Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2552/14.9BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:07/04/2019
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA;
ART.º 48.º DO CPTA;
PROCESSOS COM ANDAMENTO PRIORITÁRIO;
PODERES DO PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE 1.ª INSTÂNCIA;
GESTÃO PROCESSUAL.
Sumário:
I - Nos termos dos art.ºs 94.º, n.ºs 2, 3, 95.º, n.º 1, do CPTA, 153.º, 154.º, 607.º, n.ºs 2 a 4 e 608º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, na sentença o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou os fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. O juiz terá, igualmente, que discriminar os factos que considera provados e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final;
II - Só o incumprimento absoluto do dever de fundamentação conduz à nulidade decisória;
III - O mecanismo previsto no art.º 48.º do CPTA, de processos com andamento prioritário, visa, sobretudo, a uniformidade jurisprudencial;
IV - O uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA é um poder-dever do Presidente do Tribunal;
V - Verificados que estejam os indicados pressupostos para o uso do mecanismo de agilização processual do art.º 48.º, n.º 1, do CPTA, tal mecanismo deve ser utilizado;
VI – O uso do indicado mecanismo não depende da vontade das partes;
VII – A identidade que se exige para o uso do referido mecanismo deve reportar-se à questão a resolver e não aos circunstancialismos factuais analisados isoladamente;
VIII – O Presidente do Tribunal de 1.ª instância tem competências de gestão geral dos processos a correr no Tribunal (de “court management”), ou de “gestão do tribunal e gestão processual” e de “simplificação e agilização processual” do Tribunal e não competências judiciais relativas à gestão interna de cada um dos processos e correspondente conhecimento e julgamento dos pressupostos processuais (de “case management”);
IX – As competências jurisdicionais do Presidente do Tribunal no âmbito do mecanismo do art.º 48.º do CPTA, restringem-se às que vêm previstas nesse preceito, relativas ao accionamento do mecanismo de processos com andamento prioritário, à verificação dos seus pressupostos, à determinação da audição das partes para efeitos da efectivação do contraditório e à escolha dos processos-piloto e dos processos suspensos;
X – Os poderes do Presidente do TAC para decidir acerca dos processos escolhidos como processos-piloto ou dos processos que ficarão suspensos encerram uma certa margem de discricionariedade judicial.
XI - A cumulação de pedidos indemnizatórios, que dependam da procedência do pedido impugnatório, por si só, não obsta ao uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA;
XII - O uso de tal mecanismo deve ser articulado com preceituado no art.º 90.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA na versão aplicável ao caso (correspondentes ao n.º 4 da actual redacção do preceito) e a prorrogativa do juiz de antecipar a decisão sobre a ilegalidade da conduta administrativa e de prorrogar a instrução e conhecimento dos pedidos cumulados e dependentes daquele reconhecimento para um momento ulterior à decisão acerca daquela ilegalidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

M.....e Outros, interpuseram recurso do despacho do Presidente do TAC de Lisboa, que determinou a suspensão dos presentes autos em aplicação do art.º 48.º do CPTA.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: ”a) – O presente recurso deve ser tramitado nos presentes autos;
b) – Se assim se não entender, deve o recurso ser remetido para os autos seleccionados como piloto;
c) – O despacho recorrido ofende o caso julgado formal representado pelo despacho de 18 de Dezembro de 2017, do Exmo Sr. Presidente do Tribunal de Círculo de Lisboa;
d) – O despacho recorrido é nulo por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a solução nele imposta;
e) – Sem prejuízo do atrás exposto, a questão que é debatida nos presentes autos não é similar nem coexiste em paralelo com aquela que é debatida nos autos que foram seleccionados como piloto;
f) – O despacho recorrido infringiu frontalmente o disposto nos artºs 154º nºs 1 e 2, 607º, nº 3 e 620º nº 1 do C.P.C. e 48º nºs 1 e 3 do C.P.T.A., enfermando da nulidade prevista no artº 615º nº 1 alª b) do C.P.C. (aplicável “ex vi” artº 1º do C.P.T.A.);“.

Os Recorridos não apresentaram contra-alegações.

O DMMP não apresentou pronúncia.

II – FUNDAMENTAÇÃO
O DIREITO
As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da nulidade decisória e da violação dos art.ºs 154.º, n.ºs 1, 2, 607.º, n.º 3, 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil (CPC), por falta de fundamentação do despacho recorrido;
- aferir do erro de julgamento e da violação dos art.ºs 620.º, n.ºs e 1 e 2 do CPC e 48.º, n.º 1 a 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), por o despacho recorrido ofender o caso julgado que resultava do despacho de 18-12-2017, do Presidente do TAC de Lisboa, e por erro decisório, por a questão que vem debatida nos presentes autos não ser similar nem coexistir com a que é debatida nos autos n.º 2586/14.3BELSB e 2808/14.0BELSB, que foram seleccionados como processos-piloto.

Por imposição do art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), as decisões judiciais têm de ser fundamentadas.
Visa-se com a fundamentação da decisão judicial exteriorizar o raciocínio decisório e as correspondentes razões - factuais e legais - que estão na base daquele raciocínio, para que as partes possam compreender a motivação da decisão proferida e sindicar a sua correcção, caso assim entendam. Visa a fundamentação, ainda, permitir o controlo decisório, em caso de recurso.
Determina o art.º 615.º, n.º 1, do (novo) CPC, que “É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
Nos termos dos art.ºs 94.º, n.ºs 2, 3, 95.º, n.º 1, do CPTA, 153.º, 154.º, 607.º, n.ºs 2 a 4 e 608º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 1.º do CPTA, na sentença o juiz deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe forem submetidas e que não se encontrem prejudicadas pela solução dada a outras. Deve o juiz apreciar as questões respeitantes ao pedido e à causa de pedir, e ainda, os argumentos, as razões ou os fundamentos invocados pelas partes para sustentarem a sua causa de pedir. O juiz terá, igualmente, que discriminar os factos que considera provados e em que faz assentar o seu raciocínio decisório e deve indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas que conduzem à decisão final.
Não obstante, não tem o juiz que rebater e esmiuçar todos os argumentos e alegações avançados pelas partes, bastando-lhe, para cumprimento do dever de fundamentação, pronunciar-se sobre as concretas questões em litígio, demonstrando que as ponderou. Da mesma forma, tem o juiz que especificar todos os factos alegados e que têm relevo para a decisão, mas não tem que discriminar ou considerar os restantes factos invocados pelas partes, que não tenham relevância na decisão a tomar.
Por seu turno, só o incumprimento absoluto do dever de fundamentação conduz à nulidade decisória. Nestes termos, determina o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão. Igualmente, o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, comina com a nulidade a sentença que omita pronúncias que sejam devidas, ou para os casos em que o juiz conheça para além das questões de que podia tomar conhecimento.
Ou seja, só ocorre nulidade da decisão por falta de fundamentação se existir uma violação grave desse dever, quer porque na sentença se omita, de todo, o quadro factual em que era suposto assentar, ou este seja ininteligível, quer porque a sentença padeça, em absoluto, de falta de fundamentação de Direito, por não revelar qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, decifráveis os fundamentos da decisão.
Conforme o art.º 613.º, n.º 3, do CPC, as anteriores determinações aplicam-se, com as necessárias adaptações, aos despachos.
