Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2058/22.2 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/24/2024
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:EXECUÇÃO DE JULGADO
ATRASO NA ACÇÃO ADMINISTRATIVA IMPUTÁVEL À AT
JUROS
Sumário:I - Nos termos do artigo 100.º da LGT, a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição o da situação que existia se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstas na lei.
II - O direito a juros indemnizatórios derivado de atrasos na acção administrativa, está dependente da decisão a proferir no procedimento administrativo (reclamação gracioso, recurso hierárquico ou revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte) se efectuar depois do prazo legal, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária (cfr. artigo 43.º, n.º 1 e 3, alínea c) da LGT; vide neste sentido Ac. do STA de 09/12/2021, processo n.º 01098/16.5BELRS, disponível em www.dgsi.pt/).
III - Estando a AT na posse dos elementos necessários para proferir decisão favorável ao sujeito passivo e corrigir o erro da autoliquidação imputável ao contribuinte, e se só o faz em momento posterior ao termo do prazo previsto na lei, constitui-se em responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios, por se ter operado a alteração da imputabilidade do erro.
IV - O regime excepcional de juros de mora em dobro previsto no n.º 5, do artigo 43.º da LGT aplica-se apenas a casos de inexecução tempestiva de decisões judiciais transitadas em julgado.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Subsecção Comum do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. L.........., SA, veio interpor recurso jurisdicional, posteriormente alargado nos termos do artigo 617.º, n.º 3 do CPC, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, proferida em 15/03/2023, que julgou improcedente a ação de execução de julgados apresentada pela ora Recorrente para a condenação da Administração Tributária no pagamento dos juros indemnizatórios e dos juros de mora calculados sobre o valor restituído à Recorrente, no seguimento do deferimento do recurso hierárquico n.º 3085202110001111, no montante de € 708.372,18.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1.ª O Tribunal a quo julgou improcedente a ação de execução de julgados apresentada pela então Exequente para execução integral da decisão de deferimento do recurso hierárquico n.º 3085202110001111, vertida no despacho datado de 27.04.2022, proferido pela Subdiretora-Geral T.........., relativo à revisão do ato tributário de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2017, com a consequente condenação da administração tributária no pagamento à Recorrente dos juros indemnizatórios e de mora calculados sobre o valor reembolsado de € 708.372,18;

2.ª Na sentença recorrida o Tribunal a quo concluiu que não são devidos juros indemnizatórios, por considerar que apenas em sede de recurso hierárquico a Recorrente reuniu os elementos necessários para que o seu pedido fosse deferido, quais sejam a declaração emitida pela sociedade gestora do fundo em 29.04.2021 e o balancete do fundo AF – Portfólio Imobiliário, FII (cf. pp. 17 e 18 da sentença recorrida); 3.ª No entender da Recorrente, a sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia, no que respeita ao peticionado direito a juros de mora, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, ex vi do artigo 2.º, alínea e), do CPPT, e artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, impondo-se a apreciação do direito a juros de mora, com a consequente condenação da administração tributária no seu pagamento, nos termos peticionados na presente ação;

4.ª Sem prejuízo do supra exposto, a sentença recorrida padece ainda de erro de julgamento da matéria de facto, por errónea representação da realidade factual e por não ter relevado factos essenciais para a decisão da causa, impondo-se a ampliação da matéria de facto, para dar por provada a seguinte factualidade relevante:

a) A Exequente foi sujeita a uma ação inspetiva, de âmbito parcial em sede de IRC, realizada pela Unidade dos Grandes Contribuintes, com início em 2019, com referência ao período de tributação de 2017, a qual decorreu no contexto de acompanhamento permanente da situação tributária da sociedade do Grupo F.......... (cf. doc. n.º 5 da p.i.);

b) Da aludida inspeção os aludidos serviços projetaram uma correção à matéria coletável de IRC no valor de € 1.626.618,13, resultando o montante a pagar de imposto em falta de € 214.373,38 a qual se manteve inalterada na decisão final do Relatório de inspeção (cf. doc. n.º 5 da p.i.);

c) A F.......... aceitou as referidas correções, tendo submetido a declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição individual referente ao período de 2017, a 26.12.2019, tendo apurado uma matéria coletável de € 228.812.232,18, e um imposto a recuperar de € 7.258.030,31 (cf. docs. n.os 4 e 5 da p.i.);

d) Em 31.03.2018, foi emitida pela entidade gestora do Fundo AF Portfólio Imobiliário a declaração relativa aos valores de unidades de participação resgatados pela F.........., a qual foi junta com a reclamação graciosa apresentada pela Recorrente (cf. doc. n.º 5 da p.i.);

e) Em 29.04.2021, foi emitida nova declaração pela entidade gestora do Fundo AF Portfólio Imobiliário, que se encontra em conformidade com o n.º 11 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, a qual foi junta no direito de audição prévia exercido em sede de reclamação graciosa, na sequência da notificação do projeto de decisão da reclamação graciosa, que projetou indeferi-la por considerar que a primeira declaração apresentada não continha todos os elementos necessários para que a F.......... pudesse usufruir do crédito de imposto (cf. doc. n.º 6 da p.i.);
5.ª Sem prejuízo do acima exposto, deverá a sentença recorrida ser anulada com fundamento em erro de julgamento da matéria de direito no que respeita ao peticionado direito a juros indemnizatórios;

6 Com efeito, cumpre recordar que o peticionado direito a juros indemnizatórios previsto no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT visa assegurar que a reposição da legalidade da situação tributária seja efetuada num prazo razoável, pelo que, sendo suscitada pelo contribuinte a revisão do ato tributário que vem a ser deferida e não cumprindo a administração tributária o dever de rever o ato tributário no prazo de um ano, haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pelo atraso censurável da administração tributária no cumprimento do pedido efetuado pelo contribuinte (cf., nesta matéria, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES e outros, Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, julho de 2015, Almedina, p. 375, e, ainda, Ofício-Circulado n.º 60052, emitido pelo Exmo. Sr. Subdiretor-geral da Justiça Tributária, em 03.10.2006);

7.ª Conforme resulta provado nos presentes autos, em 29.06.2020, a Recorrente apresentou reclamação graciosa com vista à dedução à coleta o valor de imposto suportado na esfera do Fundo AF Portfólio Imobiliário, no valor de € 1.004.240,22, correspondente às unidades de participação resgatadas (cf. doc. n.º 5 da p.i. e letra G do ponto III da factualidade provada na sentença recorrida);

8.ª Sucede que apenas em 17.08.2021, mais de um ano após a entrada do pedido, foi a então Reclamante notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (cf. doc. n.º 6 e letra H do ponto III da factualidade provada na sentença recorrida);

9.ª Acresce que, em 29.09.2021, foi apresentado o recurso hierárquico, no qual foi reiterado o pedido de dedução à coleta do montante de imposto suportado pelo Fundo AF Portfólio Imobiliário (sendo a única alteração a aceitação pela Recorrente do acréscimo do montante de imposto pago pelo referido fundo no lucro tributável, o que não merecendo a concordância da Recorrente, designadamente por não se afigurar legal, foi por esta admitido, de forma a conduzir ao deferimento do pedido, como melhor se evidenciará em seguida) (cf. doc. n.º 7 e letra I do ponto III da factualidade provada na sentença recorrida);
10.ª Tal recurso apenas foi objeto de deferimento, por despacho notificado à Recorrente, em 14.05.2022, ou seja, oito meses depois de a Recorrente ter dado entrada do recurso hierárquico sobre matéria que era do conhecimento da administração tributária desde 29.06.2020 (cf. doc. n.º 8 e letra J do ponto III da factualidade provada na sentença recorrida) e quase dois anos depois da apresentação do pedido de revisão, tendo por sua vez, o reembolso do imposto pago em excesso tido lugar apenas em 19 de outubro de 2022, ou seja, igualmente decorrido mais de um ano após a apresentação do recurso hierárquico;

11.ª Quer isto dizer que a administração tributária efetuou a revisão do ato tributário consubstanciado na autoliquidação de IRC de 2017 decorridos mais de 2 anos e 4 meses da apresentação do pedido pelo contribuinte;

12 Mais se note que, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a circunstância de o pedido apenas ser deferido em sede de recurso hierárquico não tem a virtualidade de obstar ao direito aos juros indemnizatórios peticionados;

13.ª Desde logo tal entendimento não tem respaldo na letra da lei que determina a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios nas situações em que a revisão do ato tributário se efetua decorrido mais de um ano após o pedido, o que é flagrante que se verifica no presente caso (pedido efetuado em 29.06.2020, revisão do ato materializada em 19.10.2022);

14.ª Com efeito, ainda que tenha havido dois procedimentos autónomos – reclamação graciosa seguida de recurso hierárquico –, tal não invalida a que o caso sub judice se subsuma à situação que o artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT pretende acautelar, porquanto a causa de pedir e o pedido mantiveram-se os mesmos, não havendo fundamento para a mora verificada na resolução do pedido efetuado pela Recorrente;

15.ª Por outro lado, porque a Recorrente desde o início que teve uma conduta cooperante, aportando sempre mais elementos logo que notificada pela administração tributária para o efeito e ainda que os mesmos não se revelassem necessários; 16 Em contraposição com a postura excessivamente formalista adotada pela administração tributária, a qual apenas veio a deferir o pedido após esclarecidos diversos elementos que a própria já tinha em sua posse, incluindo as informações prestadas relativas à reclamação graciosa n.º 3085202004009185, as quais já eram do seu conhecimento desde a data da apresentação daquele procedimento, em junho de 2020 (cf. doc. n.º 8 da p.i.);

