Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07911/14
Secção:CT
Data do Acordão:10/27/2016
Relator:CRISTINA FLORA
Descritores:IMI, 2.ª AVALIAÇÃO DE TERRENO PARA CONSTRUÇÃO, COEFICIENTE DE QUALIDADE E CONFORTO (CQ)
Sumário:I. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq);
II. O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, que julgou procedente a impugnação apresentada por J..., do acto de segunda avaliação para efeitos do IMI referente ao artigo matricial n.º 4993, da freguesia de ..., concelho de ....

A Recorrente, Fazenda Pública, apresentou as suas alegações, e formulou as seguintes conclusões:

«CONCLUSÕES:

I. Considerou a, aliás, Douta Sentença, que a Autoridade Tributária deveria ter atendido às “características da parcela de terreno, por a mesma não ter resultado de um loteamento devidamente autorizado e nessa medida ainda não terem sido realizadas as infraestruturas de saneamento, água, luz e gás, assim como os arruamentos pavimentados.”, pelo que a avaliação efetuada incorreu em erro de facto e de direito;
II. Não se concorda com o decidido, pois o que o art.º 45.º do CIMI manda considerar, na avaliação de terrenos para construção é ao “somatório do valor da área de implantação do edifício a construir, que é a situada dentro do perímetro de fixação do edifício ao solo, medida pela parte exterior, adicionado do valor do terreno adjacente à implantação”, variando o valor da implantação “entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas”;
III. Aquela disposição legal não manda, assim, atender a características minorativas ou majorativas intrínsecas à parcela de terreno (seria sempre óbvia a não existência, por exemplo, de via pavimentada, ou de cozinha – trata-se de terreno para construção) mas, quando muito, manda atender às características do edifício a construir, para efeitos de concretização do n.º 2 do art.º 45.º do CIMI;
IV. José Maria Fernandes Pires, em Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, págs. 104 e 105, quanto à avaliação de um imóvel desta natureza, refere - “O valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e com determinado valor. (…). Por essa razão, quanto maior for o valor dos prédios a construir, maior é o valor do terreno para construção. Entende este Autor que o modelo de avaliação dos terrenos para construção é igual ao dos edifícios construídos, “mas partindo-se da avaliação do edifício a construir, com base no respetivo projeto”;
V. Defende este Autor, contra anterior decisão do Supremo Tribunal Administrativo que, na avaliação de terreno para construção, tem de se aplicar o sistema de avaliações ao projeto de construção [tal entendimento, veio a ser seguido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCA Sul) 04950/11, de 14.02.2012];
VI. Com o devido respeito, não se concorda, na totalidade. Existem coeficientes cuja aplicação aquando da avaliação dos terrenos para construção é, de todo, impossível - desde logo, o coeficiente de vetustez. Existem também coeficientes que não são aplicáveis no todo - aqueles cuja lei estipula serem aplicáveis “ao valor base do prédio edificado” - n.º 1 do art.º 43.º;
VII. No entanto, ainda que assim fosse, no seguimento do defendido pelo autor, o sistema de avaliações é aplicável ao projeto de construção e não, como resulta da Douta Sentença, à parcela de terreno;
VIII. O que há que ter em conta, para efeitos de avaliação do lote de terreno, será o tipo de construção cuja implantação está autorizada ou projetada. Os outros coeficientes constantes do art.º 43.º (coeficiente de qualidade e conforto) não têm legalmente aplicação, de forma direta, ao lote de terreno. Apenas poderiam ser tidos em conta para encontrar o valor do imóvel ali a implantar;
IX. Segundo o Autor e obra citados, a razão de ser do coeficiente aplicável às moradias unifamiliares evidencia que a Lei entende que o valor de uma habitação em moradia pode ser superior ao de uma habitação em apartamento, até 0,20;
X. Como defendido, em sede de contestação, “quanto ao alegado excesso da majoração (de 0,13) do coeficiente de qualidade e conforto (Cq), com o devido respeito, é argumento que entendemos não colher pois são atribuídos pela Comissão Nacional de Avaliação de Prédios Urbanos (CNAPU), com base numa correlação positiva com as percentagens do valor das edificações autorizadas ou previstas para determinado terreno para construção (cf. alínea b) do n.º 1 do art. 62º do CIMI);
XI. E, à data da avaliação do terreno, existia apenas a informação da Câmara Municipal de ... quanto à viabilidade construtiva (Doc. 2 junto à PI), único elemento que foi junto à declaração modelo 1 (cf. fls. 15 e PA);
XII. Ora, não havendo sequer projeto de construção, o único dos coeficientes previstos no art. 43.º do CIMI que podia ser determinado, e mesmo assim só base numa correlação positiva com as percentagens do valor das edificações previstas para o terreno supra indicado, era o fator majorativo referente a moradias unifamiliares atenta a viabilidade construtiva constante do Doc. 2 junto à PI.”;
XIII. No caso, de relevante para a avaliação tal como regulada no art.º 45.º do CIMI, tratar-se de moradia (edifício a implantar), com as áreas indicadas pelo contribuinte, aquando da entrega da declaração Modelo 1 do IMI, para efeitos de avaliação do lote de terreno;
XIV. Não existindo, repete-se, sequer projeto de construção, ao qual seria aplicado, no entendimento sufragado pelo Autor supra citado, o regime geral das avaliações, nada mais teria de ser atendido, não padecendo a avaliação Impugnada, de qualquer vício;
XV. Ao decidir, da forma que decidiu, violou o tribunal “a quo”, o disposto nos art.º 45.º e 43.º do CIMI.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a Impugnação improcedente.»
****