O despacho recorrido começa por enunciar os fundamentos aduzidos pelas partes, nos vários processos, relativamente ao uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA, para depois se pronunciar sobre os mesmos, indicando que todos os litígios tinham na sua origem a Medida de Resolução aplicada pelo Banco de Portugal (BP) em 03-08-2014 e que ainda que não fosse pedida em todos os processos a anulação da referida Deliberação, os correspondentes pedidos exigiam a apreciação incidental, colateral ou acessória da legalidade de tal medida. No despacho recorrido indica-se, igualmente, que tal situação ocorre quer nos processos em que se impugna a retenção, a título cautelar, de determinados créditos, quer naqueles em que se invocam as garantias de audiência e defesa no âmbito dessas mesmas retenções. De seguida, nesse despacho elencam-se várias razões práticas que justificam o uso do mecanismo, conclui-se pela vantagem do uso do mesmo e pelo não sacrifício da tutela jurisdicional efectiva das partes que ficam com os seus processos suspensos. Decide-se, então, pela aplicação do mecanismo do art.º 48.º do CPTA, seleccionando como processos-piloto os Proc. n.º 2586/14.3BELSB e n.º 2808/14.0BELSB, com a consequente suspensão dos demais processos.
Por conseguinte, é indubitável que o despacho recorrido ostenta uma fundamentação suficiente. Ali são especificados de forma clara os fundamentos de facto e de Direito que estão na base da decisão recorrida e decide-se em sua consonância.
A mera leitura do despacho permite aos ora Recorrentes compreenderem a razão do decidido e impugnarem essa mesma decisão, querendo, com base nos fundamentos aí aduzidos.
Nestes termos, o despacho recorrido não padece de qualquer nulidade por falta de fundamentação.

Vêm os Recorrentes invocar um erro decisório por o despacho recorrido ofender o caso julgado que resultava do despacho de 18-12-2017, do Presidente do TAC de Lisboa. Os Recorrentes invocam, também, um erro decisório, por entenderem que a questão que debatem nos presentes autos não é similar, nem coexiste com as questões que são debatidas nos Proc. n.º 2586/14.3BELSB e 2808/14.0BELSB, que foram seleccionados como processos-piloto.
O mecanismo previsto no art.º 48.º do CPTA – de agilização processual – visa “responder a fenómenos de massificação processual que são desencadeados, no domínio do contencioso administrativo pela proliferação de decisões da Administração relativas a questões que, por vezes, são comuns a um grande número de interessados.
(…) O artigo tem como principal objectivo evitar que o tribunal tenha de pronunciar-se individualizadamente sobre todos e cada um dos processos que incidem sobre matéria idêntica” (in ALMEIDA, Mário Aroso de; CADILHA, Carlos Alberto Fernandes - Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos. 4.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, p. 307).
Com este mecanismo, de processos de massa ou com andamento prioritário, pretende-se a “promoção da uniformidade jurisprudencial”, agrupando-se “vários processos administrativos para que o tratamento dado a questões idênticas, semelhantes ou conexas possa ser unitário, minimizando-se deferentes decisões relativamente a questões que merecem tratamento unitário”. “Portanto, a sua principal função está mais intimamente relacionada com a prossecução do principio da igualdade do que do principio da tutela jurisdicional efectiva” (in, SILVEIRA, João Tiago Valente de Almeida - Mecanismos de agilização processual e princípio da tutela jurisdicional efetiva no contencioso administrativo. [S.l.]: Tese de Doutoramento em Direito na especialidade em Ciências-Jurídico Políticas (não publicada) Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2016, pp. 989 e 1035. Cf. no mesmo sentido, SILVEIRA, João Tiago - Processos em massa e processo urgente para procedimentos de massa na revisão do CPTA. Em Estudos em homenagem ao Professor Doutor António Cândido de Oliveira. FIGUEIRAS, Cláudia Sofia Melo (Coord.) FONSECA, Isabel Celeste Monteiro (Coord.) ROCHA, Joaquim Freitas da (Coord.) FROUFE, Pedro Madeira (Coord.). 1.ª ed. Coimbra: Almedina, 2017, pp. 599-600. BRITO, Wladimir - Lições de Direito Processual Administrativo. 1.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, pp.187-190.)
Assim, nos termos do n.º 1 desse preceito, na redacção anterior, aqui aplicável, “quando sejam intentados mais de 20 processos, que embora reportados a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam susceptíveis de ser decididas com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto, o presidente do tribunal pode determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento apenas a um ou a alguns deles, que neste último caso são apensados num único processo, e se suspenda a tramitação dos demais” deles e se suspenda a tramitação dos demais” (cf. art.º 15.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10. Quanto à nova redacção do artigo, dada pelo citado diploma, é a seguinte: “quando num mesmo tribunal, sejam intentados mais de dez processos que embora referidos a diferentes pronúncias da mesma entidade administrativa, digam respeito à mesma relação material ou, ainda que respeitantes a diferentes relações jurídicas coexistentes em paralelo, sejam suscetíveis de ser decididas com base na aplicação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo, o presidente do tribunal deve determinar, ouvidas as partes, que seja dado andamento apenas a um deles e se suspenda a tramitação dos demais” ).
Após a revisão do CPTA, ocorrida em 2015, o uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA, de processos com andamento prioritário - anteriormente apelidados pelo legislador de processos em massa - já não é uma prorrogativa processual, da iniciativa do Presidente do Tribunal, mas passou a ser um verdadeiro poder-dever processual, verificados que estejam os pressupostos legais, elencados no n.º 1 do citado preceito (cf. indicando este dever, SILVEIRA, João Tiago - A agilização processual na revisão do processo administrativo. Em Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA. Org. GOMES, Carla Amado, NEVES, Ana Fernandes, SERRÃO, Tiago. 3.ª ed. Lisboa: AAFDL, 2017, p. 460. SILVEIRA, João Tiago - Processos em massa, ob. cit., p. 601. No mesmo sentido, na versão anterior à revisão do CPTA de 2015, vide, SILVEIRA, João Tiago Valente de Almeida - Mecanismos de agilização, ob. cit., pp. 989 e 992. GOMES, Carla Amado - Processos de massa e contencioso dos procedimentos em massa: o que os une e o que os separa. Em Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA. Org. GOMES, Carla Amado, NEVES, Ana Fernanda, SERRÃO, Tiago. 3.ª ed. Lisboa: AAFDL, 2017, p. 873).
Portanto, verificados que estejam os indicados pressupostos para o uso do mecanismo de agilização processual do art.º 48.º, n.º 1, do CPTA, tal mecanismo deve ser utilizado, não dependendo essa mesma utilização da vontade das partes. Ou seja, a vontade das partes releva apenas na medida em que estas têm de ser ouvidas previamente à decisão de adopção do mecanismo do art.º 48.º do CPTA e porque os seus argumentos têm de ser ponderados pelo Tribunal. Da mesma forma, o Tribunal terá de assegurar que os pressupostos legais para a adopção da medida se verificam efectivamente, apreciando esses pressupostos à luz do que for aduzido pelas partes. Porém, a oposição das partes em relação ao uso do mecanismo, em si mesma, não é factor suficiente para o afastamento da medida.
