Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:201/22.0BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:REJEIÇÃO LIMINAR
FALTA INDICAÇÃO DOS MEIOS DE DEFESA
ARTIGO 37.º DO CPPT
SANAÇÃO DE DEFICIÊNCIAS
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA E DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
Sumário:I - O processo de execução fiscal tem natureza judicial, aplicando-se aos seus atos o regime de notificação e de impugnação dos atos judiciais.
II - O regime previsto no artigo 37.º do CPPT abrange apenas os casos em que a notificação diz respeito a atos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reação contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de atos.
III - Se um determinado ato administrativo não contempla os meios de defesa, tal não conduz à sua nulidade, em nada facultando a admissão de um meio processual impróprio e extemporâneo, num meio idóneo e tempestivo, apenas faculta, sendo caso disso, ao notificando o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no nº 1 do artigo 37º do CPPT.
IV - O princípio da justiça tem um campo de aplicação residual face a outros princípios norteadores da atuação das entidades administrativas, demandando uma apreciação casuística, devendo, por conseguinte, ser convocado para reparar a ilegalidade apenas quando estejamos perante uma solução normativa absolutamente inaceitável que colida com valores estruturantes do ordenamento jurídico.
V - A prescrição da obrigação tributária pode ser apresentada a todo o tempo junto do órgão exequente, podendo, igualmente, o sujeito passivo, em caso de indeferimento reagir mediante a dedução de reclamação ao abrigo dos artigos 276.º e seguintes do CPPT. Logo, qualquer rejeição liminar, devidamente fundada e fundamentada, não traduz qualquer denegação da tutela jurisdicional efetiva.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I-RELATÓRIO

J…, veio interpor recurso dirigido a este Tribunal tendo por objeto decisão de indeferimento liminar proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal Do Funchal, através da qual rejeitou liminarmente a p.i. de ação administrativa deduzida na sequência da notificação do despacho da Diretora da Secção de Processo Executivo do Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM que não reconhecia a prescrição de diversos tributos exigidos no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2201201900180033 e apensos, conforme por si peticionado em requerimento de 15 de setembro de 2020, por impropriedade do meio processual e insusceptibilidade de convolação processual.


A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso concluindo da seguinte forma:


“Vem o presente recurso interposto da douta sentença que indeferiu liminarmente a presente ação, por erro na forma do processo, sem a convolação na espécie processual de “reclamação de atos”.

No entender do Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, na douta sentença recorrida, uma vez que:

a) se demonstrou que, no dia 15/09/2020, o Recorrente requereu ao Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM o reconhecimento oficioso da prescrição das dívidas objeto dos processos executivos n.º 2201201900180033 e apensos (Doc. 1 da PI);

b) se provou que, na sequência desse pedido, no dia 28/04/2022, o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, notificou o Recorrente da decisão de indeferimento do pedido de prescrição das dívidas objeto dos referidos processos executivos (Doc. 2 da PI);

c) se comprovou que, uma vez notificado dessa decisão, o Recorrente intentou a presente ação, com vista a obter a anulação daquela decisão e o reconhecimento da prescrição das dívidas objeto dos referidos processos executivos;

d) ficou demonstrado que, em momento algum, da sua decisão, o Instituto da Segurança Social da Madeira notifica ou informa o contribuinte, ora Recorrente, dos meios de defesa e prazo que o mesmo tinha ao seu dispor para reagir contra o ato notificado;

e) o Tribunal a quo errou ao decidir indeferir liminarmente a presente ação, por erro na forma do processo, sem a convolação da mesma na espécie processual de “reclamação de atos”;

f) o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM estava obrigado a indicar os meios de defesa e prazo para o Recorrente reagir contra o ato notificado, nos termos do artigo 36.º do CPPT e demais legislação vigente;

g) ao não fazê-lo, como se o próprio ato não fosse sequer atacável, o Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM violou de forma flagrante o direito de defesa e o direito à tutela jurisdicional efetiva do Recorrente, previstos no artigo 20.º da CRP, bem como, o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito, plasmado no artigo 2.º da CRP;