O Recorrido, apresentou as seguintes contra-alegações:

1. “A presente alegação só se justifica por dever de ofício e para demonstrar que o presente recurso interposto pela FAZENDA NACIONAL representa um incoerente e inconsequente exercício de pesca à linha votado ao fracasso.

2. A incoerência resulta do facto de a recorrente ter aceite, por falta de tempestivo recurso, a decisão final proferida nos autos de impugnação que correram e ainda correm termos nestes mesmos Tribunal e Unidade Orgânica com o n.º .../08.3BEALM, em que as partes são as mesmas, as respectivas e iguais provas foram prestadas em audiência conjunta que abrangeu ambos os processos e cujos termos das decisões proferidas em ambos os processos diferem apenas na identificação do artigo matricial, 4993.º nos autos ora em recurso e 5051.º no outro, dos pormenores da paginação dos documentos juntos a cada um deles e do parecer do Digno Magistrado do M.º P.º que, num caso, pugnou pela procedência da impugnação (P.º n.º .../08) e no dos presentes autos remete para a posição da Fazenda Pública, sabe-se lá porquê. O tribunal tem conhecimento pleno desse facto que não carece sequer de ser alegado, e, por isso, o alegante se dispensa de o documentar, sufragando -se do disposto no art.º 412.º do Cod. Proc. Civil vigente.


3. No entanto, a actuação da FAZENDA NACIONAL com o presente recurso indicia claramente que deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, pois tendo aceite como boa a decisão final desfavorável que foi proferida nos identificados autos com o n.º .../08.1BEALM, não se compreende, nem é aceitável, com razoabilidade, que venha interpor o presente recurso nos termos em que o faz. Por isso, a ousadia da “pesca” tem um nome e está abrangida pelas previsões do art.º 542.º do Cod. Proc. Civil, pelo que deverá a recorrente ser condenada em pesada multa e em justa indemnização a favor do recorrido e ora alegante que abranja também o reembolso das despesas previstas nas als. a) e b) do n.º 1 do art.º 543.º do mesmo Código, a fixar equitativamente pelo tribunal em quantia certa.

