Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1129/12.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/06/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IRS – MAIS VALIAS
EXCLUSÃO DE TRIBUTAÇÃO
Sumário:Considerando que a sucessão se abriu em 1978, que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989, nos termos do disposto no art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, haverá que ter-se em conta o disposto no art.º 5.º do mesmo diploma, por estarmos perante uma operação que não era tributada em sede de imposto de mais valias.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença de fls.151 a 159v, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação deduzida por fernanda ..... contra a liquidação de IRS do ano de 2006, com o nº 2010 ....., no valor de €331.674,66.

Nas suas alegações de recurso formula as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou a impugnação judicial procedente, determinando a anulação da liquidação de IRS, do ano de 2006, no montante total de €331.674,66.

II. Entendeu o douto Tribunal não ser devida a liquidação de IRS, uma vez que a alienação do imóvel ocorreu em 1978, ou seja, antes da entrada em vigor do CIRS.

III. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida.

IV. E isto porque, o imóvel encontrava-se afecto à actividade empresarial do marido da impugnante, ora recorrida, entendendo a Fazenda Pública que a data relevante para o apuramento das mais-valias, apenas ocorre em 31.12.2005 – data em que o imóvel passou para a esfera particular da impugnante, sendo por isso devidas mais-valias.

V. Atento o exposto, afigura-se que a liquidação foi efectuada em cumprimento das normas legais vigentes, procedendo a douta sentença a uma errada interpretação das normas vertidas nos artigos 3.º e 10.º do CIRS.
 
Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo Douto Tribunal “a quo”, assim se fazendo a costumada Justiça!
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Notificada da admissão do recurso a impugnante e aqui recorrida, não apresentou contra-alegações
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O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Colhidos os Vistos legais, vêm os autos à conferência para deliberação.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se estão verificados os pressupostos da exclusão de tributação em IRS, por força do disposto no art. 5º do DL 442-A/88, de 30 de Novembro.


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II - FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De Facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
«Com relevância para a decisão, tendo em conta a documentação junta aos autos e constante do Processo Administrativo Tributário, bem como a posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:

a) Em 21/03/1978 faleceu Laura ....., de 82 anos, no estado de viúva, sucedendo-lhe na herança o seu filho António ..... – Cfr. documento a fls. 36 e 39 do processo de reclamação graciosa, apenso;
b) Na mesma data a Impugnante Fernanda ..... adquiriu, por sucessão e juntamente com o seu marido António ..... a propriedade do prédio urbano sito na Praça ....., números….., ….., ….., ….., ….., ….., ….. e ….., tendo também os números….., ….., ….., ….., …..e …..da Rua ..... e os números….., ….., …..e …..da Rua ....., freguesia de ….., concelho de Sintra, descrito na …ª Conservatória do Registo Predial de Sintra, sob o nº ..... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P..... – Cfr. documentos a fls. 37 a 60 do processo de reclamação graciosa, apenso;
c) No imóvel identificado na alínea antecedente funcionou, até 13 de Abril de 2005, o estabelecimento hoteleiro denominado “H.....”, altura em que foi selado pela Inspecção-Geral das Actividades Económicas – Cfr. documento 6, junto pela Impugnante, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
d) Em 31/12/2005 o cônjuge da Impugnante, António ....., cessou a sua actividade em sede de IVA e de IRS – Cfr. documento 7, junto pela Impugnante;
 
e) Em 08/05/2006 a Impugnante e o cônjuge, casados no regime da comunhão geral, venderam o prédio identificado na alínea b), pelo valor de € 3.250.000,00 – Cfr. documento 3, junto pela Impugnante;
f) Em 03/11/2007 faleceu António ....., sem qualquer disposição de última vontade – Cfr. documento a fls. 78 do processo de reclamação graciosa, apenso;
g) Por ofício datado de 23/02/2010, remetido por correio registado, a AT notificou a Impugnante para apresentar a declaração de IRS relativa ao ano de 2006, com a cominação de no caso de o não fazer se proceder à liquidação nos termos das alíneas b) e c) do nº1 e nº2 e 3 do artigo 76º do CIRS, como não casado – Cfr. documento a fls. 106 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
h) Em 03/09/2010 os serviços da AT emitiram a Declaração Oficiosa modelo 3, de IRS, respeitante ao ano 2006, tendo sido preenchido oficiosamente, o Anexo G, relativo a Mais Valias e outros incrementos patrimoniais, relativamente à Impugnante, com o valor de realização, no ano de 2006, de € 1.625.000,00 e o valor de aquisição, em 09/2005, de € 199.225,00, quanto à quota parte de 50% ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ....., da freguesia com o código…..– Cfr. documento a fls. 100 do PAT, apenso;
i) Em 13/09/2010 foi efectuada a liquidação de IRS nº 2010 ....., relativa aos rendimentos da Impugnante do ano de 2006, da qual resultou o valor de imposto a pagar de € 292.503,27 e de juros compensatórios de € 39.171,39;
j) Em 28/02/2011 a Impugnante deduziu Reclamação Graciosa da liquidação referida na alínea antecedente – Cfr. Documento a fls. 2 e seguintes do processo de reclamação graciosa, apenso;
 
