Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2293/18.8BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/10/2019
Relator:JORGE PELICANO
Descritores:ACIDENTE EM SERVIÇO
RECIDIVA, AGRAVAMENTO OU RECAÍDA
CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
CUMULAÇÃO DE PEDIDO INDEMNIZATÓRIO
Sumário:
I. Tendo sido requerida a realização de junta médica nos termos do art.º 24.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, a caducidade do direito de acção relativamente à deliberação tomada sobre o pedido de reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída, conta-se da respectiva notificação.
II. O pedido indemnizatório pode ser deduzido desde que, de acordo com a lei substantiva, ainda não se tenha verificado a prescrição do direito à indemnização, não obstando a tal conhecimento a circunstância do acto administrativo que se tem por ilícito já não poder vir a ser eventualmente impugnado – art.º 38.º e 41.º, ambos do CPTA e artigos 5.º, 7.º e 8.º do RRCEE.
III. É possível cumular os pedidos de condenação à prática de acto e o pedido indemnizatório deduzidos, não obstando a tal cumulação a circunstância de estarmos perante uma acção administrativa prevista em legislação avulsa, que tem natureza urgente (art.º 5.º, n.º 1 do CPTA), acrescendo ainda que se verifica parcial coincidência quanto à matéria de facto a apreciar (as circunstâncias em que ocorreu o acidente, danos daí emergentes e incapacidade que a Recorrente apresenta) – cfr. art. 4.º, n.º 1, al. a) do CPTA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


M……., Recorrente no âmbito da presente acção administrativa para reconhecimento de direito emergente de acidente de serviço, vem intentar recurso do saneador-sentença que declarou a caducidade do direito de acção.
Apresentou as seguintes conclusões com as alegações do recurso:

1. “A Autora intentou a presente acção administrativa para reconhecimento de direito, no âmbito do regime dos acidentes em serviço (regulado no D.L. n.° 503/99 de 20 de Novembro), no passado dia 18/12/2018, junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, alegando que foi admitida na Câmara Municipal de Lisboa (CML), com a categoria profissional de cantoneira de limpeza (artigo 1.° e Doc. 1 da petição).

2. Em 2010, a Autora começou a sentir dores no ombro, com a execução das suas tarefas laborais, passando a ser seguida pelos serviços sociais da Ré, designadamente da Medicina do Trabalho, que efectuou um diagnóstico de tendinite no ombro (artigos 6.°, 7.°, 8.° e Doc. 2 da petição).

3. A Caixa Geral de Aposentações (CGA), após realização de Junta Médica, certifica a existência de uma doença profissional, atribuindo à Autora uma incapacidade parcial permanente (IPP) de 2,98% (artigo 10.° e Doc. 4 da petição).

4. Não obstante este facto, em 26/06/2011, a Autora, no exercício das suas funções de varredura, sofreu uma queda e embateu com o cotovelo direito no chão (artigo 12.° da petição), sendo que tal episódio acabou por ser qualificado pelos serviços da Ré (a CML) como acidente em serviço, conforme ficha de participação e qualificação, datada de 22/07/2011, que se juntou sob Doc. 7 da petição.

5. A Autora, apesar de ter sido acompanhada pelos serviços sociais de medicina da Ré, que proveram assistência de consultas médicas, cirurgias e tratamentos, nunca ficou totalmente curada das lesões sofridas com o acidente em serviço e que se reportaram ao nível do ombro direito da trabalhadora (artigos 14.°, 15.°, 17.°, 18°, 19.°, 20.°, 21°, 22°, 23.°, 24.°, 25.° e 26.° da petição).

6. Em 2017, depois de consultar o seu processo de acidente em serviço, no departamento social da CML (artigo 45.° da petição), a Autora, através do seu mandatário, apercebe-se que no processo de acidente em serviço não foi fixada qualquer incapacidade pela CGA, reportando tal facto à Ré (vd. artigo 46.° da petição, Doc. 20).

7. A Ré responde em 18/08/2017, informando que a alta do acidente em serviço tinha sido atribuída sem qualquer desvalorização, em virtude de existir uma patologia pré-existente e que se relaciona com o processo da doença profissional da tendinite do ombro (vd. artigo 20.° da petição e Doc. 22).

8. Em 22/11/2017, a Autora requer a realização de uma nova Junta Médica, apoiada em relatório médico independente, dado que continuava a apresentar queixas no ombro direito, com carácter permanente, em resultado do acidente em serviço de 26/06/2011 (artigo 51° e Doc. 23 da petição).