Conforme o n.º 3 do art.º 48.º do CPTA (na anterior versão) na apreciação da verificação dos pressupostos para o uso do mecanismo dos processos de massa compete ao Presidente do Tribunal “certificar -se de que no processo ou processos aos quais seja dado andamento prioritário a questão é debatida em todos os seus aspectos de facto e de direito e que suspensão da tramitação dos demais processos não tem o alcance de limitar o âmbito de instrução, afastando a apreciação de factos ou a realização de diligências de prova necessárias para o completo apuramento da verdade.” (já na nova redacção do preceito, os n.ºs 3 e 4 art.º 48.º do CPTA, determinam, da mesma forma, que compete ao Presidente do Tribunal “certificar -se de que no processo ao qual seja dado andamento prioritário a questão é debatida em todos os seus aspetos de facto e de direito e que suspensão da tramitação dos demais processos não tem o alcance de limitar o âmbito de instrução, afastando a apreciação de factos ou a realização de diligências de prova necessárias para o completo apuramento da verdade.” “Quando a verificação dos pressupostos requeridos no número anterior apenas possa ser alcançada através da seleção conjugada, para efeito de decisão prioritária, de mais do que um processo, os processos selecionados devem ser apensados num único processo”).
Refere Tiago Silveira (relativamente à anterior versão do preceito, que mais restrita neste aspecto face à nova versão) que para a verificação deste pressuposto deve apenas exigir-se “uma “forte ou significativa semelhança” quanto aos aspectos de facto das várias situações, de tal forma que, para efeitos de apreciação e decisão judicial, a questão a resolver seja “idêntica”. Isto é, a identidade legalmente exigível deve reportar-se à questão a resolver e não aos circunstancialismos factuais analisados isoladamente” (in SILVEIRA, João Tiago Valente de Almeida - Mecanismos de agilização, ob. cit., pp. 999-1000).
Tal como aduz o citado Autor, o legislador foi cuidadoso na previsão da tramitação a seguir para a adopção deste mecanismo, por forma a garantir que os processos que se agrupam são efectivamente semelhantes e que os processos-piloto esgotam todas as questões a decidir, sendo o juízo aí tomado efectivamente aplicável aos processos congelados (cf. SILVEIRA, João Tiago Valente de Almeida - Mecanismos de agilização, ob. cit., pp. 1041).
O referido Autor aponta, também, a possibilidade do uso do indicado mecanismo, quer relativamente a processos que visem a declaração de ilegalidade de normas, quer para agregar processos impugnatórios com processos de condenação à prática do acto devido. Exemplificando o uso deste mecanismo nesta última situação, o Autor indica um caso em que estaria em causa a apreciação de um plano de pormenor cuja apreciação estaria na base de dois processos: um que visava obstar a uma ordem de demolição decorrente da aplicação daquele plano e outro em que se pedia a condenação no licenciamento de obra construção para um imóvel semelhante. Advogando que em termos substanciais a situação fáctica e de Direito seria semelhante, o Autor considera que os diferentes pedidos não inviabilizavam o uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA (cf. neste sentido, SILVEIRA, João Tiago Valente de Almeida - Mecanismos de agilização, ob. cit., pp. 1000-1002; Contra esta interpretação, vide, OLIVEIRA, Mário Esteves de; OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de - Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Vol. I. Coimbra: Almedina, 2004, pp. 320-321).
No mesmo sentido, Wladimir Brito indica a procura da identidade da relação jurídica material controvertida atendendo ao conflito extra e intraprocessual, que releva na causa de pedir e não por via dos concretos pedidos que se façam no processo. Refere o Autor, que para este efeito interessa a identidade que se afere “através do núcleo central da relação jurídica controvertida, isto é, a forma como ela se manifesta nesse núcleo e não as suas manifestações periféricas”. Nas suas palavras, “o Juiz para classificar como idênticas as relações materiais controvertidas alegadas nos diferentes processos deverá dirigir a sua atenção para os aspectos estruturantes do núcleo dessas relações” (in BRITO, Wladimir - Lições de, ob. cit., pp. 195-196. O referido Autor refere-se à anterior versão do artigo 48.º, mas a sua posição mantem-se aplicável face à actual redacção do preceito).
Por seu turno, Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira ao apreciarem o mecanismo do art.º 48.º do CPTA e os respectivos poderes do Presidente do Tribunal para decidir quais os processos escolhidos e congelados, referem tratar-se de uma decisão baseada “em critérios de bom senso (…) que são insindicáveis, salvo em caso de erro de facto (ou grosseiro)” Os indicados Autores acrescentam: Sabendo-se que é fundamental assegurar que a apreciação do processo-modelo ou prioritário permita a cabal apreciação do litígio, por forma a «maximizar» a possibilidade (que se quer efectiva) de a sua solução servir também para os processos suspensos (v. art-48 .°/3), diríamos que, para efeitos de selecção, se deve atender,entre outros factores:
i) ao âmbito das questões de facto e de direito suscitadas, escolhendo o processo, a petição, de mais larga e melhor instrução e fundamentação;
ii à data de entrada em juízo dos processos, escolhendo o primeiro a ser proposto;
iii) ao número de contra-interessados, o maior possível;
iv) ao valor da acção, escolhendo a de maior expressão económica;
v) eventualmente, ao que seja acompanhado por advogado mais experiente nos domínios do direito administrativo.
Enfim, como parecer mais conveniente ao presidente do tribunal.
Outra escolha relevante respeita à questão de saber se se selecciona um só processo-piloto, congelando todos os outros, ou se deve escolher-se mais do que um: a opção de princípio deve ser, salvo casos especiais, a primeira, podendo contudo enveredar-se pela selecção de vários processos se puder discernir-se várias categorias deles em função das respectivas características (pessoais, circunstanciais ou outras), que possam levar a proferir sentenças relativamente diferentes ou diferentemente adaptáveis aos vários casos em presença - o que poderá, inclusive, servir para validar a hipótese que hesitámos em admitir na alínea vi) da anotação n.° II deste mesmo artigo .
Neste caso, devem separar-se por categorias os vários processos em massa, para se saber que pronúncia vale para cada uma delas. De outro modo, havendo sentenças diferentes para os vários processos seleccionados e apensados, podem suscitar-se problemas enormes no âmbito do n.° 5 deste preceito legal.
(…) Impõe-se ao tribunal do processo seleccionado, ao juiz ou relator do respectivo processo, um dever de velar por que as questões suscitadas sejam debatidas em todos os seus aspectos relevantes de facto e de direito, designadamente pelo autor do processo prioritário.
O legislador foi mais longe e esclareceu mesmo que a medida da suspensão dos processos congelados não pode ter como consequência a limitação do "âmbito da instrução" e discussão do processo, de modo a afastar dele factos e diligências instrutórias necessários para o "completo apuramento da verdade" que a todos interesse - ou, talvez melhor, factos (e diligências) que não sejam manifestamente impertinentes, suscitados em processos não seleccionados e esquecidos» naqueles que se seleccionaram.
Para assegurar as tarefas que este preceito lhe impõe, o juiz do “processo-piloto” pode ou deve acompanhar, de algum modo, o patrocínio forense exercido pelo respectivo advogado e deve suscitar, mesmo oficiosamente, a abordagem de todas as questões que considere relevantes para a decisão da causa, incluindo aquelas que não tivessem sido suscitadas senão nos processos suspensos ou congelados - excluindo-se, porém, que haja da parte do advogado do autor do processo seleccionado qualquer dever processual de debater questões de facto ou de direito que lhe pareçam irrelevantes ou inúteis para o seu constituinte
Provavelmente, estaremos enganados em algum pormenor da lei (ou em parte do raciocínio que sobre ela fizemos), porque, mesmo tratando-se de hipóteses atípicas, parece estranho que num processo se suscitem e debatam (por quem ?) factos que não interessam à sua decisão, mas à de outros processos .
