Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2334/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/20/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IRC – MÉTODOS INDIRECTOS
ÓNUS DA PROVA – VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS
Sumário:I - Competia à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação por métodos indirectos, nos termos do artigo 74°, nº 3 da LGT, cabendo-lhe demonstrar que a liquidação não podia assentar nos elementos fornecidos pelo sujeito passivo e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.

II - Não tendo a AT cumprido o ónus que sobre si impendia, não se encontrava a mesma legitimada a recorrer aos métodos indirectos como meio de determinação da matéria colectável, pelo que a liquidação de IRC emitida na sequência das correcções efectuadas ao abrigo daquele método é, como a sentença julgou, ilegal.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a IMPUGNAÇÃO Judicial deduzida por Construções ..-... SA contra a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios com o nº 2010 ..-...96, respeitante ao exercício de 2006, no montante de €360.492,79.

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

«I - Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou parcialmente procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências ai sufragadas, por ter considerado que não estavam contemplados os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, uma vez que a expressão percentual dos adquirentes das fracções autónomas ser diminuta, cerca de 4,3%, sendo que, também desconsiderou o critério utilizado pela AT, o preço médio ponderado do m2, para a quantificação da omissão de proveitos.
II - Efectivamente, consta do relatório de inspecção, doravante RIT, que foram notificados os 115 adquirentes das fracções autónomas, sendo que 5 adquirentes, em termo de declarações, declararam que houve divergência entre os valores constantes das escrituras de compra e venda e o valor efectivamente pago e, para tanto facultaram os elementos requeridos pela AT, ou seja, cópia dos contratos promessa de compra e venda, as escrituras, os meios de pagamento, cheque emitido no acto da escritura bem como cheques emitidos aquando da realização do contrato promessa.
III - Acresce mencionar que, 11 dos 20 adquirentes que não auto denunciaram a diferença nas escrituras, possuíam empréstimos em que tinham como garantia o imóvel adquirido superior ao valor da escritura e/ou empréstimos que conjugados com os montantes das mais valias realizadas totalizavam um valor superior ao da escritura.
IV - Face ao supra mencionado, não vieram aqueles 11 adquirentes justificar com prova documental o fim a que se destinou o montante dos empréstimos que excediam o valor da escritura.
V - Ora, os documentos juntos às notificações que demonstravam as divergências não foram nem são indícios mas provas de que houve ocultação de proveitos pela impugnante e, tanto assim foi que no laudo do perito independente foi considerado que estavam contemplados os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, sem que na douta sentença esse facto fosse relevado.
VI - Sobre a concordância e/ou discordância do laudo do perito independente, o Ac. do TCAS, em que "(...) procedimento de revisão pode ainda o contribuinte requerer a nomeação de um perito independente, o qual faz parte de uma lista elaborada pela Comissão Nacional de Revisão, e têm em vista, contribuir para a uniformidade dos critérios técnicos utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos - cfr. n.º1 do art.º 94.º da mesma LGT - sendo que a lei atribui ao parecer de tal perito um valor reforçado, mercê da sua qualificação no domínio da economia e de não poder desempenhar qualquer função e cargo público - cfr. n.º 2 do art.º 93.º da mesma LGT". - vide Ac. do TCAS de 12/07/2011, proferido no proc. n.º 04279/10
VII - Neste pressuposto, a impugnante não poderia pôr em crise e assacar o vício invocado de falta dos pressupostos dos métodos indirectos uma vez que o perito independente concorda com tal posição, pelo que a litigar seria a sua quantificação e o critério.
VIII - Com respeito aos pressupostos dos métodos indirectos, invoca a Fazenda os Ac. do TCAS de 06/09/2009, proferido no proc. n.º 02803/08, quando a impugnante refere que é ilegal a aplicação de métodos indirectos e correcções técnicas.
IX - Relativamente aos pressupostos dos métodos indirectos, chamou à colação a Fazenda, seguindo de perto o Ac. do TCAS de 07/06/2011, proferido no proc. n.º 04346/10
X - Na verdade, tal como refere o DMMP a impugnante não logrou provar o excesso de quantificação nem o critério aplicado, ou seja, não provou que aquela quantificação era excessiva nem que não se poderia aplicar aquele critério mas outro, pelo que a Fazenda aderiu à posição assumida no Ac. do TCAS de 20/12/2012, proferido no proc. n.º 04785/11, tendo seguido a sua fundamentação quanto À quantificação.
XI - Neste desiderato, a douta sentença posta em crise deverá ser revogada e em substituição da mesma deverá ser prolatada uma outra que determine a manutenção das correcções, com todas as devidas consequências legais.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a Impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»
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A Recorrida, veio oferecer as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A. A, aliás, douta sentença recorrida, julgou procedente, parcialmente, a impugnação judicial, em tempo e com legitimidade, deduzida contra a liquidação de IRC relativa ao exercício de 2006, efetuada pela Administração Fiscal, na parte em que a mesma tem por base matéria coletável determinada com base em métodos indiretos.
B. De todos os fundamentos invocados pela ora contra alegante, foi logo considerado procedente, na parte em causa, o primeiro deles, isto é, "A inverificação dos pressupostos legais para aplicação da avaliação indireta"
C. Como consta do probatório, "com relevância para a decisão da causa nada mais se provou, designadamente que a impugnante tenha sido destinatária e tenha recebido o valor dos cheques identificados em V) e AB) que antecedem, porquanto nenhuma prova foi produzida nesse sentido".
D. O recurso a métodos indiretos constitui um meio excecional de determinação da matéria coletável através de indícios, presunções ou outros meios de que a Administração Fiscal disponha.
E. Este meio excecional só pode ser utilizado nos casos e condições previstos na lei.
F. Cabe à Administração Fiscal o ónus de provar que a liquidação não pode ter por base os elementos fornecidos pelo contribuintes e que o recurso ao método indireto é a única forma de determinar a matéria coletável e liquidar o imposto.
G. Devendo, para tanto, como se colhe da parte fundamentadora da decisão "indicar factos concretos, verificados, donde possa concluir-se pela existência dos pressupostos legais dos quais depende o apuramento do imposto por esse método".
H. As meras "auto-denúncias", na ausência de outros factos concretos, não constituem indícios seguros de omissões de proveitos e de que a contabilidade não reflete o resultado efetivamente obtido.
I. O pagamento, aparentemente voluntário, de IMT adicional por quatro adquirentes que declararam ter pago um preço superior ao que consta da escritura de compra e venda do imóvel não é, num universo de 115 adquirentes, suscetível de ser sequer um indício em que assente a aplicação de métodos indiretos, muito menos uma prova irrefutável.
J. É jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que a Administração Fiscal ostensivamente ignora, que "o facto de existirem dois empréstimos sobre o mesmo prédio, contraídos no mesmo dia, não significa, nem indiciariamente, que o produto de ambos os empréstimos foi utilizado para o pagamento integral do preço acordado entre o comprador e o vendedor''.
K. A Administração Fiscal não cumpriu o ónus que sobre si legalmente impendia de demostrar a verificação dos pressupostos legais para o recurso à avaliação indireta.
L. Assim, deve a, aliás, douta sentença, na parte recorrida, manter-se tal como foi proferida.
NESTES TERMOS e como, aliás, douto provimento de V. Ex.ª., deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença na parte recorrida, com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.»
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Foram os autos a vista do Magistrado do Ministério Público que emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a questão fundamental a decidir é a de saber se a sentença errou ao julgar não verificados os pressupostos dos quais a lei faz depender o recurso à avaliação indirecta e, consequentemente, ao determinar a anulação da liquidação impugnada na parte em que resultou das correcções, no valor de €1.096.564,88, efectuadas com recurso a métodos indirectos.

