Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2145/21.4BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/12/2022
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
INSUFICIÊNCIA DE BENS PENHORÁVEIS
PROVA
Sumário: I - Nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da LGT o pedido de dispensa de prestação de garantia depende de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar que (i) a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
II - Recai sobre o Requerente o ónus de alegar e provar os pressupostos da dispensa de prestação da garantia assente quer na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem C......, S.A., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação deduzida ao abrigo do art. 276º do Código de Procedimento e de Processo Tributário contra a decisão proferida pelo órgão de execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal nº 3255……, que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia.

A sentença recorrida considerou que a Reclamante não cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia quanto aos requisitos previstos no nº 4 do art. 52º da LGT.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que negou provimento à reclamação judicial que a ora Recorrente apresentara relativamente ao despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do art. 52.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), com referência ao processo de execução fiscal instaurado para cobrança de dívida de IRC de 2016.

B. Com efeito, o Meritíssimo Juiz a quo concluiu que, tal como fora alegado pela Autoridade Tributária (“AT”), a Recorrente não comprovou a manifesta falta de meios económicos, relevada pela insuficiência de bens penhoráveis. Pelo contrário.

C. Para o Tribunal a quo, do elenco de factos provados, mais concretamente os pontos i), k), l), n) e o), resulta evidenciada a titularidade de activos pela Recorrente pelo que a decisão de indeferimento está devidamente enquadrada e fundamentada, não lhe sendo imputável qualquer ilegalidade.

D. A Recorrente não se conforma com esta decisão que teve por base uma insuficiente análise dos elementos probatórios apresentados pela Recorrente, levando à conclusão errada, por parte da AT e do Tribunal a quo, quanto à alegada existência de bens de valor suficiente para garantir a dívida exequenda e à não comprovada manifesta falta de meios económicos nos termos legalmente exigidos.

E. Na verdade, tendo em conta o alegado pela Recorrente em sede de reclamação e a respectiva documentação de suporte, caberia ao Tribunal a quo fazer uma análise da informação disponibilizada, concatenando os diversos elementos e confrontando-os entre si por forma a obter a visão global da situação patrimonial e financeira da Recorrente fiscalmente relevante.

F. Só assim estaria o Tribunal em condições de tomar uma decisão justa e fundamentada e de avaliar se o indeferimento da AT é justificado e, nessa medida, legal.

G. Em primeira linha, haverá que corrigir o ponto i) do elenco de factos provados, de modo a permitir a individualização das diversas rubricas que compõem o activo da Recorrente.

H. Assim, o ponto i) do elenco de factos provados deve ser corrigido nos seguintes termos:
“i) Do balancete referente a março de 2021 da Reclamante (cfr. Doc. 2 da reclamação e respectivos anexos) consta a seguinte informação:
- Caixa – Saldo Devedor – 3.462,24
- Depósitos à ordem – Saldo Credor – 97.909,92
- Investimentos Financeiros - 631.919,71
- Propriedades de Investimento - 348.261,99
- Activos Fixos Tangíveis - 1.576.490,30
- Activos intangíveis - 33.222,68
- Investimentos em curso - 3.757.600,00
Resultado líquido do período – 132.048,69”

I. Após esta correcção, e para não haver quaisquer dúvidas, deveria o Tribunal a quo ter feito uma análise concreta de cada uma das rubricas do activo identificadas para avaliar do respectivo valor e da respectiva penhorabilidade porque é precisamente essa a análise de que se impõe.

J. A norma em causa apela, assim, à análise do património do contribuinte numa dupla vertente que tem conta (i) o seu valor e (ii) a sua penhorabilidade, na medida em que se o património apresentado não tiver valor efectivo ou não for penhorável, se poderá concluir pela manifesta falta de meios.

K. Ora, era esta análise que se exigia ao Tribunal a quo que fizesse, tendo em conta o teor da reclamação deduzida e as alegações da Recorrente e a refutação das mesmas por parte da AT. Salvo o devido respeito, nada disto foi feito.

L. No entender da Recorrente, a documentação junta aos autos justifica que seja incluída no elenco de factos provados diversa matéria relevante para a análise que se impõe, quer quanto (i) ao valor quer quanto (ii) à penhorabilidade dos activos identificados pela AT no despacho reclamado.

M. Quanto ao valor das propriedades de investimento, o Tribunal a quo alega apenas que a Recorrente não alegou ou comprovou o valor em dívida e valor garantido pela hipoteca.

N. Ora, tal afirmação não pode deixar de se reputar, com o devido respeito, como falsa.

O. Na verdade, conjugando as certidões de registo predial apresentadas - em especial no que se refere à identificação dos credores (M……) e descrição da amplitude das hipotecas constituídas - com o balancete de Março de 2021 junto (cfr. anexos ao Doc. n.º 2 da reclamação), resulta comprovado que o passivo correspondente a créditos garantidos pelas hipotecas ainda em dívida ascende a € 7.735.753,83 (sete milhões setecentos e trinta e cinco mil setecentos e cinquenta e três euros e oitenta e três cêntimos) (cfr. saldo das Contas 2511101, 2511103 e 2511201).

P. Aos ditos montantes, acresce o valor em dívida à Segurança Social e, também, garantido pelas hipotecas registadas sobre os imóveis propriedade da Recorrente (4 prédios e 8 fracções, e 16 prédios e 8 fraçcões, respectivamente), conforme certidões prediais juntas aos autos como anexo ao Doc. n.º 2, no montante de € 493.085,12 (quatrocentos noventa e três mil e oitenta e cinco euros e doze cêntimos), devidamente registado na Conta 2459 (Segurança Social - Planos Prestacionais).

Q. Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a Recorrente comprovou os valores das hipotecas ainda pendentes de regularização e que, nessa medida, justificam que não seja atribuído qualquer valor relevante aos imóveis enquanto activo penhorável.

R. Improcede, por isso, o entendimento do Tribunal a quo no sentido de que “(…) a Reclamante não alega nem comprova que o valor em dívida e o valor garantido pela hipoteca, esgota as potencialidades dos imóveis revelarem meios económicos disponíveis (…)”.

S. Em face do exposto, e por se revelar essencial à análise da situação patrimonial da Recorrente, deve ser aditado ao elenco de factos provado o seguinte ponto:
p.Conforme resultado balancete de Março de 2021 (cfr. anexo ao Doc. n.º 2 da reclamação), a Reclamante apresenta os seguintes passivos garantidos por hipotecas devidamente registadas:
- M… 216…..– 5.000.000,00
- M… -92… – 697.024,47
- Segurança Social – PERES – 403.075,79

T. No que se refere ao valor dos activos fixos tangíveis, parte significativa do valor registado corresponde a bens imóveis e obras de beneficiação, como se retira da conjugação das seguintes Contas:
- 431 (Terrenos e Recursos Naturais): € 455.254,27
- 432 (Edifícios e Outras Construções): € 2.685.046,74
- 4382 (Depreciações Acumuladas-Edifícios e Outras Construções): € 1.672.286,66.

U. Considerando que os imóveis propriedade da Recorrente estão todos hipotecados a diversos credores pelos valores indicados nos pontos anteriores, não terão qualquer valor enquanto garantia.

V. E os valores contabilizados como obras de beneficiação – quer nos imóveis próprios, quer nos imóveis arrendados – correspondem a um activo contabilístico não penhorável, como certamente não se contestará.

W. Da análise do mapa de depreciações e amortizações junto pela Recorrente e integrante dos autos (cfr. anexo ao Doc. n.º 2 da reclamação), constata-se, efectivamente, que o valor mais relevante dos activos fixos tangíveis ainda não totalmente amortizado, corresponde efectivamente a obras de beneficiação e remodelação.

X. Ora, dúvidas não existirão, quanto à impenhorabilidade deste activo contabilístico (obras de beneficiação e remodelação).

Y. Em face do exposto, e por ser mais claro e corresponder à visão completa da informação documentada nos autos, ao elenco de factos provados deve ser acrescentado o seguinte ponto:
i.1) O valor de activos fixos tangíveis indicado corresponde a bens imóveis, incluindo obras de beneficiação, com valor líquido de € 1.468.155,07 (um milhão quatrocentos e sessenta e oito mil cento e cinquenta e cinco euros e sete cêntimos) (cfr. balancete e mapa de amortizações e depreciações anexos ao Doc. n.º 2 da reclamação);

Z. Por fim, os activos intangíveis e dos investimentos em curso correspondem a activos contabilísticos não penhoráveis, mais concretamente a, respectivamente, licenças de programas de computador e de reserva de espaço, e adiantamentos efectuados no âmbito de contratos promessa de aquisição de imóveis em Palmela e no Cartaxo (ou seja, posições contratuais em contratos que, pela sua própria, natureza e características não serão penhoráveis).

AA. Nessa medida, feita uma detalhada análise dos valores de activos alegados pela AT e justificados pela Recorrente, caberia ao Tribunal a quo ter incluído no elenco de factos provados a origem de tais valores, nos seguintes termos:
i.2) O valor de activos fixos intangíveis indicado corresponde, essencialmente, a licenças de programas de computador com valor líquido de € 32.142,25 (trinta e dois mil cento e quarenta e dois euros e vinte e cinco cêntimos) (cfr. balancete ao Doc. n.º 2 da reclamação);
i.3) O valor dos investimentos em curso indicado corresponde a adiantamentos no âmbito de contratos promessa de aquisição de imóveis em Palmela e no Cartaxo (cfr. balancete ao Doc. n.º 2 da reclamação).