17 Uma vez que, in casu, era a Recorrente que se arrogava ao direito à dedução à coleta do imposto pago pelo fundo, cabia-lhe, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, da LGT, provar a existência dos factos tributários em que assenta esse direito e que, no caso, acionou através da apresentação da reclamação graciosa e, posteriormente, do recurso hierárquico. Mas se isto é assim do lado do sujeito passivo, do lado da administração tributária não lhe cabia uma posição de indeferimento intrinsecamente formalista, cabendo-lhe antes a prova da verificação dos pressupostos legais do não reconhecimento do direito à dedução do imposto suportado pelo fundo AF Portfólio Imobiliário;

18.ª In casu, ficou demonstrado, por via da junção da declaração emitida pela sociedade gestora do fundo AF Portfólio Imobiliário, que a Recorrente tinha direito a deduzir o imposto pago pelo fundo correspondente às unidades de participação resgatadas (cf. doc. n.º 5 da p.i.), não tendo a administração impugnado ou contraditado a veracidade da referida declaração, na qual foi indicado de forma cristalina o valor de imposto pago pelo fundo, nem tão pouco tendo a administração tributária contestado a integração na matéria coletável da mais-valia contabilística decorrente das unidades de participação detidas pela F.......... no Fundo AF Portfólio Imobiliário aquando da realização da ação inspetiva (cf. doc. n.º 5 da p.i.), é evidente que o atraso verificado em fase graciosa não se deveu a erro imputável ao contribuinte, o que se veio a comprovar a final, com o deferimento do recurso hierárquico e com o consequente reembolso à Recorrente do imposto pago em excesso;

19.ª Assim, com base nos fundamentos acima expostos, é evidente que se encontram comprovados os pressupostos do direito a juros indemnizatórios, previstos no artigo 43.º, n.º3, alínea c), da LGT, visto que, in casu, houve conduta censurável por parte da administração tributária da qual resultou um atraso superior a um ano na concretização do reembolso do imposto pago em excesso (cf., neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e Comentado, Almedina, 6.ª Edição, 2011, p. 537, e acórdão do STA, de 23.02.2023, no processo n.º 01/22.8BALSB);
20.ª Pelo que, inversamente ao propugnado na sentença recorrida, são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação da reclamação graciosa e até ao integral pagamento da quantia indevidamente liquidada, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, impondo-se a substituição da sentença recorrida por outra que determine a procedência do peticionado direito a juros indemnizatórios;

21.ª Sem prejuízo do acima exposto, importa ainda notar que a única ressalva à atribuição de juros indemnizatórios com fundamento no atraso censurável da administração tributária superior a um ano é a que se encontra plasmada na parte final da alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, e que se subsume aos casos em que o prazo de um ano foi ultrapassado porque a administração tributária estava a aguardar o fornecimento de elementos adicionais solicitados ao contribuinte;

22.ª De facto, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT consagra uma presunção legal de que decorrido um ano sobre a apresentação do pedido do contribuinte, presume-se culposa a conduta da administração tributária no atraso na resolução do pedido, sendo esta uma presunção ilidível e, nessa medida, passível de prova em contrário (cf., a este propósito, JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES e outros, Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, julho de 2015, Almedina, p. 376, e ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, pp. 208 e 209);

23.ª Ora, não tendo no presente caso a Fazenda Pública alegado e comprovado que o atraso superior a um ano na resolução do pedido do contribuinte se deveu a razões alheias a si, e que, portanto, inexistiu culpa da sua parte, verifica-se que não foi ilidida a presunção constante no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT (cf. acórdão do TCAS, de 27.10.2022, no processo n.º 30/09.7 BELRS);

24.ª Em face do exposto, verifica-se que a sentença recorrida incorreu em erro ao julgar improcedente a presente ação, impondo-se a sua substituição por outra que defira o peticionado direito a juros indemnizatórios, por não ter sido alegado, nem provado pela Fazenda Pública que inexistiu conduta culposa no atraso superior a um ano no deferimento do pedido da ora Recorrente, além de resultar evidenciado dos autos que o referido atraso lhe é imputável;
25.ª Improcede igualmente o entendimento do Tribunal a quo, de que não “(...) há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, visto o recurso hierárquico ter sido decidido em período inferior ao de um ano contado da respectiva apresentação.” (cf. p. 19 da sentença recorrida);

26.ª Isto porque, ainda que se entendesse – o que não se concede e apenas por mero benefício de raciocínio se admite – que se mostrava necessária a apresentação pela Recorrente do balancete para deferimento da sua pretensão, tal nunca poderia cominar na interrupção do prazo de um ano para atribuição do direito a juros indemnizatórios e no consequente recomeço da contagem no momento da sua exibição em 29.09.2021, quando o pedido da Recorrente se manteve exatamente o mesmo desde a apresentação da reclamação graciosa, em 29.06.2020, e quando a administração tributária tinha perfeito conhecimento da situação factual subjacente;

27.ª Acresce que entendimento diverso do presente acarretaria a inferência de que no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT se está em presença de um subterfúgio legal, ao permitir que a apresentação de um recurso hierárquico na sequência de uma decisão de indeferimento da reclamação graciosa, para satisfação da mesma pretensão, faça despoletar o reinício da contagem do prazo para formação do direito a juros indemnizatórios quando o pedido objeto de apreciação se mantém inalterado. Levando a situações em que, ao invés de imperar o dever de tomada de decisões fundadas, realizadas após esclarecimento das dúvidas e análise dos elementos que dispõe, passe a ser preferível indeferir o pedido do contribuinte, para que, no caso de o mesmo envidar novos esforços na resolução da sua pretensão, recomece a contagem do prazo de um ano para formação do direito a juros indemnizatórios;

28.ª Pelo que, também com base no fundamento acima explicitado, improcede, nesta parte, a sentença recorrida, devendo a mesma ser substituída por outra que julgue a presente ação procedente quanto a este segmento;

29.ª Sem prejuízo do supra exposto, entende a Recorrente que a sentença recorrida assenta em erro ao pugnar que não são devidos juros indemnizatórios, por apenas em sede de recurso hierárquico a Recorrente ter procedido à junção dos elementos necessários ao deferimento da sua pretensão – a declaração da sociedade gestora do fundo emitida em 29.04.2021 e o balancete do fundo AF - Portfólio Imobiliário, FII;
30.ª Com efeito, são pressupostos do direito à dedução do imposto suportado pelo Fundo, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do EBF, na redação vigente até 30 de junho de 2015, conjugado com o disposto no artigo 7.º, n.os 9 a 11, do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, i) a indicação do montante do rendimento decorrente das unidades de participação no fundo detidas pelo participante; ii) a indicação do correspondente montante de imposto suportado pelo fundo sobre os rendimentos obtidos das unidades de participação; iii) a consideração dos rendimentos como proveitos ou ganhos na esfera dos titulares; iv) a inexistência de retenção na fonte no momento do pagamento ao titular; e v) imposto pago pelo fundo assume a natureza de pagamento por conta;

31.ª Quanto ao requisito previsto na alínea iv) supra, foi precisamente por não ter deduzido à coleta o montante de imposto a título de pagamento por conta que a Recorrente apresentou a competente reclamação graciosa (cf. doc. n.º 5 da p.i.);

32.ª Relativamente aos requisitos previstos nas alíneas i) e ii), as declarações emitidas pela sociedade gestora do Fundo AF Portfólio Imobiliário e apresentadas pela Recorrente em sede de reclamação graciosa constituem prova do cumprimento dos referidos requisitos (cf. docs. n.os 5 e 6 da p.i.), conforme a administração tributária veio admitir, pese embora apenas o tenha feito em sede de recurso hierárquico (cf. doc. n.º 8 da p.i.), porquanto das mesmas é possível retirar os rendimentos advenientes das unidades de participação no Fundo AF Portfólio Imobiliário resgatados pela F.........., no montante de € 9.062.447,09 [cf. alínea i) supra e doc. n.º 8 da p.i.], e o correspondente imposto suportado na esfera do fundo, no montante de € 1.004.240,22 [cf. alínea ii) supra e docs. n.os 5 e 8 da p.i.];

33.ª No que respeita ao pressuposto constante da alínea iii) supra, aquando da apresentação da reclamação graciosa, em 29.06.2020, a administração tributária já se encontrava na posse dos elementos que comprovam que a mais-valia contabilística decorrente do resgate das unidades de participação no Fundo AF Portfólio Imobiliário foi incluído na matéria tributável; 34.ª Tal assim é porquanto a Recorrente foi objeto de uma ação inspetiva externa em sede de IRC referente ao exercício de 2017, no âmbito da qual a administração tributária acedeu a todos os documentos contabilísticos de suporte relativos ao exercício de 2017, razão pela qual não pode deixar de se entender que a administração tributária, em sede de reclamação graciosa, estava em condições de deferir o pedido da então Reclamante;

35.ª Realce-se, a este propósito, o curto espaço de tempo de cerca de seis meses que perpassou entre a ação inspetiva, cujo relatório final de inspeção tributária foi notificado em 07.01.2020, e a data de apresentação da reclamação graciosa, apresentada em 29.06.2020 (cf. doc. n.º 5);