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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. De facto
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«A) A sociedade impugnante dedica-se à actividade de Construção de Edifícios (Residenciais e Não Residenciais), correspondente ao Código de Actividade Económica 41200 (cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);
B) Para efeitos de IRC, a impugnante encontra-se enquadrada no regime geral de tributação (cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);
C) Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2008..-..., de 19 de Setembro de 2008, os Serviços de Inspecção Tributária (SIT) da Direcção de Finanças de Lisboa realizaram uma acção de inspecção externa dirigida à impugnante, de âmbito parcial, relativa ao IRC e IVA do exercício de 2006, tendo, a final, sido elaborado o competente Relatório de Inspecção Tributária (RIT) (cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);
D) No âmbito da mencionada acção de inspecção, e tal como melhor resulta do teor do respectivo relatório final, os Serviços de Inspecção Tributária efectuaram correcções à matéria colectável, em sede de IRC, com recurso a métodos indirectos (cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);
E) Foram os seguintes os motivos e fundamentos apresentados pelos Serviços de Inspecção Tributária para as correcções efectuadas com recurso à aplicação de métodos indirectos:
«Foram enviadas notificações para os adquirentes das 115 fracções vendidas em 2006, tendo sido solicitados os seguintes documentos:
• Fotocópia da escritura;
• Fotocópia do contrato promessa de compra e venda;
• Fotocópia dos meios de pagamento utilizados na respectiva aquisição, nomeadamente cópia dos cheques emitidos, prova documental no caso de ter sido efectuada por transferência bancária, ou justificativo de qualquer outro meio de pagamento utilizado;
• Fotocópia do comprovativo do pagamento do IMT adicional ou do requerimento para o seu pagamento, entregue no Serviço de Finanças, caso haja diferença entre o real e o constante da escritura;
• Justificação da diferença, caso existisse, das hipotecas bancárias sobre o imóvel em valor superior ao da escritura. Identificar os empréstimos efectuados no âmbito da aquisição do imóvel e com ele relacionados.
Em resposta, as notificações verificou-se que:
. 54 responderam por carta
. 30 deslocaram-se aos nossos serviços (...) tendo sido elaborado termo de declarações
. 3 por e-mail
. 3 por fax
Verificou-se ainda que 12 notificações vieram devolvidas por não terem sido reclamadas pelo destinatário e que 13 adquirentes, apesar de terem recepcionado a notificação não responderam.
(...)
No âmbito do procedimento de inspecção à empresa, e, com o intuito de averiguar da veracidade dos valores declarados relativamente aos imóveis alienados em 2006 foram notificados todos os adquirentes.
Após a audição dos adquirentes, notificados de acordo com os procedimentos descritos, foi possível apurar que a CONST. ..-... aquando da alienação dos imóveis omitiu valores que, em última análise, não concorreram para a formação dos proveitos da mesma.
Não obstante se presumir verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, esta presunção não se verifica quando existam indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo, nos termos do nº 1 e da alínea a) do nº 2 ambos do artigo 75º da LGT.
Assim, tendo por finalidade dar cumprimento ao que está consignado nos artigos 57° (anterior 52° do CIRC, alínea b) do 87º e alínea a) do 88° ambos da LGT, nomeadamente no que concerne à fundamentação da tributação através do recurso a métodos indirectos, destacamos as seguintes situações de enquadramento:
Notificações aos Adquirentes
Conforme já referido no capítulo II foram remetidas Notificações para os adquirentes das fracções tendo-se verificado as seguintes situações em que os documentos apresentados permitem verificar que o valor real da transmissão difere do valor escritura.
Iremos em seguida analisar mais em detalhe cada uma das situações:
Artigo ..-..., Fracção C, sito na Ericeira, concelho de Mafra
Ouvida em termo de declarações a adquirente denunciou uma diferença entre o valor de aquisição e o valor declarado para efeitos de escritura no montante de 15.000,00€. Para além dos restantes documentos que lhe haviam sido solicitados, através da nossa notificação, a adquirente forneceu ainda cópia do recibo de reserva de imóveis assinado pela adquirente e pela empresa mediadora "I..-... - Mediação Imobiliária, Lda.", que interveio na transacção de acordo com o referenciado na escritura de compra e venda realizada em 08/03/2006 onde é feita referência ao valor da venda no montante de 127.500,00€. Posteriormente a adquirente remeteu via e-mail o extracto bancário com indicação dos débitos relativos à aquisição da casa, bem como cópia do cheque relativo à diferença. A adquirente, visando a regularização da situação tributária, procedeu à regularização do IMT adicional.
Artigo ..-..., Fracção 1, sito na Ericeira, concelho de Mafra
Ouvida em termo de declarações a adquirente desta fracção, afirmou que o valor real da aquisição do imóvel foi de 142.500,00€, em vez dos escriturados 125.000,00€. Por forma a regularizar a situação tributária procedeu à liquidação adicional de IMT. A adquirente forneceu ainda cópia do contrato de promessa de compra e venda assinado dia 14/10/2004, entre a adquirente e a empresa, representada pela administradora Maria ..-..., onde é referenciado o valor real auto-denunciado pela adquirente no montante de 142.500,00€ e fotocópia do cheque no valor de 17.500,00€ emitido ao portador, na data da escritura.
Artigo ..-..., sito na Igreja Nova, concelho de Mafra
A adquirente da fracção em resposta à notificação, remeteu por carta, a documentação solicitada afirmando que o valor de aquisição havia sido de 200.000,00€ de acordo com o contrato promessa de compra e venda. Refere ainda que recorreu a dois empréstimos, um dos quais para a compra no valor de 200.000,00€ e outro no montante de 67.500,00€ para obras/alterações. Acrescenta que não possui cópia do meio de pagamento relativamente aos 67.500,00€ "por recusa do próprio construtor que não me passou recibo". Afirma ainda "Sei que lhe passei um cheque desse montante no dia da escritura, mas do qual não me deram cópia, recibo ou orçamento". De acordo com o descrito e uma vez que como é referido pela adquirente não foi emitida qualquer factura e/ou documento equivalente nem resulta do contrato-promessa nem da escritura que tenham sido realizadas obras/alterações, a pedido da adquirente, ao referido imóvel, pelo que, se conclui que o valor real da aquisição de cifrou em 267.500,00€ em vez dos escriturados 200.000,00€.
Artigo ..-..., sito na Igreja Nova, concelho de Mafra
O adquirente da fracção, em termo de declarações, afirmou que o valor da aquisição havia sido de 235.000,00€, de acordo com o contrato promessa de compra e venda, em vez dos escriturados 175.000,00€. O adquirente, visando a regularização da situação tributária, procedeu à regularização do IMT adicional.
Artigo ..-..., sito na Igreja Nova, concelho de Mafra
Ouvido em termo de declarações o adquirente denunciou uma diferença entre o valor de aquisição e o valor declarado para efeitos de escritura no montante de 60.000,00€. Para além dos restantes documentos que lhe haviam sido solicitados, através da nossa notificação, o adquirente forneceu ainda cópia dos dois contratos de promessa de compra e venda, um com indicação do valor escriturado e outro com referência ao valor real auto­ denunciado pelo adquirente. Importa referir que o adquirente procedeu ao pagamento do IMT adicional junto do Serviço de Finanças.
Conclusão
Conforme anteriormente relatado são vários os elementos que descredibilizam os valores de venda declarados nas escrituras de compra e venda e que foram contabilizados pela empresa, o que torna inviável a quantificação directa e exacta da matéria tributável.
Assim, relativamente às escrituras convém salientar que, a força probatória dessas escrituras como documentos autênticos, limita-se apenas aos factos verificados directamente no Notário, incluindo as afirmações das partes, não abrangendo factos que estes declaram ter-se verificado, mas que o Notário não pôde atestar. Sobre esta matéria, pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 24 de Novembro de 1999 (recurso número 24.124), tendo entendido que, "por, na escritura de Compra e Venda, as partes afirmarem que o preço foi de determinado montante, não fica demonstrado tal preço, mas apenas que tal foi afirmado pelos contraentes perante o Notário".
Igualmente e não estando a Administração Fiscal vinculada ao preço que foi declarado em sede de escritura pública de compra e venda foram efectuadas diligências com o objectivo de recolha de outros elementos que lhe permitam apurar o efectivo preço de compra e venda dos imóveis.
Das diligências efectuadas resultou a prova mencionada no presente relatório que permite concluir que foram praticados negócios simulados entre as partes outorgantes dos contratos de compra e venda. Estes verificam-se, segundo o disposto no n° 1do artigo 240° do Código Civil, "por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado."
No caso sub judice estamos perante uma simulação relativa de um negócio jurídico porque, como já se referiu anteriormente, não se coloca em causa o negócio jurídico celebrado mas tão-só o preço nele declarado. Acresce que, houve intenção de lesar o Estado ao declarar o S.P. inspeccionado menor valor de matéria tributável do que aquela que foi efectivamente realizada, e "em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado", cfr. prescreve o nº 1 do artigo 39º da LGT, pelo que a Administração Fiscal pode, sem prévia declaração judicial de simulação, proceder às necessárias correcções para efeitos de IRC.
Afigura-se-nos, assim, que se verificam os elementos constitutivos do crime na lei como fraude fiscal, relativamente aos casos em que houve auto denúncia, conforme estipulado no artigo 103º do RGIT, no montante de 220.000,00€.
Assim sendo, os valores das escrituras não reflectem de forma verdadeira e apropriada os valores reais das transacções associadas afastando a presunção de veracidade dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade do S.P., como decorre do supra mencionado nº 1do artigo 75º da LGT.
Onde não foi possível recolher prova de que o preço pago pela aquisição de imóveis difere do valor declarado nas escrituras públicas, recorreu-se a outro critério nomeadamente do preço médio por m2, o que resulta numa vantagem para o S.P. relativamente a outros critérios de utilização sectorial tipologia (Tn) e/ou permilagem (%0), apurando-se o lucro tributável com recurso à aplicação dos métodos indirectos, nos termos do artigo 57º (anterior 52°) e artigo 59º (anterior 54º) ambos do CIRC e da alínea b) do artigo 87°, alínea a) do artigo 88° e do artigo 90° todos da LGT. (...)
Atendendo aos factos expostos nomeadamente:
• Auto-denuncias dos adquirentes,
• Contratos de promessa de compra e venda,
• Cheques,
• Pagamento do IMT adicional,
• Ocultação de valores,
e, em conformidade com o disposto nos artigos 88°, alínea a), da LGT e 57º (anterior 52°) do CIRC, vamos proceder ao apuramento do lucro tributável referente ao exercício de 2006, pela aplicação dos métodos indirectos, nos termos do artigos 90° da LGT e 59° (anterior 54°) do CIRC.» (cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);