BB. De tudo o que vem exposto supra, resulta por demais evidente que o Tribunal a quo errou ao considerar que a Recorrente não apresentou qualquer informação ou elementos dos quais se pudesse retirar o “(…) valor garantido e do valor em dívida no âmbito das hipotecas voluntárias sobre os imóveis”, o “(…) valor dos veículos” e o “(…) saldos de contas bancárias de que é titular e proprietária”.

CC. Da mesma forma que errou ao concluir que a Recorrente “não concretiza de que modo os ativos fixos intangíveis [é a Reclamante que assume deter posições contratuais em contratos promessa de compra e venda de imóveis] e os ativos fixos tangíveis [constando do balancete em ativos fixos tangíveis um valor de 1.576.490,30€], são suscetíveis de revelar a falta manifesta de meios económicos”.

DD. Toda esta informação resulta quer das certidões de registo predial, quer do balancete junto, a analisar em detalhe juntamente com o mapa de imobilizado e o mapa de depreciações e amortizações, documentos juntos como anexos ao Doc. n.º 2 da reclamação.

EE. A informação que o Tribunal a quo alega estar em falta resulta da conjugação dos referidos elementos probatórios, razão pela qual a Recorrente considera que o elenco de factos provados deve ser corrigido e ampliado nos termos supra expostos.

FF. A documentação junta pela Recorrente em sede de processo de execução permite concretizar valores e a diversa natureza dos activos, sendo suficiente e idónea para infirmar por completo a posição do Tribunal a quo que, como demonstrado, resultou de uma análise meramente superficial dos elementos disponibilizados.

GG. Tendo por base este elenco de factos provados ajustado e representando uma análise mais detalhada e profunda da situação patrimonial da Recorrente, o Tribunal a quo seria levado a decidir pelo provimento da reclamação deduzida pela Recorrente e consequente revogação do despacho reclamado

HH. Em face de tudo o que vem exposto supra, conclui-se pela manifesta falta de meios económicos da Recorrente evidenciada pela insuficiência de bens penhoráveis, como alegado pela Recorrente desde o início de todo este processo.

II. Feito o completo e correcto enquadramento factual e detalhada a situação patrimonial da Recorrente facilmente se conclui que a sentença ora recorrida deve ser revogada, como deve ser, também, revogado o despacho de indeferimento reclamado.

JJ. A Recorrente demonstrou a insuficiência de bens penhoráveis que permite indiciar a manifesta falta de meios económicos para garantir a dívida exequenda.

KK. Contrariamente ao que o Tribunal a quo concluiu, dos documentos apresentados – e devidamente analisados nos termos supra expostos - resulta evidenciado que o património detido pela Recorrente não tem valor suficiente para garantir a dívida exequenda tendo sido cabalmente cumprido o ónus probatório que impendia sobre a Recorrente no que se refere à demonstração da “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da quantia exequenda e acrescido”, como referido no n.º 4 do art 52.º da LGT.

LL. Na verdade, um saldo credor na Conta 12 (Depósitos à Ordem) representa um passivo e não um activo; daí que a própria AT não tenha feito qualquer menção a fundos monetários na decisão de indeferimento proferida (cfr. ponto 25 da decisão reclamada junta como Doc. n.º 3). Na decisão reclamada, a AT refere-se apenas a investimentos em subsidiárias e activos fixos tangíveis, desconsiderando os fundos monetários dado que, como resulta do balancete junto, são insignificantes.

MM. No que se refere aos imóveis propriedade da Recorrente – e contabilizados como propriedades de investimento e como activos fixos tangíveis – ficou demonstrada a insuficiência dos mesmos para garantir a dívida exequenda atento o facto de os mesmos se encontrarem onerados com mais do que uma hipoteca.

NN. Confrontando-se os valores actuais das dívidas garantidas pelas hipotecas com o valor patrimonial tributário dos imóveis – valor relevante para efeitos de prestação de garantia, nos termos da aplicação conjunta do art. 199.º-A do CPPT com o art. 13.º do Código do Imposto do Selo – fácil se torna concluir pela insuficiência dos bens para garantir a dívida.

OO. Já quanto aos demais elementos do activo ficou patente que os valores contabilísticos são isso mesmo, valores contabilísticos, que não representam nalguns casos qualquer activo penhorável.

PP. Exemplo disso mesmo são as obras de beneficiação e conservação ou as licenças de programas de computador.

QQ. Em face do exposto, torna-se por demais evidente que a Recorrente não possui bens penhoráveis que ascendam a € 238.730,75 (duzentos e trinta e oito mil setecentos e trinta euros e setenta e cinco cêntimos) como exigido pela AT para suspender o processo executivo.

RR. A tudo isto acresce que, quanto à provada existência de um estabelecimento comercial que seria penhorável, enquanto universalidade jurídica que integra vários elementos e que se apresenta devidamente organizado para a prática do comércio, nem a AT nem o Tribunal a quo justificam em que medida é que a sua existência infirma o alegado pelo Recorrente quanto à manifesta falta de meios para prestação de garantia.

SS. Na verdade, a Recorrente dedica-se à mediação de jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, estando a sua actividade sujeita ao Regulamento dos Mediadores dos Jogos Sociais do Estado, aprovado pela Portaria n.º 313/2004, de 23 de Março (“Regulamento”).

TT. Resulta do art. 10.º, n.º 1, b) do Regulamento que é causa de extinção da actividade de mediação a cessão de exploração ou transferência do estabelecimento do mediador sem o prévio conhecimento e autorização da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa enquanto entidade exploradora e licenciadora.

UU. Ou seja, se a transferência do estabelecimento não for previamente autorizada pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, esta pode fazer cessar unilateralmente a actividade de mediação desenvolvida pela Recorrente.

VV. E extinguindo-se a licença de mediação, o estabelecimento detido pela Recorrente não terá qualquer valor económico uma vez que não será apto ao desenvolvimento da actividade para o qual foi organizado.

WW. Com efeito, se a própria transmissão do estabelecimento pode implicar a perda da licença que permite desenvolver a actividade, então nenhum agente económico terá interesse em adquirir tal estabelecimento uma vez que poderá não ser autorizado o exercício da actividade para o qual esse mesmo estabelecimento foi organizado e constituído.

XX. Na prática, isto implica que o estabelecimento comercial não terá qualquer valor comercial / económico, para além do valor individual dos equipamentos e elementos corpóreos que o integram (valor do mobiliário e pouco mais) que, como demonstrado supra, é praticamente nulo e insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda e acrescido.

YY. Isto significa que o penhor do estabelecimento comercial detido pela Recorrente não será idóneo para efeitos garantístico pretendidos pela AT porque, em caso de execução da garantia - ou seja, em caso de execução do penhor com colocação à venda do estabelecimento comercial - este perderá o elemento essencial que é a licença de mediação emitida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

ZZ. Com efeito, no âmbito de uma venda judicial, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa nunca emitirá previamente uma autorização de transmissão “em branco”, ou seja, sem a concreta identificação do adquirente e especial avaliação da sua idoneidade.

AAA. Como não poderá deixar de ser reconhecido pela AT, o estabelecimento comercial da Recorrente valerá apenas e tão só pela licença de mediação emitida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que não integra esse mesmo estabelecimento comercial em caso de transmissão.

BBB. Nessa medida, e como resulta da experiência comum, se o valor do estabelecimento comercial resulta essencialmente de um direito que pode ser unilateralmente extinto por um terceiro em caso de transmissão, então esse estabelecimento não tem qualquer valor de mercado, ou seja, enquanto activo transacionável, comercialmente, o estabelecimento da Recorrente só tem valor enquanto a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa mantiver a licença; se esta for retirada – o que certamente acontecerá em caso de venda judicial – o estabelecimento deixa de ter qualquer valor.

CCC. Nessa medida, não poderá, no entender da Recorrente, ser considerada como activo penhorável com valor a considerar para efeitos de avaliação dos meios económicos da Recorrente.

DDD. Invocar a existência de um estabelecimento comercial, como fez a AT e faz o Tribunal a quo, sem que seja feita qualquer análise ponderada do respectivo valor, como a Recorrente fez em sede de reclamação, não é fundamento suficiente para afastar a invocada manifesta falta de meios económicos.

EEE. Em face do exposto, improcede a alegação do Tribunal a quo quando refere que o facto de a Recorrente ter um estabelecimento estável que é penhorável enquanto universalidade jurídica é prova de que não se verifica o disposto no n.º 4 do art. 52.º da LGT.

FFF. E tal alegação não faz prova porque, como resulta da lei, o que cabe à Recorrente demonstrar é a falta de meios económicos evidenciada pela insuficiência de bens penhoráveis para fazer face ao pagamento da dívida exequenda e acrescido.

GGG. Para efeitos de decisão do pedido de dispensa, a análise tem que ser vista em termos relativos, isto é, tendo em conta o valor da garantia a prestar e o valor dos activos detidos pelo executado.

HHH. Assim, o que compete à Recorrente comprovar é que o património de que dispõe não é suficiente para fazer face ao pagamento da dívida exequenda e acrescido, o que a Recorrente fez.