É evidente que se impõe ao juiz nestes casos um grande equilíbrio entre as suas duas maiores preocupações, a de não tomar partido, de não se tornar parcial, por um lado, mas, por outro, de assegurar que a decisão a proferir no processo seleccionado possa servir (tende ncialmente) a todos os restantes processos - para que o recurso a esta figura não se transforme, afinal, numa pura perda de tempo para uma grande parte das pessoas envolvidas.
Cremos que, quanto aos aspectos de facto, o juiz não pode ultrapassar nunca os limites do art. 264.° do CPC, mesmo se se entender ser-lhe permitido considerar para o efeito os factos alegados noutros processos que não os seleccionados” (a apreciação dos Autores versa sobre o art.º 48.º do CPTA, antes da revisão de 2015, mas mantem-se inteiramente aplicável face à actual redacção do preceito; cf. OLIVEIRA, Mário Esteves de; OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de - Código de Processo, ob. cit., pp.322-323).
Feito este enquadramento, apreciemos à sua luz o presente recurso.
Em 18-12-2017 foi proferido o despacho do Presidente do TAC de Lisboa, constante dos autos, que após referir que se mostram pendentes “dezenas acções administrativas, nas quais, em termos muito gerais, se discutem deliberações do Banco de Portugal, atinentes à resolução do B….., seja, em regra, a deliberação de 3/8/2014, seja outras posteriores e dela decorrentes” e que por “despachos de 2/5/2017,9/5/2017 e 29/6/2017” se suscitou a possibilidade de tramitação destes processos através da aplicação do art.º 48.º do CPTA, “depois de também ter sido suscitada a hipótese de reenvio prejudicial para o STA”, indica a ocorrência de uma reunião conjunta com todos os Juízes de Direito do TAC de Lisboa, em 11-12-2017, para a seguir determinar que os indicados processos “prossigam os seus termos, pelos Exmos Srs. Juízes de Direito a quem foram distribuídos, até à fase de saneamento, com carácter de prioridade”.
Mais se indica em tal despacho, após aquela determinação, que “logo que feita esta estabilização processual em todos os processos – com o respectivo saneamento – conforme acordado na reunião de 11/12/2017, será efectivada a análise conjunta de todos eles, em reunião a marcar (onde perante as questões concretas a dirimir, será então decidido acerca da melhor forma de lhes dar o seguimento devido”.
Vêm os ora Recorrentes dizer que o despacho recorrido, ao determinar a suspensão dos presentes autos em aplicação do art.º 48.º do CPTA, violou o caso julgado – formal – decorrente do despacho de 18-12-2017, que atribuiu carácter prioritário aos processos por ele abrangidos, para prosseguirem até à fase de saneamento, o que foi desrespeitado “em toda a linha”.
Como resulta do teor do despacho de 18-12-2017, do Presidente do TAC de Lisboa, ali apenas se determinou o prosseguimento dos diversos processos, que se apreciavam, por cada um dos Juízes titulares, com carácter prioritário e “até à fase de saneamento”.
Contrariamente ao que os Recorrentes invocam, não resulta do teor de tal despacho que se tenha determinado, a cada um dos indicados Juízes, que julgassem os respectivos processos, saneando-os, aferindo, de imediato, acerca da verificação dos pressupostos processuais.
Aliás, esta última determinação não cairia nas competências do indicado Presidente, por exorbitar as competências (administrativas) de gestão geral dos processos a correr no Tribunal (de “court management”), ou de “gestão do tribunal e gestão processual” e de “simplificação e agilização processual” do Tribunal e já se relacionar com as competências judiciais relativas à gestão interna de cada um dos processos e correspondente conhecimento e julgamento dos pressupostos processuais (de “case management”) - cf. art.ºs 40.º, 43.º, n.º 4, als. c) e d), 44.º, n.º 1, do ETAF (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02-10, ex vi art.º 15.º, n.º 4, desse diploma) 7.º e 87.º e ss. do CPTA.
Ou seja, tal como decorre do teor do despacho de 18-12-2017, do Presidente do TAC de Lisboa, aí determinou-se, no uso de competências de gestão do Tribunal, de gestão processual – lato sensu – que os processos que já tinham sido identificados como envolvendo a discussão acerca das ”deliberações do Banco de Portugal, atinentes à resolução do B….., seja, em regra, a deliberação de 3/8/2014, seja outras posteriores e dela decorrentes”, passassem a ser tramitados por cada Juiz titular com carácter de prioridade, prosseguindo os seus termos. Determinou-se que poderiam tais processos de avançar na sua tramitação, nomeadamente até à fase de saneamento. A atribuição do carácter prioritário pressupunha, ainda, que estando prontos para o efeito, se a prioridade que ficou estabelecida assim o permitisse, se estimava a possibilidade, num futuro próximo, de ocorrer uma “estabilidade” da instância, por via do saneamento que pudesse ser feito.
De notar, que a atribuição do carácter prioritário a um processo não impõe a obrigação do respectivo Juiz titular de o conhecer de imediato. Diversamente, implica que tal processo seja conhecido logo que possível, em prioridade com os demais processos que não gozem dessa característica, mas após todos os outros que devam ter tratamento urgente, por assim estar legalmente determinado.
Quanto às competências para tramitar e para proceder ao saneamento de cada processo, competem exclusivamente ao respectivo Juiz titular, tal como decorre dos art.ºs 87.º, 88.º, 89.º, do CPTA (equivalentes aos art.ºs 87.º, 87.º-A, n.º 1, als. c), d), f), 88.º, n.º 1, al. a) e 89.º- A, do CPTA revisto).
Já com relação ao Presidente do TAC, nesta matéria, as respectivas competências jurisdicionais restringem-se às que vêm previstas no art.º 48.º do CPTA, relativas ao accionamento do mecanismo de processos com andamento prioritário, à verificação dos seus pressupostos, à determinação da audição das partes para efeito da efectivação do contraditório e à escolha dos processos-piloto, com a consequente selecção dos processos suspensos (discordamos, assim, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, quando indicam a competência do Presidente do Tribunal de 1.ª instância para seleccionar os processos de andamento prioritário como uma “competência administrativa” – cf., dos Autores - Comentário ao, ob. cit., p. 309. Da nossa parte, as competências que vêm expressamente atribuídas no art.º 48.º do CPTA ao Presidente do TAC, são verdadeiras competências jurisdicionais (de “case management”), distinguindo-se, pois, das restantes competências de gestão geral dos processos a correr no Tribunal, essas sim, administrativas. No sentido ora defendido, vide BRITO, Wladimir - Lições de, ob. cit., pp. 202-203).
Em suma, o CPTA não atribuiu competências jurisdicionais ao Presidente do Tribunal para proceder ao saneamento e instrução dos processos ou, sequer, para determinar ao Juiz titular do processo essa mesma instrução.
Portanto, o despacho recorrido, ao determinar a suspensão dos presentes autos em aplicação do art.º 48.º do CPTA, em nada contende com o despacho de 18-12-2017, do Presidente do TAC de Lisboa, sendo improcedente a alegada violação do caso julgado formal.

Vêm os Recorrentes invocar um erro decisório por a questão debatida nos presentes autos não ser similar nem coexistir com a debatida nos autos n.º 2586/14.3BELSB e 2808/14.0BELSB, que foram seleccionados como piloto. Dizem os AA. que nesta acção pretendem que o Banco de Portugal (BP) levante a retenção que efectuou sobre os depósitos da sua titularidade e que a discussão acerca da impugnação das Deliberações do Conselho de Administração (CA) do BP de 03-08-2014 e de 11-08-2014, é algo que se quer conhecido a título meramente marginal e acessório.