F) Os Serviços de Inspecção Tributária procederam à determinação da matéria colectável em sede de IRC, para o exercício de 2006, com recurso a avaliação indirecta, tendo o apuramento do resultado fiscal sido efectuado de acordo com a seguinte metodologia:
«Uma vez que a empresa construiu construiu e comercializou vários artigos, localizados em diferentes freguesias e destinados a diferentes fins, entende-se que existem factores diferenciadores entre eles.
Assim, considerou-se como factores diferenciadores, a localização nas diferentes freguesias, nomeadamente:
• Abrigada, concelho de Alenquer
• Igreja Nova, concelho de Mafra
• Ericeira, concelho de Mafra
• Mafra
• Malveira
Dentro de cada freguesia considerou-se ainda a distinção entre os diferentes fins a que se destinam as fracções, nomeadamente:
• Habitação, dentro destes considerou-se ainda separadamente os apartamentos e as moradias
• Terreno para construção
• Comércio / escritório
Por sua vez e atendendo à apuramento feito pela empresa por obra foi ainda feita a separação pelos vários empreendimentos:
• J..-...
• T..-...
• C..-...
• P..-... (edifício 1, 2, 3, 4, 5 e 6)
• T..-...
• V..-...
Atendendo ao referido anteriormente optou-se por apurar valores observando a localização, o fim a que as fracções se destinam e o empreendimento em que estão inseridas.
V.1. Freguesia da Abrigada, concelho de Alenquer
Uma vez que não existiram auto denúncias, em qualquer um dos 13 artigos localizados nesta freguesia, todos eles terrenos destinados a construção, não se apurou qualquer correcção.





V.2. Freguesia da Ericeira, concelho de Mafra
Na freguesia da Ericeira foram alienadas fracções de vários empreendimentos nomeadamente:
• 5 apartamentos do empreendimento T..-...
• 1 moradia do empreendimento V..-...
• 2 apartamentos resultantes de permutas
• 2 terrenos para construção (contabilizados em 2000)
• 4 moradias do empreendimento J..-...
• 14 apartamentos do empreendimento J..-...
Atendendo a que apenas se apuraram correcções nos apartamentos do empreendimento J..-... e nos terrenos para construção, iremos em seguida apurar os valores apenas destas fracções.
V.2.1. Apartamentos do empreendimento J..-...
V.2.1.1. Valor apurado através de auto denúncia



Apurado o preço por m2 o mesmo foi aplicado aos diversos apartamentos que a empresa alienou em 2006, do empreendimento J..-..., sito na Ericeira.
V.2.1.2. Valor apurado através da aplicação do preço por m2





Em alguns apartamentos, como por exemplo na fracção A do artigo ..-..., em que o preço por m2 é de i.558,60€, o valor escriturado corresponde a um preço / m2 superior ao valor médio apurado pelas auto denúncias, pelo que nestes casos se desprezou a informação.
V.2.2. Terrenos para construção
A empresa realizou em 2006 a escritura de venda de 2 terrenos que já haviam sido contabilizados como proveito no ano de 2000, aquando da procuração, no entanto verificou­se uma divergência entre o valor escriturado e o valor patrimonial nos termos do artigo 64° do CIRC (anterior 58º A), pelo que a empresa deverá acrescer no Qo7 a diferença apurada



V.3. Freguesia de Igreja Nova, concelho de Mafra
Nesta freguesia onde a empresa desenvolveu o empreendimento T..-..., foram alienadas 23 moradias e 1 terreno para construção. Tendo sido apuradas diferenças apenas nas moradias de acordo com o descrito em seguida.
V.3.1.Moradias
V.3.1.1. Valor apurado através de auto denúncia
Atendendo aos valores obtidos através da notificação aos adquirentes como descrito anteriormente apuramos um preço por m2, utilizando para tal os valores declarados pelos adquirentes e a área bruta privativa das habitações.




Importa referir que 11 dos 20 adquirentes que não auto denunciaram diferença possuem empréstimos, que têm como garantia o imóvel adquirido, superiores ao valor da escritura e/ou empréstimos que conjugados com os montantes das mais-valias realizadas, aquando da alienação de outros imóveis, e que foram excluídos da tributação de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 10º do CIRS, totalizam um valor superior ao da escritura. Estes adquirentes não justificaram com prova documental o fim a que se destinou o montante de empréstimo que excede o valor da escritura. Se para o cálculo dos valores apurados a Administração Fiscal entrar em linha de conta com os valores de financiamento que excedem o valor da escritura verifica-se que o preço médio por m2 (1.567,65€) é superior ao valor apurado quando se recorre às auto denúncias (1.529,45€), como se pode verificar no quadro seguinte.



Por sua vez se recorrermos à média ponderada entre os valores obtidos com as auto denuncias e os valores dos financiamentos superiores ao valor da escritura verificamos que a média ponderada obtida é de 1.559,96€ ((3.000.623,81 + 737.500,00)/(1.914,09+482,20)), ou seja, o valor apurado por esta via seria superior e mais desfavorável ao S.P., motivo pelo qual se desprezou este cenário.
V.4. Freguesia e concelho de Mafra
Na freguesia de Mafra a empresa alienou 1 terreno para construção (contabilizado em 2002) e diversas fracções destinadas a comércio (17) e a habitação (31), distribuídas por vários edifícios da P..-..., relativamente às quais não se apuraram quaisquer divergências entre os valores escriturados e os declarados pelos adquirentes.
V.5. Freguesia da Malveira, concelho de Mafra
A empresa alienou uma fracção destinada a serviços, no exercício de 2002, não tendo sido apurada qualquer correcção.
(...)
No âmbito do artigo 64º do CIRC (anterior artigo 58ºA) foram apuradas correcções no montante de 111.216,00€, no entanto verifica-se através da declaração Modelo 22 de 2006, apresentada em 30/05/2007, a empresa acresceu no C257 do Qo7 o montante de 29.510,00€, estando em falta 81.706,00€, de acordo com o quadro seguinte:

(...)» (cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);
G) Do relatório da inspecção tributária consta, no campo "III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas", o seguinte ''Dos testes realizados às contas não se apuraram erros materialmente relevantes com reflexo directo na situação tributária do S.P." (cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);
H) A impugnante não exerceu o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da LGT (cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);
I) Em resultado das correcções melhor descritas nas alíneas antecedentes, os SIT concluíram no sentido do acréscimo à matéria colectável de IRC do exercício de 2006 do montante total de €1.096.564,88, que, acrescido de correcções efectuadas no âmbito do artigo 64º do Código do IRC (anterior artigo 58º-A), determinou que o lucro tributável do referido exercício fosse fixado em €2.715.047,81(cfr. relatório da inspecção tributária, a fls. 172 a 191 dos autos);
J) Pelo ofício nº ..-..., de 6 de Abril de 2010, foi a impugnante notificada do Relatório de Inspecção Tributária, da fixação da matéria colectável tributável em IRC com recurso a métodos indirectos, com referência ao exercício de 2006, tendo apresentado, em 6 de Maio de 2010, pedido de revisão da matéria colectável, ao abrigo do disposto nos artigos 91° e seguintes da LGT (cfr. fls. 67 a 88, 165 e 166 dos autos);
K) No referido pedido de revisão da matéria tributável, a impugnante, além do mais, nega que lhe tenham sido pagos os montantes pecuniários apontados por parte dos 4 adquirentes que fundamentaram o pagamento das Sisas adicionais, apenas reconhecendo ter recebido os cheques emitidos em seu nome para pagamento dos valores declarados nas escrituras de compra e venda (cfr. fls. 67 a 88 dos autos);
L) Conforme resulta da respectiva Acta nº ..-.../10, em 4 de Junho de 2010 reuniu a Comissão Distrital de Revisão, sem que tivesse havido acordo entre os peritos da Administração Tributária, do contribuinte e o perito independente, conforme resulta do laudo que cada um elaborou em anexo (cfr. fls. 1931a 1950 do PAT apenso);
M) Por decisão do Director de Finanças de Lisboa, de 7 de Junho de 2010, proferida ao abrigo do artigo 92°, nº 6 da LGT, foi entendido que se encontram verificados os pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta para a determinação do lucro tributável nos termos dos artigos 52° e 54° do Código do IRC, relativamente ao exercício de 2006, de conformidade com o disposto nos artigos 87º e 88º da LGT, tendo sido fixado o lucro tributável para o exercício em causa no montante referido em G) que antecede (cfr. fls. 1952 a 1960 do PAT apenso);
N) Quanto aos pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta, concluiu o Director de Finanças de Lisboa o seguinte:
«Pelo exposto e pelos elementos constantes do processo, Relatório da Inspecção Tributária, Pedido de Revisão e as posições dos Peritos intervenientes no Debate Contraditório, que aqui se dão como inteiramente reproduzidos, os quais foram abordados supra, conclui-se que a contabilidade do sujeito passivo referente ao exercício de 2006 não se encontrava elaborada de acordo com o estabelecido nos artigos 17° e 115°, ambos do CIRC, uma vez que:
- Após análise contabilística e fiscal efectuada aos registos contabilísticos da empresa, verificou-se que os mesmos não reflectem a realidade das operações realizadas;
- Em resultado de notificação, para prestarem declarações e comprovarem os valores reais das transacções efectuadas no ano de 2006, verificou-se que 5 dos adquirentes apresentaram elementos que comprovam que os valores das transacções reais foram superiores aos valores constantes das respectivas escrituras em €220.000,00;
- Se os adquirentes alteraram perante uma entidade pública, DGCI, o valor da transacção, e apresentaram comprovantes tidos por suficientes que suportam a alteração, não há por que desconsidera-los. São demonstrativos da inveracidade dos elementos fornecidos pela contabilidade, pondo em crise os resultados fiscais, apresentados com base nela.
No seguimento da consideração feita pelo sujeito passivo à utilização de métodos indirectos, veio o Perito indicado pelo Administração Fiscal a manifestar a opinião de que se verificam os pressupostos para a tributação com recurso à aplicação de Métodos Indirectos, sendo tal rejeitado pelo Perito nomeado pela reclamante.
O perito independente conclui que não restam dúvidas de que os adquirentes que vieram regularizar o IMT, denunciaram que foi pago um valor superior ao registado, entendendo que os indícios detectados justificaram o recurso ao uso de métodos indirectos para determinação da matéria colectável.
Conforme o já referido, cinco situações houve em que os adquirentes assumiram que os valores de aquisição foram muito superiores aos Valores declarados nas respectivas escrituras, aceitando assim terem prestado falsas declarações.
As situações concretas detectadas e não validamente contrariadas mostram a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável.
Releva-se que, tendo sido detectados, um conjunto de indícios fundados de que a contabilidade não reflecte a real matéria tributável do contribuinte, a presunção de veracidade da contabilidade cessa, nos termos do artigo 75º nº 2 da LGT.
As situações de incumprimento demonstradas não foram validamente postas em causa, quer na petição que deu origem ao pedido de revisão, quer no debate entre os peritos pois nem o contribuinte nem o perito por si nomeado, vieram destruir os argumentos do Relatório, sendo defendido pelo perito da Fazenda Pública e aceite pelo Perito independente que se encontram reunidos os pressupostos para a aplicação do método de avaliação indirecta.
Os adquirentes dos respectivos imóveis, além de declararem em termo de declarações, o valor real dos imóveis, também justificaram as divergências apuradas, com base em documentos justificativos, nomeadamente contratos promessa compra e venda e documento comprovativo do pagamento de IMT adicional.
Conclui-se assim, que se encontram verificados os pressupostos de aplicação do método de avaliação indirecta para a determinação do lucro tributável nos termos dos artigos 52° e 54º do Código do IRC, relativamente ao exercício de 2006, de conformidade com o disposto nos Artºs 87º e 88° da LGT.» (cfr. fls. 1952 a 1960 do PAT apenso);