III. A Recorrente apresentou à AT todos os elementos e informação que, conjugados com os demais elementos ao dispor da própria AT, são adequados e suficientes para comprovar que a Recorrente não dispõe de bens que permitam garantir a quantia exequenda no valor fixado pela AT.

JJJ. A possibilidade teórica de constituição de penhor do estabelecimento comercial da Recorrente sem alegação, em concreto, de que tal garantia seria suficiente e idónea aos efeitos pretendidos não é suficiente para que o Tribunal a quo possa decidir em desfavor da Recorrente.

KKK. Note-se que, contrariamente ao que seria exigível à AT, esta não invocou qualquer valor indicativo para o estabelecimento comercial - o que poderia ter feito não só com base na informação disponibilizada pela Recorrente mas também na informação constante das bases de dados da AT e que a Recorrente está dispensada de comprovar - como forma de afastar o indício de falta de meios económicos da Recorrente.

LLL. No entender da Recorrente, estão - como estavam à data da submissão do pedido apresentado pela Recorrente - demonstrados e comprovados os requisitos para dispensa de prestação de garantia, nos termos do n.º 4 do art. 52.º da LGT, mais concretamente, a “manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”.

MMM. Para a AT poder, legalmente, indeferir o pedido de dispensa teria que ter invocado e demonstrado a existência de património de valor suficiente para assegurar o pagamento da quantia exequenda e acrescido,

NNN. ou a existência de fortes indícios de que a actual situação patrimonial e financeira da Recorrente teria sido o resultado de actuação dolosa da própria,

OOO. o que, facilmente, se concluiu não ter sido feito por parte da AT.

PPP. Em face do exposto, resta concluir que a decisão de indeferimento reclamada não está devidamente enquadrada e fundamentada, tendo a AT incumprido com o ónus de alegação e prova de factos que poderiam, nos termos da norma referida, justificar o indeferimento do pedido deduzido pela Recorrente.

QQQ. O Tribunal a quo, ao manter como válida a referida decisão da AT, aplicou mal o direito aos factos juridicamente relevantes para a completa e integral composição do lítigo, violando o disposto no n.º 4 do art. 52.º da LGT.

RRR. Conclui, por isso, a Recorrente pela necessidade deste Tribunal revogar a sentença recorrida e o despacho reclamado, dando, em consequência, integral provimento à reclamação judicial apresentada pela Recorrente, ao abrigo dos arts. 276.º e seguintes do CPPT.

Nestes termos, e nos demais de Direito que Vs. Ex.as doutamente suprirão, deve
o presente recurso ser considerado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, considerando procedente a reclamação
judicial deduzida pela Recorrente, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!!”.

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A Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos prévios atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

Cumpre, desde já, relevar em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, a questão que importa decidir é saber se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito ao ter considerado que não estavam verificados os pressupostos de dispensa de prestação de garantia nos termos do nº 4 do art. 52º da LGT, designadamente, a prova da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados os seguintes factos:

a) A Reclamante tem por objeto social a venda de lotarias e apostas mútuas, valores selados, fiscais e do correio, e impressos oficiais, livraria, papelaria e tabacaria, fotografia, reprografia e outras tecnologias de captação, processamento, reprodução e transmissão de imagem e som, informática e tecnologia afins e é executada no processo de execução fiscal n.º 3255……, instaurado em 24/02/2021, para cobrança coerciva de dívida proveniente de IRC do exercício de 2016, no valor de €160.495,44 – cfr. informação da Direção de Finanças de Lisboa, datada de 05/08/2021, junta aos autos e certidão de dívida junta aos autos.

b) Em 23/05/2021, a Reclamante foi citada para o processo de execução fiscal identificado na alínea anterior – idem.

c) Em 17/06/2021, a Reclamante requereu ao órgão de execução fiscal a suspensão do processo de execução fiscal, com dispensa de prestação de garantia, com fundamento na manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido – cfr. informação de 05/08/2021, da Direção de Finanças, junta aos autos e documento composto por 3 páginas junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

d) Para efeitos de apreciação do requerimento, o Serviço de Finanças de Lisboa 10 solicitou à Reclamante certidões de registo predial e do registo automóvel, mapa de amortizações e depreciações relativa a 2020, extratos de faturação dos últimos 3 meses, mapas de mais e menos valias dos últimos 4 anos, identificação de contas bancárias, faturação dos últimos 90 dias, ativo imobilizado, lista de clientes e balancete – cfr, informação da Direção de Finanças de Lisboa, datada de 05/08/2021, junta aos autos.