9. A Junta Médica Municipal (JMM), requerida pela Autora, realizou-se em 08/03/2018, tendo como decisão o indeferimento do pedido de recaída, por inexistência de nexo de causalidade entre o ponto de embate e o local anatómico das queixas da trabalhadora (Doc. 25 da petição).

10. A Autora, inconformada, apresenta reclamação da decisão da JMM, no entanto, o indeferimento é mantido e a CML (Ré) continua a alegar que não lhe cabe participar o acidente à CGA, pela invocada pré-lesão existente e que decorre da tendinite do processo de doença profissional.
11. A Autora, inclusivamente, apresentou em 2018 um novo relatório médico independente, subscrito por médico perito em avaliação de dano corporal que, além de entender que a IPP deve ser fixada nos 14,64%, em decurso do acidente de 2011, defende que a doença profissional anterior não obsta a revisão da incapacidade corporal, pelo facto de a tendinite prévia ser uma patologia de carácter meramente inflamatório.

12. Na presente acção, a Autora, formulou pedido para que fosse reconhecido o seu acidente em serviço e, em consequência fosse a Ré condenada a participar o acidente à CGA.

13. A Autora apresenta ainda na sua petição a contabilização de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que apurou ao longo de todos estes anos em que foi dada como apta para trabalhar (ainda que condicionalmente) e por todas as limitações físicas que afectaram até o seu quotidiano e vida particular, sem que o seu processo de acidente em serviço, tivesse sido participado à CGA, como deveria, nos termos do artigo 20.°, n.° 5 do DL n.° 503/99 de 20 de Novembro.

14. A Autora não poderá assim concordar com a decisão do tribunal "a quo", pelo facto de na mesma não ter sido feito o devido enquadramento da matéria de facto e de Direito.

15. Para mais, a Ré ao contestar a presente acção, reconheceu e admitiu por acordo e confissão uma série de factos, onde se inclui, inclusivamente, a ocorrência do sinistro e a sua qualificação como acidente em serviço, bem como todos os tratamentos médicos que tiveram lugar, bem como toda a troca de correspondência, reclamações e queixas da trabalhadora que levaram à realização da Junta Médica Municipal em 2018. para avaliação do quadro de recaída ou agravamento da Autora, conforme se enunciou na matéria elencada nos fundamentos da matéria de facto sob ponto 2.1) do presente recurso e que o Tribunal" a quo" não levou devidamente em conta.

16. A presente acção não visa impugnar o acidente em serviço, que como resulta claro da sentença, até é admitido por acordo das partes e já se encontra assente, até para efeitos de ser julgado procedente a alínea A) do pedido formulado pela Autora.
17. Aquilo que a Autora formula e ficou cognoscível para a Ré (no artigo 1.° da sua contestação) e para o próprio Tribunal, que até enxerta o petitório da peça da Autora na sentença, vai para além do simples pedido de reconhecimento e qualificação do acidente em serviço que é pedido pela Autora e que é feito até mais por questões de enquadramento e contextualização, dado o seu carácter evidente.

18. que pretende a Autora é, antes de mais, que a CML seja condenada a comunicar o sinistro em apreço à CGA, o que nunca foi feito (alínea B) do pedido da Autora) e que é importante para o devido enquadramento laborai, em função do grau e tipo de incapacidade.

19. Nesse decurso, a Autora formula também pedido para a Ré ser condenada ao pagamento de todos os danos de natureza patrimonial e não patrimonial, que contabiliza em € 102,10 EUR e € 7.500,00 EUR, respectivamente, os quais são emergentes, precisamente do acidente em serviço e da respectiva falta de participação à CGA (alíneas C) e D) do pedido da Autora).

20. Ora, seria assim importante, acrescentar ao rol da matéria de facto, já dada como provada nos autos, toda a restante matéria que a Ré não impugnou e admitiu por acordo e que ficou enunciada no ponto 2.1) do presente recurso.

21. artigo 95.° do CPTA é claro em consagrar no seu n.° 1 que a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido e, desde logo, a sentença "sub judice" parece violar esta disposição legal e processual, ao não ter levado em conta todas as questões que foram submetidas pela Autora à apreciação do Tribunal.

22. É também pacífico na doutrina e em toda a produção jurisprudencial vigente que o Tribunal deve levar em conta, na apreciação do pedido, todas as soluções plausíveis de Direito, "seja na selecção dos factos assentes, seja na selecção dos factos controvertidos, o juiz deve ter em conta todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução de direito que tem como aplicáver (vd., entre muitos outros, Ac. STJ, Proc. 1345/10.7TVLSB.L1.S1, 7 a Secção, 18/12/2012, "/n" www.dgsi.pt).

