Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:91/21.0BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:07/08/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:PENHORA.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
Sumário:Não constitui motivo de rejeição liminar de processo cautelar a mera pendência de processo judicial – no caso embargos de terceiro -, que incidindo sobre o mesmo acto ou actuação administrativos, tem a viabilidade e desfecho em aberto no momento da decisão daquele.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

R..................... veio interpor processo cautelar comum, com vista à determinação do levantamento de penhora no valor de €730,00 e sua devolução ao requerente, assim como o decretamento da «inversão do contencioso, com a consequente dispensa do requerente na propositura da acção principal de embargos de terceiro de que a providência estaria dependente», ao abrigo do disposto no artigo 371.º/1, do CPC.
Por meio de despacho de 16.03.2021, o tribunal tributário indeferiu liminarmente a providencia cautelar requerida. O requerente interpôs recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as conclusões seguintes:
i) O artigo 20.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) determina, lato sensu, que “[a] todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”.
ii) Função preventiva das providências cautelares conduz a que estas assumam como características típicas, decorrentes da sua própria natureza, a instrumentalidade e a provisoriedade.
iii) A característica da provisoriedade não pode atropelar os direitos fundamentais nem servir de impedir o acesso à justiça.
iv) Além do mais, o normativo legal em vigor encontra outras soluções para o caso concreto.
v) É notório que os Tribunais se encontram com os prazos suspensos e que vivemos uma situação de pandemia.
vi) O recorrente, como demonstrou nos autos, encontra-se impedido de trabalhar e por essa razão recebe o apoio extraordinário à redução de atividade económica, no âmbito da Lei 10-A/2020 de 13 de março (que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19).
vii) No caso em apreço, a presente providência visa, acima de tudo, garantir a existência de um sujeito processual até à decisão final do processo principal.
viii) O recorrente sujeito a uma situação em que os danos serão permanentes e irreversíveis...
ix) não tem, atualmente, qualquer fonte de rendimento.
x) Alias, a única que tinha - apoio extraordinário à redução de atividade económica - foi-lhe retirada, através de uma penhora, num período de pandemia, quando nem é executado.
xi) É inegável perante a prova existente nos autos que o valor ora penhorado é insuscetível de ser penhorado e que a sua propriedade não pertence à executada, mas sim ao recorrente.
xii) Em suma, a Constituição da República Portuguesa acolhe o Princípio da Tutela Judicial Efetiva, nos seus artigos 20.º e 268.º, que se encontra expressamente previsto no contencioso administrativo. Todavia, deste conjunto normativo não resulta, de per si, um mecanismo garantido para os administrados, pois, é necessário que se encontrem criadas as condições necessárias para que as mesmas possam operar.
xiii) O processo cautelar traduz-se num mecanismo processual necessário à concretização do Princípio da Tutela Judicial Efetiva, que procura ser justo e equitativo para todos os interesses envolvidos, de forma a que a resposta dada pela tutela cautelar crie a menor quantidade de lesões e/ou prejuízos possível, de forma a evitar a criação de situações irreversíveis ou de difícil reparação.
xiv) Por todo o exposto, a douta Sentença recorrida no entendimento que faz à característica da provisoriedade, no caso concreto, é inconstitucional por clara violação do Princípio da Tutela Judicial Efetiva.
xv) Além do mais, no âmbito da tutela cautelar o Tribunal fase à evidência nos autos, traduzida por toda a prova aí existente e pela gritante situação em que o recorrente se encontra, deveria sempre convolar o procedimento cautelar em decisão final.
xvi) O legislador na reforma de 2002, veio permitir a convolação do procedimento cautelar em decisão final, desde que exista um processo principal intentado, se verifique que foram trazidos ao processo cautelar todos os elementos necessários para o efeito e a simplicidade do caso ou a urgência na sua resolução definitiva o justifique.
xvii) Nestes termos, in casu, em respeito pelo dever de gestão processual e do princípio de economia processual, deveria ter-se na douta Sentença recorrida, ouvidas as partes, convolado o procedimento cautelar em decisão final.
xviii) Pelo exposto, deve conceder-se provimento ao presente recurso e revogar-se a decisão recorrida, deferindo-se liminarmente a presente providência cautelar, devendo os autos prosseguir os ulteriores termos até final.
xix) A douta Sentença viola os seguintes artigos: 20.º e 268.º, da Constituição da República Portuguesa, 6.º e 547.º, do Cód. Proc. Civil e 112.º e 121.º do Cód. de Processo nos Tribunais Administrativos.»
X
A Fazenda Pública não contra-alegou.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
X
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação.
2.1. Factos
Foram fixados os factos seguintes:
1. Em 01.03.2021, o recorrente apresentou junto do Instituto da Segurança Social pedido de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação de patrono – Req. de 11.05.2021 e doc. junto com as alegações de recurso.
2. Em 10.03.2021, foi intentado o presente processo cautelar – petição inicial.
3. Em 21.03.2021, foi remetido ao mandatário do recorrente ofício de notificação do despacho de deferimento do pedido de apoio judiciário – doc. junto com as alegações de recurso.
4. O recorrente requereu apoio extraordinário à redução da actividade económica, no âmbito da Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março – doc. 1 junto com a petição inicial.
5. Na sequência do deferimento do pedido referido na alínea anterior, foi ordenado o pagamento ao recorrente do montante de €1755,60 – doc. 1 junto com a petição inicial.
6. O pagamento referido na alínea anterior foi efectuado para a conta bancária com o NIB PT………….., nos termos seguintes: 30/04/2020 - €438,90 // 31/05/2020 - €438,90 // 30/06/2020 - €438,90 // 30/09/2020 - €438,90
– doc. 1 junto com a petição inicial.
7. A titular da conta bancária da CGD – Castelo Branco, n.º .................... é M.................. – doc. 2 e 3 junto com a petição inicial.
8. No âmbito do processo de execução fiscal n.º ..............., que corre termos no S. F. de Castelo Branco – 1, em 22.11.2020, em que é executada M.................., foi penhorado o montante de €730,99, da conta bancária da CGD – Castelo Branco, n.º .................... - – doc. 3 junto com a petição inicial.
9. Em 25.01.2021, o recorrente intentou embargos de terceiro, pedindo que seja restituída ao embargante a quantia de €730,99, bem como os juros legais vencidos e vincendos sobre tal quantia, desde a penhora até à sua restituição, declarando-se sem efeito a penhora que sobre tal quantia incidiu – sitaf.
10. O processo referido na alínea anterior encontra-se pendente.
11. O despacho liminar em crise não fixou matéria de facto relevante. Para rejeitar, liminarmente, a petição inicial, referiu, em síntese, que: «No caso dos autos, o pedido formulado pelo requerente, consubstanciado no levantamento da penhora executiva, coincide com o pedido característico do processo de embargos de terceiros, pelo que, caso o tribunal deferisse a providência requerida estaria a regular definitivamente a situação, nada restando para o processo principal. // Ou seja, o pedido formulado pelo requerente é característico de um processo de principal, mas não de uma providência cautelar que visa regular provisoriamente uma situação. // Deste modo, verifica-se que a presente providência cautelar não apresenta a característica de provisoriedade, porquanto o seu decretamento traduzir-se-ia, de imediato, em decisão final, deixando o requerente de necessitar de tutela definitiva. // Em conclusão, a concreta providência requerida, por falta de provisoriedade em relação ao processo principal, não corresponde a uma medida cautelar, verificando-se, assim, uma manifesta falta de fundamento da pretensão formulada, devendo, como tal, ser liminarmente indeferida, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 116.º do CPTA».