k) Em 22/02/2012 foi elaborada informação pelo Serviço de Finanças de Sintra …, no âmbito do processo de reclamação graciosa referido na alínea antecedente, da qual se destaca o seguinte: “(…) A liquidação

O sujeito passivo não apresentou a declaração periódica referente a IRS do ano de 2006.
Assim, procederam os serviços à emissão da liquidação respectiva, tendo por base elementos disponíveis e conhecidos.
Através da declaração modelo 11, respeitante a actos notariais, foi comunicada a alienação do imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Martinho com o artigo ....., sendo a ora oponente proprietária do mesmo imóvel.
O valor de alienação imputado à liquidação foi de € 1.625.000,00, correspondente à parte proporcional do valor total do contrato, sendo este sujeito em sede de IRS nos termos da alínea a) do nº1 do artº 10º do CIRS.
Em 2010.09.18 foi emitida a liquidação respectiva, com o nº ....., no valor de € 331.674,66, sendo € 292.503,27 de IRS e € 39.171,39 de juros compensatórios, com data limite de pagamento em 2010.10.27, e da qual foi o sujeito passivo notificado em 2010.09.24.
O imóvel alienado
O imóvel em causa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Martinho, provém dos artigos urbanos da mesma freguesia com o nº ….., ….. e …...
Conforme consta da certidão emitida pela conservatória do registo predial de Sintra, em 2005.06.01, o imóvel foi registado a favor de António ..... casado com Fernanda ....., na comunhão geral, por sucessão hereditária de António ..... e mulher Laura ..... casados no regime da comunhão geral, sendo ela falecida em 1978.03.21, no estado de viúva.
Assim, dos registos da Conservatória do Registo Predial consta que a ora oponente se tornou proprietária de imóvel em 1978.03.21.
Consta, ainda, dos registos prediais, que o imóvel em causa se encontrava afecto a actividade de natureza comercial industrial ou agrícola, sendo destinado a Hotel, e conhecido como H......
Nos termos do Código de Mais Valias, as transmissões de imóveis afectos a actividade comercial, encontravam-se sujeitas àquele imposto.
Dispõe a Circular 4/75 de 03/03 da DGCI, que os ganhos realizados na venda de bens afectos a actividade comercial, se encontram sujeitos a imposto, ainda que o comerciante tenha cessado a sua actividade declarando a afectação a uso próprio, de todo ou parte dos bens, pois apenas a um número restrito de elementos do activo imobilizado se poderá verificar o uso particular. Assim, e dando-se como provada:
A titularidade do imóvel pelos sujeitos passivos,
a sua afectação a actividade comercial do sujeito passivo marido,
e consequentemente a sua sujeição a Imposto de Mais Valias, sendo sujeito a IRS na data da transmissão, por não reunir as condições de exclusão previstas no regime transitório, foi liquidado o imposto devido pela transmissão, em nome do cônjuge sobrevivo ora reclamante. (…)” – Cfr. documento a fls. 81 a 83 do processo de reclamação graciosa, apenso;
 