23. Neste conspecto, consideramos que não se aplica o prazo de caducidade do direito de acção da Autora, visto que não está unicamente em causa o reconhecimento e qualificação do acidente em serviço, o qual até já está admitido por acordo das partes.

24. Nos termos do artigo 20.°, n.° 5 do D.L. n.° 503/99 de 20 de Novembro, se
após a alta for reconhecido ao acidentado uma incapacidade permanente, ou se a incapacidade temporária tiver durado mais de 36 (trinta e seis) meses, seguidos ou interpolados, a entidade empregadora deve comunicar o facto à Caixa Geral de Aposentações (CGA), que o submeterá a exame da respectiva Junta Médica, para efeitos de confirmação ou de verificação de eventual incapacidade permanente, resultante do acidente e de avaliação do respectivo grau de desvalorização.

25. Como vimos, a Ré negou-se reiteradamente a reconhecer que a situação decorrente do sinistro de 26/06/2011 deveria ser participada à CGA, invocando uma patologia pré-existente.

26. A última Junta Médica Municipal (JMM), chegou ao ponto de negar o nexo de causalidade entre o acidente e as queixas da Autora, com o duvidoso argumento de falta de correspondência entre a região anatómica da queixa (ombro) e a região do embate no momento do sinistro (cotovelo).

27. Por seu turno, vimos também que o relatório do perito médico apresentado pela Autora junto da Ré, confirmou o nexo inequívoco entre o traumatismo e o dano, sem qualquer tipo de pré-lesão (dado a tendinite ter apenas carácter inflamatório), havendo assim a considerar as sequelas anatómicas e funcionais, desvalorizáveis em 14,64% (vd. Doc. 29).

28. Do diploma dos acidentes em serviço, resulta também que a incapacidade permanente que advier do acidente em serviço, confere o direito às pensões e outras prestações previstas no regime geral, naquilo que respeita à responsabilidade da CGA (artigo 36.° e seguintes do D.L. n.° 503/99).

29. Pelo que, a Autora deixou de auferir inclusivamente as prestações e pensões a que teria direito, no decurso deste acidente, bem como o devido enquadramento legal nas suas funções laborais.

30. Tribunal "a quo" não levou em linha de conta todas estas situações, preferindo por uma solução simplista e redutora de acabar com a acção, com o simples argumento de que o acidente em serviço já tinha ocorrido há mais de um ano.

31. A sentença viola assim o princípio do pedido (artigo 3.°, n.° 1 do CPC aplicável "ex ví' artigo 1.° do CPTA), sendo que à Autora é lícito acumular pedidos, mesmo que apenas alguns deles sejam de natureza urgente (artigos 4.° e 5.° do CPTA).

32. "In casu", além do pedido de reconhecimento e qualificação do acidente em serviço, a Autora formulou o pedido para que a Ré fosse condenada a comunicar o sinistro em apreço à CGA, como lhe competia e para efeitos de verificação e confirmação da incapacidade daí decorrente (artigo 9.°, n.° 3, alínea e), "ex ví' artigo 20.°, n.° 5, ambos do DL n.° 503/99 de 20 de Novembro).

33. Como dissemos, a violação deste direito da Autora ainda não cessou, porque a Ré, apesar de reconhecer o sinistro como acidente em serviço, persiste em não fazer a participação à CGA, teimando que existe uma pré-patologia que prejudica a avaliação da incapacidade da trabalhadora, por aquela entidade.

34. artigo 48.°, n.° 1 do DL n.° 503/99 de 20 de Novembro dispõe que o interessado pode intentar no prazo de 1 (um) ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões, relativos à aplicação do presente diploma.

35. Ora, a omissão em causa por parte da Ré é a participação do acidente à CGA, como formulado na alínea B) do pedido do Autora.

36. A marcação da nova Junta Médica em 08/03/2018 pode ser enquadrada numa situação de recaída ou agravamento do trabalhador que se encontra prevista no artigo 24.° do diploma legal dos acidentes em serviço (DL n.° 503/99 de 20 de Novembro).

37. Sendo que a Junta Médica realizada no âmbito da recaída ou agravamento sustentado pela trabalhadora, é apenas mais uma das etapas do já longo processo de acidente em serviço, que a Ré refuta sempre e empurra para o âmbito do processo da doença profissional.