4. O presente recurso é também inconsequente porque jamais lei alguma ou interpretação mirabolante da mesma poderão transformar em igual o que é desigual. Ora, no caso sub iudicio, a parcela de terreno avaliada, como está provado na sentença recorrida, situa-se em “Espaço Urbanizável de Baixa Densidade H1”, (facto 1.), não dispõe de arruamentos, nem é servida por rede de esgotos, abastecimento de água, de electricidade ou de gás (facto 9.) e o pedido de licenciamento de obras apresentado em 01/04/2008 à Câmara Municipal de ..., ainda hoje se encontra pendente de decisão definitiva (Factos 10. E 11.) que, tudo indicia, será desfavorável ao requerente.
Na verdade, uma coisa é o espaço ou solo urbanizável e outra bem diferente é o solo urbanizado, bem definidos actualmente no art.º 12.º do Decreto Regulamentar n.º 11/2009, de 29.5.2009, sendo que apenas o último se encontra dotado de infra-estruturas urbanas e é servido por equipamentos de utilização colectiva. Acontece que a avaliação impugnada não atendeu aos factos dados como provados na douta sentença recorrida e a recorrente remetendo-se para critérios objectivos quer transformar aquilo que é desigual em igual. Toda a gente sabe – facto público e notório – que o preço de um terreno que não dispõe de arruamentos, nem é servido por rede de esgotos, de abastecimento de água, de electricidade e de gás, ainda que seja solo urbanizável, é muito inferior a um terreno urbanizado que dispõe de arruamentos e é servido pelas referidas redes. No caso, o aqui alegante foi enganado uma primeira vez pelo tribunal que lhe adjudicou, em hasta pública, a venda de um lote de terreno dito para construção que veio a verificar depois que ainda hoje não dispõe de condições para ser licenciado.
E foi enganado pela segunda vez na avaliação do mesmo lote de terreno por não se ter atentado na sua situação real reflectida nos factos provados na sentença nos n.os 2 (espaço urbanizável), 9. (falta de arruamentos e de redes de esgotos, de abastecimento de água, de electricidade e de gás), e 10. e 11. (falta de licenciamento de obras). As normas que regulam a avaliação de terrenos para construção ou ditos como tal, que não permitam distinguir entre terreno ou solo urbanizável (sem as infraestruturas já mencionadas) e terreno ou solo urbano que é o dotado de infraestruturas urbanas e é servido por equipamentos de utilização colectiva, violam claramente o princípio da igualdade consagrado no art.º 13 da nossa lei fundamental uma vez que tratam de forma igual aquilo que é claramente desigual.

5. Volvendo às conclusões da recorrente e que definem o objecto do presente recurso, nada permite concluir que o art.º 45.º do CIMI afasta o recurso ao disposto no art.º 43.º na avaliação dos terrenos para construção, uma vez que tal até se mostra em sintonia com o princípio da igualdade, na vertente de tratar de forma desigual aquilo que é desigual, assim permitindo uma aplicação harmoniosa da lei às múltiplas realidades da vida.
Improcedem, por isso as conclusões II e III.

6. E igual sorte têm as conclusões IV, V, VI e VII uma vez que no caso em apreço não existe projecto, nem sequer licenciamento das obras. Como é evidente, o reconhecimento pela própria recorrente de que o coeficiente de vetustez é inaplicável na avaliação de terrenos para construção só significa que a aplicação dos demais tem de ser feita nos termos harmoniosos que já se referiram e respeita o principio da igualdade.

7. A tese defendida pela recorrente nas demais conclusões tem a curiosidade de só aceitar tudo o que são majorações, mas recusar o que seja minoração, tudo isso em frontal desconformidade com a realidade já demonstrada e que tem de orientar os senhores peritos no acto da avaliação. Curiosidade essa levada ao estremo de valorizar ao limite máximo um terreno que não dispõe de projecto aprovado, nem tão pouco de licenciamento, nem dispõe de quaisquer infraestruturas, como está provado. Se o direito é a ciência do bom senso ou do senso comum, como sempre nos ensinaram, aqui temos, na tese da recorrente, uma flagrante demonstração do contrário, atingindo uma verdadeira situação de arbítrio. Assim, é evidente que a sentença recorrida não violou o disposto nos art. 45.ºe 43.º do CIMI e antes os respeitou escrupulosamente em harmonia com os princípios superiores consagrados no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa que, na tese da recorrente, seriam fragorosamente violados.
Improcedem, por isso, todas as demais conclusões apresentadas pela recorrente: VIII a XV, com todas as consequências legais.