X


2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa em que terá incorrido a sentença recorrida, ao não decretar a providência cautelar requerida de levantamento da penhora em apreço.

2.2.2. O recorrente sustenta, em síntese, que o entendimento veiculado no despacho recorrido é contrário ao princípio da tutela judicial efectiva, porquanto a rejeição da providência requerida implica a criação na sua esfera jurídica de um prejuízo irreparável.

Vejamos.

Dos autos resulta que o recorrente deduziu embargos de terceiro contra a penhora do montante em apreço, requerimento que foi admitido liminarmente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, no âmbito do P. n.º 35/21.0BECTB e que se encontra pendente. No âmbito do mesmo, o recorrente formulou o pedido de restituição ao embargante da quantia de €730,99, bem como os juros legais vencidos e vincendos sobre tal quantia, desde a penhora até à sua restituição, declarando-se sem efeito a penhora que sobre tal quantia incidiu. De acordo com o artigo 237.ª/1, do CPPT, cabe embargos de terceiros quando impende penhora ou qualquer outro acto de apreensão ou entrega de bens que ofenda «a posse ou qualquer outro direito incompatível com a realização ou o âmbito da diligência de que seja titular um terceiro, pode este fazê-lo valer por meio de embargos de terceiro».

Nos presentes autos, o recorrente pretende o levantamento provisório da penhora com vista a prevenir a ocorrência de danos irreversíveis na sua esfera jurídica, determinados pela execução da penhora questionada. Ou seja, ao abrigo do disposto no artigo 97.º/3/a), do CPPT e do artigo 120.º/1, do CPTA, o recorrente invoca o «receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal», bem assim como a probabilidade de que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente».