l) Em 19/06/2012 foi elaborado projecto de decisão da reclamação graciosa, do qual se destaca o seguinte: “(…) Cumpre apreciar: o sujeito passivo não apresentou a declaração periódica referente a IRS do ano de 2006. Através da declaração modelo 11, respeitante a actos notariais, foi comunicada a alienação do imóvel em 08.05.2006, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Martinho com o artigo ....., sendo a ora reclamante proprietária do imóvel. O valor de alienação imputado à liquidação foi de € 1 625 000,00, correspondente à parte proporcional do valor total do contrato, sendo este sujeito à tributação em sede de IRS nos termos da alínea a) do nº1 do artº 10º do CIRS. O imóvel em causa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Martinho provém dos artigos urbanos da mesma freguesia com o nº ….., ….. e …... Conforme consta da certidão emitida pela conservatória do registo predial de Sintra, em 2005.06.01, o imóvel foi registado a favor de António ..... casado com Fernanda ....., na comunhão geral, por sucessão hereditária de António ..... e mulher Laura ..... casados no regime da comunhão geral, sendo ela falecida em 1978.03.21, no estado de viúva.
Assim, dos registos da Conservatória do Registo Predial consta que a ora oponente se tornou proprietária de imóvel em 1978.03.21. Consta, ainda, dos registos prediais, que o imóvel em causa se encontrava afecto a actividade de natureza comercial industrial ou agrícola, sendo destinado a Hotel, e conhecido como H...... Nos termos do Código de Mais Valias, as transmissões de imóveis afectos a actividade comercial, encontravam-se sujeitas àquele imposto.
Dispõe a Circular 4/75 de 03/03 da DGCI, que os ganhos realizados na venda de bens afectos a actividade comercial, se encontram sujeitos a imposto, ainda que o comerciante tenha cessado a sua actividade declarando a afectação a uso próprio, de todo ou parte dos bens, pois apenas a um número restrito de elementos do activo imobilizado se poderá verificar o uso particular.
Nestes termos, sou de parecer que atentas as razões aduzidas, deve o pedido ser indeferido.(…)” - Cfr. documento a fls. 96 a 98 do processo de reclamação graciosa, apenso;
 
m) Em 20/09/2012 a Impugnante requereu ao Director-Geral dos Impostos a emissão de certidão que atestasse a fundamentação do acto de liquidação de IRS relativo ao ano de 2006, identificado pelo nº 2010 ..... e da fundamentação da liquidação de juros, compensatórios e moratórios, reportados ao mesmo ano – Cfr. documento 2, junto com a p.i., o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.

n) Em 21/09/2012 foi proferido despacho, pelo Director de Finanças Adjunto, em regime de substituição, indeferindo a Reclamação Graciosa – Cfr. documento a fls. 101 do processo de reclamação graciosa;
o) Por ofício datado de 24/10/2012 foi a Impugnante notificada, na sequência de pedido de fundamentação por si apresentado, nos seguintes termos: “(…) Assunto: Liquidação IRS do ano 2006
Exmºs. Srs.
Conforme solicitado junto envio a certidão referente ao assunto em epígrafe, da contribuinte abaixo discriminada
Fernanda ....., NIF .....
Juntamos ainda cópia da declaração elaborada pelos serviços. (…)” – Cfr. documento a fls. 69;

p) Da certidão remetida à Impugnante com o ofício mencionado na alínea antecedente fazem parte os seguintes documentos: demonstração de juros compensatórios, demonstração de liquidação, detalhe do prédio alienado (valor patrimonial à data da alienação), declaração modelo 11, documento com histórico das notificações – Cfr. documento a fls. 70 a 79, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
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Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
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A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.
Não obstante se ter realizado a inquirição das testemunhas arroladas pela Impugnante, do seu depoimento nada se retirou que pudesse influir na decisão da matéria de facto, já que a documentação junta aos autos, não impugnada, se revelou bastante para o efeito.
As testemunhas inquiridas referiram que a Impugnante não exercia quaisquer funções no hotel e que as funções de gerência cabiam ao marido e que o hotel encerrou em 2005.»
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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou procedente a presente impugnação, anulando o acto de liquidação de IRS e de juros compensatórios impugnado, por ter concluído «que o ganho obtido pela Impugnante, resultante da venda do prédio urbano sito em Sintra, efectuada em 2006, não está sujeito a IRS, pela categoria G, porque – não obstante constituírem mais-valias «de alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis», nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS – entram no âmbito de aplicação da norma de delimitação negativa resultante do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, pelo que será de considerar procedente a presente Impugnação Judicial, anulando-se a liquidação impugnada.»