38. No entanto, a Autora não está impedida de reagir a essa situação que é permanente, que se arrasta no tempo e ainda não cessou porque os direitos da Autora continuam sistematicamente a serem violados pela Ré, pelo que lhe assistia assim a hipótese de recorrer à presente acção, a qual é tempestiva, visto que o último acto praticado no processo é a Junta Médica de 08/03/2018 e sobre ela ainda não havia decorrido 1 (um) ano, à data da propositura da presente acção.”

O Recorrido apresentou contra-alegações, em que concluiu:

1. “O objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões (cfr. art. 635°, n° 4, do CPC, aplicável ex vi art. 140° do CPTA);

2. As únicas questões a decidir no recurso residem em saber se o prazo de um ano para a propositura da acção prevista nos n°s 1 e 3, al. a), do art. 48° do Dec.-Lei n° 503/99, teve início com a notificação da deliberação da junta médica municipal de 8.MAR.2018, e, bem assim, se os sucessivos requerimentos, exposições, reclamações e outros escritos pela A. posteriores à prolação da decisão de qualificação do acidente como ocorrido em serviço, sem atribuição de IPP, datada de 22.JUL.2011, interromperam ou suspenderam a contagem do referido prazo;

3. Não existe qualquer tipo de base legal, nomeadamente no Dec.-Lei n° 503/99, que sustente o entendimento defendido pela A., de que os requerimentos, exposições, reclamações e outros escritos por si apresentados interromperam ou sequer suspenderam a contagem do prazo de propositura da acção;

4. A contagem do prazo não teve início em 8.MAR.2018, data da deliberação e notificação da junta médica municipal que indeferiu o pedido de recaída ou agravamento das lesões causadas pelo acidente em serviço, por inexistência de nexo de causalidade entre a região anatómica da queixa e do agravamento - ombro direito - e a região anatómica do sinistro - cotovelo direito;

5. A contagem do prazo de um ano para a propositura da acção teve início em 22.JUL.2011, data da prolação e notificação da decisão de qualificação do acidente como ocorrido em serviço, sem atribuição de IPP;

6. À data em que a acção foi proposta já o direito de acção da A. havia caducado;

7. A sentença não merece qualquer reparo, pelo que deve ser negado provimento ao recurso;

8. Na eventualidade, não admitida, de vir a ser concedido provimento ao recurso, o Tribunal ad quem deverá então, no exercício do poder de substituição do tribunal recorrido previsto no art. 665° do CPC, maxime no n° 2, pronunciar-se sobre as excepções de prescrição do direito à indemnização e de falta (parcial) de interesse em agir, alegadas pelo R. na contestação.”


O Digníssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que concluiu pela improcedência do recurso, o que mereceu pronúncia da Recorrente, em que manifesta a sua discordância.

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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º, nº 2, e 146º, nº 4, do CPTA e dos artigos 5º, 608º, nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC, ex vi art.º 140º do CPTA.

Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso:
a)- se a sentença recorrida sofre do erro de julgamento ao ter declarado a caducidade do direito de acção;
b)- se é de conhecer e se se verificam as seguintes excepções deduzidas pelo Recorrido, não decididas na sentença recorrida:
1- falta de interesse em agir quanto à dedução do pedido formulado na P.I. sob a al. A., isto é, a condenação do Recorrido a reconhecer e a qualificar o acidente ocorrido a 26/06/2011, como acidente em serviço;
2- inadmissibilidade de dedução, no presente processo, do pedido indemnizatório relativo aos danos de natureza não patrimonial;
3-prescrição do direito de indemnização;
c)- se é de determinar o prosseguimento dos autos para conhecimento do mérito.
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Fundamentação
Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto:
A) Em 26/6/2011, a A., no exercício das suas funções de varredura, na A….. L… T…, em Lisboa, sofreu uma queda e embateu com o cotovelo direito no chão -acordo.
B) O Chefe de Divisão de Segurança, Higiene e Saúde dos serviços da R. qualificou o episódio da queda da A. como acidente em serviço, em 22/7/2011 - cfr. doc. 7, junto com a p.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
C) A A. continuou a ser acompanhada nos Serviços Sociais da R., em consulta de acidentes em serviço - acordo.
D) A A. esteve de baixa, desde a data do acidente, em Junho de 2011, até Novembro de 2011, tendo indicações para sessões de fisioterapia que realizou e ainda começou a ser seguida, por indicação da R., pelo Dr. J….., médico ortopedista - acordo.
E) A presente acção deu entrada neste tribunal em 18/12/2018 - cfr. informação do SITAF.
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Nos termos do art.º 662.º, n.º 1 do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3 do CPTA, adita-se a seguinte matéria de facto:
F) Em 03/09/2010, a A. sofreu acidente de serviço, de que resultou patologia no ombro direito – docs. N.ºs 2 e 3 juntos com a P.I.;
G) Por força de tal patologia, foi reconhecido à A. uma incapacidade permanente parcial de 2,98% - doc. n.º 4 junto com a P.I.;
H) Em 12/03/2012, a A. foi submetida a uma cirurgia ao ombro direito – doc. n.º 8 junto com a P.I.;
I) Em Setembro de 2012 foi submetida a uma cirurgia ao braço e ombro direito – doc. n.º 9 junto com a P.I.;
J) Em consulta de medicina do trabalho, foi recomendado que a A. mantivesse limitação de esforços dos membros superiores – doc. n.º 10 junto com a P.I.;
K) Tendo a A. ficado a desempenhar “serviços moderados ou melhorados” – docs. 12 junto com a P.I.;
L) Em 09/06/2016, em consulta de medicina do trabalho, a A. foi tida apta, sem condicionalismos, para poder trabalhar na função actual de auxiliar de serviços gerais, mantendo apenas as recomendações ligadas aos serviços moderados e à prática da hidroterapia – doc. n.º 13 junto com a P.I.;
M) Através de Ofício da CML datado de 29/06/2016, foi comunicado à A. que o seu processo de doença profissional tinha sido arquivado em 25/05/2012 – doc. n.º 15 junto com a P.I.;
N) Em 21/10/2016 requereu que o acidente por ela sofrido em 26/06/2011, fosse qualificado como acidente em serviço -– doc. n.º 16 junto com a P.I.;
O) Em 17/05/2017, através de consulta do P.A., a A. ficou a saber que não havia sido fixada qualquer incapacidade pela CGA – doc. n.º 20 junto com a P.I.;
P) Através de Ofício datado de 18/08/2017, o Município de Lisboa informou a A. de que não lhe tinha sido atribuída qualquer incapacidade em resultado do acidente de serviço de 26/06/2011, por sofrer de patologia pré-existente no ombro do braço direito, ocorrida em 2010– doc. n.º 22 junto com a P.I.;
Q) Através de requerimento datado de 22/11/2017, a A. requereu a realização de Junta Médica Municipal (JMM) nos termos do art.º 24.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, alegando sofrer de agravamento da sua situação de saúde, tendo junto parecer médico relativo à patologia do ombro direito – doc. n.º 23 junto com a P.I.;
R) Em 08/03/2018 foi realizada JMM, tendo sido comunicado à A. que o pedido de recaída não havia sido aceite, por inexistência de nexo de causalidade – doc. n.º 25 junto com a P.I.;
S) Em 15/03/2018 foi observada na consulta de medicina de trabalho que a considerou “apta condicionalmente” para trabalhar, mantendo as “limitações anteriores”, ou seja:
a) “deve efectuar rotação das tarefas ao longo do dia laboral;
b) deve evitar movimentos repetitivos dos membros superiores com frequência, assim como elevação acima dos ombros;”
- cfr. doc. n.º 26 junto com a P.I.;
T) Em 23/04/2018, a A. apresentou reclamação da decisão que a considerou apta condicionalmente para trabalhar e pediu que lhe fosse transmitida a fundamentação da deliberação da JMM realizada em 08/03/2018 - doc. n.º 27 junto com a P.I.;
U) Em 09/05/2018, o Presidente da JMM respondeu, mantendo a decisão de inexistência de qualquer nexo causal, alegando, em síntese, que as queixas da Autora prendem-se com dores no ombro direito, mas que a localização da lesão, no acidente de 26/06/2011, foi o cotovelo direito – doc. n.º 28 junto com a P.I.;
V) Através de requerimento de 23/05/2018, a A. insurgiu-se contra tal entendimento, tendo remetido parecer de perito médico a sustentar a sua posição – doc. n.º 29 junto com a P.I.;
W) Tendo a JMM mantido a sua posição anteriormente expressa em 09/05/2018 – doc. de fls. 30 junto com a P.I.;
X) O que foi comunicado à A. através de Ofício datado de 14/06/2018 – doc. n.º 30 junto com a P.I..
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Direito
Da caducidade do direito de acção.
Estatui o art.º 48.º do regime jurídico dos acidentes em serviço, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro:
1- “O interessado pode intentar, no prazo de um ano, nos tribunais administrativos, acção para reconhecimento do direito ou interesse legalmente protegido contra os actos ou omissões relativos à aplicação do presente diploma, que segue os termos previstos na lei de processo nos tribunais administrativos e tem carácter de urgência.
2- (…)
3- O prazo referido no n.º 1 conta-se:
a) Da data da notificação, em caso de acto expresso;
b) Da data da formação de acto tácito de indeferimento da pretensão formulada.”