36.ª Sem prejuízo do acima exposto, cumpre ainda ressaltar que com a apresentação, em 26.06.2020, da reclamação graciosa n.º 3085202004009185 (ou seja, antes da data da submissão da reclamação graciosa em referência nos presentes autos – 29.06.2020), a Recorrente procedeu à junção como documento n.º 6 do mapa das mais-valias contabilísticas apuradas relativas à alienação e resgate no ano de 2017 das unidades de participação detidas nos fundos, entre as quais constavam as unidades de participação detidas nos fundos AF Portfólio Imobiliário e Maxirent – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado (Maxirent) (cf. doc. n.º 8 da p.i.);

37.ª Resulta, por isso, claro que o atraso na prolação da decisão de deferimento da peticionada correção atinente à dedução à coleta do imposto pago pelo Fundo só à administração tributária é imputável, uma vez que se logrou provar que esta, desde a data da apresentação da reclamação graciosa, tinha na sua posse todos os elementos necessários para decidir em consonância;

38.ª Em face do exposto, verifica-se que andou mal o Tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios peticionado pela Recorrente, pelo que deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que condene a administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições peticionados na presente ação;

39.ª Por outro lado, no que concerne ao acréscimo ao lucro tributável do imposto suportado na esfera do Fundo, no montante de € 1.004.240,22, o qual não tinha sido relevado pela Recorrente, nem admitido pela mesma até à apresentação do recurso hierárquico, tal não constituía elemento necessário para o deferimento da pretensão da Recorrente;
40.ª De facto, o que decorre do artigo 22.º, n.º 3, do EBF, e que é amplamente corroborado pela jurisprudência dominante, é que ao titular das unidades de participação apenas cabe reconhecer o montante pago pelo fundo, líquido do imposto suportado por este relativamente aos rendimentos advenientes das unidades de participação, não sendo necessário acrescer ao lucro tributável o valor do imposto pago pelo Fundo para que o participante possa deduzir o imposto à coleta, a título de pagamento por conta, nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do EBF, na redação vigente até 30 de junho de 2015 (cf., neste sentido o acórdão do STA de 12.01.2022, no processo n.º 03032/13.5BEPRT, e as decisões arbitrais de 07.10.2020, no processo n.º 758/2019-T, de 27.06.2019, no processo n.º 309/2018-T, e de 06.06.2018, no processo n.º 371/2017-T);

41.ª Destarte, constata-se que não constitui elemento necessário para aferir do erro constante da autoliquidação e consequente correção a comprovação da integração do imposto suportado pelo Fundo na matéria coletável da F.........., pelo que, também com base neste fundamento, não pode a sentença recorrida manter-se, nesta parte, impondo-se a sua substituição por outra que declare procedente a ação de execução de julgados;

42.ª Sem prejuízo do supra exposto, e por mero benefício de raciocínio, sem conceder, sempre se dirá que a sentença recorrida inquina de vício de violação de lei, porquanto se dúvidas soçobrassem sobre o cumprimento dos pressupostos legais para beneficiar da dedução à coleta do imposto suportado na esfera do Fundo, cabia à administração tributária, em sede de reclamação graciosa, solicitar esclarecimentos/elementos adicionais, em conformidade com os princípios do inquisitório, da descoberta da verdade material e da colaboração, o que in casu não ocorreu (cf., a este propósito, PEDRO VIDAL MATOS, O Princípio Inquisitório no Procedimento Tributário, Coimbra Editora, 1.ª Edição, outubro de 2010, p. 50, a decisão arbitral de 30.09.2019, no processo n.º 146/2019-T, e o acórdão do TCAN, de 27.10.2016, no processo n.º 00957/09.6BEVIS);

43.ª Efetivamente, à administração tributária impunha-se que, uma vez apresentada prova pelo contribuinte, caso permanecessem dúvidas, diligenciasse pela obtenção da informação necessária, em vez de indeferir categoricamente o pedido da Recorrente em sede de reclamação graciosa;
44.ª Verifica-se, por isso, que a administração tributária atuou em violação crassa do princípio do inquisitório, demitindo-se de qualquer dever ou prerrogativa de promover igualmente pela clarificação das dúvidas que lhe assistem, ademais na presença de um contribuinte diligente e que procura, por todos os meios ao seu alcance, ir ao encontro das solicitações da administração tributária (cf., neste sentido, MARTINS ALFARO, Regime Complementar do Procedimento de Inspecção TributáriaComentado e Anotado, Áreas Editora, junho de 2003, pp. 76 e 77, e DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, e Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, Encontro de Escrita, 4.ª Edição, 2012 p. 656);

45.ª Pelo que não se pode deixar de se concluir que a sentença recorrida padece de vício de violação de lei, ao ter, sem mais, concluído pela improcedência do peticionado direito a juros indemnizatórios, quando face ao supra referido, é por demais evidente que o atraso na resolução do pedido de dedução do imposto pago pelo fundo continua a ser imputável à administração tributária, aplicando-se, por conseguinte, o artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, que determina o direito a juros indemnizatórios por prática censurável da administração tributária que se prolongou no tempo;

46.ª Em face do exposto, também com base nestes fundamentos improcede a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra que julgue procedente, nesta parte, a presente ação;

47.ª Sem prescindir do supra exposto, e apenas por mera cautela de patrocínio, sem conceder, ainda que se entendesse que o balancete era um elemento essencial para o deferimento do pedido, certo é que com a sua exibição pela Recorrente, em 29.09.2021 (data da apresentação do recurso hierárquico), essas dúvidas esvaneceram-se, tendo a partir de então a administração tributária ficado em condições para deferir o pedido;

48 Ora, a partir do momento em que a administração tributária está na posse de todos os elementos necessários à prolação da decisão, o não cumprimento pela mesma do prazo para prolação de decisão determina a sua responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento de imposto indevido, razão pela qual são devidos juros indemnizatórios a contar da data em que se formou o indeferimento tácito, nos termos do disposto nos artigos 66.º, n.os 3 e 5, do CPPT, e 198.º, n.º 4, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), ex vi do artigo 2.º, alínea d), do CPPT, conjugado com o artigo 43.º, n.º 1, da LGT (cf., neste sentido, acórdãos do STA, de 22.03.2023, no processo n.º 079/22.4BALSB, de 11.01.2023, no processo n.º 01844/09.3BELRS, de 09.12.2021, no processo n.º 01098/16.5BELRS, de 06.10.2021, no processo n.º 03009/12.8BELRS, de 03.05.2018, no processo n.º 0250/17, e de 18.01.2017, no processo n.º 0890/16, e JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, I volume, anotação 6 a2) ao artigo 61.º, p. 537);
49.ª Em face do exposto, deve, subsidiariamente, a sentença recorrida ser, nesta parte, anulada e substituída por outra que determine a condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios a contar do momento em que se formou o indeferimento tácito do recurso hierárquico.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida, determinando-se, nessa medida, a procedência da presente ação, com a consequente condenação da administração tributária no pagamento dos juros indemnizatórios e de mora, nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»

3. A recorrida, Fazenda Publica, não apresentou contra-alegações

4. Na sequência da apresentação do recurso, a Senhora Juíza a quo conheceu da nulidade e, constatado que a mesma se verificava, emitiu pronúncia quanto ao pedido de condenação da AT ao pagamento de juros de mora, julgando-o improcedente (cfr. fls. 247), o que ficou a fazer parte da sentença de fls. 165 e segs.

5. Notificada desta decisão, veio a Recorrente, ao abrigo do artigo 617.º, n.º 3 do CPC, requerer a ampliação do objecto do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

«1.ª Na sequência da sentença que julgou improcedente a ação de execução de julgados para concretização integral da decisão de deferimento do recurso hierárquico n.º 3085202110001111, vertida no despacho datado de 27.04.2022, proferido pela Subdiretora Geral Teresa Maria Gil, relativo à revisão do ato tributário de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2017, com a consequente condenação da administração tributária no pagamento à Recorrente dos juros indemnizatórios e de mora calculados, a Recorrente deduziu o respetivo recurso, no qual invocou entre outros vícios, a nulidade por omissão de pronúncia, no que respeita ao peticionado direito a juros de mora;
2.ª O despacho proferido pelo Tribunal a quo considera-se como complemento e parte integrante da sentença recorrida, nos termos do artigo 617.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT, sendo que não se conformando a ora Recorrente com o sentido da mesma pretende igualmente a reapreciação de tal pronúncia em sede de recurso;

3.ª Assim, sem prejuízo do conhecimento do objeto de recurso inicial e da argumentação explanada nas alegações de recurso previamente apresentadas em 03.05.2023, a Recorrente vem alargar o âmbito do recurso no que concerne ao conhecimento da nulidade nos termos propugnados pelos Tribunal a quo, em conformidade com o previsto no artigo 617.º, n.º 3, do CPC;

4.ª Salvo o devido respeito, não assiste razão ao Tribunal a quo, quando defende que não são devidos juros de mora à taxa agravada por não estarem reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios;

5.ª Desde logo, porque o fundamento único invocado pelo Tribunal a quo de que deverá integrar a sentença recorrida a afirmação de que “Não estando reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, não é aplicável ao caso a norma do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, pelo que não são devidos juros de mora à taxa agravada” (cf. despacho judicial de 04.07.2023) é insuficiente, por não atentar aos requisitos do direito aos juros de mora, não atender ao caso concreto, nem analisar os argumentos aduzidos pela Recorrente nos artigos 58.º a 97.º da p.i., o que permite per si antecipar e reforçar o erro de julgamento de direito em que a decisão sob recurso incorre ao ter julgado improcedente o pedido quanto a juros de mora;