O) Quanto à quantificação da matéria colectável, na fundamentação da decisão referida em J) que antecede evidencia-se que a quantificação foi efectuada, para o exercício de 2006 nos seguintes termos:
«Justificada a determinação da matéria tributável pelo método de avaliação indirecta, cabe ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação, em conformidade com o disposto na parte final do nº 3 do Artº 74º da LGT.
De conformidade com o disposto no art0 90° da LGT, os Serviços de Inspecção Tributária procederam à determinação da matéria tributável, tendo por base a média ponderada de preço por m2, partindo dos valores auto-denunciados, relativamente à área bruta privativa. Não foram efectuadas correcções nos empreendimentos relativamente aos quais não foram apuradas correcções. Relativamente a terrenos contabilizados como proveitos em 2000, foram feitas as correcções a que se r,efere o art.0 58.º-A do CIRC (actual 64.º).
Não veio o S.P. na sua petição, nem o perito por si designado apresentar elementos concretos que permitam pôr em causa, de modo fundamentado, os critérios utilizados na avaliação. O perito independente opina que a amostra utilizada para quantificar o valor das omissões não é significativa e que se deveria ter tido em conta os empréstimos e a identificação dos beneficiários dos mesmos e que a AF teria reforçado a sua posição se tivesse identificado quem beneficiou dos pagamentos. O perito da fazenda entende que numa tentativa de afastar a discricionariedade, os serviços inspectivos consideraram a existência de vários universos e determinaram médias para os universos onde foi possível recolher elementos, aplicando-as apenas aos imóveis pertencentes aos empreendimentos, a partir dos quais foram determinadas, concluindo por entender não estar comprovado o excesso na quantificação apresentada pelos serviços.
No que respeita à quantificação, não foram assim apresentados pelo sujeito passivo no decurso do Procedimento de Inspecção nem no âmbito do Direito de Audição, que não exerceu, nem na sua petição ou mesmo pelo seu Perito no decurso do presente Procedimento de Revisão, elementos concretos que permitam pôr em causa os valores apurados pelos Serviços de Inspecção Tributária e defendidos pelo Perito da Fazenda Pública, que possibilitem fazer prova de excesso na quantificação. Relativamente à posição do perito independente expressa no seu Laudo, é a de que, apesar de confirmadas as irregularidades relatadas pela Inspecção Tributária, esta deveria ter ido mais além na sua análise, não evidenciando no entanto, de forma concreta, a existência de excesso na quantificação, nem o método a utilizar.» (cfr. fls. 1952 a 1960 do PAT apenso);

P) Do laudo do Perito Independente, em anexo à Acta nº ..-.../10 da Comissão Distrital de Revisão, resulta, em síntese, o seguinte entendimento, relativamente à justificação e fundamentação do recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria colectável:
«1.a) Do processo decorre através das conclusões da Inspecção que 5 dos adquirentes de imóveis confessaram que o preço efectivamente pago foi superior ao declarado na escritura. Tendo eles pago o IMT sobre a diferença não restam dúvidas que o valor declarado na escritura foi inferior ao valor efectivamente pago pelos compradores.
1.b) No que concerne aos outros adquirentes que de acordo com o Relatório da Inspecção contraíram empréstimos e fizeram reinvestimento de valores superiores ao valor da escritura, esses contribuintes não confirmaram que o valor pago foi superior nem a Administração Fiscal confirmou que os valores da transacção foi superior ao valor declarado.
Relativamente a esta questão e perante a confissão dos 5 compradores identificados no Relatório de Inspecção de que pagaram valor superior ao declarado considero que estão reunidas as condições para o recurso pela Administração Fiscal ao método indirecto para determinação da matéria colectável.
2 - Beneficiários dos valores pagos a mais pelos compradores
Do processo e da consulta das cópias dos cheques não se pode concluir de quem foram os beneficiários finais das importâncias pagas a mais pelos 5 compradores (€220.000,00).
Efectivamente não está identificado nem foram feitas pela Administração Fiscal diligências para identificar os beneficiários dos cheques ao portador ou seja não está no processo identificado quem recebeu o valor desses cheques.
Igualmente nos adquirentes que contraíram empréstimos e fizeram reinvestimentos de valor superior ao da compra não foi levantado o sigilo bancário das suas contas de forma a saber-se como, para que efeito, e qual o beneficiário desses valores em excesso.
Desta forma não posso concluir sobre se as Construções ..-... SA foram beneficiárias dos valores pagos a mais pelos 5 compradores identificados e sobre a utilização dos valores superiores dos empréstimos concedidos aos compradores.
Embora tais valores tenham sido usados nas datas da escritura não existem provas de que tenham sido em benefício da Construções ..-... SA. (...)
Em conclusão,
1) Os indícios detectados na Inspecção justificam o recurso ao uso de métodos indirectos para determinação da matéria colectável.
2) Não existem provas de quem foram os beneficiários dos valores pagos a mais pelos 5 compradores que regularizaram o IMT.
3) Não existem provas de que os valores superiores dos empréstimos contraídos por alguns compradores, relativamente ao valor da escritura tenham sido para pagamento do imóvel adquirido.
4) O método utilizado para fazer a amostra não ser significativo e por não terem sido utilizados critérios alternativos que pudessem confirmar os valores obtidos.» (cfr. fls. 1947 a 1950 do PAT apenso);

Q) Em resultado das correcções à matéria colectável efectuadas na sequência da acção inspectiva, os competentes serviços da Administração Tributária emitiram a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios com o nº 2010 ..-...96, respeitante ao exercício de 2006, no montante de €360.492,79, e que constitui o objecto da presente impugnação (cfr. fls. 57 a 59 dos autos);

R) A petição inicial da presente impugnação judicial deu entrada no Tribunal Tributário de Lisboa em 7 de Outubro de 2010 (cfr. fls. 2 dos autos).