e) Sobre o requerimento apresentado pela Reclamante, identificado na alínea c) antecedente, foi elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa informação, datada de 05/08/2021, na qual foi proposto o indeferimento do requerimento de dispensa de prestação de garantia, por a Reclamante não ter demonstrada a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, com o seguinte teor:
Informação __ __
Objeto da Informação
Assunto: Pedido de dispensa de garantia Serviço de Finanças: Lisboa 10 Natureza do Imposto: IRC 2016 PEF: 3255… Identificação do Contribuinte
Nome: CASA SORTE ORGANIZACAO N...... SA NIF 50….
Sede: Av. Columbano Bordalo Pinheiro, n.º…, Lisboa
Informação
A) Do pedido
Deu entrada nesta Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos (DADE), através do Sistema de Gestão de Processos e Serviços (GPS), a comunicação n.° 3255… (proc. Gps n° 71112….) do SF Lisboa 10, remetida para efeitos de apreciação do requerimento da executada CASA SORTE ORGANIZACAO N...... SA, NIF 500…., nos termos do qual vem requerer a suspensão imediata do processo de execução fiscal n.° 3255…., nos termos do disposto no art. 169.° n.°1 do CPPT.
B) Da legitimidade
O requerimento apresentado encontra-se subscrito pela mandatária constituída, Dr.ª M......, Advogada (CP n.° 17218L), com procuração junta aos autos.
Não obstante na procuração junta não figurem identificados os sujeitos que nesse ato representam a Requerente, foi possível conferir as assinaturas apostas na procuração por consulta à ficha anexa ao pedido de dispensa que foi junta pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10. Foi solicitado pelo SF á sociedade requerente o preenchimento da referida ficha, a qual figura assinada pelos representantes daquela: M...... e C......, que assinam na qualidade de administradores.
Consultada a certidão permanente, observou-se que ambos são membros do Conselho de Administração: o primeiro é Presidente e o segundo Vogal. Mais se verificou que a forma de obrigar a sociedade é, entre outras, através da assinatura de dois administradores em conjunto.
Em face do exposto, afigura-se-nos que têm legitimidade para o ato, em conformidade com o disposto nos art.°s 9.° e 5.° do CPPT.
C) Da competência para apreciar o pedido
A competência para apreciação do pedido encontra-se delegada no Sr. Diretor de Finanças Adjunto da Área da Justiça Tributária - Departamento B, desta Direção de Finanças de Lisboa, nos termos preconizados no n.° 9 do artigo 199º conj, com o artigo 197.°, ambos do CPPT, bem como com o disposto no artigo 150º do CPPT conj. com o Despacho n.° 24…./2019, de delegação de competências do Sr. Diretor de Finanças de Lisboa, publicado em Diário da República n.° 50/2019, Série II, de 2019-03-12, uma vez que o valor da dívida exequenda no PEF 3255… (€ 160.495,44) é superior a 1000 unidades de conta (€ 102.000,00).
D) Da Tempestividade
Nos termos do disposto no n.° 1 do art.° 170º do CPPT o prazo para dispensa da garantia é de 15 dias a contar da apresentação do meio de reação previsto no art. 169º do CPPT.
Caso o fundamento da dispensa se verifique após aquele prazo, a dispensa deve ser requerida no prazo de 30 dias após a ocorrência desse facto superveniente, conforme dispõe o n ° 2 do art. 170. ° do CPPT.
No caso vertente observa-se que foi instaurado em 2021-05-05 procedimento de reclamação graciosa identificado no SICAT pelo nº 3255….. O SF informa que a reclamação foi apresentada pela sociedade executada em 2021-05-05 e que em 2021-06-17 esta requereu a dispensa de prestação de garantia.
Todavia, verifica-se que em 2021-05-23 teve lugar a citação pessoal da executada, o que consideramos traduzir-se em facto superveniente passível de fundamentar a aplicação do prazo alargado de 30 dias previsto no nº 2 do art. 170.° do CPPT
Em face do exposto afigura-se-nos que o pedido apresentado pela Requerente é tempestivo, ao abrigo do disposto no art. 170.° do CPPT.
E) Dos factos e da análise do pedido
1. O processo executivo 3255…. foi instaurado em 2021-02-24, pela quantia exequenda de € 150.495,44, por dívida de IRC de 2016 (liquidação n.° L2020.0683….).
2. Em 2021-05-05 foi instaurado procedimento de reclamação graciosa identificado pelo n ° 3255…., tendo por objeto a liquidação de IRC nº 6831… (PEF nº 3255….) do período de tributação de 2016.
3. Resulta da Informação elaborada pelo Serviço de Finanças que:
- Ao valor a garantir, fixado em € 204.842,86, foi deduzido o montante de € 8.356,42, sobre o qual foi constituído penhor, pelo que o valor da garantia a prestar será de € 196.485,44.
- Informa ainda o SF que, após apresentação do requerimento de dispensa de prestação de garantia, foi a executada notificada através de e-mail para juntar a ficha anexa ao pedido de dispensa com os elementos referentes á situação da executada e seus gerentes, bem como a documentação de suporte à informação veiculada.
- Em 2021-07-08 veio a executada juntar aos autos os elementos solicitados, a saber:
ficha anexa ao pedido de dispensa de garantia
certidões do registo predial e do registo automóvel
mapa de amortizações e depreciações reportados a 2020
extratos de faturação dos últimos 3 meses
mapa das mais e menos valias dos últimos 4 anos
identificação de contas bancárias
faturação dos últimos 90 dias
ativo imobilizado
lista de clientes
último balancete
- Mais informa o SF que, efetuada pesquisa de património pertença da executada e suscetível de penhora, verifica-se que:
É proprietária de dois veículos, livres de ónus e encargos, com matrículas dos anos de 2004 e 2009, conforme consta da ficha anexa ao pedida de dispensa de garantia.
É proprietária de 28 imóveis, 27 dos quais onerados com hipotecas voluntárias, conforme resulta da mesma ficha anexa ao pedido de dispensa e mapa de imóveis junto aos autos.
4. Cumpre informar que, dado não ter sido junta aos autos a certidão do registo predial de um dos prédios, foi o referido documento solicitado à mandatária, através de e-mail de 2021-07-22, que no-lo remeteu por e-mail de 2021-08-03,
5. A Requerente tem por objeto social a venda de lotarias e apostas mútuas; valores selados, fiscais e do correio, e impressos oficiais; livraria, papelaria e tabacaria, fotografia, reprografia e outras tecnologias de captação; processamento, reprodução e transmissão de imagem e som; informática e tecnologias afins.
6. Alega no requerimento apresentado que:
- Se encontra a cumprir um PER homologado em 2017-12-07, no âmbito do processo judicial n.° 10928/17.3T8LSB que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 5 de Lisboa;
- A que acresce a actual situação mundial da pandemia da doença COVID-19 com relevante impacto na actividade da executada e consequente redução de receitas ao longo do último ano e meio;
- Os bens imóveis de que é proprietária estão hipotecados aos credores bancários para garantia do passivo existente, tal como é do conhecimento da AT e resulta da documentação que se junta infra:
Morada Desc. Matriz VPT Doc. n °
Rua Sampaio Bruno, …, Porto 4282 9586 € 263,670,00 1
Rua de Sto, André, …..- R/c, Braga 1074-A 1076-A €46.665,28 2
Rua de Sto. André, ….., Braga 1074-E 1076-E € 57.124.20 3
Rua de Sto. André, …., Braga 436-A 2031-A € 684.809,15 4
Rua de Sto. André, ….Braga 436-A 2031-B € 151.549,65 5
Largo S, Francisco, …., Braga 56 843 € 140.563,08 6
Rua José D'Esaguy, …, Lisboa 69-E 1767-E €28.916,30 7
Total € 1.375.497,66
- A insuficiência destes imóveis para garantir a quantia exequenda foi já reconhecida pela AT aquando do pedido de pagamento em prestações que a executada requereu ao abrigo do regime previsto nos arts. 29.° e seguintes do Decreto-Lei nº 492/8B de 20 de dezembro.
- Os restantes activos não têm valor suficiente para garantir a quantia em dívida como poderá ser confirmado pela consulta dos documentos de prestação de contas que apresenta, nomeadamente os mapas de imobilizado (Modelo 32), considerando-se por esta via cumprido o ónus probatório que sobre si recaí, nos termos do nº 2 do art. 74.° da LGT.
- Pelo que considera ser manifesta a falta de meios económicos revelada pela insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis, nos termos e para os efeitos do disposto no n.° 4 do art, 52º da LGT, não havendo quaisquer indícios de que tal insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa da Executada;
- Tendo sido efectuado penhor do reembolso do IRC de 2019, no montante de € 8.356,42, requer seja o mesmo imputado ao pagamento parcial da dívida em execução, através de compensação nos termos e para os efeitos do disposto no art. 90º do CPPT;
- Quanto ao remanescente requer, ao abrigo do art. 52º n.° 4 da LGT, seja dispensada de prestar garantia com os fundamentos aduzidos, e ordenada a suspensão imediata dos presentes autos.
7. Consultado o sistema informático, verificou-se que existe em nome da executada o plano prestacional nº 2017.1…., tendo sido autorizado por despacho de 2017-12-14 e com fundamento no nº 6 do art° 196.° do CPPT, o pagamento em 150 prestações das dívidas exigíveis nos PEF n °s 3085…., 30852…., 3085…., 3085…, 3085…., 3085… e 3085… instaurados no SF Lisboa 3, suspensos por pagamento em prestações (F105).
Vejamos:
8. Segundo dispõem os nºs 1 e 2 do art.° 52.° da LGT. n.° 1 do art. 169º e nº 1 do art. 199º, ambos do CPPT, o processo de execução fiscal pode ser suspenso, por virtude da apresentação de reclamação graciosa, e mediante constituição de garantia idónea.
9. Contudo, preveem os art.s 52º nº 4 da LGT e 170º do CPPT a possibilidade de dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal desde que observados determinados requisitos.
10. Existe igualmente doutrina administrativa sobre esta matéria plasmada no Oficio Circulado n.° 60.077/2010, de 29/07, da DSGCT e no Oficio Circulado n.° 60.092/2012, de 27/07, da DSGCT.
11. A concessão da dispensa de prestação de garantia pela Administração Tributária depende da verificação dos pressupostos contemplados no nº 4 do art.° 52.° da LGT, a saber:
i) A prestação de garantia deve causar prejuízo irreparável para o executado; ou
ii) A prestação de garantia deve causar manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da divida exequenda e acrescido; e
iii) Desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa da interessado.
12. Os pressupostos mencionados em i) e ii), de verificação alternativa, devendo ser alegadas e provados pelo executado, pois que o ónus de provar os factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, nos termos do art. 74º, nº 1 da LGT conjugado com a art. 342º do Código Civil, recai sobre quem os invoque.
13. Importa, assim, aferir da verificação dos mencionados pressupostos de que depende a dispensa de garantia
14. A executada, aqui Requerente, informa que é proprietária de vários imóveis que identifica, todavia, todos eles se encontram onerados.
15. Efetuada pesquisa na matriz predial, constata-se a existência de 28 prédios inscritos em nome da Requerente, tendo esta juntado aos autos as respetivas certidões do registo predial,
16. E observados os referidos documentos, conclui-se que todos os prédios estão efetivamente onerados com hipotecas voluntárias constituídas a favor de outros credores.
17. Foi ainda verificado por consulta ao sistema informático que a Requerente é proprietária dos veículos automóveis com as matrículas que abaixo se identificam:
- 28-…. - veiculo ligeiro de mercadorias da marca CITROEN, Modelo 7 - Data da 1ª matrícula:2011-05-26;
- 53-…. - veiculo ligeiro de passageiros da marca SMART 451 - Data da 1ª matricula; 2009-04-17;
- 56-… - veiculo ligeiro de mercadorias da marca FORD, Fiesia Van - Data da 1ª matricula: 2004-07-21.
18. A respeito da primeira viatura informa a Requerente que, apesar de a mesma continuar a figurar inscrita em seu nome, a mesma foi objeto de venda em agosto de 2020, conforme cópia da factura que junta, não tendo o comprador efetuado até à presente data o registo da aquisição a seu favor.
19. Alega, por outro lado, a Requerente que “Os restantes activos não têm valor suficiente para garantir a quantia em dívida como poderá ser confirmado pela consulta dos documentos de prestação de contas que apresenta, nomeadamente os mapas de imobilizado (Modelo 32), considerando-se por esta via cumprido o ónus probatório que sobre si recai (…)”
20. Para o que juntou os mapas de imobilizado reportados a 2020 (Listagem da Activos Total, Doc. nº 27), para comprovação do valor contabilístico líquido do ativo fixo tangível,
21. E mais informa que não existem aplicações financeiras /bancárias.
22. A este propósito foi consultado o sistema informático de penhoras eletrónicas, tendo-se constatado a existência de respostas positivas por parte de diferentes entidades bancárias a notificações efetuadas pelo SF Lisboa 10.
23. Não obstante o alegado pela Requerente, foi, porém, consultada a última declaração anual IES submetida - IES de 2019-, nomeadamente o balanço, dele constando declarados os seguintes valores com relevância para a presente análise:
- Ativos fixos tangíveis - 1.731.526,42
- Propriedades de investimento - 365.419,97
- Outros ativos financeiros - 4.019.987,65
- Caixa e depósitos bancários -1.015.369,86
24. Contudo, analisado o balancete junto pela Requerente, e reportado a março de 2021, observa-se que dele resultam os seguintes valores:
- Caixa - Saldo devedor: 3 462,24
- Depósitos á ordem - Saldo credor: 97.909,92
- Investimentos - 6 347 494,68
Investimentos financeiros - 631 919,71
Investimentos em subsidiárias - 9 397 908,96
Partic.capital-mét.equiv.patrimonial- 3 412 754,02
- Ativos fixos tangíveis - 1 576 490,30
- Propriedades de Investimento - 348 261,99
- Resultado Líquido do Período - 132 048,69
25. Perante tal, resultando evidenciados, a título de ativos, os valores acima Indicados, designadamente quanto a investimentos em subsidiárias e ativos fixos tangíveis, afigura-se-nos que tal não se coaduna com uma situação de manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, ao abrigo do n.° 4 do artigo 52.° da LGT,
26. De referir que a sociedade executada é detentora de um estabelecimento comercial, e o mesmo constitui um bem penhorável, enquanto universalidade jurídica, que integra vários elementos, designadamente, ativos fixos tangíveis, inventários, propriedades de investimento, ativos intangíveis, instrumentos financeiros, devidamente organizado para a prática do comércio.
27. No que toca aos elementos do ativo fixo tangível, tais elementos abarcam, a título de exemplo, utensílios, máquinas, mobiliário, viaturas, enquanto que, no que toca aos elementos intangíveis, englobam designadamente, direitos de autor, patentes, marcas, alvarás, licenças, contratos.
28. O regime da penhora do estabelecimento comercial encontra-se previsto no n.° 1 do art. 782.° do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi da al. e) do art. 2º do CPPT, que dispõe que a penhora do estabelecimento comercial se faz por auto, no qual se relacionam os bens que essencialmente o integram, determinando o n.° 2 da mesma norma que a penhora do estabelecimento comercial não obsta a que possa prosseguir o seu funcionamento normal, sob gestão do executado.
Assim, e uma vez que existe na esfera jurídica da sociedade executada um estabelecimento comercial, ou caso assim não se considere, outros bens móveis, os quais carecerão de avaliação, ao abrigo do disposto no art.° 199º-A do CPPT, todos bens suscetíveis de constituírem garantia nos termos do art.199º do mesmo diploma,
30. Considera-se que a Requerente não logrou demonstrar o pressuposto legal atinente à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, tal como previsto no art. 52º, n.°4 da LGT.
F) Conclusão
Em face do supra exposto, propõe-se o indeferimento do pedido de dispensa de garantia, por se considerarem inverificados os respetivos pressupostos, nos termos conjugados do nº 4 do artigo 52.° da LGT e do n.° 1 do artigo 170º do CPPT.
Propõe-se, assim, a remessa da presente Informação ao Serviço de Finanças de Lisboa 10 para efeitos de notificação da decisão à mandatária da executada.
À consideração superior”
- cfr. informação da Direção de Finanças junta aos autos.