Não são idênticas, nem se sobrepõem, seja a presente pretensão cautelar, seja a pretensão deduzida ao abrigo dos embargos de terceiro. No presente processo, o recorrente invoca a situação de necessidade em face da crise pandémica e da sua dependência em relação aos apoios recebidos no âmbito da Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março (que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19), concretamente, que os apoios em causa visam garantir a sua subsistência, nos meses em que tem a sua actividade laboral reduzida, pelo que requer a restituição da quantia penhorada tendo em vista a situação de necessidade em que se encontra. No processo de embargos de terceiro, o recorrente invoca direito incompatível com a efectividade da penhora em causa, porquanto o mesmo não foi citado na execução em apreço e o montante em causa é seu. Por outras palavras, o deferimento do pedido cautelar de levantamento provisório da penhora da quantia em causa em nada contende com a procedência ou improcedência do processo de embargos de terceiro, dado o carácter provisório e instrumental daquele. O mesmo não contende, nem esgota o objecto da acção principal. Uma coisa é o levantamento provisório da penhora da quantia em apreço, por esta ser necessária à subsistência da pessoa que invoca a sua titularidade; outra coisa, é o decretamento do levamento da penhora, por a mesma contender com direito incompatível do embargante. A tutela garantida pelo meio processual cautelar tem em vista garantir a efectividade da decisão do processo de embargos de terceiro, ao obviar à criação de uma situação de facto consumado para o recorrente adveniente da falta de meios de subsistência que a subtracção do único rendimento disponível implica.

De onde se impõe concluir que não existe sobreposição de pedidos e de causa de pedir nos processos em confronto.

É ainda de notar que, no caso concreto, à data em que foi proferida a sentença a quo não existiam elementos bastantes nos autos que permitissem assentar no acautelamento da pretensão do interessado, tal como por si configurada, no processo principal. Acresce que o mesmo se encontrava a tramitar e está pendente, não existindo fundamento para declinar o conhecimento da providência com base num processo em relação ao qual existe incerteza quando à continuidade e desfecho do mesmo para tutelar a pretensão do interessado.

Em face do exposto, o despacho recorrido incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser revogado e substituído por decisão que não rejeite liminarmente a petição inicial em exame, com base no fundamento referido.

2.2.3. O recorrente pede o deferimento liminar da presente providência cautelar, devendo os autos prosseguir os ulteriores termos até final. Mais requer a convolação dos autos cautelares no processo de decisão final.

O regime do processo cautelar tributário em favor do contribuinte decorre, actualmente, do regime vigente no âmbito do Código do processo nos tribunais administrativos (artigos 112.º a 127.º do CPTA, ex vi artigo 97.º/3/a), do CPPT), pelo que o disposto no preceito do artigo 121.º do CPTA (“Decisão da causa principal”) teria aplicação ao caso em exame. No entanto, tal como se referiu no ponto anterior, os autos não documentam todos os elementos necessários para decidir sobre a ilegalidade da penhora, nos termos formulados pelo recorrente na petição de embargos de terceiro. Importa, pois, realizar ulterior prova para apurar do bem fundado da pretensão em apreço, a qual será de realizar no processo principal de embargos de terceiro.

O mesmo se deve dizer no que respeita ao pedido de levantamento provisório da penhora da quantia em apreço. Tendo em conta o disposto no artigo 97.º/3/a), do CPPT, importa, nestes autos, aferir do preenchimento dos requisitos de concessão da providência de levantamento provisório da penhora em apreço, à luz do disposto no artigo 120.º/ 1 e 2, do CPTA, seja no que respeita ao periculum in mora, seja no que respeita ao fumus bonis juris, seja no que respeita ao requisito da proporcionalidade da providência. Faltam elementos no probatório que permitam afiançar do preenchimento dos pressupostos em exame, pelo que os autos devem baixar à instância para a realização de ulteriores diligências instrutórias que permitam dar como provados factos que possibilitem a integração dos critérios do preceito do artigo 120.º do CPTA, com vista à outorga ou à recusa da providência cautelar em exame.
Termos em que se julga procedentes as presentes conclusões de recurso.


Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar o despacho impugnado e ordenar baixa dos autos com vista ao proferimento de decisão que conheça do fundo da causa cautelar.
Custas pela recorrida, sem prejuízo da dispensa de taxa de justiça, dado não ter contra-alegado.
Registe.
Notifique.


O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.
(Jorge Cortês - Relator)