S) Por escritura celebrada em 8 de Março de 2006, no Cartório Notarial de L..-..., foi vendida a fracção "C" do artigo ..-..., prédio urbano sito na Travessa ..-... nº 12, na freguesia da Ericeira, concelho de Mafra, a Patrícia ..-..., pelo preço declarado de €112.500,00, com recurso a empréstimo no valor de €82.500,00 e €45.000,00 (cfr. fls. 200 a 214 dos autos);

T) Em 30 de Dezembro de 2005, a mediadora imobiliária «..-...» emitiu recibo no valor de €1.000,00, a título de reserva do imóvel identificado na alínea antecedente, de onde consta que o valor total de venda é de €127.500.00 (cfr. fls. 199v dos autos);

U) Em 8 de Março de 2006, a mediadora imobiliária «..-...» emitiu, em nome da impugnante, a factura nº ..-..., no valor de €2.250,00, acrescido de IVA, no valor total de €2.722,50, com o descritivo "comissão de venda do apartamento sito no ..-..., "Urbanização J..-... lote ..-... 1° Esq., Fracção C, Ericeira" (cfr. fls. 153 dos autos);

V) Em 8 de Março de 2006, a adquirente Patrícia ..-... emitiu, ao portador, o cheque nº ..-...28, do Banco ..-..., no valor de €15.000,00, o qual foi debitado (cfr. fls. 218 a 220 dos autos);

W) Em 10 de Setembro de 2009, foi efectuada a autoliquidação de IMT e Imposto de Selo adicional que se mostrar devido relativamente à aquisição referida em S) que antecede, considerando o valor de €127.500,00 (cfr. fls. 215 a 217 dos autos);

X) Por escritura celebrada em 5 de Janeiro de 2006, no Cartório Notarial de Sintra, foi vendida a fracção "I" do artigo ..-..., prédio urbano sito na Travessa ..-... nº 1, na freguesia da Ericeira, concelho de Mafra, a Ana ..-..., pelo preço declarado de €125.000,00, com recurso a empréstimo no valor de €115.000,00 (cfr. fls. 224 a 27V dos autos);

Y) Por contrato promessa de compra e venda de 14 de Outubro de 2004, a impugnante, representada pela administradora Maria A..-..., prometeu vender à referida Ana ..-... o imóvel identificado na alínea antecedente, pelo preço de €142.500,00 (cfr. fls. 231a 232 dos autos);

Z) Em 22 de Outubro de 2004 e 5 de Janeiro de 2006, Maria ..-... e a adquirente Ana ..-..., respectivamente, emitiram à ordem da impugnante os cheques nº ..-...36, da Caixa ..-..., no valor de €20.000,00, do qual a impugnante deu quitação, nº ..-...86, do Banco ..-..., no valor de €72.250,00, e nº ..-...02, do Banco ..-..., no valor de €10.000,00 (cfr. fls. 233 e 233v dos autos);
AA) Em 7 de Janeiro de 2005, a impugnante, representada pela administradora Maria A..-..., emitiu o recibo da quantia de €22.750,00, como reforço de sinal do imóvel identificado em X) que antecede (cfr. fls. 234 dos autos);

AB) Em 5 de Janeiro de 2006, a adquirente Ana ..-... emitiu, ao portador, o cheque n° ..-...85, do Banco ..-..., no valor de €17.500,00, o qual foi debitado (cfr. fls. 237 e 238 dos autos);

AC) Em 3 de Setembro de 2009, foi efectuada a autoliquidação de IMT e Imposto de Selo adicional que se mostrar devido relativamente à aquisição referida em X) que antecede, considerando o valor de €142.500,00 (cfr. fls. 234v a 236v dos autos);

AD) Por escritura celebrada em 10 de Fevereiro de 2006, no Cartório Notarial de M..-..., foi vendido o prédio urbano sito na Rua ..-... nº 6, Carapinheira, na freguesia de Igreja Nova, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o artigo ..-..., a Isabel ..-..., pelo preço declarado de €200.000,00, com recurso a empréstimo do Banco ..-... SA no mesmo valor (cfr. fls. 242 a 248v dos autos);

AE) Por escritura de mútuo com hipoteca e fiança celebrada na mesma data, no mesmo Cartório Notarial, o Banco ..-... SA concedeu à adquirente Isabel ..-... um empréstimo no montante de €67.500,00, para garantia do qual foi constituída hipoteca sobre o imóvel identificado na alínea antecedente (cfr. fls. 249 a 254 dos autos);

AF) Por contrato promessa de compra e venda de 23 de Maio de 2005, a impugnante, representada pela administradora Maria A..-..., prometeu vender à referida Isabel ..-... o imóvel identificado em AD) que antecede, pelo preço de €200.000,00 (cfr. fls. 254v a 256v dos autos);

AG) A adquirente Isabel ..-... emitiu à ordem da impugnante o cheque nº ..-...62, do M..-..., no valor de €49.000,00, do qual a impugnante deu quitação (cfr. fls. 257 dos autos);

AH) Em 10 de Fevereiro de 2006, o B..-... emitiu o cheque nº ..-...59, no valor de €15i.ooo,oo, à ordem da ora impugnante (cfr. fls. 257V dos autos);

AI) Por escritura celebrada em 18 de Janeiro de 2006, nas instalações do Banco ..-... SA, em São Pedro de Sintra, perante o Notário do Cartório Notarial de Sintra, foi vendido o prédio urbano sito na Rua ..-... n° 11, Carapinheira, na freguesia de Igreja Nova, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o artigo ..-..., a José ..-..., pelo preço declarado de €175.000,00, com recurso a empréstimo do Banco ..-... SA (cfr. fls. 26ov a 262 dos autos);

AJ) Em 31 de Maio de 2004 e 5 de Março de 2005, o adquirente José ..-... emitiu à ordem da impugnante os cheques n°s ..-...04 e ..-...12, ambos do C..-..., no valor de €60.000,00 e €40.000,00, respectivamente, dos quais a impugnante deu quitação (cfr. fls. 265v e 266 dos autos);

AK) Em 18 de Janeiro de 2006, o adquirente José ..-... emitiu à ordem da impugnante o cheque nº ..-...52, do Banco ..-... SA, no valor de €75.000,00 (cfr. fls. 266v dos autos);

AL) Em 14 de Setembro de 2009, foi efectuada a autoliquidação de IMT e Imposto de Selo adicional que se mostrar devido relativamente à aquisição referida em AI) que antecede, considerando o valor de €235.000,00 (cfr. fls. 26?V a 269v dos autos);

AM) Por escritura celebrada em 22 de Fevereiro de 2006, no Cartório Notarial de L..-..., foi vendido o prédio urbano sito na Rua ..-... n° 13, Carapinheira, na freguesia de Igreja Nova, concelho de Mafra, inscrito na matriz sob o artigo ..-..., a Ana S..-... e Carlos ..-..., pelo preço declarado de €175.000,00, com recurso a empréstimo do Banco ..-... SA no valor de €90.000,00 (cfr. fls. 278v a 281 dos autos);

AN) Em 29 e 30 de Maio de 2004, a impugnante, representada pela administradora Maria A..-..., assinou dois contratos promessa de compra e venda aos referidos Ana S..-... e Carlos ..-... do imóvel identificado em AM) que antecede, pelo preço de €235.000,00 e €175.000,00, respectivamente (cfr. fls. 272v a 276 dos autos);

AO) Em 8 de Dezembro de 2004, o adquirente Carlos ..-... emitiu à ordem da impugnante o cheque nº ..-...16, do Banco ..-... SA, no valor de €25.000,00, do qual a impugnante deu quitação (cfr. fls. 276v dos autos);

AP) Em 29 de Maio de 2004, Gracinda ..-... emitiu à ordem da impugnante o cheque n° ..-...23, do Banco ..-... SA, no valor de €25.000,00, do qual a impugnante deu quitação (cfr. fls. 277 e 277V dos autos);

AQ) Em 22 de Fevereiro de 2006, a adquirente Ana S..-... emitiu à ordem da impugnante o cheque nº ..-...56, do Banco ..-... SA, no valor de €35.000,00 (cfr. fls. 278 dos autos);

AR) Na mesma data, o Banco ..-... SA emitiu o cheque nº 2422685049, no valor de €90.000,00, à ordem da adquirente Ana S..-... (cfr. fls. 278 dos autos);
AS) Em 10 de Setembro de 2009, foi efectuada a autoliquidação de IMT e Imposto de Selo adicional que se mostrar devido relativamente à aquisição referida em AM) que antecede, considerando o valor de €235.000,00 (cfr. fls. 282v a 284v dos autos).
*
Com relevância para a decisão da causa nada mais se provou, designadamente que a impugnante tenha sido destinatária e tenha recebido o valor dos cheques identificados em V) e AB) que antecedem, porquanto nenhuma prova foi produzida nesse sentido.
*
A decisão da matéria de facto assenta na análise dos elementos constantes dos autos e do PAT apenso, nomeadamente das informações oficiais e dos documentos juntos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada alínea do probatório.»
****

II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou a presente impugnação judicial parcialmente procedente, com a consequente anulação da liquidação impugnada na parte em que resultou das correcções, no valor de €1.096.564,88 efectuadas com recurso a métodos indirectos, e improcedente quanto ao remanescente.
A Mma. Juiz a quo depois de fazer um enquadramento legal e jurisprudencial da questão a apreciar, concluiu que «não tendo a Administração Tributária cumprido o ónus que sobre si impendia de demonstrar a verificação dos pressupostos legais para o recurso à avaliação indirecta, porque não demonstrou que essa era a única forma de calcular o imposto, não se encontrava a mesma Administração Tributária legitimada a recorrer aos métodos indirectos como meio de determinação da matéria colectável, pelo que a liquidação de IRC emitida na sequência das correcções efectuadas ao abrigo daquele método é ilegal, devendo, por conseguinte, ser anulada, com prejuízo do conhecimento dos demais vícios a ela imputados, o que se julgará a final.»