6.ª Por outro lado, improcede na totalidade o referido fundamento de que o direito a juros de mora está dependente do preenchimento dos requisitos para concessão do direito a juros indemnizatórios, porquanto o primeiro não depende (nem nunca dependeu) do segundo;

7.ª Com efeito, tratam-se de figuras jurídicas totalmente distintas, o que ressalta evidente, nomeadamente, i) do facto de o direito a juros indemnizatórios encontrar suporte legal nos n.os 1 e 3 do artigo 43.º da LGT e depender da verificação de pressupostos atinentes, designadamente, à existência de erro imputável aos serviços, ao incumprimento do prazo legal de restituição oficiosa dos tributos ou à mora superior a um ano na resolução do pedido efetuado pelo sujeito passivo, enquanto o direito a juros moratórios encontrar o seu suporte legal no n.º 5 do artigo 43.º da LGT e depender do preenchimento do pressuposto atinente ao incumprimento do prazo para execução espontânea da decisão que concedeu provimento ao pedido do sujeito passivo de restituição do imposto pago indevidamente; e, bem assim, ii) do facto de dos juros indemnizatórios terem caráter ressarcitório, ao passo que os juros moratórios possuem caráter sancionatório (cf., neste sentido, acórdão do TCAS, de 14.01.2020, proferido no processo n.º 1060/08.1BELRS);

8.ª Posto isto, não pode deixar de se considerar que no caso sub judice estão reunidos os requisitos para que sejam devidos juros de mora, em cumprimento do disposto nos artigos 43.º, n.º 5 e 102.º, n.º 2, da LGT;

9.ª Efetivamente, no caso dos autos são devidos juros de mora, não obstante tratar-se de dar execução a uma decisão administrativa proferida pela administração tributária e não de uma “decisão judicial transitada em julgado” proferida por um tribunal judicial;

10.ª Tal assim é porquanto na interpretação da lei o intérprete não pode cingir-se apenas à letra da lei, mas igualmente compreender o sistema em que a norma de insere, o seu contexto histórico e, bem assim, o objetivo da sua criação, por apelo aos elementos de interpretação das normas jurídicas, designadamente os elementos histórico, sistemático e teleológico (cf. artigos 11.º, n.º 1, da LGT e 9.º, n.º 1, do CC);

11.ª No que concerne ao elemento histórico, importa realçar que o n.º 5 do artigo 43.º da LGT foi introduzido pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), em execução dos compromissos assumidos no âmbito do Memorando de Entendimento Sobre Condicionalidades de Política Económica entre Portugal e a Troika UE/BE/FMI, sendo comumente assumida como “(…) claramente destinada a dissuadir os atrasos da administração tributária na restituição aos contribuintes, dos valores indevidamente pagos, após o transito em julgado das decisões judicias.”, a qual, “(…) tem como contrapartida outra de teor idêntico destinada a dissuadir o atraso dos contribuintes no pagamento das dívidas fiscais em contencioso após o trânsito em julgado das decisões judiciais que confirmem os respectivos actos tributários, que foi introduzida pelo legislador no mesmo contexto, no n.º 3 do artigo 44.º da LGT.” (cf. JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES et al, Lei Geral Tributária – Comentada e Anotada, julho de 2015, Almedina, p. 376);

12.ª O que denota o contexto de crise económica em que surgiu a referida norma, em que se verificaram constrangimentos significativos ao cumprimento de obrigações de pagamento, registando-se uma significativa falta de liquidez das empresas e cidadãos, que levou a incumprimentos generalizados e dificuldades significativas de os devedores solverem as dívidas, tendo-se pretendido com a introdução do n.º 5 do artigo 43.º da LGT incentivar o rápido cumprimento das obrigações pela administração tributária, mas também com a alteração ao artigo 44.º, n.º 3, da LGT compelir ao pagamento dos impostos pelos contribuinte, por forma a desenvolver a economia;

13.ª À luz do exposto, é notório que não existem motivos de índole histórica para se restringir a aplicação de juros moratórios a decisões judiciais, excluindo decisões administrativas;

14.ª No mesmo sentido discorre o elemento sistemático, tendo em conta que o direito a juros de mora se encontra inserido na mesma norma (artigo 43.º da LGT) que atribui o direito a juros indemnizatórios em situações em que a anulação do ato tributário é efetuada em fase administrativa, razão pela qual não faz sentido que tal desígnio não se possa aplicar ao direito a juros moratórios;

15.ª Ademais, decorre de todo o sistema tributário, nomeadamente dos artigos 100.º e 102.º da LGT, bem como dos princípios previstos no artigo 55.º da LGT e 266.º da CRP, que a administração tributária encontra-se obrigada à restituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido a ilegalidade em causa, pelo que todo o enquadramento legal aplicável aponta no sentido de que em caso de incumprimento – ainda que de uma decisão administrativa – a mesma também deva ser penalizada através do pagamento de juros moratórios;

16.ª De igual modo, em face do elemento teleológico também alcança a mesma conclusão, porquanto, à luz do contexto de crise económica em que o n.º 5 do artigo 43.º da LGT surgiu (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), verifica-se que os fins visados pelo referido preceito legal assentam na promoção pela restituição dos tributos indevidamente pagos, sem discernir em que via tal ocorre, estabelecendo consequências adicionais em virtude da inércia no cumprimento de tal obrigação com vista a sancionar tal comportamento, através da aplicação de uma “taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”;

17.ª Conclusão esta que, de resto, é reforçada pelo facto de ser possível a cumulação entre juros indemnizatórios e moratórios, colocando ambos os juros no mesmo patamar de direitos que os sujeitos passivos, em face de impostos pagos indevidamente, podem lançar mão;

18.ª Importa ainda salientar que também o atual artigo 100.º, n.º 1, da LGT foi alterado pela Lei do Orçamento do Estado para 2012, no sentido de evidenciar esta cumulação, na medida em que passou a referir que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”, sem mencionar “(…) se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”;

19.ª Motivo pelo qual atento o elemento teleológico conclui-se igualmente no sentido de não existir motivo para nos casos em que se trata de uma decisão administrativa ser negado o direito a juros de mora, quando há atraso no cumprimento por parte da administração tributária;

20.ª Adicionalmente, é contrário ao princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, e no artigo 55.º da LGT, impedir-se que um contribuinte que tenha recorrido aos meios administrativos, ao invés da via judicial não tenha direito aos juros de mora pelo atraso no cumprimento da decisão, privilegiando a administração tributária nos casos de recurso à via graciosa, a qual poderia atrasar-se no cumprimento da decisão por si tomada e que é do seu pleno conhecimento e domínio, na qual reconhece uma ilegalidade e o direito ao reembolso do imposto, poupando-se a mesma ao desvalor associado ao pagamento dos juros moratórios, quando tal censurabilidade existe, e está patente no artigo 43.º, n.º 5, da LGT, assim como o artigo 44.º, n.º 3, do mesmo diploma, que tiveram como objetivo “(…) o de exercer pressão sobre os devedores para que solvam rapidamente as suas obrigações. Na verdade, não se encontra na previsão de tais preceitos qualquer fundamento ressarcitório ou indemnizatório.” (cf. acórdão do STA, proferido no processo n.º 4/2017, de 18.09.2017);

21.ª Por fim, tal direito a juros moratórios é ainda mais premente se atentarmos aos casos – como o presente – em que tratando-se de um ato de autoliquidação sempre teria que se apresentar previamente reclamação graciosa necessária, designadamente nos termos do artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, pelo que encontrando-se o contribuinte obrigado a reagir primeiramente através de um meio tutelar administrativo, não pode constituir uma desvantagem para si aquando do incumprimento pela administração tributária, demandando-se que sejam igualmente devidos juros nesta situação;

22.ª Assim, considerando que a administração tributária dispunha de um prazo de 30 dias para voluntariamente cumprir de forma integral a decisão, esse prazo terminou em 13.06.2022, razão pela qual são devidos juros moratórios desde 14.06.2022 até 19.10.2022 (data da emissão da nota de crédito), os quais se cifram no montante de € 22.232,02;

23.ª Em face do exposto, não subsistem dúvidas que a sentença recorrida também neste tocante incorre em erro de julgamento de direito, devendo a mesma ser anulada e substituída por outra que julgue procedente o peticionado direito a juros moratórios.

Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso, igualmente pelos fundamentos que ora se aduzem em sede de ampliação do objeto do recurso interposto em 03.05.2023, que se promove em cumprimento do disposto no artigo 617.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, com a condenação da administração tributária no pagamento dos juros de mora, nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!»3. A recorrida, Fazenda Publica, não respondeu.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador–Geral Adjunto, não emitiu parecer, por entender que o Ministério Público não pode intervir nestes autos.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.