Como decorre do despacho recorrido, que nesta parte não é contraditado em recurso, o referido mecanismo foi usado para agregar mais de 20 processos, intentados e a tramitar no TAC de Lisboa.
Na PI do presente processo os AA. alegam que são titulares e co-titulares de contas de depósito à ordem e a prazo abertas no do Banco …..(B…..), que um dos AA. foi membro CA do B….. e que os restantes são seus familiares. Dizem os AA. que ficaram prejudicados pelas Deliberações do CA do BP de 03-08-2014 e de 11-08-2014, porque tais deliberações impediram-nos de dispor dos montantes depositados no B…., por terem excepcionado da transferência para o N…. (…..), os passivos para com as pessoas ou entidades que tenham exercido funções nos órgãos de administração do B…. e “cuja acção ou omissão tenha estado na origem das dificuldades financeiras da instituição de crédito ou tenha contribuído para o agravamento e tal situação”, assim como, dos seus “cônjuges, parentes ou afins em 1.º grau ou terceiros que actuem por conta de, entre outros, membros do Conselho de Administração”.
Mais alegam os AA., que os montantes depositados em algumas dessas contas pertenciam à Mãe do A. que foi membro do CA do B… e não aos restantes titulares, que aí figuravam em termos meramente formais, não sendo sua a propriedade dos montantes depositados. Outras contas pertenciam ao A. que foi membro do CA do B…. e à sua mulher e advém do trabalho que foram desenvolvendo na sua vida.
Portanto, através deste processo os AA. pretendem reagir conta a Medida de Resolução do B…., tomada pelo BP em 03-08-2014 e completada pela Deliberação de 11-08-2014, na sua conformação concreta, requerendo que não lhes seja aplicado o previsto no art.º 145.º-H, n.º 2, als. b) e c), do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31-12 (Regime Geral das Instituições de Crédito e das Sociedades Financeiras – RGICSF). Pretendem os AA. que os depósitos que tinham feito no B…. e estavam na sua titularidade, passem para o N….. (ou “banco de transição”, usualmente apelidado de “banco……”), para poderem, depois, pedir ao N…. a restituição daqueles saldos, tal como ocorreu com os outros depositantes que não ficaram abrangidos pelo art.º 145.º-H, n.º 2, als. b) e c), do RGICSF (cf. também o art.º 145.º-C, n.º 1, al. c), do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31-12).
Mais se note, que apesar de na PI os AA. se limitarem a formular um pedido de nulidade ou de anulação das Deliberações do CA do BP de 03-08-2014 e de 11-08-2014, na parte em que os afectam, a verdade é que da causa de pedir que expõem resulta evidente que os AA. também pretenderão, em consequência da invocada ilegalidade, a condenação do BP a determinar a passagem dos saldos das suas contas no B.... para o N…. Ou seja, os AA. não pretenderão, apenas, a invalidação das citadas Deliberações, mas, também, que seja o BP condenado a levantar a retenção cautelar que efectuou sobre os depósitos da titularidade dos AA.
Com esta acção pretendem os AA., igualmente, serem indemnizados pela actuação ilícita do BP e pelos danos que tal actuação lhes provocou.
Nestes termos, da PI dos Proc. n.º 2586/14.3BELSB e n.º 2808/14.0BELSB e da PI do processo em apreciação neste recurso, decorre que em todos os casos se visa impugnar a Deliberação do CA do BP de 03-08-2014, nomeadamente porque se invoca a ilegalidade da interpretação e aplicação do art.º 145.º-H, n.º 2, als. b) e c), do RGICSF.
Portanto, o julgamento que ocorrer naqueles processos-piloto, quando relativo à legalidade da actuação do BP, porque fundada no art.º 145.º-H, n.º 2, als. b) e c), do RGICSF, será transponível para o processo que ora analisamos.
Identicamente, a invocada ilicitude da conduta do BP, nomeadamente por ter aplicado o art.º 145.º-H, n.º 2, als. b) e c), do RGICSF, é matéria que será analisada nos processos-piloto e tal decisão é transponível para o presente processo.
Na verdade, apreciada a PI do Proc. n.º 2586/14.3BELSB, verifica-se que ai é alegado pelos respectivos AA. que são entidades que se dedicam “a efectuar investimentos financeiros à escala global, em variadas actividades económicas” e que são titulares de obrigações emitidas pelo B…, com natureza de dívida subordinada. Os AA. dessa acção demandam o BP impugnando a Deliberação do CA do BP de 03-08-2014, por ter excluído tal dívida da transferência para o N… e, consequentemente, ter ficado essa dívida na titularidade do B…. Dizem os AA. dessa acção que após a Medida de Resolução as ditas obrigações ficaram suspensas de negociação em Bolsa e que quando o B…. entrar em liquidação só terá passivos, pelo que os AA. nada receberão a troco dos seus créditos.
Aduzem os AA. da acção n.º 2586/14.3BELSB, que os art.ºs 145.º-B, n.º 1, e 145.º-G, n.º 1 e 145.º-H, n.ºs 1 e 3, do RGICSF, que fundamentaram a Deliberação do CA do BP de 03-08-2014, são normas inconstitucionais, por o Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 01-08 (que introduziu as citadas alterações ao RGICSF) violar a reserva de competência legislativa da Assembleia da República (AR), o Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10-02, violar o sentido da autorização legislativa constante da Lei n.º 58/2011, de 28-11, o princípio da reserva de lei e o estatuto constitucional de Governo e a Lei n.º 58/2011, de 28-11, violar o princípio da reserva de lei. Dizem também os AA. do Proc. n.º 2586/14.3BELSB, que os indicados preceitos violam o princípio da igualdade e o direito à propriedade privada porque tratam os accionistas e os obrigacionistas da mesma forma que os reais ou os presumíveis responsáveis pela situação financeira do B…... Porque consideram que tais normas são inconstitucionais, os AA. desta acção invocam a falta de base legal para a adopção da Deliberação do CA do BP de 03-08-2014. Mais aduzem os AA., a violação do princípio da proporcionalidade, por o recurso à Medida de Resolução ter sido excessivo e a solução mais gravosa para os investidores privados, face à possibilidade de recapitalização do B…. com fundos privados e/ou públicos. Consideram os AA. da acção n.º 2586/14.3BELSB, que ao adoptar a Medida de Resolução o BP não ponderou devidamente o seu impacto nos privados e não avaliou quantitativa e qualitativamente o impacto que a medida teria na sua globalidade, assim como, o BP não fundamentou suficientemente a solução que adoptou.
Identicamente, naquela acção n.º 2586/14.3BELSB, os AA. alegam que o BP errou quando adoptou precipitadamente a Medida de Resolução, ao invés de optar por um reinvestimento do B….. com fundos privados, do tipo “bail-in”, o que seria possível e que sobredimencionou a capitalização do N…, porque terá estimado o perdão de cerca de 80% do empréstimo da B….. e essa não foi a opção mais adequada ao B… e ao N…..