Provam os autos que, em 09/06/2016, em consulta de medicina do trabalho, a A. foi tida como “apta, sem condicionalismos”, para poder trabalhar na função actual de auxiliar de serviços gerais, mantendo apenas as recomendações ligadas aos serviços moderados e à prática da hidroterapia e que, através de Ofício da CML datado de 29/06/2016, foi comunicado à A. que o procedimento de doença profissional tinha sido arquivado em 25/05/2012.
Em 17/05/2017, através de consulta do P.A., a A. ficou a conhecer o estado do procedimento, nomeadamente que ainda não havia sido fixada qualquer incapacidade pela CGA.
Através de Ofício datado de 18/08/2017, o Município Recorrido informou a Recorrente que não lhe tinha sido atribuída qualquer incapacidade em resultado do acidente de serviço de 26/06/2011, por sofrer de patologia pré-existente no ombro do braço direito, ocorrida em 2010.
Perante tais factos e ainda que se considerasse apenas a data de notificação da decisão que consta do referido Ofício datado de 18/08/2017, há que concluir que, à data de entrada da P.I. no Tribunal (18/12/2018), já tinha decorrido o prazo de um ano para impugnação da decisão de não atribuição de qualquer incapacidade pelo acidente ocorrido em 26/06/2011.
Significa isso que, nos termos do n.º 1 do art.º 48.º do regime jurídico dos acidentes em serviço, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, caducou o direito de acção relativamente a tal decisão, pelo que a sentença recorrida não merece qualquer reparo nesta parte.
Verifica-se ainda que a Recorrente requereu a realização de junta médica nos termos do art.º 24.º do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro, que confere o direito do trabalhador requerer, no prazo de dez anos a contar da alta, a sua submissão à junta médica se considerar existir uma situação de recidiva, agravamento ou recaída.
Em tal requerimento alegou sofrer de agravamento da sua situação de saúde, tendo junto parecer médico relativo à patologia do ombro direito.
A JMM deliberou não aceitar o pedido de recaída por considerar inexistir qualquer nexo de causalidade entre o acidente de Junho de 2011, de que terá decorrido uma lesão no cotovelo direito e as queixas apresentadas no ombro direito, onde reconhece a existência de uma patologia, mas imputável ao acidente que a Recorrente sofreu em 03/09/2010.
No presente processo a ora Recorrente insurge-se também contra tal entendimento, alegando que, posteriormente a 2011, fez duas cirurgias ao ombro direito, o qual apresenta limitações funcionais e é causa das dores e incómodos que refere, defendendo que lhe deve ser fixado um grau de incapacidade.
Através do pedido formulado na P.I. sob a al. B., a Recorrente pede a condenação do Recorrido a comunicar o acidente de Junho de 2011 à CGA para efeitos de “verificação e confirmação da incapacidade dele decorrente”, nos termos do art.º 9.º, n.º 3, al. e) e art.º 20.º, n.º 5 do regime jurídico aprovado pelo DL n.º 503/99, de 20 de Novembro, que são as normas que, por força do n.º 2 do art.º 24.º do mesmo regime jurídico, são de aplicar no âmbito da reabertura do procedimento em consequência do reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída.
A dedução de tal pedido é tempestiva, uma vez que foi observado o prazo de um ano a contar de Março de 2018, altura em que a Recorrente teve conhecimento da deliberação da JMM que não aceitou o pedido de recidiva, agravamento e recaída [cfr. alíneas e), r), s) e t) do probatório], pelo que não se verificou a caducidade do direito de acção relativamente a esse pedido (a acção foi intentada em 18/12/2018) – cfr. n.º 1 do art.º 48.º do regime jurídico dos acidentes em serviço, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de Novembro.