f) Por despacho do Diretor Adjunto da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 10/08/2021, o requerimento de dispensa de prestação de garantia apresentado pela Reclamante foi indeferido:
Despacho
Concordo. Face à informação e parecer prestado e com os fundamentos neles aduzidos, indefiro o pedido de dispensa de prestação de garantia por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais para tal.
Ao Serviço de Finanças para efeitos.
Por delegação de competências, conforme Despacho n.° 2447/2019, publicado no DR, 2ª Série - n.° 50,12 de março”
- cfr. despacho aposto na informação elaborada pelos serviços datada de 05/08/2021, junta aos autos.

g) Em 25/08/2021, a Reclamante apresentou a presente reclamação – cfr. informação, datada de 29/10/2021, elaborada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 10, junta aos autos.

h) Em consequência da Reclamação apresentada pela Reclamante, foi elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa informação, datada de 08/09/2021, na qual foi proposta a manutenção do ato reclamado, com os seguintes fundamentos:
III. ATO RECLAMADO
Ato Reclamado: Despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia exarado em 2021-08-10, pelo Sr. Diretor de Finanças Adjunto (DFA) da Área da Justiça Tributária - Departamento B da Direção de Finanças de Lisboa, no âmbito do Processo de Execução Fiscal (PEF) 3255….
Data de notificação do ato: 2021-08-17
IV. FUNDAMENTOS E PEDIDO
A Reclamante expõe os seguintes Fundamentos:
• A Reclamante dedica-se à mediação de jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), estando a sua atividade sujeita ao Regulamento dos Mediadores dos Jogos Sociais do Estado, aprovado pela Portaria n.° 313/2004, de 23 de março (Regulamento);
• A Reclamante alegou e demonstrou a insuficiência de valor do património penhorável, seja em resultado da existência de anteriores ónus sobre os bens, seja por total ausência de valor de mercado dos mesmos;
• Quanto aos valores monetários registados na Conta 11 (Caixa) e na Conta 12 (Depósitos à Ordem), correspondem essencialmente a valores recebidos dos apostadores, dos quais é mediadora;
• O valor registado na Conta 41 (Investimentos Financeiros) corresponde aos valores de aquisição das participações sociais detidas em sociedades que desenvolvem a mesma atividade e que também tiveram uma quebra significativa de receitas em resultado da pandemia, e, como tal, embora penhoráveis, as ditas participações não terão valor suficiente para garantir a dívida;
• No que se refere à Conta 42 (Propriedades de Investimento), os imóveis estão todos onerados com hipotecas;
• Quanto ao valor registado na Conta 43 (Ativos Fixos Tangíveis), a verba inclui imóveis que se encontram hipotecados, incluindo, também, diversos valores por obras de instalação e beneficiação, efetuadas em imóveis próprios e alheios, e que, atenta a própria natureza, não são penhoráveis separadamente da penhora de imóveis;
• Os valores registados nas Contas 44 (Ativos Intangíveis) e 45 (Investimentos em Curso) correspondem a ativos contabilísticos não penhoráveis, mais concretamente a licenças de programas de computador e adiantamentos efetuados no âmbito de contratos promessa de aquisição de imóveis em Palmeia e no Cartaxo, ou seja, posições contratuais que, pela sua natureza e características, não são penhoráveis;
• Conclui-se, sem margem para dúvidas, que o ativo registado contabilisticamente não tem valor suficiente nem se afigura como idóneo para os efeitos pretendidos;
• Quanto à existência de um estabelecimento comercial que seria penhorável, enquanto universalidade jurídica que integra vários elementos;
• Resulta do artigo 10.°, n.° 1, al. b), do Regulamento, que é causa de extinção da atividade de mediação a cessão de exploração ou transferência do estabelecimento do mediador sem o prévio conhecimento e autorização da SCML, enquanto entidade exploradora e licenciadora;
• Se a transferência do estabelecimento não for previamente autorizada pela SCML, esta pode fazer cessar unilateralmente a atividade de mediação desenvolvida pela Reclamante;
• Extinguindo-se a licença de mediação, o estabelecimento detido pela Reclamante não terá qualquer valor económico, uma vez que não será apto ao desenvolvimento da atividade para o qual foi organizado;
• O estabelecimento comercial detido pela Reclamante não será idóneo para efeitos de garantia porque em caso de execução perderá o elemento essencial que é a licença de mediação;
• O estabelecimento comercial da Reclamante valerá apenas e tão só pela licença de mediação que não integra esse estabelecimento comercial em caso de transmissão;
• Se o valor do estabelecimento comercial resulta essencialmente de um direito que pode ser unilateralmente extinto por um terceiro em caso de transmissão, então esse estabelecimento não tem qualquer valor de mercado;
• Improcede a alegação da AT quando refere que o facto de a Reclamante ter um estabelecimento que é penhorável enquanto universalidade jurídica é prova de que não se verifica o disposto no n.° 4 do artigo 52.° da LGT;
• A AT não justifica em que medida é que, em concreto, tal garantia seria suficiente e idónea aos efeitos pretendidos.
Quanto ao prejuízo irreparável, a Reclamante aduz que a não subida imediata da reclamação terá como consequência direta o prosseguimento dos autos para penhora e apreensão de bens da Reclamante, provocando os danos e prejuízos que se pretendem evitar com o pedido de dispensa de prestação de garantia.
A Reclamante requer, assim, a admissão da presente reclamação para conhecimento imediato com deferimento do pedido efetuado e consequente revogação do despacho de indeferimento proferido pelo Sr. DFA.
V. ANÁLISE
Em 2021-02-24, foi instaurado o PEF 3255…., por dívida de IRC de 2016, no valor de € 160.495,44.
Em 2021-05-05, foi instaurada a Reclamação Graciosa 3255….. e tem por objeto liquidação de IRC n.° 683….
Em 2021-05-23, deu-se a Citação Pessoal.
Em 2021-06-17, foi efetuado o pedido de dispensa de prestação de garantia.
Em 2021-08-10, no âmbito da Informação n.° E202…., da Divisão de Acompanhamento de Devedores Estratégicos (DADE), foi exarado despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, pelo Sr. DFA, por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais.
Em conformidade com o informado:
- O valor da garantia a prestar seria de € 196.486,44;
- A sociedade é proprietária de 28 prédios, que se encontram onerados com hipotecas voluntárias a favor de terceiros;
- É também proprietária de 3 veículos automóveis, sendo que quanto a um deles foi apresentada cópia de fatura de venda;
- No que concerne a aplicações financeiras/bancárias, verifica-se a existência de respostas positivas por parte de diferentes entidades bancárias a notificações de pedidos de penhoras eletrónicas efetuadas pelo SF LISBOA 10:
- Os valores constantes na declaração anual IES de 2019, bem como no balancete de março de 2021, resultando evidenciados, a título de ativos, designadamente quanto a investimentos em subsidiárias (€ 9.397.908,96) e ativos fixos tangíveis (€ 1.576.490,30), não se coadunam com uma situação de manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráreis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido;
- A sociedade executada é detentora de um estabelecimento comercial, e o mesmo constitui um bem penhorável, enquanto universalidade jurídica, que integra vários elementos, designadamente, ativos fixos tangíveis, inventários, propriedades de investimento, ativos intangíveis, instrumentos financeiros, devidamente organizado para a prática do comércio;
- Assim, uma vez que existe na esfera jurídica da sociedade executada um estabelecimento comercial, ou caso assim não se considere, outros bens móveis, os quais carecerão de avaliação, ao abrigo do disposto no artigo 199.°-A do CPPT, todos bens suscetíveis de constituírem garantia nos termos do artigo 199.° do mesmo diploma;
- Considera-se que a Requerente não logrou demonstrar o pressuposto legal atinente à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, tal como previsto no artigo 52.°, n.° 4, da LGT.
Em 2021-08-17, a Reclamante foi notificada do despacho de indeferimento.
Em 2021-08-25, foi instaurada a presente Reclamação Art. 276.°, à qual coube o n.° 3255…..
VI. CONCLUSÃO
Relativamente ao alegado de que o ativo registado contabilisticamente não tem valor suficiente para garantia da dívida em apreço importa referir que de harmonia com o estabelecido no § 12 da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), "o objetivo das demonstrações financeiras é o de proporcionar informação acerca da posição financeira, do desempenho e das alterações na posição financeira de uma entidade que seja útil a um vasto leque de utentes na tomada de decisões económicas”, pelo que não pode obter acolhimento a argumentação da executada.
Com efeito, a executada refere que o valores monetários registados na Conta 11 (Caixa) e na Conta 12 (Depósitos à Ordem), correspondem essencialmente, mas não na totalidade, a valores recebidos dos apostadores, pelo que se permite inferir a existência de valores passíveis de constituir garantia.
Quanto ao valor registado na Conta 41 (Investimentos Financeiros) a própria executada admite como penhorável, alegando que as ditas participações não terão valor suficiente para garantir a dívida, quando as mesmas apresentam valores contabilísticos relevantes.
Também quanto aos equipamentos e elementos corpóreos que fazem parte do património afeto à atividade da executada, sendo penhoráveis, alega terem um valor praticamente nulo e insuficiente.
Face ao exposto, considerando que na esfera da sociedade executada, mesmo que não se considere a existência de estabelecimento comercial penhorável, existem outros bens penhoráveis, de resto, admitidos e indicados pela própria executada na sua petição, como sejam quotas detidas noutras sociedades e os equipamentos e elementos corpóreos que fazem parte do património afeto à sua atividade, que não obstante o alegado valor praticamente nulo e insuficiente invocado, carecerão de avaliação, ao abrigo do disposto no artigo 199.°-A do CPPT, e porquanto não cabe à Reclamante decidir sobre a idoneidade e suficiência da garantia.
Assim, uma vez se encontram evidenciados na contabilidade da executada bens penhoráveis que, embora careçam de avaliação para efeitos de garantia, apresentam valores contabilísticos significativos face ao valor a prestar de garantia, impõe-se a manutenção do ato reclamado e a consequente subida da reclamação a Tribunal.”
cfr. informação junta aos autos.