Vejamos, começando por apreciar a alegação da recorrente [conclusões de recurso V. a VII.] de que os documentos juntos às notificações que demonstravam as divergências não foram nem são indícios mas provas de que houve ocultação de proveitos pela impugnante e, tanto assim foi que no laudo do perito independente foi considerado que estavam contemplados os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, sem que na douta sentença esse facto fosse relevado. Sobre a concordância e/ou discordância do laudo do perito independente, o Ac. do TCAS, em que "(...) procedimento de revisão pode ainda o contribuinte requerer a nomeação de um perito independente, o qual faz parte de uma lista elaborada pela Comissão Nacional de Revisão, e têm em vista, contribuir para a uniformidade dos critérios técnicos utilizados na determinação da matéria tributável por métodos indirectos - cfr. n.º1 do art.º 94.º da mesma LGT - sendo que a lei atribui ao parecer de tal perito um valor reforçado, mercê da sua qualificação no domínio da economia e de não poder desempenhar qualquer função e cargo público - cfr. n.º 2 do art.º 93.º da mesma LGT". - vide Ac. do TCAS de 12/07/2011, proferido no proc. n.º 04279/10. Neste pressuposto, a impugnante não poderia pôr em crise e assacar o vício invocado de falta dos pressupostos dos métodos indirectos uma vez que o perito independente concorda com tal posição, pelo que a litigar seria a sua quantificação e o critério.
Apreciando.
Alega a recorrente que no laudo do perito independente foi considerado que estavam contemplados os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, sem que na douta sentença esse facto fosse relevado.
Mas não tem razão.
Na sentença recorrida deu-se relevo ao perito independente mas não no sentido que a recorrente pretendia que se desse.
Vejamos o que se escreveu na sentença recorrida quanto a esta matéria:
«De resto, ainda neste ponto, recorde-se que o próprio Perito Independente salientou, no seu Laudo, anexo à Acta nº ..-.../10, da Comissão Distrital de Revisão, não obstante considerar justificado o recurso aos métodos indirectos para determinação da matéria colectável, que "não está identificado nem foram feitas pela Administração Fiscal diligências para identificar os beneficiários dos cheques ao portador", pelo que não pode "concluir sobre se as Construções ..-... SA foram beneficiárias dos valores pagos a mais pelos 5 compradores identificados". (cfr. alínea P) do probatório).
(…)
Também quanto a esta matéria salientou o Perito Independente que "igualmente nos adquirentes que contraíram empréstimos e fizeram reinvestimentos de valor superior ao da compra não foi levantado o sigilo bancário das suas contas de forma a saber-se como, para que efeito, e qual o beneficiário desses valores em excesso", pelo que não pode "concluir sobre a utilização dos valores superiores dos empréstimos concedidos aos compradores'', não existindo ''provas de que os valores superiores dos empréstimos contraídos por alguns compradores, relativamente ao valor da escritura tenham sido para pagamento do imóvel adquirido". (cfr. alínea P) do probatório).»
Não se compreende a alegação de que a impugnante não poderia pôr em crise e assacar o vício invocado de falta dos pressupostos dos métodos indirectos uma vez que o perito independente concorda com tal posição, pelo que a litigar seria a sua quantificação e o critério, nem a recorrente indica qual o normativo em que se apoia para tal alegação, sendo que na Jurisprudência que indica não consta o alegado.
Termos em que improcede o presente fundamento.

Continuando.
Vem invocar a recorrente Fazenda Pública [conclusões de recurso I. a V.] que a douta sentença, ora recorrida, julgou parcialmente procedente a impugnação à margem referenciada com as consequências ai sufragadas, por ter considerado que não estavam contemplados os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, uma vez que a expressão percentual dos adquirentes das fracções autónomas ser diminuta, cerca de 4,3%, sendo que, também desconsiderou o critério utilizado pela AT, o preço médio ponderado do m2, para a quantificação da omissão de proveitos. Efectivamente, consta do relatório de inspecção, doravante RIT, que foram notificados os 115 adquirentes das fracções autónomas, sendo que 5 adquirentes, em termo de declarações, declararam que houve divergência entre os valores constantes das escrituras de compra e venda e o valor efectivamente pago e, para tanto facultaram os elementos requeridos pela AT, ou seja, cópia dos contratos promessa de compra e venda, as escrituras, os meios de pagamento, cheque emitido no acto da escritura bem como cheques emitidos aquando da realização do contrato promessa. Acresce mencionar que, 11 dos 20 adquirentes que não auto denunciaram a diferença nas escrituras, possuíam empréstimos em que tinham como garantia o imóvel adquirido superior ao valor da escritura e/ou empréstimos que conjugados com os montantes das mais valias realizadas totalizavam um valor superior ao da escritura. Face ao supra mencionado, não vieram aqueles 11 adquirentes justificar com prova documental o fim a que se destinou o montante dos empréstimos que excediam o valor da escritura. Ora, os documentos juntos às notificações que demonstravam as divergências não foram nem são indícios mas provas de que houve ocultação de proveitos pela impugnante e, tanto assim foi que no laudo do perito independente foi considerado que estavam contemplados os pressupostos para aplicação dos métodos indirectos, sem que na douta sentença esse facto fosse relevado.

Importa apreciar, seguindo de muito perto o Acórdão deste TCAS proferido em 05/07/2018, Proc. 06630/13, em que as partes são as mesmas, o imposto é o mesmo mas referente ao exercício de 2003, com as devidas adaptações ao caso concreto.

Antes de mais, cumpre salientar que cada exercício é independente dos restantes, pelo que o facto de num determinado ano estarem, nos termos da lei, reunidos os pressupostos para recorrer à avaliação indirecta, não significa que o mesmo aconteça em todos os exercícios do mesmo sujeito passivo.

Aqui chegados, passemos à apreciação do exercício de 2006, apoiando-nos no já decidido no Acórdão deste TCAS proferido em 05/07/2018, Proc. 06630/13.
«Como se sabe, o sistema fiscal português acolhe a ideia de presunção de verdade dos actos dos contribuintes, sejam as suas declarações (apresentadas nos termos legais), sejam os seus dados contabilísticos (desde que a contabilidade se mostre organizada de acordo com o legalmente exigido) – cfr. artigo 75º, nº1 da Lei Geral Tributária (LGT).
Trata-se de uma presunção umbilicalmente ligada à presunção de boa-fé.

Como se sabe, também, esta presunção de verdade não é absoluta, cessando, desde logo, nas situações previstas no nº 2 do artigo 75º da LGT, ou seja, quando as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo; quando o contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da lei, for legítima a recusa da prestação de informações; quando a matéria tributável do sujeito passivo se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica previstos na LGT e quando os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A da LGT.

No que toca aos procedimentos de avaliação, a lei é clara sobre a opção preferencial do legislador, isto é, não restam dúvidas que a lei assume como última ratio o recurso à avaliação indirecta, relegando-a para situações em que não seja de todo possível a quantificação directa e exacta da matéria tributável, através dos dados declarados pelo sujeito passivo ou fornecidos por terceiros ou, também, quando ab initio o método de determinação é já um meio não directo, como o regime simplificado.

Com efeito, “o recurso à avaliação indirecta – por indícios, presunções ou estimativas – é excepcional e está sujeito a uma regra de tipicidade, só podendo fazer-se nos casos e condições expressamente previstos na lei, associados geralmente a uma intensa violação pelo contribuinte dos seus deveres de cooperação para com a Administração Tributária, ou em caso de razões acidentais que inviabilizem o apuramento da matéria tributável real do contribuinte” – vide, Lima Guerreiro, in LGT, anotada, Rei dos Livros, pag. 355.»
No caso concreto, tal como consta do relatório de inspecção, a fundamentação legal para o recurso à avaliação indirecta radica no disposto no artigo 57º (anterior 52º) do CIRC e nos artigos 87º a 90º da LGT.
Da leitura do relatório de inspecção extrai-se que a AT apoia o recurso à avaliação indirecta na alínea b) do art. 87º da LGT (e também na alínea a) do art. 88º), nos termos da qual “1 - A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: (…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto”.
Com efeito, o excerto a seguir transcrito e que consta do final do capítulo IV do relatório de inspecção, dedicado aos “Motivos e Exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”, não deixa margem para dúvidas, quando aí se refere que “Conforme anteriormente relatado são vários os elementos que descredibilizam os valores de venda declarados nas escrituras de compra e venda e que foram contabilizados pela empresa, o que torna inviável a quantificação directa e exacta da matéria tributável.“
«Tal posição, já vimos, não foi acompanhada pelo TT de Lisboa, com o que a ora Recorrente não se conforma.
Avançando.
Desde já, importa deixar claro que tendo a AT recorrido à avaliação indirecta compete-lhe demonstrar a verificação dos pressupostos legais que permitem a tributação com recurso a tal método e, feita essa prova, recai sobre o contribuinte o ónus de demonstrar que houve erro ou manifesto excesso na quantificação – cfr. artigo 74º da LGT.