Da falta de interesse em agir quanto ao pedido formulado na P.I. sob a al. A.
Defende ainda o Recorrido que a Recorrente não tem interesse na formulação do primeiro dos pedidos por ela apresentados na P.I. (condenação do Recorrido a reconhecer e qualificar o acidente de Junho de 2011 como acidente em serviço,) por tal reconhecimento ter sido efectuado através de despacho de 22/07/2011, pelo Chefe de Divisão da DSHS.
Tal excepção foi deduzida na Contestação.
A sentença recorrida não a conheceu.
No entanto, a sentença recorrida não errou ao não proceder a tal conhecimento, uma vez que o mesmo ficou prejudicado em resultado da caducidade do direito de acção que se verifica quanto a esse pedido.
Com efeito, decorreu mais de um ano desde a data de notificação, à Recorrente, da decisão de arquivamento do processo aberto na sequência do acidente de Junho de 2011 (ofício datado de 29/06/2016) e inclusivamente desde a data em que esta teve conhecimento que não tinha sido fixada qualquer incapacidade pela ocorrência de tal acidente (17/05/2017) e a data de interposição da presente acção (18/12/2018) - cfr. als. e) m), n), o), p) do probatório.
Em tais circunstâncias não há qualquer interesse em conhecer da referida excepção.

Da inadmissibilidade de dedução, no presente processo, do pedido indemnizatório dos danos de natureza não patrimonial.
A Recorrente deduziu ainda um pedido indemnizatório alegando ter sofrido danos de natureza patrimonial suportados com consultas médicas, exames e transportes e ainda danos de natureza não patrimonial.
Na Contestação, foi excepcionada a inadmissibilidade de dedução, no presente processo, do pedido indemnizatório dos danos de natureza não patrimonial.
Na sentença recorrida não se conheceu de tal excepção, requerendo o Recorrido, nas contra-alegações que apresentou, que se declare a sua procedência.
O art.º 149.º do CPTA permite que se conheça da mesma.
O pedido indemnizatório pode ser deduzido desde que, de acordo com a lei substantiva, ainda não se tenha verificado a prescrição do direito à indemnização, não obstando a tal conhecimento a circunstância do acto administrativo que se tem por ilícito já não poder vir a ser eventualmente impugnado – art.º 38.º e 41.º, ambos do CPTA e artigos 5.º, 7.º e 8.º do RRCEE.
Por outro lado e contrariamente ao defendido pelo Recorrido, é possível cumular os pedidos de condenação à prática de acto e o pedido indemnizatório deduzidos, pois a circunstância de estarmos perante uma acção administrativa prevista em legislação avulsa, que tem natureza urgente, não obsta a tal cumulação (art.º 5.º, n.º 1 do CPTA), acrescendo ainda que se verifica parcial coincidência quanto à matéria de facto a apreciar (desde logo, as circunstâncias em que ocorreu o acidente, danos daí emergentes e incapacidade que a Recorrente apresenta) – cfr. art. 4.º, n.º 1, al. a) do CPTA.