Consideram os AA. da acção n.º 2586/14.3BELSB, que exigia-se ao BP, previamente à Medida de Resolução, tentar recapitalizar o B....., designadamente com fundos privados, envolvendo os investidores privados – os accionistas e os obrigacionistas – nessa solução. Mais aduzem os AA, que entre os accionistas e os obrigacionistas estavam investidores muito sofisticados, detentores de recursos muito significativos, com grande experiência de investimento, em restruturações e recapitalizações bancárias, como ocorre com alguns dos AA. desta acção. Afirmam os AA., que a empresa T…. - um investidor com tais recursos e experiência - apresentou-se junto do B..... e do BP para tentar explorar soluções alternativas a um resgate e que foram feitas ofertas para esse efeito. Para os AA., no caso, poderia ter sido feita uma injecção de capital adicional pelos detentores de obrigações, que também poderiam perdoar dívidas do Banco, a troco de uma percentagem do B....., a negociar, uma solução do tipo “bail-in”, que só envolveria fundos privados, sem fundos públicos e custos para os contribuintes.
Consideram, ainda, os AA. da acção n.º 2586/14.3BELSB, que a recapitalização de 4,9 mil milhões no N… foi sobredimensionada e não seria preciso aquele montante de recapitalização. Mais dizem os AA., que tal montante de recapitalização terá sido calculado no pressuposto do perdão do empréstimo de 3,3 milhões de euros do B..... à B....., da revogação de uma garantia soberana do Estado Angolano e do acordo posteriormente feito entre a B....., o N…. e o Banco C….. Consideram os AA. que teria sido mais benéfico para o B..... e para o N… a permanência do empréstimo na B..... e que o acordo celebrado não dá garantias. Logo, ao proceder nos termos em que o fez, o BP errou e prejudicou o B....., o NP e os AA., obrigacionistas.
Identicamente, dizem os AA. que o BP poderia ter adoptado, em alternativa à Medida de Resolução, uma solução mista, com recurso a capitais privados e públicos, podendo aplicar-se no B....., temporariamente e até à adopção de uma solução do tipo “bail in,” os 6,4 mil milhões que estavam disponíveis no orçamento de Estado, decorrentes do Programa de Assistência Financeira. Dizem os AA. que tal solução foi adoptada para o B…, para o B…. e para o B…. e foi um êxito, pois tais bancos já reembolsaram o Estado desses investimentos - na totalidade, ou parcialmente. Assim, entendem os AA. que o BP errou quando adoptou a Medida de Resolução sem permitir aquela mesma solução para o B......
Consideram os AA., igualmente, que o BP também errou na sua actuação - procedendo a uma supervisão deficiente e ineficiente - porque devia ter exigido a recapitalização do B..... antes de 30-07-2014. Neste sentido, os AA. aduzem que o BP teve conhecimento dos problemas financeiros do B..... por via dos programas de inspecções transversais, incluindo ao G…, ocorridos em 2011 e 2014, pela Auditoria de Contas ao E….. (E….), pela compilação de esclarecimentos e pela informação remetida em 24-09-2013 e em 10-10-2013 por P……. Concluem os AA. da acção n.º 2586/14.3BELSB que se o BP tivesse actuado mais cedo – como lhe era exigível – evitaria os danos que derivaram da Medida de Resolução.
Consideram os AA. do Proc. n.º 2586/14.3BELSB, que a Medida de Resolução violou o princípio da tutela da confiança e da proibição de venire contra factum proprium, porque o BP não sinalizou ao mercado a situação financeira do B..... mas, ao invés, declarou oficialmente que a autoridade supervisora nacional conduziu exercícios transversais para acompanhar a exposição do B..... às empresas não financeiras do G… e estendeu tal análise às entidades financeiras e daí não resultou assinalado para o mercado qualquer problema com a G…, pois nenhuma questão desse tipo foi publicitada ao mercado. Para os AA., a conduta do BP que conduziu à confiança do mercado na sua actuação, enquanto supervisor, foi reforçada pela notícias de 5 e 6-2-2013, pelos comunicados de 11, 25 e de 30-07-2014, pelas declarações de 18-07-2014 da AR e pelas declarações da Ministra das Finanças de finais de Junho de 2014.
A confirmar a confiança do mercado na solidez do B....., o BP aprovou em Junho de 2014 um aumento de capital deste Banco e em meados de Maio de 2014 autorizou o B..... a fazer um empréstimo à R….. no valor de 100 milhões de euros, realizado no quadro de refinanciamento da SI.
Dizem os AA. que por via das inspecções, relatórios, informações e actuações antes referidas, acrescidas das informações decorrentes da informação financeira regular e detalhada da ESFG, do anúncio de alavancagem extraordinária da R….., das demonstrações financeiras do B..... e respectivo aumento de capital, o BP tinha de ter conhecimento da situação do B....., que devia ter publicitado ao mercado. Ao não fazer essa publicitação, segundo os AA., o BP falhou nas suas obrigações como supervisor.
Consideram os AA. da acção n.º 2586/14.3BELSB, que tendo o BP reconhecido no comunicado de 16-10-2014 que ficou consciente dos riscos emergentes do ramo não financeiro do G…. para com o B....., cumpria-lhe de imediato investigar e avaliar, face à restante informação de que dispunha, dos riscos actuais e futuros a que o B..... poderia estar exposto. À contrário, não poderia o BP ter-se limitado a adoptar medidas “ring-fencing”, que acabaram incumpridas pelo B......
Assim, concluem os AA. do Proc. n.º 2586/14.3BELSB, que o BP omitiu os seus deveres de supervisão e de cuidado, pois não detectou mais cedo os problemas da situação financeira do B..... e não tomou as medidas adequadas para minimizar esses problemas, nomeadamente não procedeu à verificação oficiosa da idoneidade de R… e dos demais Administradores do B....., não suspendeu mais cedo a isenção dos limites para empréstimos do B..... a instituições financeiras do G… e não alertou de imediato o mercado acerca da situação financeira do B......
Por fim, consideram os AA. do Proc. n.º 2586/14.3BELSB, que a Medida de Resolução constituiu um venire contra factum proprium porque as circunstâncias excepcionais e a urgência da situação não resultam de factos alheios à actuação do próprio BP mas, sim, da sua actuação passiva, inadequada e do não exercício negligente de poderes legais de que dispunha e que teriam evitado essas ditas circunstâncias. Por estas razões, os AA. consideram inaplicável, ao caso, o art.º 145.º-C do RGICSF.
Já no Proc. 2808/14.0BELSB, o A. vem impugnar as Deliberações de 23-07-2014, de 03-08-2014 e de 11-08-2014, do BP, alegando a falta absoluta de procedimento, a falta de fundamentação da Medida de Resolução e a violação do princípio da igualdade.
Nesta acção, o A. invoca, também, a nulidade da Medida de Resolução por a situação do B..... ter sido motivada pela anterior Deliberação do BP, que exigiu a constituição de provisões em valor desproporcionado, que não teve em consideração a garantia soberana do Estado Angolano sobre os créditos B..... e que foi o evento catalisador para a verificação dos restantes fundamentos invocados na Medida de Resolução.
Diz o A. desta acção n.º 2808/14.0BELSB, que a Medida de Resolução também violou o princípio da proporcionalidade, porque poderiam ter sido adoptadas medidas menos gravosas, designadamente a recapitalização com capitais públicos ou privados.
Igualmente, considera o A. que foi violado o direito de propriedade, o princípio da proporcionalidade, a CDFUE e os art.ºs 32.º, 36.º, 73.º, 74.º 255.º e 232.º da Directiva 2014/59/EU, por não terem sido previstos mecanismos de compensação à instituição objecto da Resolução e de salvaguarda aos seus credores e accionistas, depois de avaliados os danos de forma independente. Mais diz o A., que há um défice de transposição desses preceitos da Directiva, pelo que devem ser desaplicadas as normas legais em que se baseou a Medida de Resolução e anulada esta Medida.