Ora, lido o relatório de inspecção, em concreto o Capitulo IV (“Motivos e Exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos”), temos, então, que a AT, na motivação da decisão de recurso à avaliação indirecta, evidenciou especificamente o seguinte:»

(i) No âmbito do procedimento de inspecção à empresa, e, com o intuito de averiguar da veracidade dos valores declarados relativamente aos imóveis alienados em 2006 foram notificados todos os adquirentes. Após a audição dos adquirentes, notificados de acordo com os procedimentos descritos, foi possível apurar que a CONST. MAR aquando da alienação dos imóveis omitiu valores que, em última análise, não concorreram para a formação dos proveitos da mesma.

(ii) Foram remetidas Notificações para os adquirentes das fracções tendo-se verificado as seguintes situações em que os documentos apresentados permitem verificar que o valor real da transmissão difere do valor escritura.

(iii) Das diligências efectuadas resultou a prova mencionada no presente relatório que permite concluir que foram praticados negócios simulados entre as partes outorgantes dos contratos de compra e venda. Estes verificam-se, segundo o disposto no n° 1 do artigo 240° do Código Civil, "por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado." No caso sub judice estamos perante uma simulação relativa de um negócio jurídico porque, como já se referiu anteriormente, não se coloca em causa o negócio jurídico celebrado mas tão-só o preço nele declarado. Acresce que, houve intenção de lesar o Estado ao declarar o S.P. inspeccionado menor valor de matéria tributável do que aquela que foi efectivamente realizada, e "em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado", cfr. prescreve o nº 1 do artigo 39º da LGT, pelo que a Administração Fiscal pode, sem prévia declaração judicial de simulação, proceder às necessárias correcções para efeitos de IRC. Assim sendo, os valores das escrituras não reflectem de forma verdadeira e apropriada os valores reais das transacções associadas afastando a presunção de veracidade dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade do S.P., como decorre do supra mencionado nº 1do artigo 75º da LGT.

(iv) Onde não foi possível recolher prova de que o preço pago pela aquisição de imóveis difere do valor declarado nas escrituras públicas, recorreu-se a outro critério nomeadamente do preço médio por m2, o que resulta numa vantagem para o S.P. relativamente a outros critérios de utilização sectorial tipologia (Tn) e/ou permilagem (%0), apurando-se o lucro tributável com recurso à aplicação dos métodos indirectos, nos termos do artigo 57º (anterior 52°) e artigo 59º (anterior 54º) ambos do CIRC e da alínea b) do artigo 87°, alínea a) do artigo 88° e do artigo 90° todos da LGT. (...)

Analisemos, então, por partes.

A asserção contida em (i), de carácter conclusivo e genérico, apenas traduz uma impressão, uma convicção da AT, que não se mostra minimamente sustentada.

Por conseguinte, e sem necessidade de nos alongarmos mais, deve dizer-se, sem hesitações, que tal afirmação, para os efeitos aqui em análise, é absolutamente imprestável.

Passemos à asserção correspondente ao ponto (ii) «Foram remetidas Notificações para os adquirentes das fracções tendo-se verificado as seguintes situações em que os documentos apresentados permitem verificar que o valor real da transmissão difere do valor escritura.»

No essencial, remete para as notificações efectuadas aos 115 adquirentes, e descreve o caso dos cinco (5) adquirentes que auto-denunciaram que o valor declarado na escritura de compra e venda não correspondia ao real.

Quanto ao ponto (iii) refere que das diligências efectuadas resultou a prova mencionada no presente relatório que permite concluir que foram praticados negócios simulados entre as partes outorgantes dos contratos de compra e venda. Assim sendo, os valores das escrituras não reflectem de forma verdadeira e apropriada os valores reais das transacções associadas afastando a presunção de veracidade dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade do S.P., como decorre do supra mencionado nº 1do artigo 75º da LGT.

Desde já se adianta que não acompanhamos, no caso concreto, o raciocínio e conclusões alcançadas pela AT, para os efeitos aqui pretendidos.

Vejamos em detalhe as razões para assim entendermos, não perdendo de vista o relatório inspectivo, base fundamentadora da liquidação impugnada.

Os anexos 3, 4, 5, 6 e 7 juntos ao relatório, e para o qual se remete, são constituídos pela documentação referente aos 5 autodenunciantes, sendo 1 por cada anexo.

O anexo 3 respeita ao Artigo ..-..., Fracção C, sito na Ericeira, concelho de Mafra, evidencia-se que foi pago o adicional de IMT, por o preço de compra da fracção não ser € 112.500,00 mas sim € 127.500,00 (ou seja, € 15.000,00 mais). Foi junta, igualmente, cópia do recibo de reserva de imóvel, bem como cópia de um cheque ao portador, no montante de € 15.000,00.

Quanto a este adquirente, importa, desde já, dizer que, por um lado, se desconhece se o beneficiário do cheque no valor de € 15.000,00 foi a sociedade impugnante (que não reconhece ter recebido tal cheque).

O anexo 4 respeita ao Artigo ..-..., Fracção I, sito na Ericeira, concelho de Mafra, evidencia-se que foi pago o adicional de IMT. Foi junto um termo de declarações no qual se afirma que o valor do imóvel foi de € 142.500,00 em vez dos escriturados 125.000,00 (ou seja, € 17.500,00 mais). Foi junta, igualmente, cópia do contrato promessa de compra e venda, bem como cópia de um cheque ao portador, no montante de € 17.500,00.

Quanto a este adquirente é a única situação que a impugnante, sem conceder, acolhe considerar anómala, admitindo que a declarante configura como sendo «preço da fracção» se possa referir a algo que a impugnante, em nome e por conta da adquirente, se propôs integrar na fracção alienada e que não constaria da fracção-tipo.

O anexo 5 respeita ao Artigo ..-..., sito na Igreja Nova, concelho de Mafra, evidencia-se uma resposta à notificação no qual refere que recorreu a dois empréstimos, um dos quais para a compra no valor de € 200.000,00 e outro no montante de € 67.500,00 para obras/alterações. No entanto acrescenta que não possui cópia do meio de pagamento relativamente aos € 67.500,00. No RIT conclui-se que o valor real de aquisição se cifrou em € 267.500,00 em vez dos escriturados € 200.000,00.

Quanto a este adquirente, importa, desde já, dizer que inexiste qualquer prova do pagamento da diferença entre os € 267.500,00 e € 200.000,00, razão pela qual, naturalmente, se desconhece o efectivo beneficiário do montante em causa (sendo certo que a impugnante afirma não ter recebido tal diferença e desconhecer se a adquirente mandou ou não fazer obras/alterações na moradia).

O anexo 6 respeita ao Artigo ..-..., sito na Igreja Nova, concelho de Mafra, evidencia-se que foi pago o adicional de IMT. Foi junto um termo de declarações no qual se afirma que o valor do imóvel foi de € 235.000,00 em vez dos escriturados 175.000,00. Foi junta, igualmente, cópia do contrato promessa de compra e venda.

Quanto a este adquirente, importa, desde já, dizer que inexiste qualquer prova do pagamento do cheque de € 60.000,00 que o adquirente declarou ter pago a mais, e o contrato promessa junto não se encontra assinado por qualquer das partes.

O anexo 7 respeita ao Artigo ..-..., sito na Igreja Nova, concelho de Mafra, evidencia-se que foi pago o adicional de IMT. Foi junto um termo de declarações onde o adquirente denunciou uma diferença entre o valor de aquisição e o valor declarado para efeitos de escritura no montante de € 60.000,00. Foram juntas, igualmente, cópias de dois contrato promessa de compra e venda, um no valor de € 175.000,00 e outro no valor de € 235.000,00.

Quanto a este adquirente, inexiste qualquer prova do pagamento da diferença entre os € 175.000,00 e os € 235.000,00, quanto aos dois contratos promessa alega a impugnante que foi o adquirente que solicitou à impugnante a elaboração de dois contratos promessa de compra e venda com os valores distintos, alegando a possibilidade de necessidade de recorrer integralmente ao crédito para a aquisição, sendo que o adquirente não provou que pagou qualquer outra importância.

Foi com base nestes elementos que evidenciámos (e relativamente aos quais logo fomos apontando diversas fragilidades) que a AT pôde concluir por uma omissão de proveitos, no montante total de € 220.000,00, correspondente à diferença entre o total dos valores inicialmente declarados pelos referidos cinco adquirentes (e contabilizados pela empresa) e o valor total resultante dos referidos preços alegadamente pagos.

Ora, sem prejuízo daquilo que ficou dito, importa salientar que os apontados casos, no total de 5, são uma pequena parte da totalidade das vendas e adquirentes envolvidos nas transacções efectuadas ao longo do ano de 2006, num total de 115 fracções vendidas nesse ano, sendo certo que dos restantes adquirentes (também chamados a prestar declarações), em resposta às notificações verificou-se que:

- 54 responderam por carta

- 30 deslocaram-se aos serviços da AT, tendo sido elaborado termo de declarações;

- 3 por email

- 3 por fax

Verificando-se ainda que 12 notificações vieram devolvidas e que 13 não responderam.