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II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento de facto e de direito ao ter decidido não haver lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nem de juros de mora, indeferindo a execução de julgado.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida proferiu a seguinte decisão relativa à matéria de facto:

A. A Exequente é a sociedade dominante do grupo de sociedades sujeito ao Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), do qual faz parte a F.........., S. A. (F..........) – cf. artigo 2.º da p. i.;

B. Em 28 de Junho de 2018, a Exequente procedeu à entrega da Declaração Modelo 22 do IRC do grupo, referente ao período de tributação de 2017 (cf. doc. 1, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

C. Na mesma data, a F.......... procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 individual, referente ao período de tributação de 2017 (cf. doc. 2, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

D. Em 30 de Maio de 2019, a F.......... entregou a declaração de substituição de rendimentos Modelo 22, referente ao mesmo período de 2017 (cf. doc. 3, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

E. Em 26 de Dezembro de 2019, a F.......... entregou declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição referente a igual período de 2017, tendo apurado uma matéria colectável de € 228.812.232,18 e um imposto a recuperar de € 7.258.030,31 (cf. artigos 6.º a 9.º da p. i. e doc. 4, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Em 27 de Dezembro de 2019, a Exequente procedeu à entrega da declaração de substituição de rendimentos Modelo 22 do grupo (cf. artigo 4.º da p. i.);

G. Em 29 de Junho de 2020, a Exequente apresentou reclamação graciosa “do ato de autoliquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) respeitante ao período de tributação de 2017”, invocando nos respectivos artigos 17.º e 18.º que, na declaração referida na letra E supra, não foi reflectida a dedução do montante a título de crédito de imposto, tal como previsto no n.º 3 do artigo 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção em vigor até 30 de Junho de 2015, respeitante ao Fundo de Investimento Imobiliário – AF Portfólio Imobiliário (Fundo), no qual a F.......... detinha unidades de participação e o mesmo ter suportado imposto atribuível à F.........., relativamente ao rendimento obtido no período de 2017, em resultado do resgate de unidades de participação (cf. doc. 5, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H. A reclamação apresentada veio a ser indeferida por despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, divisão de Justiça Tributária, datado de 17 de Agosto de 2021, concordante com informação dos serviços com o seguinte teor essencial (cf. doc. 6, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):


[…]



I. Em 29 de Setembro de 2021, a Exequente apresentou recurso hierárquico, no qual invocou, entre o mais, o seguinte, juntando 11 docs. (cf. doc. 7, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):
[…]

“(texto integral no original; imagem)”
[…]

“(texto integral no original; imagem)”

J. Em 14 de Maio de 2022, a Exequente foi notificada da decisão de deferimento do recurso hierárquico, vertida no despacho datado de 27 de Abril de 2022, proferido pela Subdiretora-Geral, concordante com informação dos serviços com o seguinte teor essencial (cf. doc. 8, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido):


[…]

“(texto integral no original; imagem)”



K. Na sequência da referida decisão, em 19 de Outubro de 2022, a Exequente foi reembolsada do valor € 708.372,18 (cf. doc. 9, junto com a p. i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
L. A p. i. da presente execução de julgados deu entrada em juízo em 19 de Dezembro de 2022 (cf. consulta no SITAF).

Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou.

Assenta a convicção do tribunal no exame dos docs. constantes dos autos, atenta a fé que merecem e em consulta no SITAF, conforme referido em cada letra do probatório.»


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2. DO MÉRITO DO RECURSO

2.1. DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO

A Recorrente questiona a matéria de facto fixada na sentença como se colhe do ponto 4 das conclusões da alegação de recurso, invocando errónea representação da realidade fatual e por não ter relevado factos essenciais par a decisão da causa, impondo-se a ampliação da matéria de facto, dando-se como provada a seguinte factualidade:

a) A Exequente foi sujeita a uma ação inspetiva, de âmbito parcial em sede de IRC, realizada pela Unidade dos Grandes Contribuintes, com início em 2019, com referência ao período de tributação de 2017, a qual decorreu no contexto de acompanhamento permanente da situação tributária da sociedade do Grupo F.......... (cf. doc. n.º 5 da p.i.); b) Da aludida inspeção os aludidos serviços projetaram uma correção à matéria coletável de IRC no valor de € 1.626.618,13, resultando o montante a pagar de imposto em falta de € 214.373,38 a qual se manteve inalterada na decisão final do Relatório de inspeção (cf. doc. n.º 5 da p.i.);

c) A F.......... aceitou as referidas correções, tendo submetido a declaração de rendimentos Modelo 22 de substituição individual referente ao período de 2017, a 26.12.2019, tendo apurado uma matéria coletável de € 228.812.232,18, e um imposto a recuperar de € 7.258.030,31 (cf. docs. n.os 4 e 5 da p.i.);

d) Em 31.03.2018, foi emitida pela entidade gestora do Fundo AF Portfólio Imobiliário a declaração relativa aos valores de unidades de participação resgatados pela F.........., a qual foi junta com a reclamação graciosa apresentada pela Recorrente (cf. doc. n.º 5 da p.i.);

e) Em 29.04.2021, foi emitida nova declaração pela entidade gestora do Fundo AF Portfólio Imobiliário, que se encontra em conformidade com o n.º 11 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, a qual foi junta no direito de audição prévia exercido em sede de reclamação graciosa, na sequência da notificação do projeto de decisão da reclamação graciosa, que projetou indeferi-la por considerar que a primeira declaração apresentada não continha todos os elementos necessários para que a F.......... pudesse usufruir do crédito de imposto (cf. doc. n.º 6 da p.i.);

Vejamos.

O n.º 1 do artigo 662. ° do Código de Processo Civil (CPC), determina que A Relação (leia-se TCA) deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo diploma impõe que:

1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Precisa-se ainda que, quando os meios de probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce aquele ónus do recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na perspectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2, alínea a) do artigo 640.º).

Resulta da conjunção dos artigos 662.º e 640.º do CPC que o TCA deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuser decisão diversa desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e indique os concretos meios probatórios.

No caso concreto, ainda que a Recorrente tenha procedido processualmente em conformidade, embora em termos mínimos, com o que lhe é imposto, lido os parágrafos das alíneas a) a e) cujo aditamento à matéria de facto pretende, resulta manifesto que o ali vertido não assume qualquer relevância para a decisão da causa.

Analisada a decisão recorrida constatamos que o Tribunal a quo, sustentado no princípio da livre apreciação da prova produzida nos autos, fixou os factos que resultaram da prova documental existente no processo que considerou necessários para a solução dada ao caso (artigo 607.º, n.º 5 do CPC).

Mas, debrucemo-nos com a devida atenção sobre cada um dos factos pretendidos aditar ao probatório.

Os factos constantes das alíneas a) e b) pretendidos aditar foram alegados na petição inicial, respectivamente, nos pontos 7 e 8 da p.i. (acção inspectiva e correcções propostas à matéria colectável de IRC do ano de 2017), porém, nenhum documento foi junto aos autos para prova de tais factos. Indica agora a Recorrente para prova de tais factos o documento junto como n.º 5. Tal documento trata-se do requerimento inicial de reclamação graciosa apresentado pela ora Recorrente contra o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2017, ao qual, no âmbito do presente processo, apenas foi junto um documento (doc. n.º 5), que não respeita aos factos pretendidos aditar.

Quanto ao facto almejado aditar constante da alínea c), a Recorrente indica os documentos n.ºs 4 e 5 juntos com a p.i. Lida a petição inicial constata-se que tal facto consta do ponto 9 da p.i., no qual é indicado apenas o documento n.º 4 junto com a p.i..

A decisão da matéria de facto, na alínea E), considerou o alegado nos pontos 6 a 9 da p.i. e o documento n.º 4, cujo teor deu por integralmente reproduzido, que corresponde à cópia da declaração de rendimentos, Modelo 22 de substituição apresentada pela F...........

Assim, não é de atender ao pretendido aditamento das referidas alíneas a), b) e c).

No que concerne ao facto constante da alínea d) pretendido aditar, também não é de atender, por já constar, embora com uma redacção ainda mais abrangente, do probatório (cfr. alínea G) da matéria de facto dada como assente).

Atentemos, por fim, ao último “facto” cujo aditamento o Recorrente requer.
Indica a Recorrente o documento n.º 6 da p.i. para prova do facto constante da alínea e) supra transcrita. Lida a petição inicial verifica-se que o ponto n.º 12, no qual é indicado o documento n.º 6, não tem qualquer correspondência ao facto ora pretendido aditar.

Com efeito, refere-se nesse ponto 12 o seguinte: «A qual veio a ser indeferida por despacho proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, divisão de Justiça Tributária, datado de 17.08.2021, cuja cópia se junta como documento n.º 6

Pretende a Recorrente, que seja dado como provado um facto que não foi por si alegado.

De qualquer modo, na alínea H) do probatório deu-se como provado a decisão proferida na reclamação graciosa, com base no documento n.º 6 junto com a p.i., cujo teor se deu como integralmente reproduzido, tendo-se transcrito excertos dessa decisão considerados essenciais, designadamente a análise do direito de audição, bem como a aludida nova declaração emitida pela entidade gestora do fundo AF Portfólio Imobiliário, e apresentada pela Recorrente em resposta no exercício do direito de audição prévia no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, pelo que, desta forma, consta do probatório, com a apreciação que da mesma foi feita pela AT.

Pelo que não se pode deferir a pretensão da Recorrente.

Saliente-se que o Recorrente não deduz qualquer justificação para que tais factos, não alegados ou alegados desacompanhados dos respectivos documentos, sejam considerados.

Prosseguindo.

Refere a Recorrente que o Tribunal a quo confunde a primeira declaração com a segunda declaração e que, por isso, procedeu a uma falsa representação dos factos relevantes para a decisão.

Mas sem razão.