A Fazenda Pública inconformada, veio recorrer da referida decisão invocando que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida. E isto porque, o imóvel encontrava-se afecto à actividade empresarial do marido da impugnante, ora recorrida, entendendo a Fazenda Pública que a data relevante para o apuramento das mais-valias, apenas ocorre em 31.12.2005 – data em que o imóvel passou para a esfera particular da impugnante, sendo por isso devidas mais-valias. Atento o exposto, afigura-se que a liquidação foi efectuada em cumprimento das normas legais vigentes, procedendo a douta sentença a uma errada interpretação das normas vertidas nos artigos 3.º e 10.º do CIRS.

Adianta-se, desde já, que não assiste razão à recorrente.

Decisivo para a resolução desta questão é a forma e momento de aquisição do referido imóvel, por parte da impugnante, que adquiriu juntamente com o seu marido, por sucessão, verificada em 21 de Março de 1978, cfr. alíneas a) e b) do probatório.

Assim, a impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou, pelo que não tem razão a recorrente quando alega “que a data relevante para o apuramento das mais valias, apenas ocorre em 31.12.2005.”

Deste modo, o momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão, não relevando, como quer fazer quer a recorrente, qualquer outra data.

Façamos um breve enquadramento legal.
Vejamos o que dispunha o n.º 1 do artigo 1º do Código do Imposto de Mais-Valias, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, determinava que:
“Incidência
Artigo 1.º O imposto de mais-valias incide sobre os ganhos realizados através dos actos que a seguir se enumeram:
1.º Transmissão onerosa de terreno para construção, qualquer que seja o título por que se opere, quando dela resultem ganhos não sujeitos aos encargos de mais-valia previstos no artigo 17.º da Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, ou no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 41616, de 10 de Maio de 1958, e que não tenham a natureza de rendimentos tributáveis em contribuição industrial.
2.º Transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de elementos do activo imobilizado das empresas ou de bens ou valores por elas mantidos como reserva ou para fruição.
3.º Traspasse de locais ocupados por escritórios ou consultórios afectos ao exercício de profissões constantes da tabela anexa ao Código do Imposto Profissional.
4.º Incorporação de reservas no capital das sociedades anónimas, em comandita por acções, ou por quotas e emissão de acções, com reserva de preferência para os accionistas, ou, no caso de transformação de sociedades por quotas em sociedades anónimas, para os sócios da sociedade na sua forma anterior.
§ 1.º Consideram-se rendimentos tributáveis em contribuição industrial os ganhos provenientes da transmissão a título oneroso de terreno para construção até decorridos dois anos sobre a data da aquisição, quando esta se haja operado a igual título.
§ 2.º São havidos como terrenos para construção os situados em zonas urbanizadas ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo.
§ 3.º Os ganhos a que respeita o n.º 2.º, quando realizados mediante transmissão onerosa de terreno para construção ou de acções ou outras participações sociais, só ficarão sujeitos a imposto por força do que dispõem, respectivamente, os n.os 1.º e 4.º(…)”.

Por outro lado, o artigo 10º do CIRS, na alínea a) do seu nº 1, estabelecia que “Constituem mais – valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultam da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis”.

Importa ter, ainda, presente que o nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, estabeleceu um regime transitório relativo à categoria G, onde fazia uma delimitação negativa do âmbito de incidência do nº 1 do artigo 10º do CIRS, acima transcrito, e que dispunha o seguinte:
«os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965 (…) só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».

O presente litígio impõe, assim, a apreciação concatenada do artigo 1.º do CMV, do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 422-A/88, de 30 de Novembro e, ainda, do artigo 10.º do CIRS.

Com o Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o CIRS, foi abolido o imposto de mais valias, passando as mais valias a ser tributadas em sede de IRS, na categoria G, tendo este Código determinado que serão tributadas todas as transmissões onerosas sobre imóveis (artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS) o que constitui um significativo alargamento do regime até então vigente.

Por aquele motivo, e tendo em vista obviar à aplicação retroactiva do CIRS, o artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30 de Novembro estabeleceu um «Regime transitório da categoria G» nos termos do qual, na redacção inicial, «os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46373, de 9 de junho de 1965, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código»

Este preceito legal foi, posteriormente, alterado pelo Decreto-Lei n.º141/92, de 17 de Julho, passando a dispor o seguinte «os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei nº 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código».

No caso dos autos, como já referimos, trata-se de um prédio urbano que foi adquirido por sucessão e que manteve sempre essa natureza, ou seja, como vimos no enquadramento legal supra referido, a transmissão dos prédios urbanos não estavam sujeitos a imposto de mais valias.