Ora os que responderam negaram qualquer diferença entre os valores declarados e os pagos, sem que de tais declarações a AT retirasse qualquer consequência. No caso, a esmagadora maioria dos adquirentes confirmaram os valores pagos, confirmação essa que, repete-se, foi ignorada pela AT.

Se é verdade que a constatação de que, em cinco casos identificados, foram declarados valores inferiores aos praticados (se tal estiver demonstrado, o que aqui nem sequer se evidencia sem mácula), permite à AT equacionar que está perante uma sociedade/ vendedora que dá abertura a esta prática ilegal, omitindo os respectivos proveitos, não é menos verdade que, por si só, tal circunstância, não põe em causa a possibilidade de quantificar directamente os valores envolvidos, justamente porque (na tese da AT) se conhecem os reais valores das transacções em causa.

«Por outro lado, por si só, tal circunstancialismo (fragilmente demonstrado) não pode ser erigido num quadro indiciário seguro da omissão de proveitos e de que a contabilidade não reflecte o resultado efectivamente obtido. Dito de outra forma, tal circunstancialismo não encerra motivação apta a concluir pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.»

«Recorde-se que a alínea b) do artigo 87º da LGT prevê a possibilidade de avaliação indirecta da matéria tributável quando se verifica a falta dos elementos necessários para comprovar e quantificar directa e exactamente a matéria tributável, pelo que a avaliação directa se mostra impossível.

Ora, apenas com as diligências efectuadas e com os elementos obtidos junto de cinco adquirentes entendemos não ser possível à AT, sem mais, dizer que a liquidação do imposto não pode assentar nos elementos declarados pelo sujeito passivo e que o recurso aos métodos indirectos de apuramento do rendimento se tornou na única forma de calcular a matéria colectável e o imposto a liquidar.

E nem do relatório da inspecção tributária em causa resulta minimamente expresso de que forma as faltas encontradas, relativas aos proveitos declarados, inviabilizam o apuramento directo da matéria tributável.

Repetindo uma ideia já avançada, temos que a AT sustentou, integralmente, a sua decisão de tributação por recurso aos métodos indirectos na existência de 5 situações, desconsiderando, por um lado, que os restantes adquirentes das fracções disseram exactamente o contrário, ou seja, confirmando os valores de aquisição dos imóveis declarados nas respectivas escrituras de compra e venda.

Para mais, repete-se, mesmo relativamente a estes 5 adquirentes a AT não avançou num trilho de investigação que a levasse a concluir pelo apuramento dos concretos elementos integradores de cada uma daquelas identificadas situações, tendo-se, antes, conformado com os elementos que foram fornecidos pelos adquirentes, satisfazendo-se com a auto-denúncia (e aqui, sublinhe-se, unicamente nos casos em que alegadamente os valores eram superiores aos declarados, apesar de ficar por apurar o efectivo destino do preço pago em excesso). Já acima, aliás, fizemos referência ao facto de ter ficado por demonstrar que o valor declarado pelos adquirentes dos imóveis, que liquidaram o IMT adicional, tinha sido pago, efectivamente, à sociedade Construções ..-..., ora Recorrida, a qual, desde o primeiro momento, afirma não ter recebido os montantes em causa.

Para mais, a prova em causa estava ao alcance da AT, mediante acesso às contas bancárias do contribuinte e pedido de acesso às contas bancárias dos adquirentes (de resto, casos houve em que os adquirentes logo autorizaram o acesso às contas e informação bancária), nos termos do artigo 63°-B da LGT, o que não se mostra feito.

Como a doutrina aponta, «O actual regime de acesso aos dados bancários do contribuinte cria uma forte vinculação para a Administração Fiscal. O pedido de acesso a contas bancárias é um poder-dever da Administração Fiscal que não pode, por exemplo, partir para forma de determinação da matéria colectável por meios indirectos (ou por aplicadores de rendimento) sem que recorra aos dados bancários do contribuinte e deles retire todas as consequências.

Se a Administração Fiscal não usar os amplos poderes que agora a lei lhe concede de acesso aos registos bancários do sujeito passivo terá uma posição argumentativa deficiente na sua relação de forças com o contribuinte (como pode sustentar que um contribuinte recebeu um cheque e, ao mesmo tempo decidir não solicitar aos bancos os elementos das contas bancárias do contribuinte ou terceiros com ele relacionados?).

Por outro lado, também existe uma forte vinculação da Administração aos resultados do exercício dos seus poderes investigativos, na medida em que se for dado pleno acesso à Administração Fiscal aos dados bancários (e ainda mais se o contribuinte colaborar nesse acesso) e não forem encontrados rendimentos injustificados, a Administração Fiscal terá uma posição argumentativa mais débil no seu percurso fundamentador da existência de rendimentos não declarados, ou de aplicação de formas de avaliação indirecta ou estimada de rendimentos.

É uma ideia cada vez mais generalizada esta de que os poderes das administrações fiscais são também a medida dos seus deveres, uma ideia imposta pela coerência dos sistemas fiscais» (vd. J. L. Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, NOTA DE ABERTURA, in Fiscalidade, Revista de Direito e de Gestão Fiscal, n° 37, Janeiro-Março de 2009).

A este propósito, chama-se à colação o acórdão do TCA Sul, de 15/05/12, proferido no processo nº 2956/09, ao qual esteve subjacente um circunstancialismo de facto muito idêntico ao que aqui se analisa, nos termos do qual se afirmou, além do mais, que:

“(…) “In casu”, mais uma vez examinando a matéria de facto provada (cfr.nº.3 da matéria de facto provada), pode constatar-se que a Administração Fiscal concluiu pela omissão de proveitos, a partir do testemunho de três compradores de imóveis transaccionados pela impugnante/recorrida, no sentido de que o valor declarado nas escrituras de compra e venda e reflectido na contabilidade, não correspondia ao real, mas era substancialmente superior, diferença pela qual vieram a liquidar adicionalmente o imposto de Sisa devido. Mais diz a Administração Fiscal que os mencionados três compradores, apesar de terem declarado no procedimento de inspecção, que o excedente mutuado se destinou a obras e/ou aquisição de mobiliário, nenhuma prova fizeram de ter sido esse o destino do dinheiro.

Ora, a factualidade em causa não consubstancia indício seguro de omissão de proveitos e de que a contabilidade da sociedade impugnante/recorrida não reflecte o resultado efectivamente obtido. Para atingir tal desiderato, era necessário demonstrar que o valor declarado pelos três compradores, que liquidaram Sisa adicional como correspondendo ao preço real de compra das fracções, tinha sido efectivamente pago à impugnante /recorrida, a qual afirma não o ter recebido.

E recorde-se que a A. Fiscal no exercício da sua competência de fiscalização da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, cabendo-lhe o ónus de prova da existência de todos os pressupostos do acto de liquidação adicional, designadamente, a prova da verificação dos pressupostos que a determinaram à aplicação dos métodos indirectos de avaliação que suportam a liquidação. Mais devendo chamar-se à colação que a Administração Fiscal, no âmbito do procedimento tributário, está sujeita ao princípio do inquisitório (cfr.artº.58, da L.G.T.), o qual é um corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua actuação. Este dever de imparcialidade reclama que a Fazenda Pública procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja revelação seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração. Mais se deve realçar que o órgão instrutor pode utilizar, para conhecimento dos factos necessários à decisão do procedimento, todos os meios de prova admitidos em direito (cfr.artº.72, da L.G.T.)”.»

«Como já antes dissemos, a alínea b) do artigo 87º da LGT prevê a possibilidade de avaliação indirecta da matéria tributável quando se verifica a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, devendo os motivos de tal impossibilidade ser especificados na decisão da tributação pelos métodos indirectos, nos termos do disposto no artigo 77°, nº 4 da LGT.

Assim, competia à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da tributação por métodos indirectos, nos termos do artigo 74°, nº 3 da LGT, cabendo-lhe demonstrar que a liquidação não podia assentar nos elementos fornecidos pelo sujeito passivo e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto.

É isto, pois, que do nosso ponto de vista não resulta minimamente demonstrado.

E, não tendo a AT cumprido o ónus que sobre si impendia de demonstrar a verificação dos pressupostos legais para o recurso à avaliação indirecta, porque não demonstrou que essa era a única forma de calcular o imposto, não se encontrava a mesma legitimada a recorrer aos métodos indirectos como meio de determinação da matéria colectável, pelo que a liquidação de IRC emitida na sequência das correcções efectuadas ao abrigo daquele método é, como a sentença julgou, ilegal.

Por consequência, impõe-se concluir que, no caso vertente, não se encontravam verificados os necessários pressupostos legais para que a Administração lançasse mão da metodologia indirecta com base na factualidade constante do probatório, assim naufragando, nessa precisa medida, as conclusões de recurso sob análise e devendo confirmar-se a decisão recorrida.

Atento tudo o relatado, sem necessidade de mais considerações, nega-se provimento ao recurso interposto, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.»

Nesta linha decisória, fica prejudicada a análise das demais questões.

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III. Decisão

Face ao exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
Notifique, também, o Inquérito Proc. 528/10.4IDLSB, Mafra – DIAP – Secção Única.


Lisboa, 20 de Fevereiro de 2020

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[Lurdes Toscano]

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[Maria Cardoso]

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[Catarina Almeida e Sousa]