Nestes termos e nos demais de direito que o tribunal ad quem doutamente suprirá, em obediência ao principio de que “o igual deve ser tratado igualmente e o desigual desigualmente”, deve ser julgado improcedente o recurso e a recorrente ser condenada por litigância de má fé nos termos atrás referidos em 3.
E.D.
SÓ ASSIM SERÁ FEITA JUSTIÇA.”
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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A questão invocada pela Recorrente nas suas conclusões das alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, na medida em que, estando em causa um terreno para construção na 2.ª avaliação não tinha de ser considerado qualquer elemento minorativo do coeficiente de qualidade e conforto, apenas tendo sido possível determinar o majorativo, violando-se o disposto no art. 45.º e 43.º do CIMI.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Matéria de facto

A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«III – Fundamentação
A)- DOS Factos Provados

Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada, encontram-se assentes, por provados, os seguintes factos com interesse para a decisão de mérito:

1. Em 24/01/2006 o impugnante apresentou junto da Câmara Municipal de ... um pedido de informação sobre a viabilidade de construção no lote de terreno para construção, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de ..., sob o artigo 4993, de que o mesmo é titular(cfr. doc. junto a fls. 9 e 10 do processo instrutor junto aos autos);
2. Em 30/01/2006 o Município elaborou uma informação no sentido de a parcela de terreno se situar em "Espaço Urbanizável de Baixa Densidade H1", cuja edificabilidade teria que respeitar os parâmetros que discriminou (cfr. doc. junto a fls. 9 e 10 do processo instrutor junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3. Em 03/11/2006, o impugnante apresentou declaração para inscrição daquela parcela de terreno para construção, junto do Serviço de Finanças de ... 2ª, discriminando as seguintes áreas: - Área total do terreno: 300,00m2; - Área de implantação do prédio: 99,00 m2; - Área bruta de construção: 150,00 m2; - Área bruta dependente: 40,00 m2. tudo em consonância com a informação identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 15 e 16 do processo instrutor junto aos autos);
4. Em 30/03/2007 o Serviço de Finanças de ... 2 procedeu à avaliação do lote de terreno, tendo sido atribuído o valor patrimonial de € 61.980,00 euros. (cfr. doc. junto a fls. 20 e 26 e 27 do processo instrutor junto aos autos).
5. Em 16/05/2007 foi apresentado pelo Impugnante um pedido de 2ª avaliação (cfr. doc. junto a fls. 22 a 25 do processo instrutor junto aos autos);
6. Em 17124/2007, a Comissão tendo atribuído ao imóvel o valor patrimonial tributário de € 61.980,00 euros com o voto desfavorável do perito indicado pela Impugnante (cfr. docs. juntos a fls. 35 a 37 do processo instrutor junto aos autos);
7. Na atribuição de tal valor foram considerados os seguintes elementos que constam da ficha de 2ª avaliação nº 1950111:



ElementosDeclaradosAvaliados
Afectação

Área total do terreno
Habitação

300,0000m2
300,0000m2
Área de implantação do edifício190,0000 m2
Área bruta de construção

Área bruta dependente
150,0000 m2

40,0000 m2
190,0000 m2

40,0000m2
Coordenadas X, Y122.027,00/173.544,

00
Percentagem para cálculo da área

de implantação
35,00
Tipo de coeficiente de localizaçãoHabitação
Coeficiente de localização1,50
Coeficiente de moradia0,13
Elementos de qualidade e conforto
Elementos1
Data de passagem a urbano1994-08-101994-08-10
8. De acordo com a fórmula de cálculo do valor patrimonial do prédio, fez-se constar os seguintes elementos na expressão equacionada:

Vc615,00
A162,0000
%35%
Ac2,7500
Ad0,0000
Cl1,50

Ca1,00
Cq1,13
VT=61.980,00

9. A parcela de terreno não dispõe de arruamentos, nem é servida por rede de esgotos, abastecimento de água, de electricidade ou de gás.
10. Em 01/04/2008 o impugnante dirigiu à Câmara Municipal de ... um pedido de licenciamento de obras, para construção de moradia isolada, tendo sido proposta o seu indeferimento, "por o local não se encontrar intra-estruturado, não permitindo sequer a identificação visual da serventia pública indicada no projecto"(cfr. doc. junto a fls. 34 e 35, frente e verso dos autos);
11. O processo identificado no ponto anterior ainda não foi objecto de decisão definitiva (cfr. doc. junto a fls. 40 a 42 dos autos)
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A decisão da matéria de facto com base no exame das informações e dos documentos, não impugnados, que dos autos constam, todos objecto de análise concreta, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, bem como do depoimento das testemunhas arroladas que demonstraram conhecer bem a realidade do prédio cuja avaliação se encontra a ser discutida nos autos.
*

DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Dos factos constantes da impugnação, todos objectos de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
****

2. Do Direito

Conforme resulta dos autos vem sindicada a sentença proferida pela Meritíssima Juíza do TAF de Almada que julgou procedente a Impugnação judicial da 2.ª avaliação de IMI de um terreno para construção, entendendo-se, na parte com relevo para a decisão do recurso o seguinte:

“O que o impugnante considera que não foi relevado prende-se com as características da parcela de terreno, por a mesma não ter resultado de um loteamento devidamente autorizado e nessa medida ainda não terem sido realizadas as infra-estruturas de saneamento, água, luz e gás, assim como os arruamentos pavimentados.
Tais elementos são tidos em consideração no coeficiente de qualidade e conforto - art. 43º - sob a forma de elementos minorativos. No acto de avaliação foi tido em consideração o valor 0,13, correspondente ao elemento majorativo de "moradia unifamiliar", mas não foi considerado qualquer elemento minorativo. Como refere o impugnante atento que a parcela de terreno não tem as infra-estruturas de saneamento, água, luz e gás, assim como os arruamentos pavimentados, deviam ter sido considerados os valores minorativos de 0,08; 0,10;0,02;0,05 e 0,03, correspondentes à inexistência de rede pública ou privada de água, electricidade, gás e esgotos e inexistência de ruas pavimentadas, e subtraídos à unidade.
Não tendo a Comissão de Avaliação considerado tais elementos minorativos, incorreu em erro de facto e de direito, com repercussão na validade do acto de avaliação, como vem apontado pelo impugnante.”

Ou seja, na sentença recorrida subjaz o entendimento de que na avaliação não foram considerados todos os elementos para o apuramento do coeficiente de qualidade e conforto, pois foi tido em consideração o valor de 0,13 resultante unicamente de elemento majorativo, mas não tendo sido considerado qualquer elemento minorativo.

Sublinhe-se, desde logo, que o coeficiente de qualidade e conforto (Cq) obtém-se adicionando à unidade os coeficientes majorativos e subtraindo os minorativos que constam das tabelas I e II (cfr. art. 43.º do CIMI).

A Recorrente entende que a sentença enferma de erro de julgamento, pois na avaliação não tinham de ser considerados os elementos minorativos, mas apenas o majorativo, único que era possível ser determinado.

Ora, de acordo com o recentíssimo acórdão do Pleno do STA de 21/09/2016, proc. n.º 01083/13, na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq).