Vem também este A. arguir a inconstitucionalidade das alterações introduzidas ao RGICSF pelo Decreto-Lei n.º 114-A/2014, de 01-08 e pelo Decreto-Lei n.º 31-A/2012, de 10-02, por falta de autorização legislativa para aquele primeiro diploma, e relativamente aos art.ºs 145.º-B, 145-º-F, 145.º-H, 145.º-I, 153.º-M, 155.º e 211.º do RGICSF, por permitirem uma expropriação dos activos do B..... sem a atribuição de uma justa indemnização, por ferirem o princípio da confiança e instituírem um processo sancionatório sem audiência e defesa.
Feita a resenha das causas de pedir nos processos-piloto n.º 2586/14.3BELSB e 2808/14.0BELSB, cotejada a causa de pedir da presente acção é, pois, indubitável, que em todas estas acções se discute a legalidade da Medida de Resolução do B....., tomada pelo BP em 03-08-2014 e completada pela Deliberação de 11-08-2014. Em todas as acções vem também invocada a ilegalidade da actuação do BP quando determinou a aplicação do art.º 145.º-H, n.º 2, als. b) e c), do RGICSF e estipulou a respectiva forma de transferência para o N… dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos do B...... Nas várias acções argumenta-se, também, pelo alheamento do BP relativamente às circunstâncias factuais prévias e às consequências da Medida de Resolução tomada.
Portanto, em todos os processos ora analisados as questões a resolver – em termos de factos e de Direito – são as mesmas ou são basicamente semelhantes.
Quanto à matéria de Direito que releva para os pedidos impugnatório e condenatório (ainda que este venha feito só em termos implícitos), os processos-piloto abarcarão o essencial do que ora se discute. Eventualmente, poderá ter ficado de fora dessa matéria a apreciação da alegação - que é feita no presente processo – da existência de um alheamento ilícito do BP relativamente à prova, em concreto, de que os familiares das pessoas que tinham exercido funções nos órgãos de administração do B..... actuavam por conta dessas pessoas. Por seu turno, no que concerne à matéria fáctica que releva nos presentes autos, de fora dos processo-piloto apenas fica a discussão acerca da conduta do BP que não terá permitido aos AA. desta acção ilidir a presunção da propriedade dos montantes depositados nas situações em que não haveria coincidência entre a titularidade dos depósitos e a correspondente propriedade do dinheiro depositado, por alguns dos respectivos titulares aí figurarem a titulo meramente formal.
Assim, sem embargo das referidas diferenças pontuais entre os vários processos, será pacífico que em todos os casos a relação material controvertida é a mesma, ou coexiste, e que a resolução das questões reclama a aplicação das mesmas normas jurídicas.
Se nos processos piloto se julgar pela ilegalidade da conduta do BP, de imediato, aquele julgamento será extensível aos presentes autos, resolvendo-se, assim, os pedidos impugnatório e condenatório aqui formulados. Da mesma forma, se se vier a julgar pela legalidade da conduta do BP ao tomar a Medida de Resolução, por ter sido correcta a interpretação legal que foi feita do estipulado no art.º 145.º-H, n.º 2, als. b) e c), do RGICSF, cairá por terra o fundamental – ou o total - da argumentação dos AA. da presente acção, porquanto não contestam que as contas que dizem terem ficado cativas no B..... eram tituladas por um membro do CA do B..... e seus familiares.
Como se justificou no despacho recorrido, para o uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA, considerou-se que todos os processos agrupados tinham “como origem do litígio, a medida de resolução aplicada ao B....., pelo Banco de Portugal, no dia 3 de Agosto de 2014.
(…) Nomeadamente os processos que, embora não tenham como pedido principal a anulação da referida deliberação, exigem uma apreciação incidental, colateral ou acessória, da legalidade daquela medida, tais como os que se relacionam com a retenção, a título cautelar, de determinados créditos, bem como as garantias de audiência e defesa no âmbito dessas mesmas retenções, ou ainda comercialização de papel comercial, entre outros litígios, que com aquela deliberação se relacionam.”
(…) Importa ainda referir que a própria análise eventual do instituto jurídico da responsabilidade civil, designadamente o conhecimento do pressuposto da ilicitude, beneficiará da apreciação da legalidade da deliberação de 3 de Agosto de 2014, extensiva aos processos que a questionam.”
Ou seja, não há dúvida que o presente processo e os Proc. n.º 2586/14.3BELSB e n.º 2808/14.0BELSB, respeitam a relações jurídicas que se fundam numa mesma conduta do BP e que são susceptíveis de serem decididas com base na aplicação das mesmas regras jurídicas.
Na verdade, para o conhecimento de qualquer um dos pedidos formulados na presente acção – seja o impugnatório, seja o condenatório, que vem feito implicitamente, seja para o pedido indemnizatório – ter-se-á de conhecer, primeiramente, da legalidade das Deliberações do BP de 03-08-2014 e de 11-08-2014, sendo essa a questão essencial que se discute em todas as acções. Para conhecimento dessa questão aplicar-se-ão as mesmas normas jurídicas. Quanto às questões de facto que estão na base das várias acções, reconduzem-se às que envolvem a emanação de tais Deliberações e respectivos efeitos.
No restante, como acima dissemos, a circunstância de nas diversas acções se pretender obter pronúncias com diferentes alcances – porque umas sejam impugnatórias, outras condenatórias ou, até, porque se refiram a pronúncias indemnizatórias – só por si, não será uma razão impeditiva do uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA, porquanto como arrimo destas diferentes pretensões está sempre a apreciação das mesmas normas a situações de facto do mesmo tipo.
Como decorre do despacho recorrido, a utilização do mecanismo do art.º 48.º do CPTA visou permitir uma só apreciação jurisdicional relativamente à legalidade das Deliberações do BP de 03-08-2014 e de 11-08-2014, que foram a origem todos os litígios dos processos que se agruparam.
Apreciadas as causas de pedir que estão na base dos pedidos impugnatórios feitos na presente acção e nos Proc. n.º 2586/14.3BELSB e 2808/14.0BELSB, como já referimos, é indubitável que para todos os casos há que apreciar a mesma factualidade e subsumi-la nas mesmas normas jurídicas.
Quanto ao pedido condenatório que vem feito de forma implícita nesta acção – por se pretender também a condenação do BP a determinar a passagem dos saldos das contas dos AA., existentes no B....., para o N.., por não estar provado que o A., que foi membro do CA do B....., tenha contribuído para as dificuldades financeiras do B....., ou para o seu agravamento, ou que os restantes AA. actuassem por sua conta, ou ainda, porque eram meros titulares das contas e não proprietários do dinheiro aí depositado – trata-se de matéria que se mantém a convocar a apreciação das mesmas normas e que continua enquadrada em circunstancialismos factuais idênticos ou com uma grande semelhança.
Seguimos, aqui, a posição preconizada por Tiago da Silveira quando indica o uso deste mecanismo apenas associado “à questão a resolver e não aos circunstancialismos factuais analisados isoladamente” (in SILVEIRA, João Tiago Valente de Almeida - Mecanismos de agilização, ob. cit., pp. 999-1000). Da mesma forma, seguimos o citado Autor, quando aponta o uso do indicado mecanismo para agregar processos impugnatórios com processos de condenação à prática do acto devido, quando os restantes pressupostos se mantenham reunidos.
Por seu turno, o facto de se formular um pedido indemnizatório no presente processo, também não obstará ao uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA, porquanto o indicado pedido se funda, unicamente, na ilicitude das Deliberações que antes se impugnaram.