g) Por despacho da Diretor de Finanças Adjunto, datado de 08/09/2021, foi mantido o ato reclamado – cfr. despacho aposto na informação reproduzida na alínea anterior

h) Da declaração de IES referente ao ano de 2019 e respetivo balanço da Reclamante resulta que detém:
Ativos fixos tangíveis – 1.731.526,42
Propriedades de investimento – 365.419,97
Outros ativos financeiros – 4.019.987,65
Caixa e depósitos bancários – 2.051.369,65
- cfr. informação da Direção de Finanças junta aos autos

i) Do balancete referente a março de 2021 da Reclamante consta a seguinte
informação.
- Caixa – Saldo Devedor – 3.462,24
- Depósitos à ordem – Saldo Credor – 97.909,92
- Investimentos – 6.347,494,69
- Investimentos financeiros – 631.919,71
- Participação capital – método equivalência patrimonial – 3.412.754,02
- Ativos fixos tangíveis – 1.576.490,30
- Propriedades de investimento – 348.261,99
- Resultado líquido do período – 132.048,69

j) A Reclamante encontra-se a cumprir PER homologado em 07/12/2017, no âmbito do processo judicial n.º 10928/17.3T8LSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Comércio de Lisboa – cfr. informação de 05/08/2021, elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa, junta aos autos.

k) A Reclamante é proprietária de dois veículos automóveis com as matrículas 53-…. e 56-…– idem e certidão do instituto de registos e notariado junta aos autos.

l) A Reclamante é proprietária de 28 imóveis, estando 27 desses imóveis onerados com hipotecas voluntárias, registadas a favor de outros credores – idem e certidões permanentes juntas com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

m) Entre abril e junho de 2021, a Reclamante registou uma faturação no valor acumulado de €5.203.815,22 – cfr. documento denominado faturação abril a junho 2021 – CdS, junto aos autos.

n) A Reclamante possui contas bancárias no N…., B…, M…. e C…, tendo sido penhorado saldo da conta da C…, entretanto, levantada por se encontrar pendente pedido de suspensão da execução, com dispensa de prestação garantia – cfr. prints de e-mails da Reclamante e do Serviço de Finanças de Lisboa 10, juntos aos autos e ponto 22 do ato reclamado.

o) A Reclamante é proprietária de estabelecimento comercial – acordo das partes.
*
Com interesse para a decisão a proferir nos autos, inexistem factos não provados.
*
Motivação
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa [ou causas] de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor e consignar se a considera provada ou não provada [cfr. artigos 94.º do CPTA e 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, ex vi do artigo 2.º, alíneas c) e e) do CPPT].
Face à questão a decidir, a convicção do Tribunal resultou da análise dos documentos juntos aos autos com os respetivos articulados, supra id., a propósito de cada uma das alíneas e números do probatório, cujo conteúdo não foi impugnado pelas partes.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados [ou não provados], por constituírem conclusões/considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito ou serem meramente exemplificadores/contextualizadores, pelo que, não são os mesmos suscetíveis de ser objeto de juízo probatório [pese embora a sua pertinência nos respetivos articulados].”.
* *
Antes de mais, importa salientar que, estando a matéria de facto elencada mediante alíneas, constata-se a existência de lapso de escrita na sentença recorrida, porquanto após a alínea h), na alínea seguinte está mencionada novamente alínea g) e assim, sucessivamente.

Desta forma corrige-se a indicação das alíneas do probatório após a referida alínea h) passando a constar as seguintes alíneas:

i) Por despacho da Diretor de Finanças Adjunto, datado de 08/09/2021, foi mantido o ato reclamado – cfr. despacho aposto na informação reproduzida na alínea anterior

j) Da declaração de IES referente ao ano de 2019 e respetivo balanço da Reclamante resulta que detém:
Ativos fixos tangíveis – 1.731.526,42
Propriedades de investimento – 365.419,97
Outros ativos financeiros – 4.019.987,65
Caixa e depósitos bancários – 2.051.369,65
- cfr. informação da Direção de Finanças junta aos autos

k) Do balancete referente a março de 2021 da Reclamante consta a seguinte
informação.
- Caixa – Saldo Devedor – 3.462,24
- Depósitos à ordem – Saldo Credor – 97.909,92
- Investimentos – 6.347,494,69
- Investimentos financeiros – 631.919,71
- Participação capital – método equivalência patrimonial – 3.412.754,02
- Ativos fixos tangíveis – 1.576.490,30
- Propriedades de investimento – 348.261,99
- Resultado líquido do período – 132.048,69

l) A Reclamante encontra-se a cumprir PER homologado em 07/12/2017, no âmbito do processo judicial n.º 10928/17.3T8LSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Comércio de Lisboa – cfr. informação de 05/08/2021, elaborada pela Direção de Finanças de Lisboa, junta aos autos.

m) A Reclamante é proprietária de dois veículos automóveis com as matrículas 53-… e 56-…– idem e certidão do instituto de registos e notariado junta aos autos.

n) A Reclamante é proprietária de 28 imóveis, estando 27 desses imóveis onerados com hipotecas voluntárias, registadas a favor de outros credores – idem e certidões permanentes juntas com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido

o) Entre abril e junho de 2021, a Reclamante registou uma faturação no valor acumulado de €5.203.815,22 – cfr. documento denominado faturação abril a junho 2021 – CdS, junto aos autos.

p) A Reclamante possui contas bancárias no N…., B…, M… e C…, tendo sido penhorado saldo da conta da C…, entretanto, levantada por se encontrar pendente pedido de suspensão da execução, com dispensa de prestação garantia – cfr. prints de e-mails da Reclamante e do Serviço de Finanças de Lisboa 10, juntos aos autos e ponto 22 do ato reclamado.

q) A Reclamante é proprietária de estabelecimento comercial – acordo das partes.