A Recorrente transcreve um paragrafo da sentença em que é citado uma afirmação da Recorrente constante do artigo 11.º do Recurso Hierárquico (pág. 18 da sentença), pelo que se caso houvesse desconformidade com a realidade dos factos a mesma seria imputável à Recorrente.

Na verdade, é a Recorrente que labora em erro ao querer passar a ideia de que a sentença recorrida entendeu que foi só a primeira declaração que fundou a decisão de deferimento do recurso hierárquico.

Decorre dos pontos I) e J) da matéria de facto assente que só em sede de recurso hierárquico foram juntos os documentos que permitiram o deferimento da pretensão da ora Recorrente, sendo relevante para a apreciação nessa sede quer a primeira, quer a segunda declaração, ambas apresentadas na reclamação graciosa, como de resto se afirma na sentença recorrida, quando diz que foram os documentos n.ºs 6 a 11 apresentados em sede de recurso hierárquico que permitiram repor a ilegalidade da auto-liquidação.

Face ao exposto, não tendo o Tribunal a quo incorrido em qualquer erro na apreciação e valoração da prova produzida, improcede, consequentemente, o alegado erro de julgamento de facto.


*

2.2. DE DIREITO

As questões a apreciar são as de saber se o tribunal a quo, incorre em erro de julgamento ao concluir pela improcedência dos pedidos de juros indemnizatórios e de juros de mora.

Para assim decidir pelo Tribunal Tributário de Lisboa foi aduzida a seguinte argumentação:

«De acordo com o n.º 1 do artigo 43.º da LGT, “(s)ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

Por sua vez, nos termos da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo 43.º, são também devidos juros indemnizatórios, “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à Administração Tributária”.

Este tipo de juros tem natureza indemnizatória, radicando o dever do seu pagamento na responsabilidade civil da administração tributária pela prática de actos ilícitos (cf. artigo 483.º do Código Civil e artigo 22.º da CRP).

Encontra-se, outrossim, pacificado na jurisprudência do STA que, pese embora o erro da auto-liquidação seja imputável ao contribuinte, esse erro passa a ser imputável à administração tributária a partir do momento em que, tendo na sua posse os elementos necessários, deveria ter proferido decisão a corrigir o erro e mantém a situação de erro e pagamento indevido do imposto (cf., por todos, acórdão do STA de 9 de Dezembro de 2021, proferido no processo n.º 01098/16, disponível em www.dgsi.pt).

No caso vertente, resulta à evidência das letras I e J do probatório que tão só em sede de recurso hierárquico a Entidade executada reuniu todos os elementos necessários que lhe permitiram ver e descrever o erro da Exequente e decidir em conformidade.

Note-se que a Exequente lançara mão da reclamação graciosa, a qual fora indeferida “uma vez que não ficou provado que os rendimentos resultantes do resgaste das unidades de participação do Fundo AFPortfólio, resgatadas a 2017.01.02, bem como o correspondente imposto (imposto retido ou devido nos termos do n.° 1 do art.° 22.° do EBF (reação anterior) e que reveste a natureza de imposto por conta do IRC devido a final) contribuíram para o resultado tributável nos termos do n.° 3 do art.° 22.° do EBF (na redação anterior). No mesmo sentido, explica o disposto no § 47.° da Circular da AT n.° 6/2015, de 2015.06.17” (cf. letras G e H do probatório).

Na decisão da reclamação graciosa, não poderia ter sido acolhida a pretensão da Exequente, quanto à ilegalidade da auto-liquidação e o não acolhimento da sua pretensão não é imputável à Entidade executada. Quando esta pôde repor a legalidade, em sede de recurso hierárquico e na sequência da apresentação dos docs. 6 a 11, fê-lo. Conforme aduz a própria Exequente no artigo 11.º do recurso hierárquico, a declaração emitida pela entidade gestora do Fundo só foi obtida a 29 de Junho de 2020, após, portanto, a apresentação da reclamação graciosa e foi essa declaração, bem como o balancete juntos com o recurso hierárquico, que fundaram a decisão de deferimento respectiva. Se não, recorde-se o seguinte trecho dessa decisão (cf. letras I e J do probatório):


[…]

Pelo que, não é devido o peticionado direito a juros indemnizatórios (desde o termo do prazo da decisão da reclamação graciosa), nem há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, visto o recurso hierárquico ter sido decidido em período inferior ao de um ano contado da respectiva apresentação.»
A Recorrente no seu recurso invocou a nulidade da sentença por omissão de pronúncia por não ter conhecido do pedido de condenação da AT ao pagamento e juros de mora.

A Mma. Juiz a quo conheceu da invocada nulidade por omissão de pronuncia, suprimindo a mesma, decidindo que não estando reunidos os pressupostos para o pagamento de juros indemnizatórios, não é aplicável ao caso a norma do n.º 5 da LGT, pelo que não são devidos juros de mora à taxa agravada.

A Recorrente alargou o âmbito do seu recurso, insurgindo-se contra o assim decidido.

Alega a Recorrente, no essencial, que (i) ainda que tenha havido dois procedimentos autónomos – reclamação graciosa seguido de recurso hierárquico – tal não invalida a que o caso se subsuma à situação prevista no artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT, por não haver fundamento para a mora verificada na resolução do pedido efectuado pela Recorrente, sendo devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação da reclamação graciosa, ainda que se entendesse que se mostrava necessária a apresentação pela Recorrente do Balancete para deferimento da sua pretensão, tal nunca poderia cominar na interrupção de um ano para atribuição do direito a juros indemnizatórios e no consequente recomeço da contagem no momento da sua exibição, quando o pedido da Recorrente se manteve o mesmo desde a apresentação da reclamação graciosa, e que o acréscimo ao lucro tributável do imposto suportado na esfera do Fundo, no montante de € 1.004.240,22, o qual não tinha sido relevado pela Recorrente, nem admitido pela mesma até à apresentação do Recurso hierárquico, tal não constituía elemento necessário para aferir do erro constante da autoliquidação e deferimento da pretensão da Recorrente; (ii) a AT actuou em violação do principio do inquisitório ao não ter diligenciado pela obtenção da informação necessária, em vez de indeferir categoricamente o pedido da Recorrente em sede de reclamação graciosa; (iii) ainda que se entendesse que o balancete era um elemento essencial para o deferimento do pedido, a AT ficou em condições para deferir o pedido em 29/9/2021, data da apresentação do Recurso Hierárquico, sendo, então, devidos juros indemnizatórios a contar da data em que se formou o indeferimento tácito; e, são também devidos juros de mora nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT, desde a data de 14/06/2022 até à data da emissão da nota de crédito (19/10/2022.
Vejamos, então, se a decisão recorrida comporta tais vícios.

Nos termos do artigo 100.º da LGT, a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existia se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstas na lei.

Porém, os pressupostos para a constituição do direito aos juros indemnizatórios são distintos consoante o seu enquadramento legal (cfr. artigos 100.º e 43.º da LGT e 61.º do CPPT).

O direito a juros indemnizatórios derivado de atrasos na acção administrativa, está dependente da decisão a proferir no procedimento administrativo (reclamação gracioso, recurso hierárquico ou revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte) se efectuar depois do prazo legal, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária (cfr. artigo 43.º, n.º1 e 3, alínea c) da LGT; vide neste sentido Ac. do STA de 09/12/2021, processo n.º 01098/16.5BELRS, disponível em www.dgsi.pt/).

Dito por outras palavras, não cumprindo a AT o prazo de decisão, haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, verificados que sejam os pressupostos que houve um pagamento indevido do tributo e que o atraso na análise da reclamação graciosa, ou do recurso hierárquico ou da revisão seja imputável à AT, caso não seja, não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.

Na situação dos autos, conforme resulta do probatório, a Exequente apresentou reclamação graciosa do acto de autoliquidação de IRC do ano de 2017, invocando que não foi reflectida na declaração de rendimentos, Modelo 22 de substituição da F.......... a dedução do montante a título de crédito de imposto, por não ter sido possível obter atempadamente a declaração da Sociedade Gestora (cfr. alíneas E., G. e H., e doc. n.º 5 da p.i.).

Porém, como é realçado na apreciação da reclamação graciosa, a primeira declaração da Sociedade Gestora é datada de 31/03/2018, data anterior à entrega das respectivas declarações de rendimentos (a inicial e a de substituição), afirmando a Reclamante de acordo com aquela declaração que auferiu, em 2017, o montante de € 10.066.687,31, em resultado do regate das unidades de participação que detinha na Fundo AFPortfólio, e, em sede de audição prévia no mesmo procedimento apresentou nova declaração na qual se refere que o valor do resgate se cifra em € 9.062.447,09.

O ponto 18 da apreciação da reclamação graciosa transcrito na alínea H. do probatório tem o seguinte teor:

18. Ainda que tenha agora sido junto ao processo uma outra declaração emitida pela sociedade gestora (a fls. 107 do PA), embora como já referido anteriormente, em desconformidade em relação à declaração anterior, a fls. 76 do PA, na parte do valor do resgate, ficou por demonstrar, como referido em projecto de decisão e que se volta a reiterar, se os rendimentos correspondentes ao regaste relevaram para o apuramento de lucro tributável na esfera do participante, incluindo a quota-parte do valor do imposto suportado pelo Fundo, nos termos do n.º 2 do artigo 68.º do CIRC.

No ponto 19, 20, 21 e 26 da mesma decisão refere-se de forma esclarecedora que a Reclamante não fez a devida prova para ver a sua pretensão reconhecida (cfr. alínea H) do probatório).