h) a omissão ou não indicação ao administrado, aquando da notificação da decisão, do meio de defesa e do prazo para o exercer, não poderá nunca afastar o Recorrente do exercício desse meio de defesa;

i) a não indicação do meio de defesa e prazo para o exercer, não pode nunca afetar o exercício desse meio de defesa por parte do Recorrente;

j) se a Segurança Social exerce as suas atribuições na prossecução da justiça, mesmo no uso dos seus poderes vinculados e se, “não há direito sem justiça”, então a “[a]dministração não está subordinada a uma legalidade meramente formal, devendo consagrar-se uma «ideia de direito»” regulada pelos princípios da justiça, igualdade e boa-fé;

k) “O princípio da justiça aponta para a necessidade de a Administração pautar a sua actividade por certos critérios materiais ou de valor, constitucionalmente plasmados (….). A observância destes princípios materiais de justiça permitirá à Administração a obtenção de uma ‘solução justa’ relativamente aos problemas concretos que lhe cabe decidir”.

l) face aos factos demonstrados nos presentes autos, impunha-se o reconhecimento expresso por parte do Tribunal da omissão, no ato notificado pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, dos meios de defesa e prazo de reação que estavam ao dispor do Recorrente, com vista à necessária tutela dos seus direitos, liberdades e garantias;

m) o Tribunal a quo errou ao não convolar a presente ação em “reclamação de ato”, ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, e ao não admitir a sua tempestividade, por força do disposto nos artigos 36.º n.º 2 e 37.º n.º 4 do CPPT, e dos princípios constitucionais atrás indicados;

n) o Tribunal a quo violou, na sua decisão, o princípio da justiça e os princípios da economia processual e aproveitamento dos atos processuais, ao não convolar a presente ação na espécie de “reclamação de ato”, e ao não admitir a sua tempestividade, uma vez que o prazo para o Recorrente exercer a sua defesa ainda nem sequer havia começado, na data em que a petição inicial deu entrada no Tribunal a quo, face à violação perpetrada pelo Instituto da Segurança Social da Madeira;

o) ainda que assim não se entenda, o que não se admite mas por mero dever de patrocínio se concede, face ao reconhecimento da omissão dos meios de defesa e prazo ao dispor do Recorrente para reagir contra o ato notificado, sempre deveria ser permitido ao Recorrente exercer o meio adequado de reação contra o referido ato, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão judicial, nos termos do artigo 37.º n.º 4 do CPPT, facultando-lhe a requerida e necessária tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrada;

p) a decisão sub judice é um ato em matéria tributária que afeta diretamente os direitos e interesses legítimos do contribuinte, pelo que a sua notificação teria sempre que respeitar o disposto nos artigos 36.º e 37.º do CPPT;

q) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do Direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender do mesmo, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, à convolação da presente ação na espécie de “reclamação de ato”, ao abrigo do artigo 276.º do CPPT, e ao reconhecimento da sua tempestividade, face à violação flagrante por parte do Instituto da Segurança Social da Madeira do disposto nos artigos 36.º e 37.º do CPPT, que a obrigava a indicar expressamente os meios de defesa e prazo para o Recorrente reagir contra o ato notificado.

Termos em que, dando-se provimento ao presente recurso e com o douto suprimento de V. Exas., deve a douta sentença recorrida ser anulada, com todas as consequências legais, designadamente, convolando-se a presente ação na espécie de “reclamação de ato” e reconhecendo-se a sua tempestividade, nos termos e com os fundamentos acima indicados, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!”


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A Recorrida optou por não apresentar contra-alegações.

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O Digno Magistrado do Ministério Público apôs o seu visto ao abrigo do disposto no artigo 146.º do CPTA.