* *
IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa foi julgada improcedente a reclamação apresentada nos termos do art. 276º do CPPT contra a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia. Para o efeito o Tribunal a quo considerou em síntese que não ficou provada a insuficiência dos bens penhoráveis, não estando assim reunidos um dos pressupostos previstos no nº 4 do art. 52º da LGT.

Discordando do assim decidido vem a Recorrente apresentar o presente recurso, defendendo nas suas conclusões, que o tribunal deveria ter efectuado uma análise da informação disponibilizada, concatenando os diversos elementos e confrontando-os entre si por forma a obter a visão global da situação patrimonial e financeira da Recorrente fiscalmente relevante. Considera que demonstrou a insuficiência de bens penhoráveis e que os documentos apresentados permitem concretizar valores e a diversa natureza dos activos, resultando evidenciado que o património detido não tem valor suficiente para garantir a dívida, tendo, em sua opinião, cumprido o ónus probatório que sobre si impendia (cfr. conclusões E), FF) JJ) e KK).

Mais afirma não possuir bens penhoráveis que ascendam a € 238.730,75 como é exigido pela administração tributária para suspender o processo executivo.



No que diz respeito à impugnação da decisão de 1ª. instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil, nos termos do artigo 640.º do CPC, impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Na verdade impõe-se que o Recorrente especifique, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizados, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida.

No caso dos presentes autos a Recorrente cumpriu o ónus imposto pelo art. 640º do CPC, pretendendo desde logo a alteração do ponto i) do probatório (actual ponto k) do probatório) nos termos constantes da conclusão H), bem como o aditamento de factos ao probatório nos termos enunciados nas conclusões S), Y) e AA).

Vejamos então.

Quanto à correcção da alínea i) do probatório (actual alínea k) do probatório), no sentido propugnado pela Recorrente, tendo sido analisado o documento de suporte dos referidos factos (balancete dos movimentos de março de 2021- doc. 2), constata-se que a pretensão de correcção daquela alínea assenta num alargamento da indicação de rubricas e valores, pelo que, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em alterar a redacção da alínea k) do probatório nos seguintes termos:

“k) Do balancete referente a março de 2021 da Reclamante (cfr. Doc. 2 da reclamação e respectivos anexos) consta a seguinte informação:
- Caixa – Saldo Devedor – 3.462,24
- Depósitos à ordem – Saldo Credor – 97.909,92
- Investimentos – Saldo devedor – 6.347.494,68
- Investimentos Financeiros – Saldo devedor - 631.919,71
- Investimentos em subsidiárias – Saldo devedor - 9.397.908,96
- Participação de Capital – método equivalência patrimonial – saldo devedor – 3.412.754,02
- Propriedades de Investimento – Saldo devedor - 348.261,99
- Activos Fixos Tangíveis - Saldo devedor - 1.576.490,30
- Activos Intangíveis - Saldo devedor - 33.222,68
- Investimentos em curso – Saldo Devedor - 3.757.600,00
Resultado líquido do período – Saldo Devedor - 132.048,69”

Pretende ainda a Recorrente o aditamento de um facto referente à sua situação patrimonial, como resulta da conclusão S) das suas alegações.

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por estarem documentalmente provados e serem pertinentes para a boa decisão da causa e das questões colocadas em recurso, acorda-se em aditar ao probatório os seguintes factos:

r) Conforme resulta do balancete de Março de 2021 (cfr. doc. n.º 2 da reclamação), a Reclamante apresenta na conta Empréstimos Bancários – A Médio/Prazo os seguintes saldos credores;
- M…. 216.36.100237-3 – 5.000.000,00
- M/…. -92079 – 697.024,47.

s) Conforme resulta do balancete de Março de 2021 (cfr. doc. n.º 2 da reclamação), a Reclamante apresenta na conta 24…. PERES- Seg. Social o saldo credor de 403.075,79.

Vem ainda a Recorrente na conclusão Y) das suas alegações requerer o aditamento de mais uma alínea ao probatório, com a seguinte redacção:
i.1) O valor de activos fixos tangíveis indicado corresponde a bens imóveis, incluindo obras de beneficiação, com valor líquido de € 1.468.155,07 (um milhão quatrocentos e sessenta e oito mil cento e cinquenta e cinco euros e sete cêntimos) (cfr. balancete e mapa de amortizações e depreciações anexos ao Doc. n.º 2 da reclamação)”.

E na conclusão AA) das suas alegações pretende o aditamento de mais duas alíneas ao probatório com a seguinte redacção:
i.2) O valor de activos fixos intangíveis indicado corresponde, essencialmente, a licenças de programas de computador com valor líquido de € 32.142,25 (trinta e dois mil cento e quarenta e dois euros e vinte e cinco cêntimos) (cfr. balancete ao Doc. n.º 2 da reclamação);
i.3) O valor dos investimentos em curso indicado corresponde a adiantamentos no âmbito de contratos promessa de aquisição de imóveis em Palmela e no Cartaxo (cfr. balancete ao Doc. n.º 2 da reclamação)”.

Quanto aos aditamentos requeridos, consideramos que os mesmos não se mostram pertinentes porquanto o valor dos activos fixos tangíveis, bem como o valor dos activos fixos intangíveis e o valor dos investimentos em curso já se encontram mencionados na alínea k) acima transcrita sendo que, o detalhe de tais valores encontra-se vertido no documento que comprova tal facto, sendo despicienda a sua inclusão no probatório, razão pela qual se indefere os requeridos aditamentos.

Estabilizada a matéria de facto, vejamos o direito aplicável ao caso.

O artigo 52.º, n.º 4 da LGT, estabelece que “
A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.”

Também o artigo 170.º, nº 1, do CPPT, consagra que “Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal, no prazo de quinze dias a contar da apresentação do meio de reacção previsto no artigo anterior”, e de acordo com o nº 3 do mesmo artigo “O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”.

Do n.º 4 do artigo 52.º da LGT resulta que o deferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia está sujeito à verificação de três requisitos, sendo dois deles de verificação alternativa e um terceiro de verificação cumulativa, a saber: alternativamente, importa provar (i) que a prestação de garantia causa prejuízo irreparável ou (ii) a manifesta falta de meios económicos a qual é revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido; cumulativamente, cumpre demonstrar (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado (Nesse sentido veja-se os Acórdãos do TCA Sul de 24/01/2020- proc 1623/19.0BELRS e do TCA Norte de 28/04/2016 – proc. 02303/15.0BEPRT).

Desta forma resulta do n.º 4 do artigo 52.º da LGT que, quer a dispensa de prestação da garantia assente na ocorrência de prejuízo irreparável, quer na manifesta falta de meios económicos do executado, é sobre o Requerente que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos para tal dispensa. Por seu turno, à Administração Tributária compete a demonstração da existência de fortes indícios de que a insuficiência de bens se deveu a atuação dolosa por parte do executado.

No caso em apreço foi apresentado pela Recorrente o pedido de dispensa de prestação de garantia com fundamento em manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido (cfr. alínea c) do probatório).


Na sequência desse pedido, foi elaborada a informação transcrita na alínea e) do probatório, no sentido do indeferimento da dispensa de prestação de garantia, tendo em 10/08/2021 sido proferido o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia por não se mostrarem preenchidos os requisitos legais para o efeito (cfr. alínea f) dos factos assentes).


Na sentença recorrida foi entendido que, face à prova produzida, a Reclamante, ora Recorrente, não logrou provar a manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, com a fundamentação que de seguida se transcreve:


“Ora, relativamente aos valores monetários incluídos na conta 11 e depósitos da conta 12, a Reclamante refere que os mesmos correspondem essencialmente a valores recebidos pelos apostadores dos jogos Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e, por isso, não correspondem a valores da sua exclusiva propriedade. Contudo, a Reclamante não individualiza, nem quantifica ou concretiza quais são os valores que lhe pertencem.

Já no que diz respeito à conta 4, desdobrada subcontas referentes a investimentos financeiros, propriedades de investimento, ativos fixos tangíveis, ativos intangíveis e investimentos em curso, é a própria Reclamante que admite deter participações sociais em outras empresas, assim como a propriedade de imóveis, ainda que onerados com hipotecas voluntárias e ainda a existência de disponibilidade financeira que assume ser necessária ao prosseguimento da atividade, sem contudo: - concretizar/apresentar qualquer avaliação das participações [limitando-se a dizer que têm um valor insuficiente, fruta da diminuição do volume de negócios dessas empresas, sendo que consta do balancete um valor investido em subsidiárias de 9.397.908,96€ e participações de capital de 3.412.754,02€], - nem do valor garantido e do valor em divida no âmbito das hipotecas voluntárias sobre os imóveis, - nem o valor dos veículos, - nem refere o saldo existente nos saldos de contas bancárias de que é titular e proprietária [com saldo penhorável, como resulta quer da informação de 05/08/2021, quer dos e-mails trocados entre a Reclamante e a Autoridade Tributária], - não concretiza de que modo os ativos fixos intangíveis [é a Reclamante que assume deter posições contratuais em contratos promessa de compra e venda de imóveis] e os ativos fixos tangíveis [constando do balancete em ativos fixos tangíveis um valor de 1.576.490,30€], são suscetíveis de revelar a falta manifesta de meios económicos, de modo a que se possa concluir que a Autoridade Tributária não fez um correto enquadramento da avaliação da informação constante do balancete e disponibilizada pela Reclamante.