Em sede de recurso hierárquico foi dado deferimento à pretensão da Requerente de ver a sua declaração de rendimentos Modelo 22, no exercício de 2017, corrigida, e ao reembolso de IRC indevidamente liquidado (cfr. alíneas I. e K. do probatório).

Analisados os factos provados e não provados, que não foram impugnados, nomeadamente o teor dos requerimentos iniciais de reclamação graciosa e recurso hierárquico, bem como as respectivas decisões, não ressalta qualquer conduta omissiva da AT, consubstanciada na falta de análise de documentos, nem a violação do principio do inquisitório por banda da AT, sendo certo que é sobre o contribuinte que incide o ónus de provar a existência de todos os pressupostos para o valor suportado na esfera do Fundo, no valor de € 1.004.240,00 ser considerado como componente positiva do resultado fiscal, para efeitos de englobamento do rendimento pelo seu valor ilíquido deduzido a final a titulo de pagamento por conta do imposto IRC, o que só em sede de recurso hierárquico a ora Recorrente logrou fazer, com a junção de novos elementos de prova (cfr. alíneas I. e J. do probatório).

A AT deve pautar a sua actividade pela descoberta da verdade material e adoptar oficiosamente as iniciativas adequadas a esse efeito (cfr. artigo 58.º da LGT), porém, o princípio do inquisitório tem de se conjugar com as regras da distribuição do ónus da prova.

No caso em apreço, não se vislumbra a invocada violação do princípio do inquisitório, nem a Recorrente indica que diligências devia a AT ter oficiosamente determinado.

Analisada a prova junta à reclamação graciosa e ao recurso hierárquico, entende-se tal como julgado na primeira instância que a Exequente, ao contrário do que alega, só completou os elementos probatórios necessários e suficientes para apreciação e decisão da reposição da legalidade na autoliquidação do ano de 2017 no procedimento de recurso hierárquico.

A decisão exequenda é perfeitamente clara quanto à prova que julgou pertinente e necessária para apreciar do invocado direito à fruição do mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 22.º do EBF, enquanto imposto por conta, no montante de € 1.004.240,22, em sintonia com o requerido no recurso hierárquico (cfr. alíneas I) e J) do probatório).

Assim sendo, o atraso na análise e indeferimento do pedido no procedimento de reclamação graciosa só é imputável ao contribuinte e não à Administração Tributária, pelo que, não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, visto que se mostra afastada essa responsabilidade, e muito menos, como pretende a Recorrente decorrido um ano após a apresentação da reclamação graciosa, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT. (cfr. pontos 20 a 23 das conclusões da alegação de recurso).

De salientar em primeiro lugar que a referida alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT não tem aplicação ao caso dos autos.

E não tem aplicação porque a Recorrente não apresentou qualquer pedido de revisão, nos termos do artigo 78.º da LGT.

Daí que não se acompanhe o enquadramento dos factos provados na referida norma que foi feito na sentença, bem como, a conclusão a que chegou de não serem devidos juros indemnizatórios, por o recurso hierárquico ter sido decidido em período inferior ao de um ano contado da respectiva apresentação.

A Recorrente apresentou dentro do prazo de 2 anos (primeiro dia útil seguinte ao último dia do prazo por ter sido um domingo – artigo 279.º, alínea e) do CC), a reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação da declaração relativa ao ano de 2017 (cfr. alíneas B. e G. do probatório e artigo 131.º n.º 2 do CPPT), que foi indeferida, como já se viu, por o sujeito passivo não ter fornecido à Administração Tributária os elementos necessários que lhe permitissem dispor de condições para reparar o “erro” em que o contribuinte incorreu.

Porém, deste acto de indeferimento deduziu a Recorrente recurso hierárquico em 29/09/2021, que foi deferido por despacho de 27/04/2022 (cfr. alíneas I. e J. do probatório).

Ao recurso hierárquico foram juntos 11 documentos, tendo a AT ficado, desde logo, na posse dos elementos para apreciar e decidir a impugnação administrativa, como o fez, deferindo a pretensão da Recorrente.

Nos termos do artigo 66.º, n.º 5 do CPPT «Os Recursos hierárquicos serão decididos no prazo máximo de 60 dias.», contados a partir da remessa do processo ao órgão competente para dele conhecer (cfr. artigo 198.º, n.º 1 do CPA e 66.º, n.º 3 do CPPT).Decorrido o prazo de 60 dias sem que haja sido tomada uma decisão, a lei confere ao interessado a possibilidade de deduzir impugnação contenciosa (cfr. artigo 198.º, n.º 4 do CPA e 57.º, n.º 5, adaptado ao prazo do recurso hierárquico).

No entanto, o decurso do referido prazo para se formar o indeferimento silente suspende-se se ocorrer dilação do procedimento imputável ao recorrente, por incumprimento de deveres de cooperação que sobre si recaíam, como sujeito passivo (cfr. artigo 57.º, n.º 4 da LGT).

Na situação dos autos, resulta provado que a AT proferiu decisão com base nos elementos que foram juntos com o requerimento inicial de recurso hierárquico.

A jurisprudência consolidada do STA é do entendimento que «não obstante o erro da autoliquidação seja imputável ao contribuinte, esse erro passa a ser imputável à Administração Tributável a partir do momento em que, tendo na sua posse os elementos necessários, deveria ter proferido decisão a corrigir o erro e mantém a situação de erro e pagamento indevido do imposto.» (vide Ac. do STA de 09/12/2021, processo n.º 01098/16, disponível em www.dgsi.pt/.

Esta jurisprudência é totalmente transponível para o caso dos presentes autos.

Conforme decorre do probatório a AT embora detivesse os elementos necessários para, no prazo previsto no artigo 66.º do CPPT, proferir decisão favorável ao sujeito passivo no recurso hierárquico, e corrigir o erro da autoliquidação imputável ao contribuinte, só o fez em momento posterior ao prazo legal.

Em situação semelhante à dos presentes autos, escreveu-se em Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Sul de 16/09/2021, processo n.º 1149/12.2BELRS, relatado pela presente Relatora, o seguinte:

O artigo 43.º da LGT preceitua o seguinte:

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do ato tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.(…)

À luz do preceito legal transcrito, a atribuição de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, depende do preenchimento dos seguintes requisitos:

(i) Que haja erro num ato de liquidação de um tributo;

(ii) Que o erro seja imputável aos serviços;

(iii) Que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial;

(iv) Que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

Ou seja, para que haja direito a juros indemnizatórios, é necessário, antes de mais, que, atendendo ao disposto no art.º 43.º da LGT, se verifique a ocorrência de um erro-vício e que o mesmo seja imputável aos serviços, respeitando este último requisito a “falta do próprio serviço, globalmente considerado”(vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6.ª Ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, nota 6 ao artigo 61, pág. 539).

A ratio subjacente ao artigo 43.º da LGT consubstancia-se na imputabilidade do erro aos serviços, como reflexo da não actuação em conformidade com a lei, ao arrepio, desde logo, do disposto no art.º 266.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.

Na situação dos autos, não obstante os erros que afectaram o acto de liquidação não serem imputados à AT, por esta ter efectuado a liquidação na sequência da apresentação da declaração Modelo 1 do IMT, de acordo com os elementos fornecidos pela Recorrida, factos que se mostram assentes, com a apresentação da reclamação graciosa em 31/05/2005 e subsequente recurso hierárquico do indeferimento daquela, ficou a AT na posse dos elementos que lhe permitiam anular a liquidação de IMT.

Porém, a AT não anulou a liquidação, mantendo a situação de ilegalidade originada pelos erros do colaborador da Recorrida, liquidação que veio a ser anulada em sede de impugnação judicial.

Embora a liquidação do imposto seja emitida com erro imputável ao contribuinte, a Administração Tributária constituiu-se na obrigação de pagar juros indemnizatórios, pela manutenção do erro e pagamento indevido, nos termos dos artigos 46.º, n.º 1 e 3 do CIMT e 43.º, n.º 1 da LGT, após indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aquele acto tributário.

Jorge Lopes de Sousa reflecte sobre esta questão da seguinte maneira:

«Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (...), bem como naqueles em que o acto é praticado pela Administração Tributária com base em informações erradas prestadas pelo contribuinte e há lugar a impugnação administrativa (reclamação graciosa ou recurso hierárquico), o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos.

Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou de facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou. À prática de acto expresso deverá ser equiparado, para este efeito, o indeferimento tácito, formado pelo decurso do prazo legal de decisão da impugnação administrativa (art.º 57º, nº 4º, da LGT), pois é este o momento em que a Administração Tributária deveria ter proferido um acto legal e, com a sua omissão, manteve a situação de ilegalidade, o que permite imputar-lhe a responsabilidade pela manutenção da situação de erro e pagamento indevido.». (ob. cit. vol. I, nota 6 ao artigo 61, pág. 537).O Supremo Tribunal Administrativo também já se pronunciou sobre questão idêntica no mesmo sentido, em acórdão de 03/05/2018, proferido no processo n.º 0634/15, que sufragamos e com a devida vénia transcrevemos a seguinte passagem:

«(…) Ora, como bem se reconhece na sentença, o erro nos pressupostos em que assentava o acto de liquidação que veio a ser judicialmente anulado não era imputável aos serviços da Administração Fiscal, dado que estes efectuaram a liquidação com base em elementos fornecidos pelo próprio sujeito passivo; tal erro apenas se veio a revelar com a fixação superveniente do grau de invalidez, com efeitos desde 2008, que alterava a situação tributária declarada por este.