Da prescrição do direito de indemnização.
Estatui o n.º 1 do art.º 498.º do CC que:
“1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.”
A generalidade da doutrina e da jurisprudência tem entendido que o lesado tem “conhecimento do direito que lhe compete” a partir do momento em que tem a percepção empírica dos pressupostos constitutivos da obrigação de indemnização, sendo que “… este conhecimento não implica um conhecimento jurídico, bastando que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, ou seja, que foi praticado um acto que lhe causou danos, ou melhor ainda, que o lesado esteja em condições de formular um juízo subjectivo, pelo qual possa qualificar aquele acto como gerador da responsabilidade civil e seja perceptível que sofreu danos em consequência dele.” - cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 22/06/2017, no âmbito do proc.º n.º 08572/12, acessível em www.dgsi.pt. Veja-se ainda sobre a questão, entre outros, os Acórdãos do STA de 04-12-2002 (Processo n.º 01203/02), de 07-05-2003 (Processo n.º 01067/02), de 06-07-2004 (Processo n.º 0597/04 e o Acórdão do STJ de 18/04/2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, ano X, T. II, 2002, pág. 35, o acórdão desse mesmo Tribunal de 23/06/2016, proc.º n.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1 e a doutrina aí referida, acessível no sítio www.dgsi.pt, podendo ainda consultar-se Rui Pinto, in “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades públicas: comentários à luz da jurisprudência, AAFDL, 2017, pág. 352 e segs..
No caso, a Recorrente alega que sofreu danos de natureza patrimonial suportados com o custo de consultas médicas, exames e estacionamento de transporte. Diz que incorreu nestes custos com vista a obter “segundas opiniões médicas, face à insatisfação pela assistência médica prestada pela Ré” e também para “sustentar os seus pedidos de realização de Juntas Médicas Municipais, como requisito legal prévio”.
Diz ainda sofrer danos de natureza não patrimonial por, em síntese, ter dores permanentes que lhe provocam sofrimento e tristeza e que o arrastar da situação por parte do Recorrido “que insiste em não resolver o assunto com a participação do acidente à CGA, para ser determinada a incapacidade e a Autora devidamente enquadrada em termos profissionais e remuneratórios, causa-lhe também uma enorme angústia e ansiedade”.
Os autos não contêm matéria de facto fixada que permita desde já o conhecimento da excepção de prescrição, pois, como se viu e entre o mais, há que determinar o momento em que a Recorrente teve conhecimento empírico dos pressupostos da responsabilidade civil e, portanto, desde quando é que tinha condições para formular um juízo quanto à possibilidade de obter um ressarcimento pelos danos decorrentes da actuação do Recorrido.
Por outro lado, a determinação dos danos está pendente da produção de prova.
O art.º 149.º do CPTA confere ao TCAS o poder de proceder à realização de diligências instrutórias e conhecer do mérito do pedido.
No entanto e como refere a doutrina “essa eventualidade apenas se colocará se se tratar de diligências complementares de prova que possam ser realizadas oficiosamente pelo tribunal, e não já quando a decisão de mérito envolva uma complexa indagação que justifique a prévia elaboração do despacho de prova (cfr. artigo 89.º-A e notas); neste último caso, parece aconselhável sustar a apreciação de mérito e ordenar a baixa do processo para que seja reformulado o despacho saneador, na sequência da revogação, no âmbito do recurso, da decisão que declarou a absolvição da instância.” – cfr. Aroso de Almeida, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 4º ed., pág. 1137.
Refere ainda o mesmo Professor, a pág. 1139 da referida obra, que a realização de diligências instrutórias no tribunal de recurso “parece pressupor, contudo, que o processo se encontre saneado e condensado e que tenha sido proferido o despacho de prova e admitidos os requerimentos de prova. Isso, a menos que as diligências a realizar sejam apenas aquelas que o tribunal de recurso entenda efetuar oficiosamente, em vista a apurar os aspectos de facto relevantes para a apreciação da questão (cfr. nota 3 ao artigo 90.º). Na verdade, se a apreciação, no recurso, de questões não conhecidas na sentença implicar a elaboração de despacho de prova, por existir matéria controvertida de grande complexidade que se encontre necessitada de prova, cabe ao tribunal de recurso mandar baixar o processo, para efeito de serem praticados os correspondentes atos processuais”.
No caso, a sentença recorrida foi proferida no âmbito do despacho saneador, sem que o processo se encontrasse condensado, nem tivesse sido proferido qualquer despacho sobre os meios de prova requeridos.
A A., ora Recorrente, para além da prova documental que juntou, indicou um rol de testemunhas a serem inquiridas, requereu que fosse ouvida em declarações de parte e requereu a realização de prova pericial médico-legal para demonstração da incapacidade funcional que apresenta e do grau e avaliação do quantum doloris.
Em tais circunstâncias, devem os autos baixar ao tribunal a quo para aí prosseguir a instância.

Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em:
- julgar a parcial procedência do recurso, por não se verificar a caducidade do direito de acção quanto ao pedido de verificação da incapacidade resultante da recidiva, agravamento ou recaída (alínea B. do pedido);
- não conhecer da excepção de falta de interesse em agir quanto ao pedido de condenação do Recorrido a reconhecer e qualificar o acidente ocorrido em 26/06/2011 como acidente em serviço (alína A. do pedido), por tal se encontrar prejudicado por força da procedência, nessa parte, da excepção de caducidade do direito de acção;
- julgar admissível a cumulação do pedido indemnizatório com os restantes pedidos;
- determinar a remessa dos autos ao Tribunal a quo para prosseguimento da instância, nomeadamente para conhecimento da excepção de prescrição, se nada mais a tal obstar.

Custas pelo Recorrido e pela Recorrente, em partes iguais – art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, art.º 4.º, n.º 1, al. h), a contrario sensu e art. 25º, n.º 1, do DL n.º 34/2008, de 26/2, que revogou todas as pretéritas isenções de custas que o RCP não manteve, designadamente a prevista no art. 48º, n.º 2, do DL n.º 503/99, de 20/11.
Lisboa, 10 de Outubro de 2019

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Jorge Pelicano

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Ana Celeste Carvalho

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Catarina Jarmela