Em complemento do que vem de se dizer, de facto, a circunstância de os imóveis propriedade da Reclamante estarem onerados com hipotecas voluntárias, não significa que tais imóveis sejam completamente insuscetíveis de [por exemplo, integrados ou não num lote de bens ou direitos] de serem oferecidos em garantia. Na verdade, relativamente a estes, para além de contraditar os fundamentos da Autoridade Tributária, a Reclamante não alega, nem comprova que o valor em divida e o valor garantido pela hipoteca, esgota as potencialidades dos imóveis revelarem meios económicos disponíveis [cfr. a este propósito, mutatis mutandi, nesta lógica, o arresto do STA de 30/05/2018/Proc. 0499/18, no qual ficou sumariado que “Estando o imóvel oferecido em hipoteca voluntária para garantia do crédito exequendo onerado com anterior hipoteca voluntária registada, para apurar da idoneidade da garantia haverá que deduzir ao valor patrimonial tributário do imóvel o valor actual daquele crédito garantido por hipoteca, e não o limite máximo daquela garantia, nos casos em que o credor assegura que o crédito garantido já foi parcialmente satisfeito.”].
O mesmo se pode dizer relativamente a tudo quanto é alegado pela Reclamante acerca das participações sociais, dos veículos automóveis, os depósitos, os investimentos financeiros.
Sendo que, nos termos do artigo 601.º do Código Civil, “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora”, o que significa que relevam todos os rendimentos e bens penhoráveis da esfera patrimonial-financeira da Reclamante

Isto conjugado com os dados extraídos do balanço de 2019 e do balancete do mês de março de 2021, bem como da faturação registada entre abril e junho de 2021, configura-se, não demonstrada a falta manifesta de meios económicos, concretizada na falta de bens penhoráveis.
Ademais, conforme é referido na informação da Direção de Finanças de Lisboa, os balanços e balancetes devem respeitar os princípios da integridade e fiabilidade da informação de forma a revelarem a situação económico-financeira da sociedade.
Daí que, se essa informação não representa essa realidade [se atentarmos na argumentação da Reclamante], tal facto só à Reclamante pode ser imputado.
Ora, como supra se deixou dito, é à Reclamante que compete fazer prova da falta manifesta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.

Pelo que, à Reclamante não basta afirmar que não dispõe de bens imóveis ou móveis ou direitos ou rendimentos, e que tudo pode ser facilmente averiguado pela base de dados da AT, deverá antes demais, fazer prova de tudo o que afirma, isto é juntar todos os elementos documentais comprovativos da verificação dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa. Ónus que não cumpriu.

Por essa razão não merece censura o ato reclamado quando refere que “resultando evidenciados, a título de ativos, os valores acima indicados, designadamente quanto a investimentos em subsidiárias e ativos fixos tangíveis, afigura-se-nos que tal não de coaduna com uma situação de manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido”.

Logo, tal despacho está devidamente enquadrado e fundamentado ao contrário do que defende a Reclamante.

Pelo que improcede nesta parte a argumentação da Reclamante.

Entende ainda a Recorrente que a penhora do estabelecimento comercial da sociedade levaria à indisponibilidade dos seus ativos e inviabiliza a sua atividade.
No entanto, também nesta parte não lhe assiste razão.
Na verdade, a penhora de estabelecimento comercial deve ser efetuada nos termos do artigo 782.º do CPC [cfr. nesse sentido, reportando-se ao anterior artigo 862.º-A do CPC, que corresponde ao atual artigo 782.º do mesmo código, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário- anotado e comentado, Vol. III, 6.º Ed., Áreas Editora, 2011, página 624].
Ora, o n.º 2 daquele preceito legal dispõe no sentido de que a penhora do estabelecimento comercial não obsta a que possa prosseguir o seu funcionamento normal, sob gestão do executado.
Aliás, em sintonia com a lei, esse tem sido o entendimento veiculado dentro da Autoridade Tributária pelo Ofício-Circulado 60010, de 22/10/1999 - Direção de Serviços de Justiça Tributária entendendo-se que a penhora de estabelecimento não obsta a que este possa prosseguir o seu funcionamento normal.
Também aqui não merece censura o ato reclamado quando refere “uma vez que existe na esfera jurídica da sociedade executada um estabelecimento comercial, ou caso assim não se considere, outros bens móveis, os quais carecerão de avaliação, ao abrigo do disposto no artigo 199.º-A do CPPT, todos bens suscetíveis de constituírem garantia nos termos do artigo 199.º do mesmo diploma.”.


Contra o assim decidido vem a Recorrente invocar que da prova produzida nos autos estão demonstrados e comprovados os requisitos para a dispensa da prestação de garantia, tendo o tribunal a quo efectuado uma insuficiente análise dos elementos probatórios apresentados (a Reclamante juntou com a sua petição de reclamação, 3 documentos – cópia da petição de reclamação graciosa relativa ao IRC de 2016 e respectivos documentos; - cópia do balancete do mês de Março de 2021; e – cópia da decisão de indeferimento da dispensa de prestação de garantia).

Alega a Recorrente que resulta comprovado que o passivo correspondente a créditos garantidos pelas hipotecas ascende a € 7.735.753,83 a que acresce o valor em dívida à segurança social no montante de € 493.085,12, o que, em seu entender, conduz a que não seja atribuído qualquer valor relevante aos imóveis enquanto activo penhorável porquanto estão hipotecados a diversos credores não tendo qualquer valor enquanto garantia, e que os valores contabilizados como obras de beneficiação correspondem a um activo contabilístico não penhorável (conclusões U a X das alegações).

Importa recordar que de acordo com o art. 601º do Código Civil “pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios”.

Desta forma, independentemente dos imóveis já se encontrarem onerados pelas hipotecas constituídas a favor de outros credores, tal facto não impede que os mesmos imóveis possam ser objecto de penhora a favor da administração tributária.

Por outro lado alega a Recorrente que parte significativa do valor dos activos fixos tangíveis corresponde a bens imóveis e obras de beneficiação, que os activos intangíveis e os investimentos em curso correspondem a activos contabilísticos não penhoráveis (licenças de programas de computador e reserva de espaço bem como adiantamentos efectuados no âmbito dos contratos promessa de aquisição de imóveis em Palmela e no Cartaxo) como consta das conclusões T a EE.

Resultou provado que no balancete referente a março de 2021 da Reclamante (cfr. Doc. 2 da reclamação e respectivos anexos) consta a seguinte informação:
- Caixa – Saldo Devedor – 3.462,24
- Depósitos à ordem – Saldo Credor – 97.909,92
- Investimentos – Saldo devedor – 6.347.494,68
- Investimentos Financeiros – Saldo devedor - 631.919,71
- Investimentos em subsidiárias – Saldo devedor - 9.397.908,96
- Participação de Capital – método equivalência patrimonial – saldo devedor – 3.412.754,02
- Propriedades de Investimento – Saldo devedor - 348.261,99
- Activos Fixos Tangíveis - Saldo devedor - 1.576.490,30
- Activos Intangíveis - Saldo devedor - 33.222,68
- Investimentos em curso – Saldo Devedor - 3.757.600,00
Resultado líquido do período – Saldo Devedor - 132.048,69” conforme alínea k) acima mencionada.

Ora da análise ao balancete resulta que os activos fixos tangíveis cujo saldo devedor é de 1.576.490,30 incluem:
- terrenos e rec. Naturais – saldo devedor 455.254,7
- edif. e outras constr. – saldo devedor 2.685.046,74
- equipamento básico – saldo devedor 2.781.386,74
- equipamento transporte – saldo devedor 36.719,62
- equipamento adm. – saldo devedor 245.489,64

Que os activos intangíveis cujo saldo devedor é de 33.2555,68 incluem:
- programas de computador – saldo devedor 42.525,32
- propriedade industrial e outros d. – saldo devedor 695,59
- outros activos intangíveis – saldo devedor 17.418,71

E que os investimentos em curso apresentam saldo credor de 3.757.600

Ora do elenco acima exposto resulta que são passíveis de penhora outros bens da titularidade da reclamante, para além dos bens imóveis, de acordo com o já mencionado art. 601º, nº 1 do Código Civil..

Mais invoca que o estabelecimento comercial não poderá ser considerado como activo penhorável para efeitos de avaliação dos meios económicos porquanto defende que o estabelecimento só valerá apenas e tão só pela licença de mediação emitida pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que não integra esse mesmo estabelecimento em caso de transmissão (cfr. conclusões RR a EEE).

Quanto a este fundamento importa apenas referir que as considerações tecidas pela Reclamante quanto a uma eventual transmissão ou venda judicial do estabelecimento comercial assentam em juízos de prognose, porquanto de acordo com o n.º 2 do art. 782º do CPC, a penhora do estabelecimento comercial não obsta a que possa prosseguir o seu funcionamento normal, sob gestão do executado.

Destarte conclui-se que a reclamante não logrou provar a insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, não reunindo assim os pressupostos para a dispensa de prestação de garantia prevista no nº 4 do art. 52º da LGT

Por tudo o que vem exposto conclui-se que a sentença proferida pelo Tribunal a quo não merece qualquer censura, sendo de negar provimento ao recurso.
* *
V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da 2ª Subsecção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 12 de Maio de 2022

Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto