de Évora concedidos juros de mora aos Autores e sendo dominante na jurisprudência e doutrina a posição de acordo com a qual sobre o mesmo facto jurídico não devem recair juros de âmbitos variados e em simultâneo, isto é, indemnizatórios e de mora, porquanto visam repor a mesma falta, satisfazer o dano, também por aí se encontraria vedada a concessão dos aludidos juros indemnizatórios.”
m) Conclui-se, assim, pela improcedência total da argumentação expendida pelos Recorrentes no recurso apresentado, não merecendo a sentença impugnada qualquer censura, uma vez que a sentença recorrida fez uma correta interpretação e aplicação das normas legais vigentes, não se verificando o vício que os ora recorrentes lhe assacam.
Termos em que,
a) Deve ser julgada procedente a questão prévia suscitada e, em consequência, ser rejeitado o presente recurso;
Caso assim não se entenda,
b) Deve ser negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto teve vista do processo (art.º 146/1 do CPTA).

Foram ouvidos os Recorrentes sobre a excepcionada irrecorribilidade da sentença em razão do valor do processo (artigos 3.º, n.º 3 e 652/1 alínea b), do CPC).

Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão (art.º 657/4 do CPC).

2 – QUESTÕES A DECIDIR

Delimitadas pelas conclusões da alegação (artigos 635/4 e 639/1 do CPC), são estas as questões que importa conhecer: (i) recorribilidade da sentença; (ii) se a sentença incorreu em erro de julgamento ao concluir pela caducidade do direito dos AA. de reclamarem do não pagamento dos juros indemnizatórios, nos termos do disposto no art.º 61/7 do CPPT.

3 – MATÉRIA DE FACTO

Deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida:
«
MATÉRIA DE FACTO PROVADA
A) Fizeram os Autores instaurar no TAF de Beja o processo de impugnação com o nº 160/06.7 BEBJA, mediante o qual vieram questionar a liquidação de IRS que foi emitida relativamente a IRS do ano de 2001, com o nº 20054004468575, no montante de 36.798,68 €, e de juros compensatórios, com o nº 20052524132, no montante de 6,818,60 € - cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial;
B) A referida impugnação foi julgada totalmente improcedente por sentença da 1ª instância proferida em 21/09/2015 - cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial;
C) Inconformados com a referida decisão os Autores dela interpuseram recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul - cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial;
D) Nesse Tribunal superior foi proferido Acórdão em 16/11/2017 que concedeu provimento parcial ao recurso, revogando a sentença da 1ª instância na parte respeitante à liquidação de juros compensatórios considerando que “a liquidação impugnada de juros compensatórios é ilegal por falta de verificação dos pressupostos legais dos quais ele depende, concretamente a imputabilidade aos impugnantes do atraso na liquidação do IRS por eles devido” - cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial;
E) A Autoridade Tributária e Aduaneira inconformada com a decisão interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo - cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial;
F) Por decisão de 27/02/2019 não foi admitido o recurso de revista pelo STA – cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial;
G) Em razão desta não admissão o Acórdão do TCA Sul, referida na alínea D) tornou-se definitiva, ocorrendo o respetivo trânsito em julgado em 14/03/2019 - cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial;
H) Em 21/01/2019 os aqui Autores intentaram nesta TAF, por apenso ao processo citado em A) ação executiva para prestação de facto contra a Autoridade Tributária com vista a ser cumprida a anulação da liquidação de juros compensatórios operada por via do Acórdão do TCA Sul - cfr. conhecimento funcional e facto de conhecimento comum entre as partes, publico e notório por essa via atento o disposto no art. 342º do CPC;
I) A referida execução findou por conhecimento superveniente da satisfação dos Exequentes, isto é, a restituição do valor correspondente à liquidação de juros compensatórios anulada, no valor de 6.818,60 €, mediante emissão das correspondentes notas de crédito - cfr. conhecimento funcional e facto de conhecimento comum entre as partes, publico e notório por essa via atento o disposto no art. 342º do CPC;
J) Mediante dois requerimentos com igual propósito, apresentados em 26/06/2019 e 25/07/2019, pelo próprio punho dos ora Autores, formularam perante o Ministro das Finanças e dirigidos à Direção de Finanças de Évora pedido de pagamento de juros indemnizatórios – cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial;
K) A respeito de tais requerimentos formulou a Direção de Finanças de Évora informação, em 08/08/2019, que conclui pelo indeferimento dos juros indemnizatórios peticionados por falta de verificação dos pressupostos legais – cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial;
L) Sobre os requerimentos, e com fundamento além do mais em tal informação, o Diretor de Finanças de Évora proferiu despacho que indeferiu o pagamento de juros indemnizatórios mas concedeu o pagamento de juros de mora pelo atraso na execução da sentença desde o termo do prazo de execução espontânea até à data do processamento das respetivas notas de crédito, estes não peticionados - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial;
M) Os Autores tomaram conhecimento desse despacho em 12/08/2019 - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial;
N) Não se conformando com o indeferimento do pedido formulado, os Autores apresentaram novo requerimento à Direção de Finanças e ainda novo requerimento ao Ministro das Finanças, ambos em 19/08/2019 - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial;
O) Estes requerimentos foram convolados em Recurso Hierárquico a que foi atribuído o número de registo 0914201910000041 - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial;
P) O Recurso Hierárquico citado findou com despacho de indeferimento proferido em 31/10/2019, pela Subdiretora Geral, louvando-se em Informação prestada pela Direção de Serviços de Justiça Tributária da Autoridade Tributária e Aduaneira – cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial;
Q) Este despacho foi levado ao conhecimento dos Autores através de ofício com o nº 01550, datado de 04/11/2019 - cfr. doc. nº 2 junto com a petição inicial;
R) Não se conformando com o mesmo apresentaram, em 04/02/2020, a petição inicial que deu origem aos presentes autos.
(…)
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos dos autos, os quais não foram impugnados porquanto resultam na sua totalidade de peças processuais ou procedimentais de que já detinham conhecimento prévio.
(…)
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Não resultou por demonstrar qualquer facto que veio alegado sendo que resulta que a matéria factual não se mostra controvertida, mas antes a interpretação do direito ao caso vertente.».