Com efeito, escreveu-se o seguinte naquele acórdão, cujo entendimento adoptado também aqui sufragamos:
“O terreno em causa nos autos integra uma das espécies de prédios urbanos na categoria de terreno para construção. E, tratando-se de uma das espécies de prédio urbano o valor patrimonial deverá ser determinado por avaliação directa (nº 2 do artigo 15 do CIMI) devendo ser avaliado de acordo com o disposto no artigo 45º do mesmo compêndio normativo pois que a fórmula prevista no nº 1 do artigo 38 do CIMI (Vt= Vc x A x CA x CL x Cq x Cv) apenas tem aplicação aos prédios urbanos aí discriminados ou seja àqueles que já edificados estão para habitação, comércio, indústria e serviços (assim se decidiu no ac. deste STA de 20/04/2016 tirado no recurso 0824/15 disponível no site da DGSI - Jurisprudência do STA) onde se expendeu: (…) Todavia o legislador não incluiu aí os terrenos para construção que também classifica de prédios urbanos no artigo 6º do CIMI.
Para a determinação do valor patrimonial tributário dos mesmos há a norma do artigo 45 já referida onde apenas é relevada a área de implantação do edifício a construir e o terreno adjacente e as características do nº 3 do artigo 42. Os restantes coeficientes não estão aí incluídos porquanto apenas podem respeitar aos edifícios, como tal.
O coeficiente de afectação só pode relevar face à comprovada utilização do prédio edificado e bem assim o de conforto e qualidade. Tais coeficientes multiplicadores do valor patrimonial tributário apenas respeitam ao edificado mas não têm base real de sustentação na potencialidade que o terreno para construção oferece. A aplicação destes factores valorizadores na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos de construção só poderia ser levada a cabo por analogia com o disposto no artigo 38 do CIMI.
Mas porque a aplicação desses factores tem influência na base tributável tal analogia está proibida por força do disposto no nº 4 do artigo 11 da LGT por se reflectir na norma de incidência na medida em que é susceptível de alterar o valor patrimonial tributário.
A aplicação desses coeficientes na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção seria violadora do princípio da legalidade e da reserva de lei consagrado no artigo 103 nº 2 da CRP.
A própria remissão para os artigos 42 e 40 do CIMI constante do artigo 45 e mesmo a redacção dada ao artigo 46 relativo ao valor patrimonial tributário dos prédios da espécie “outros” em que expressamente se refere que “o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do artigo 38 com as necessárias adaptações “é demonstrativo de que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não entram outros factores que não sejam o valor da área da implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação.
É que mesmo a remissão feita para os artigos 42 e 40 do CIMI não consagra a aplicação dos coeficientes aí referidos mas apenas acolhe, respectivamente as características que hão-de determinar o valor do coeficiente a utilizar e o modo de cálculo. O que se compreende face à definição de terrenos para construção do nº 3 do artigo 6 do C.I.M.I.(…)
Concordando e não olvidando a doutrina expressa por José Maria Fernandes Pires in Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo 2012, 2ª edição pp104 de que “o valor de um terreno para construção corresponde, fundamentalmente, a uma expectativa jurídica, consubstanciada num direito de nele se vir a construir um prédio ou prédios com determinadas características e com determinado valor,” e que para a avaliação de terrenos para construção a lei manda separar duas partes do terreno (uma primeira parte a do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir) e uma segunda parte a restante constituída pelo terreno que fica livre no lote de terreno para construção expressando que para alcançar o valor da primeira parte é necessário proceder à avaliação do edifício a construir como se ele já estivesse construído.
Com o devido respeito, não se acolhe integralmente esta doutrina pelas dúvidas e imprecisões que pode acarretar e que em matéria fiscal devem ser evitadas. Desde logo a lei, no artº 6º nº 3 do CIMI classifica de terrenos para construção realidades que não têm aprovado qualquer projecto de construção pelo que a sua inexistência determina por si só a inviabilidade de efectuar o cálculo da chamada área de implantação do edifício porque inexistente mesmo em projecto e por outro lado, nos casos em que existe esse projecto (parece ser o caso dos autos uma vez que no processo administrativo apenso se faz referência a uma moradia unifamiliar (vide fls.48 a 56)) cumpre salientar que a qualidade e o conforto têm de ser efectivos o que se compreende porque o direito tributário se preocupa com realidades e verdades materiais não podendo a expectativa ou potencial construção de um edifício com anunciados/programados índices de qualidade e conforto integrar um conceito que objectivamente, só é palpável e medível se efectivada a construção e se, realizada sem desvios ao constante da comummente conhecida “memória descritiva” que acompanha cada projecto de construção. Também é certo que a valorização imediata do prédio por efeito da atribuição do alvará de terreno para construção não deixará de ser levada em conta para efeitos de tributação, em caso de alienação, com a tributação noutra sede tributária.
Como se expressou no acórdão deste STA a que supra fizemos referência
(…) Efectivamente o coeficiente de afectação tem a ver com o tipo de utilização do prédio já edificado e o mesmo se diga do coeficiente de qualidade e conforto.
Nos terrenos em construção as edificações aprovadas são meramente potenciais e é o valor dessa capacidade construtiva, geradora de acréscimo de valor patrimonial ou riqueza para o seu proprietário que se procura taxar. E não factores ainda não materializados (…).
Tendo em conta a realidade o legislador consagrou para a determinação do valor patrimonial tributário desta espécie de prédios a regra específica constante do supra referido artigo 45 do CIMI e não outra, onde reitera-se se tem em conta o valor da área de implantação do edifício a construir e o valor do terreno adjacente à implantação bem como as características de acessibilidade, proximidade, serviços e localização descritas no nº 3 do artigo 42, tendo em conta o projecto de construção aprovado, quando exista, e o disposto no nº 2 do artigo 45 do C.I.M.I, mas não outras características ou coeficientes.
Isto só pode significar que na determinação do seu valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação integral a fórmula matemática consagrada no artigo 38º do CIMI onde expressamente se prevê, entre outros o coeficiente, aqui discutido, de qualidade e conforto relacionado com o prédio a construir. O que, faz todo o sentido e dá coerência ao sistema de tributação do IMI uma vez que os coeficientes previstos nesta fórmula só podem ter a ver com o que já está edificado, o que não é o caso dos terrenos para construção alvo de tributação específica, sim, mas na qual não podem ser considerados para efeitos de avaliação patrimonial factores ainda não materializados. E, sendo verdade que para calcular o valor da área de implantação do edifício a construir a lei prevê que se pondere o valor das edificações autorizadas ou previstas (artº 45º nº 2 do CIMI) para tal desiderato, salvo melhor opinião não necessitamos/devemos entrar em linha de conta, necessariamente, com o coeficiente de qualidade e conforto pois que não estando materializado não é medível/quantificável, sendo consabido da experiência comum que um projecto de edificação contemplando possibilidades modernas de inserção acessória de equipamentos vulgarmente associados ao conceito de conforto tais como ar condicionado, videovigilância robótica doméstica, luzes inteligentes etc, se edificado/realizado com defeitos pode não se traduzir em qualquer comodidade ou bem estar, antes pelo contrário ser fonte de problemas/insatisfações e dispêndios financeiros.”