Ora, «.(...), para saber se se verificam os pressupostos da tributação, releva a qualidade que o bem detinha no momento da entrada em vigor do CIRS, uma vez que, como se viu, no regime transitório estabelecido para a categoria G de IRS (regime previsto no n° 1 do art 5.º do citado DL 442-A/88), se estabelece que os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos de cuja transmissão provêm se houver efectuado depois da entrada em vigor deste Código.» (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0969/09, de 27-01-2010, cujo entendimento se encontra igualmente vertido nos recentes acórdãos deste Venerando Tribunal, processo n.º 0529/11, de 12-01-2012, e processo n.º 01072/12, de 30-01-2013, disponíveis in www.dgsi.pt).[1]


Assim, e concluindo, os ganhos obtidos com a alienação só são reconhecidos como mais valias tributáveis se o CIMV os reconhecesse também, o que não é o caso.

Por último, vem, ainda, alegar a recorrente que o imóvel se encontrava afecto à actividade empresarial do marido da impugnante como hotel até 13/04/2005, e que apenas na data de cessação de actividade o imóvel passou para a esfera particular da impugnante, pelo que para efeitos de mais valia é esta a data que releva.

Vejamos.

Na sentença recorrida, e sobre esta questão, escreveu-se o seguinte:
«Nem se diga, como pretende a AT, em fundamentação posterior ao acto de liquidação, elaborada em sede de reclamação graciosa, que a sujeição se devia ao facto de o prédio em causa estar afecto à actividade comercial do marido da Impugnante, concluindo, sem mais, que nos termos do Código de MaisValias, as transmissões de imóveis afectos a actividade comercial se encontram sujeitos àquele imposto.
A fundamentação a posteriori não é admissível já que a mesma, por ser a base/causa do acto de liquidação, tem que, necessariamente, preceder aquele.
Como se disse no Acórdão do TCAS de 10/05/2011, proferido no âmbito do processo nº 3716/10:
“(…) Uma fundamentação a posteriori consubstancia gritante ilegalidade, em virtude de, no contencioso de mera legalidade, onde nos encontramos, o tribunal se ter de limitar a ajuizar da legalidade do acto sindicado nos estritos moldes em que este ocorreu, ou seja, apreciando a respectiva conformidade legal em face da fundamentação contextual, contemporânea e integrante do próprio acto.
4. Implicando o direito à fundamentação dos actos administrativos, especificamente, dos tributários, atribuir ao particular a faculdade de se defender dos pressupostos que nos mesmos são enunciados e de que resultaram os efeitos lesivos da sua pretensão, não é possível aproveitar um qualquer acto quando para tanto seja preciso valorar razões de facto e/ou de direito que não constam da fundamentação inicial, integrante dele, que não foram invocadas para conduzir ao acto impugnado.(…)”

Dito isto, ao Tribunal não cabe levar em consideração qualquer tipo de fundamentação que seja posterior ao acto de liquidação impugnado, pelas razões supra expostas.»

Ora, a recorrente não veio, no presente recurso, alegar qualquer fundamento contra o decidido sobre esta questão, em 1ª instância.
Assim, não tendo a recorrente esgrimido qualquer argumento que contrariasse  a decisão que considerou que tal alegação era fundamentação a posteriori e que por isso não era admissível, também não pode este Tribunal ir apreciar tal questão, uma vez que é matéria que já foi decidida pela 1ª instância e transitou em julgado, porque não recorreram desse segmento da sentença.

Face ao exposto, no caso concreto, considerando que a sucessão se abriu em 21 de Março de 1978, que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989, nos termos do disposto no art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, haverá que ter-se em conta o disposto no art.º 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30.11 por estarmos perante uma operação que não era tributada em sede de imposto de mais valias.

Termos em que improcede o presente recurso e se mantém a sentença recorrida.


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Uma pequena nota final relativamente à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

No caso concreto, ponderado o comportamento processual das partes litigantes, a complexidade do processo, e atendendo a que as questões decidendas não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, consideramos ser de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 7, do RCP.

Registe e notifique.


Lisboa, 6 de Fevereiro de 2020

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                                                       [Lurdes Toscano]

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                                                               [Maria Cardoso]

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                                                                             [Catarina Almeida e Sousa]


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[1] Acórdão do STA de 02/07/2014, Proc. 01396/13, disponível em www.dgsi.pt