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Com dispensa de vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Visando a decisão do presente recurso, este Tribunal dá como provada a seguinte matéria de facto:

1. A 15 de setembro de 2020, o Impugnante apresentou requerimento junto do Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM peticionando o reconhecimento da prescrição das dívidas objeto de cobrança coerciva nos processos executivos n.º 2201201900180033 e apensos (cfr. documento 1 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, referência 004795941 da plataforma SITAF).

2. Na sequência da apresentação do requerimento identificado na alínea antecedente, a 26 de abril de 2022, foi prolatado ato pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM, subordinado ao assunto “Pedido de Análise de Prescrição”, recebido a 28 de abril de 2022, com o teor que se extrata infra:












(cfr. documento 2 junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, referência 004795942 da plataforma SITAF; assunção da notificação expressamente reconhecida pelo Autor na sua p.i, e, ora, reiterada nas suas alegações de recurso).


3. A 24 de agosto de 2022, e na sequência da notificação do despacho de indeferimento do pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas exequendas descrito no número anterior o Autor interpôs junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal articulado que apelidou de impugnação, tramitado enquanto ação administrativa e com o seguinte pedido:

“a) anulando-se a decisão de indeferimento do pedido de prescrição das dívidas objeto dos processos executivos n.º 2201201900180033 e apensos, proferida pelo Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM;


b) reconhecendo-se a prescrição das dívidas objeto dos referidos processos executivos, com base nos fundamentos supra expostos.


(cfr. p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e respetivo recibo de submissão com a referência 004795944 da plataforma SITAF).



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A convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto estruturada supra, fundou-se no teor dos documentos juntos com a p.i, e constantes na plataforma SITAF, e na posição das partes e , conforme referido em cada um dos números do probatório.

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III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


In casu, o Recorrente não se conforma com a rejeição liminar proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, a qual se fundou na impropriedade do meio processual de ação administrativa, para efeitos de reconhecimento da legalidade do ato de indeferimento do pedido de prescrição das dívidas tributárias, e inerente insusceptibilidade de convolação processual.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto importa, assim, decidir se a decisão de rejeição liminar prolatada pelo Tribunal a quo, deve manter-se na ordem jurídica, competindo, para o efeito, indagar das cominações inerentes à falta de indicação dos meios de defesa, da concreta possibilidade de recurso ao artigo 37.º do CPPT, mormente, da possibilidade plasmada no seu nº4, e da violação de princípios constitucionais basilares.

Vejamos, então.

O Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto ficou provada a prévia apresentação de um requerimento junto do Instituto da Segurança Social da Madeira, IP-RAM a peticionar o reconhecimento da prescrição das dívidas objeto de cobrança coerciva nos processos executivos n.º 2201201900180033 e apensos, o qual foi objeto de indeferimento, motivando a dedução da presente ação administrativa.

Sendo que a Entidade Demandada aquando da notificação do ato de indeferimento não informa o contribuinte, ora Recorrente, dos meios de defesa e prazo que o mesmo tinha ao seu dispor para reagir contra o ato notificado, obstando, por isso, a que o Tribunal a quo indefira liminarmente a presente ação, por erro na forma do processo, sem a inerente convolação da mesma na espécie processual de “reclamação de atos”.

Sufragando, outrossim, que estando a Entidade Demandada, vinculada, legalmente, a identificar os meios de reação, tal preterição viola de forma flagrante o direito de defesa e o direito à tutela jurisdicional efetiva do Recorrente, previstos no artigo 20.º da CRP, bem como, o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito, plasmado no artigo 2.º da CRP.

Advoga, a final, que a Entidade Demandada exerce as suas atribuições na prossecução da justiça, e que tal atuação acarreta a sua violação, sendo que o Tribunal a quo ao secundar esse entendimento e ao não proceder à competente convolação, atua em clara violação do disposto nos artigos 36.º n.º 2 e 37.º n.º 4 do CPPT, dos princípios constitucionais atrás indicados e bem assim no princípio da economia processual e aproveitamento dos atos processuais.

Requer, in fine, que seja facultado o uso da prerrogativa plasmada no artigo 37.º n.º 4 do CPPT, admitindo-se, assim, a dedução tempestiva de reclamação de atos do órgão da execução fiscal.

Apreciando.

Comecemos por atentar na fundamentação jurídica em que se suportou a rejeição liminar da petição em apreço.

O Tribunal a quo começa por convocar o quadro normativo, tecer considerações inerentes ao erro na forma do processo, concreta apreensão da verdadeira pretensão jurídica, estabelecendo, depois, uma resenha de meios processuais, relevando, para o efeito, que a: “[a]ção administrativa serve (também) para impugnar um ato administrativo tributário no qual não se discuta a legalidade da liquidação (cfr. al. p) do n.º 1 do art.º 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), a impugnação judicial para atacar a legalidade da liquidação, visando obter a sua anulação ou a declaração da sua nulidade ou inexistência (cfr. art.º 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário), e, finalmente, nos termos dos art.ºs 276.º do e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a reclamação para reagir a atos lesivos da esfera jurídica do interessado praticados pelo órgão de execução fiscal, como sucede in casu com o não reconhecimento da prescrição.”

Materializando, depois, por reporte à situação fática dos autos que, “[a]tento o pedido formulado, dúvidas não há que o meio processual adequado ao pretendido pelo Autor é a reclamação prevista nos art.ºs 276.º e ss. do Código do Procedimento e de Processo Tributário.”

Equacionando, ulteriormente, a possibilidade de convolação processual, apartando-a, na medida em que: “considerando as datas de notificação do despacho de não reconhecimento da prescrição e de apresentação da presente ação administrativa, desde já se divisa que pode estar em causa a intempestividade da nova forma processual, o que impedirá a convolação da ação administrativa em reclamação de atos.”

In fine, e a propósito da concreta violação dos artigos 36.º e 37.º do CPPT, sufraga, para o efeito, que “[a]queles preceitos legais não têm aplicação em sede de processo judicial, designadamente em sede de processo de execução fiscal, encontrando-se antes o seu campo de aplicação limitado aos procedimentos tributários que terminem com a prática de atos em matéria tributária e onde a Entidade que pratica o ato não cumpra com todas as formalidades atinentes à notificação do ato decisório do procedimento.”

Concluindo, assim, pelo indeferimento liminar atenta a inidoneidade do meio processual, e sua insusceptibilidade de convolação processual face à manifesta extemporaneidade para o meio processual computado de idóneo.

Vejamos, então.


De relevar, ab initio, que o Recorrente não se insurge quanto à existência de erro na forma do processo, ou seja, de que o meio processual idóneo para apreciar a legalidade do ato que indefere o pedido de reconhecimento da prescrição das dívidas objeto de cobrança coerciva nos processos de execução fiscal nº 2201201900180033 e apensos, seja, efetivamente, a reclamação de atos do órgão da execução fiscal, dando, aliás, por certa tal interpretação, na medida em que assume e requer a convolação para esse mesmo meio processual.


Com efeito, o ponto de dissonância com o ajuizado na decisão recorrida coaduna-se, tão-só, com a interpretação propugnada quanto à insusceptibilidade de aproveitamento do artigo 37.º do CPPT, e cominações jurídicas atinentes a um ato que não identifica os respetivos meios de reação. Logo será, natural e justamente, esse o âmbito objetivo do presente recurso, carecendo, assim, de quaisquer dilucidações atinentes ao erro na forma do processo, porquanto, como visto, a questão objeto de recurso radica a jusante.


Apreciando.


O Tribunal a quo, como visto, afasta a possibilidade de aproveitamento e convocação do artigo 37.º do CPPT, face à natureza do ato visado, e, a verdade que tal entendimento não merece qualquer censura, na medida em que o ato impugnado é um ato, como visto, praticado no âmbito do processo de execução fiscal, o qual, como é consabido, tem natureza judicial, apartando, de per se, a possibilidade de aproveitamento do artigo 37.º do CPPT, o qual está erigido e vocacionado para os atos praticados no âmbito do procedimento tributário.


Como doutrinado, no Aresto do STA, proferido em Plenário, no processo nº0557/14 datado de 07.06.2017

“I-O processo de execução fiscal tem natureza judicial, e aos seus, actos aplica-se o regime de notificação e de impugnação dos actos judiciais.

II - O regime previsto no art. 37º do CPPT destina-se aos casos em que a notificação diz respeito a actos em matéria tributária que possam ser objecto de meio judicial de reacção contra a sua validade/existência, e não a suprir as deficiências de comunicação de outro tipo de actos, designadamente de actos processuais, cujas regras de cumprimento e validade estão, primordialmente, previstas no CPC (arts. 186º e ss).” [no mesmo sentido, vide, designadamente, Acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 03479/10, de 21.11.2019, 0194/14.8BECTB, de 10.11.2019, 0586/10, de 03.11.2010 e TCAN, processo nº 00228/13, de 17.01.2014].

Por outro lado, e sem embargo do exposto, sempre se dirá que o entendimento do Recorrente atinente à falta de indicação dos meios processuais não tem, de todo, o alcance que lhe é conferido pelo próprio, e isto porque, se um determinado ato administrativo não contempla os meios de defesa, o mesmo não em nada faculta a admissão de um meio processual impróprio e extemporâneo, num meio idóneo e tempestivo.


Com efeito, a lei concede uma prorrogativa por forma a sanar a falta de indicação dos meios e prazos de defesa, concretamente, o consignado no citado normativo 37.º do CPPT, o que significa, portanto, que se o sujeito passivo lesado não se socorre desse expediente processual, sibi imput, em nada podendo advogar a admissão de uma convolação no meio processual idóneo, conferindo-lhe a tempestividade que, inequivocamente, lhe falta.


Neste concreto particular, veja-se, designadamente, o expendido no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0389/15, datado de 08 de julho de 2015, e demais jurisprudência nele citada do qual se extrata no que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“[é] incontroverso que os actos administrativos, de que os actos em matéria tributária são uma espécie, estão sujeitos a notificação em harmonia com as exigências axiológicas contidas no nº 3 do art. 268.º da Constituição, e, nesta decorrência, o art. 36º, nº 2, do CPPT estabelece que «As notificações conterão sempre a decisão, os seus fundamentos e meios de defesa e prazo para reagir contra o acto notificado, bem como a indicação da entidade que o praticou e se o fez no uso de delegação ou subdelegação de competências.».

Todavia, o art. 39º do CPPT, que disciplina em matéria da perfeição das notificações, apenas comina com a nulidade a situação de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.

Além disso, o art. 37º, do CPPT, estabelece, no seu nº 1, que, «Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento», e determina, no seu nº 2, que «Se o interessado usar da faculdade concedida no número anterior, o prazo para a reclamação, recurso, impugnação ou outro meio judicial conta-se a partir da notificação ou da entrega da certidão que tenha sido requerida.».

O que significa que a insuficiência da notificação por falta de indicação dos meios de defesa não conduz à nulidade do acto, mas faculta ao notificando o direito de requerer a notificação dos elementos omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, dentro do prazo fixado no nº 1 do artigo 37º, e, usando dessa faculdade, o prazo para reagir (graciosa ou contenciosamente) contra o acto tributário conta-se a partir da notificação dos requisitos que haviam sido omitidos ou da passagem de certidão que os contenha.

Ora, a consequência de, na circunstância, nada ser requerido nos moldes definidos no art. 37º redunda na irrelevância da aludida insuficiência para afastar os efeitos normais da notificação já efectuada, como explica JORGE LOPES DE SOUSA (In Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 5ª ed., anotação 3 ao artigo 37º, pág. 333.), nos seguintes termos: «Será tendo em conta esta possibilidade de sanação que deverá ser interpretada a norma da alínea a) do nº 1 do art. 102.º, em que se estabelece como início do prazo de impugnação judicial e de reclamação graciosa o «termo do prazo para pagamento voluntário das prestações legalmente notificadas ao contribuinte». Com efeito, se se entendesse que apenas quando as notificações são efectuadas em total sintonia com o legalmente estabelecido elas têm potencialidade para conferir eficácia aos actos notificados, esta norma do nº 2 do art. 37.º não teria qualquer alcance nos casos de «reclamação» e de «impugnação», que nela são referidos, pois, tratando-se de casos em que a notificação não tenha sido integralmente efectuada em conformidade com a lei, seriam casos em que o prazo de impugnação judicial e de reclamação não se iniciaria enquanto não ocorresse uma notificação em absoluta conformidade com a lei. Por isso, a única interpretação que confere sentido útil à inclusão daquelas referências à «reclamação» e à «impugnação», parece ser a de que se, não for requerida a notificação dos requisitos omitidos, no prazo referido no nº 1, a omissão deixa de ser relevante para afectar a produção de efeitos do acto de notificação e, consequentemente, ficará assegurada a eficácia do acto notificado.».

Daí que se imponha concluir, como se concluiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7/10/2009, no processo nº 128/09, que «a notificação sem todos os requisitos exigidos, mas que contenha aqueles sem os quais ela é considerada nula, indicados no n.º 9 do art. 39.º do CPPT, não deixará de valer como acto de comunicação ao destinatário quanto a tudo o que comunicou, produzindo os efeitos próprios de uma notificação quanto àquilo de que o informou, só não produzindo, no caso de o destinatário utilizar tempestivamente a faculdade prevista no art. 37.º, n.º 1, do CPPT, o efeito de determinar o início dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa do acto notificado.».

Entendimento este que, de resto, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a plasmar, reiteradamente, em muitos outros acórdãos, como sejam, designadamente, aqueles que proferiu em 12/05/2010, no processo nº 632/09, em 13/10/2010, no processo nº 493/10, em 12/01/2011, no processo nº 789/10, em 22/01/2014, no processo nº 1108/12, e em 29/10/2014, no processo nº 1381/12.”

Ora, aderindo à fundamentação jurídica supra expendida, e não obstante, como visto, se ter ajuizado a insusceptibilidade de aplicação do regime constante no artigo 37.º do CPPT, a verdade é que, sempre se terá de concluir que o juízo de entendimento do Recorrente em nada poderia lograr mérito, na medida em que, o ato que não informa o sujeito passivo de todos os elementos do ato notificado, mormente indicação dos respetivos meios e prazos de reação, só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reação contra o ato notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no n.º 1 daquele artigo 37.º [Vide, neste sentido, igualmente os Acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 01108/13, de 22.01.2014, 0128/09, de 18.11.2009, e 0592/09, de 14.10.2009].


Naturalmente que o supra expendido, aparta, per se, o contemplado no artigo 37.º, nº4, do CPPT, o qual, ademais, apenas se encontra previsto para as situações em que o sujeito passivo foi, inequivocamente, induzido em erro, porquanto foi indicado como garantia um meio processual inidóneo. Noutra formulação, o artigo 37.º, nº4 do CPPT, apenas deve ser convocado quando o Tribunal reconhece que o meio processual utilizado pelo contribuinte e indicado na notificação, não é o adequado, situação em que se faculta, nos 30 dias subsequentes ao trânsito em julgado da decisão intentar a ação adequada. Ora, face a todo o supra expendido, a situação fáctica dos autos em nada pode subsumir-se no aludido preceito legal.


De relevar, ainda neste concreto particular, que tal em nada pretere o princípio da confiança, na medida em que, não se pode falar em qualquer legítima expetativa jurídica que tenha sido conduzida e que permitisse inferir no sentido de que a falta de indicação de um meio de reação acarretasse a convolação para um meio processual manifestamente intempestivo, e com isso, pudesse traduzir uma violação do princípio da boa fé.


Note-se, ademais, que “a boa fé em sentido jurídico corresponde a uma válida fé, ou seja, a uma confiança válida aos olhos do direito. Incorpora, pois, o valor ético social da confiança. No entanto, apenas quando se trata de uma confiança legítima poderemos reconduzir a tutela da confiança a um corolário da boa fé.(1-Rita Maria Martins Ferraz A Proteção da Confiança: elemento constitutivo do Estado de Direito-FDUP,p.31)“

Neste conspecto, convoque-se, novamente, o já citado Aresto do STA proferido no processo nº 0389/15, que, neste concreto particular, advoga que:

“E, sendo claro que a falta de indicação dos meios de defesa não podia determinar a nulidade da notificação em causa nos autos, é também fora de dúvida que, ao contrário do que vem dito pela Recorrente, tal falta, não sendo apta para a induzir em erro, também não contende com o princípio da confiança, desde logo porque essa omissão não tem a virtualidade de criar quaisquer expectativas dignas de tutela jurídica, e, como se viu, a Recorrente podia, se assim o entendesse, requerer a notificação dos elementos omitidos, nos termos consignados no art. 37º do CPPT.

Aliás, a eventual nulidade da notificação também não teria como efeito a concessão do prazo de um ano para impugnar a que a Recorrente alude, pela comezinha razão de que nenhum efeito produziria.”

No mesmo sentido, se ajuizará no atinente à violação do princípio da justiça, desde logo, porque o mesmo tem um campo de aplicação residual face a outros princípios norteadores da atuação das entidades administrativas, demandando uma apreciação casuística, devendo, por conseguinte, ser convocado para reparar a ilegalidade apenas quando estejamos perante uma solução normativa absolutamente inaceitável que colida com valores estruturantes do ordenamento jurídico, o que, face a todo o expendido anteriormente, não sucede no caso vertente.


In fine, cumpre evidenciar, igualmente, que a presente decisão não traduz qualquer preterição do princípio da tutela jurisdicional efetiva, na medida em que, ainda que seja da competência do Juiz tudo fazer para dirimir/eliminar os litígios que são submetidos ao seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus atos formais, sempre no sentido do alargamento e proteção desses direitos e nunca da sua restrição, a verdade é que o mesmo não pode desrespeitar, para o efeito, as normas legais vigentes.


Com efeito, a sua atuação pauta-se pela análise, interpretação e correta transposição do regime jurídico vigente à situação fática dos autos, não a podendo subverter em ordem a “agilizar” procedimentos específicos, admitir formas processuais que não têm a mínima correspondência com a letra da lei, e convocar irregularidades no ato de notificação que não têm o alcance e desiderato apontado pelo Recorrente. Em nada podendo relevar, neste e para este efeito, a alegação -de resto não, devidamente, substanciada- do princípio da economia processual e aproveitamento dos atos processuais.

In casu, o Tribunal a quo limitou-se a cumprir o regime legal atinente ao erro na forma do processo, a aquilatar do mesmo em ordem ao concreto pedido, a fazer a devida subsunção no meio ajuizado idóneo, a apartar, justificada e acertadamente, a insusceptibilidade de convolação processual, logo, como é bom de ver, em nada traduz ou pode traduzir uma preterição do aludido princípio constitucional basilar.


Ademais, como é consabido, a presente rejeição liminar não coarta quaisquer direitos ao Autor, em nada se denegando o acesso ao direito e aos tribunais, porquanto sempre pode a prescrição da obrigação tributária ser apresentada a todo o tempo, podendo, por conseguinte, apresentar novo requerimento junto do órgão exequente tendente à apreciação da prescrição da dívida exequenda, e em caso de indeferimento reagir mediante a apresentação de uma reclamação ao abrigo dos artigos 276.º e seguintes do CPPT.


Face a todo o exposto, improcede, na íntegra, o presente recurso.



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IV. DISPOSITIVO


Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário, Subsecção Comum, deste Tribunal Central Administrativo Sul acordam, em conferência, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA.

Custas pelo Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 29 de fevereiro de 2024

(Patrícia Manuel Pires)

(Vital Lopes)

(Ana Cristina carvalho)