Assim sendo, resulta da jurisprudência supra citada que na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não tem aplicação o coeficiente de qualidade e conforto (Cq) previsto no art. 43.º do CIMI, devendo a avaliação ser efectuada nos estritos termos do art. 45.º do mesmo código que dispõe sobre o valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.

Como resulta do ponto 8 da matéria de facto, na avaliação do terreno para construção foi considerado o coeficiente de conforto de 0,13 que resulta de um elemento majorativo que foi tomado em consideração, não tendo sido considerado qualquer elemento minorativo.

A Recorrente insurge-se contra a sentença recorrida invocando que não foi considerado o elemento minorativo porque não tinha de ser, não era possível. Sucede que, tal como não poderia ter sido considerado o elemento minorativo, também o majorativo não poderia concorrer para o apuramento do valor patrimonial, pois também este constitui um elemento que integra o cálculo do coeficiente de qualidade e conforto (Cq) (cfr. Tabela I do art. 43.º do CIMI), como supra referido.



Em suma, seguindo a jurisprudência supra exposta, e aplicando-a ao caso dos autos, na avaliação do terreno para construção impugnada nos autos não poderia ter sido considerado qualquer elemento que compõe o coeficiente de conforto (Cq), e ao ter sido, o acto de 2.ª avaliação enferma de erro sobre os pressupostos de direito, e nessa medida deve ser anulado, mas com a presente fundamentação, pelo que o recurso não merece provimento.

Por fim, e quanto ao pedido da Recorrida de condenação da Recorrente em multa ao abrigo do disposto no art. 542.º do CPC, não se verifica qualquer litigância de má-fé, na medida em que não estamos perante uma situação de falta de fundamento de que não deveria ignorar a Fazenda Pública, desde logo porque, a jurisprudência ora seguida no presente acórdão resulta de uma oposição de acórdãos sobre a mesma questão o que demonstra que esta não era pacífica. Por outro lado, o facto da Fazenda Pública se ter conformado com a decisão a 1.ª instância num outro processo, de per se, não preenche os pressupostos do preceito legal em causa, não consubstanciando litigância de má-fé.

3. Sumário do acórdão

I. Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 45.º do Código do IMI, não havendo lugar à consideração do coeficiente de qualidade e conforto (cq);
II. O artigo 45 do CIMI é a norma específica que regula a determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.



III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, confirmar-se a decisão recorrida, mas com fundamentação diversa.
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Custas pela Recorrida.
D.n.
Lisboa, 27 de Outubro de 2016.

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Cristina Flora

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Ana Pinhol

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Joaquim Condesso