4 – MATÉRIA DE DIREITO

A Recorrida Fazenda Pública vem excepcionar a irrecorribilidade da sentença impugnada por falta de alçada, questão sobre que foram ouvidos os Recorrentes, que nada disseram. Vejamos então.

Como flui do probatório e dos autos, os Recorrentes intentaram impugnação judicial visando sindicar o acto de indeferimento do recurso hierárquico em que reclamavam do não pagamento de juros indemnizatórios.

Por despacho da Mmª juiz a quo, foram os autos convolados em Acção Administrativa sem oposição das partes.

O processo judicial tributário compreende, entre outros meios, a Acção Administrativa, que é regulada pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos – cf. art.º 97.º, n.º 1 alínea p) e n.º 2 do CPPT.

Em matéria de recursos dos actos jurisdicionais praticados na Acção Administrativa, decorre expressamente do disposto no art.º 279.º, n.º 1 alínea a) e n.º 2 do CPPT, que são regulados pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos.

Em matéria de recursos, dispõe o aplicável art.º 142/1 do CPTA: «O recurso das decisões que, em primeiro grau de jurisdição, tenham conhecido do mérito da causa é admitido nos processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa».

Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal têm alçada e a dos tribunais tributários corresponde àquela que se encontra estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância na lei em vigor ao tempo em que seja instaurada a acção – cf. art.º 6.º, n.ºs 1, 3 e 6, do ETAF.

A alçada dos tribunais judiciais de 1.ª instância, fixada ao tempo da interposição da Acção Administrativa, é de (euro) 5 000,00 (cf. art.º 44/1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), e o valor atribuído ao processo, é de EUR. 3.754,55.

Verifica-se, pois, irrecorribilidade da sentença impugnada em função da relação entre o valor da acção e a alçada do tribunal tributário de 1.ª instância, circunstância que conduz à inadmissibilidade do recurso jurisdicional.

Fica prejudicado o conhecimento do mérito do recurso.

5– DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul não admitir o recurso.

Sem custas.

Lisboa, 14 de Março de 2024.


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Vital Lopes



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Tânia Meireles da Cunha



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Maria da Luz Cardoso