Porém, com a apresentação da reclamação graciosa, em 11/02/2010, a Administração Fiscal ficou na posse de todos os elementos que lhe permitiam anular essa liquidação de IRS e proceder a nova liquidação em conformidade com o benefício fiscal que a lei atribui, de forma automática, aos sujeitos passivos com esse grau de deficiência.

Não o fez, contudo, a Administração Fiscal, que indeferiu a reclamação graciosa em 5/03/2010, bem como o subsequente recurso hierárquico. Ao assim actuar, a Administração manteve a situação de ilegalidade originada pelo questionado acto de liquidação do IRS, o que permite imputar-lhe a responsabilidade objectiva pela subsistência do erro e do pagamento indevido, responsabilidade essa geradora da obrigação de indemnizar nos termos do disposto no art.º 43º da LGT, embora o direito a esses juros apenas se constitua na esfera jurídica do Impugnante na data em que foi indeferida a reclamação (5/03/2010), e não na data fixada na sentença, isto é, no dia em que a reclamação foi apresentada.» (disponível em www.dgsi.pt/).

O acórdão deste TCAS cujo excerto se acabou de transcrever também é consultável em www.dgsi.pt/.

Estando a AT na posse dos elementos necessários para proferir decisão favorável ao sujeito passivo e corrigir o erro da autoliquidação imputável ao contribuinte, e se só o faz em momento posterior ao termo do prazo previsto na lei, constitui-se em responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios, por se ter operado a alteração da imputabilidade do erro.

Na situação dos autos, os juros indemnizatórios só se constituem na esfera jurídica da Recorrente após o decurso do prazo legal para decidir o recurso hierárquico, pois, só aí a Administração Tributária fica em condições de conhecer e reparar a ilegalidade cometida por erro imputável à Recorrente, justificando-se o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente do atraso na decisão de deferimento do recurso hierárquico.

Assim, o marco para identificar o dies a quo dos juros indemnizatórios é o termo do prazo fixado no artigo 66.º, n.º 5 do CPPT para a decisão do recurso hierárquico, que é de 60 dias a contar da remessa do processo ao órgão competente, prevendo a lei o prazo de 15 dias para esse efeito.

Portanto, a Recorrente tem direito a juros indemnizatórios, a pagar pela AT, devidos desde 13/12/2021, até à data da emissão da nota de crédito.

Tendo presente o quadro jurídico supra traçado, é de concluir que o recurso merece, neste segmento, provimento.

A última questão a apreciar respeita ao peticionado pagamento de juros de mora à taxa agravada prevista no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, que foi indeferido pela primeira instância, no entendimento de não serem devidos por não estarem reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios.

A Recorrente alega que o fundamento do direito a juros de mora não está dependente do preenchimento dos requisitos para concessão do direito a juros indemnizatórios, e que no caso sub judice estão reunidos os requisitos para que sejam devidos juros de mora, em cumprimento do disposto nos artigos 43.º, n.º 5 e 100.º, n.º 2 da LGT, não obstante tratar-se da execução de uma decisão administrativa e não de uma decisão judicial transitada em julgado.

Advoga, assim, que dispondo a Administração tributária de um prazo de 30 dias para voluntariamente cumprir de forma integral a decisão, esse prazo terminou em 13/06/2022, razão pela qual são devidos juros moratórios, à taxa agravada, desde 14/06/2022 até 19/10/2022 (data da emissão da nota de crédito).

Com o devido respeito por opinião contrário, não tem razão a Recorrente.

O n.º 5, do artigo 43.º da LGT (aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro) preceitua «no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outra entidade públicas.»

O regime excepcional de juros de mora em dobro previsto no n.º 5, do artigo 43.º da LGT aplica-se apenas a casos de inexecução tempestiva de decisões judiciais transitadas em julgado.

Nas palavras de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa «Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.º, n.º 1, do CPC).

(…) como explicitamente se refere neste n.º 5, com evidente alcance restritivo, ele não será aplicável em situações em que o direito a juros indemnizatórios decorre de decisões administrativas, quer as previstas no n.º 1, quer as indicadas no n.º 3 deste art. 43.º. A diferença de tratamento das duas situações será justificada pelo facto de que quando está em causa a execução de uma decisão judicial o incumprimento assume a gravidade de uma violação directa de um dever constitucional, imposto pelo n.º 2 do art. 204.º da CRP, que estabelece que «as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas.». Mas, sendo absolutamente equiparáveis, sob o ponto de vista económico, as situações dos que estão privados de quantias na sequência de decisões judiciais e administrativas favoráveis é algo duvidosa a compatibilidade da restrição deste direito a juros de mora com o princípio constitucional da igualdade, com fundamento apenas na reprovabilidade jurídica do dever omitido, particularmente em face da equiparação das decisões administrativas inimpugnáveis às decisões judiciais, para efeitos executivos, que se estabelece no art. 157.º, n.º 3, do CPTA. Esta diferença de tratamento das duas situações só encontra alguma razoabilidade por se estabelecer no n.º 3 do art. 44.º da LGT, na redacção introduzida pela mesma Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, um regime paralelo em que, para os casos de mora dos suejitos passivos, também só é imposto agravamento de taxa nos casos de a dívida de imposto ter sido reconhecida por decisão judicial transitada em julgado e não também nos casos de decisões administrativas inimpugnáveis.» (in Lei Geral Tributária, 4.ª edição 2012, encontro da escrita, págs. 344 e 345).

Com igual entendimento, cita-se ainda José Maria Fernandes Pires e Outros «Tratando-se, porém, de juros de mora a favor do contribuinte, não resulta do texto da lei qualquer taxa agravada. De facto, o legislador apenas estabeleceu o agravamento da taxa de juros de mora no n.º 5 do artigo 43.º da LGT, preceito legal que apenas versa sobre o direito aos juros indemnizatórios. E, atento o texto da norma, apenas nos casos em que haja sentença judicial transitada em julgado que determine a restituição de determinado imposto (não havendo qualquer agravamento nas demais situações que contemplem o direito a juros indemnizatórios). Do que resulta que, apenas nos casos em que se verifique que estão reunidos os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios aos contribuintes resultantes de decisão judicial é que haverá lugar ao pagamento dos juros de mora ao dobro.» (in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2015, Almedina, nota 60 artigo 43.º, pág. 377 a 378).

Esta é, também a nosso ver, por não encontramos razões para discordar com a doutrina citada, a solução consagrada actualmente na lei, atenta a inserção sistemática da norma.

No caso dos autos, a decisão exequenda trata-se de uma decisão administrativa, pelo que não lhe é aplicável a citada norma.

Assim, atendendo ao que acaba de ser exposto, resulta que não é aplicável ao caso dos autos a norma ínsita no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, pelo que não são devidos juros de mora à taxa agravada.

Todavia, estando em causa executar uma decisão administrativa que determine a anulação de acto de liquidação e que implique a restituição da prestação tributária paga, são devidos juros de mora, ao abrigo do n.º 2 do artigo 102.º da LGT, computados à taxa de juro legal supletiva a que se refere o artigo 599.º do Código Civil, ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT, a contar do termo do prazo da execução espontânea (cfr. artigos 157.º, n.º 3 e 170.º, n.º 1 do CPTA).

Pelo que, improcedem parcialmente as conclusões da alegação da recorrente.

Face ao exposto, resta concluir que a sentença proferida padece de erro ao indeferir a presente execução de julgados, impondo-se a sua revogação, e a condenação da Administração Tributária ao pagamento à Exequente, aqui Recorrente, de juros de indemnização e de juros de mora à taxa legal supletiva, estes, a contar do termo do prazo da execução espontânea.


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Conclusões/Sumário:

I. Nos termos do artigo 100.º da LGT, a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição o da situação que existia se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstas na lei.

II. O direito a juros indemnizatórios derivado de atrasos na acção administrativa, está dependente da decisão a proferir no procedimento administrativo (reclamação gracioso, recurso hierárquico ou revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte) se efectuar depois do prazo legal, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária (cfr. artigo 43.º, n.º 1 e 3, alínea c) da LGT; vide neste sentido Ac. do STA de 09/12/2021, processo n.º 01098/16.5BELRS, disponível em www.dgsi.pt/).

III. Estando a AT na posse dos elementos necessários para proferir decisão favorável ao sujeito passivo e corrigir o erro da autoliquidação imputável ao contribuinte, e se só o faz em momento posterior ao termo do prazo previsto na lei, constitui-se em responsabilidade pelo pagamento de juros indemnizatórios, por se ter operado a alteração da imputabilidade do erro.

IV. O regime excepcional de juros de mora em dobro previsto no n.º 5, do artigo 43.º da LGT aplica-se apenas a casos de inexecução tempestiva de decisões judiciais transitadas em julgado.


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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida, e condenar a Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios devidos e de juros de mora, estes à taxa legal supletiva, nos termos supra fixados.

Custas a cargo da Recorrida e da Recorrente na proporção do decaimento, em ambas as instâncias, salvo quanto à taxa de justiça, uma vez que a Recorrida não contra-alegou.

Notifique.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024



Maria Cardoso - Relatora
Luísa Soares – 1.ª Adjunto
Tânia Meireles da Cunha– 2.ª Adjunta

(assinaturas digitais)