Tal como se refere no despacho recorrido, a apreciação prévia da ilegalidade das Deliberações do BP de 03-08-2014 e de 11-08-2014 e consequente ilicitude, “beneficiará a análise do instituto jurídico da responsabilidade civil”, sendo aquela apreciação extensível aos presentes autos.
Ou seja, do teor do despacho recorrido deriva que se terá discutido acerca do uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA quando no acervo dos processos agrupados se verificasse que, em alguns, haviam sido formulados pedidos indemnizatórios por responsabilidade civil por acto ilícito. Mais decorre do teor daquele despacho, que a formulação de tais pedidos indemnizatórios não terá sido considerada um obstáculo ao uso da indicada medida, por essa mesma questão não ser o objecto da apreciação central que se queria que ocorresse nos processos-piloto e que se antevia objecto de extensão aos processos suspensos. Consequentemente, no que concerne aos pedidos indemnizatórios que estavam formulados nalguns processos agrupados, ter-se-á entendido que o julgamento a fazer processo-piloto só seria extensível na medida em que a apreciação da eventual ilicitude da conduta do BP iria beneficiar o seu julgamento, que fica, assim, deixado para um momento ulterior.
Como acima já se indicou, o mecanismo do art.º 48.º do CPTA visa a simplificação e gestão processual. Com o uso deste mecanismo quer-se evitar que o Tribunal se pronuncie individualizada e distintamente em cada um dos processos com relação a uma mesma relação jurídica material ou uma mesma questão jurídica. Quer-se evitar tarefas e julgamentos desnecessários e não harmonizados ou uniformes.
Ora, atendendo aos pressupostos ínsitos ao art.º 48.º do CPTA, considerando que o uso do mecanismo não exige a total identidade de causas de pedir nem a identidade de pedidos, o alcançar de tais efeitos pressupõe, necessariamente, a articulação da tramitação legalmente prevista no citado art.º 48.º, com um uso em pleno dos poderes de gestão e de adequação processual do juiz – do Presidente ou do Colectivo, consoante o momento processual em causa – que deverá conformar o prosseguimento das diferentes acções – agrupadas, sejam as acções piloto ou as congeladas – por forma a atingir aquele desiderato, em simultâneo com a salvaguarda do apuramento da verdade material.
Nessa consonância, nada impede e até se pretenderá que o mecanismo do art.º 48.º do CPTA seja usado articuladamente com outras soluções de simplificação e agilização processual que vêm previstas no CPTA, em que avulta a preconizada no art.º 90.º, n.ºs 3 e 4 (no CPTA revisto vide o art.º 90.º, n.º 4).
Neste preceito, confere-se ao juiz a prorrogativa de antecipar a decisão do pedido fundado no reconhecimento, a título principal, da ilegalidade da conduta administrativa em relação à instrução dos pedidos cumulados e dependentes daquele reconhecimento. Logo, sendo cumulados pedidos impugnatórios com pedidos indemnizatórios, se a complexidade da apreciação dos pedidos assim o justificar, o Tribunal deve antecipar o conhecimento do pedido impugnatório, formulado a título principal, e deixar a instrução do pedido indemnizatório, daquele dependente, para um momento ulterior, que apenas terá lugar se o conhecimento do pedido indemnizatório não ficar prejudicado pela decisão que se tome com relação ao pedido impugnatório.
Portanto, o recurso ao mecanismo de selecção de processos de massa ou de andamento prioritário poderia e deveria ser articulado com a prorrogativa do art.º 90.º, n.ºs 3 e 4, do CPTA e com o dever de gestão processual, que cumpria efectivar ao Presidente do TAC de Lisboa.
Como decorre do teor do despacho recorrido, ao determinar-se o uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA, teve-se por pressuposta a possibilidade da instrução deferida para os pedidos indemnizatórios que estivessem feitos nos processos suspensos.
Por essa mesma razão, naquele despacho circunscreve-se a questão a julgar nos processos piloto à apreciação da legalidade das Deliberações do BP de 03-08-2014 e de 11-08-2014, pelas diversas razões que vinham invocadas nas respectivas causas de pedir, aduzindo, em simultâneo, que a indicada apreciação iria relevar para a aferição do pressuposto ilicitude, que se pressupõe a apreciar num momento posterior, designadamente quando se viesse a julgar acerca dos pedidos indemnizatórios que eram formulados em alguns processos suspensos.
Ou seja, considerou-se, e bem, naquele despacho, que nos processos-piloto se iria apreciar da legalidade das Deliberações do BP de 03-08-2014 e de 11-08-2014. Quanto aos pedidos cumulados, de indemnização, cuja apreciação também dependia da aferição da ilegalidade de tais Deliberações e consequente ilicitude, ficou relegada para um momento posterior, assim como a sua instrução, a fazer-se, necessariamente, aquando da extensão de efeitos que vem indicada no art.º 48.º, n.ºs. 5 a 7, do CPTA (na versão revista, vide o art.º 48.º, n.º 10).
De notar, que após a emissão da decisão nos processos-piloto, a parte que figure como A. nos processos suspensos pode desistir dos pedidos formulados nestes processos, requerer a extensão dos efeitos da sentença proferida ou requerer a continuação do seu processo. Por seu turno, a parte que fique prejudicada com aquela decisão, por lhe poder ser estendida – seja ela A. ou R. nos processos suspensos – poderá interpor recurso da decisão proferida no processo piloto – cf. art.º 48.º, n.ºs 5 a 7, do CPTA (na nova versão do CPTA vide os n.ºs 9 e 10 do art.º 48.º, que retiram a prorrogativa de o A. requerer o prosseguimento do seu processo e acrescentam que se as partes não tomarem qualquer das indicadas atitudes, o Tribunal decide oficiosamente da extensão dos efeitos da sentença nos processos suspensos, que seguirá os termos do art.º 161.º, n.ºs 1 e 6, do CPTA. Assim, na nova versão do preceito, a extensão dos efeitos da sentença proferida no processo piloto é oficiosa, não dependendo de requerimento da parte interessada).
Nestes termos, a extensão dos efeitos da sentença proferida no processo piloto implica necessariamente, para além da apreciação da extensão dos efeitos da sentença proferida nos processos-piloto, que se verifique das demais matérias que ficaram por decidir por não serem perfeitamente idênticas.
Nesta lógica, após a emissão da decisão nos processos-piloto e consequente extensão dos seus efeitos, pode verificar-se existirem pedidos que, pela sua não identidade, reclamam a abertura de uma fase de instrução antes de serem conhecidos.
Logo, usando-se o mecanismo do art.º 48.º do CPTA para conhecer, a titulo principal, da ilegalidade de determinada conduta da Administração, verificando-se que nos processos suspensos existem pedidos cumulados e dependentes daquele reconhecimento, nomeadamente verificando-se que nestes últimos processos existem pedidos indemnizatórios, decorrentes da invocada ilicitude, ter-se-á, após a determinação da extensão de efeitos da decisão proferida nos processos-piloto, que conhecer dos restantes pedidos cumulados, abrindo uma fase de instrução no próprio processo, se tal se mostrar necessário (parecendo apontar no sentido de o Tribunal dever ponderar as especificidades do processo suspenso aquando da extensão dos efeitos da decisão prolatada nos processos-piloto, vide, GOMES, Carla Amado – “Processos em massa e contencioso dos procedimentos em massa: o que os une e o que os separa”, in GOMES, Carla Amado (Coord.); NEVES, Ana Fernanda (Coord.); SERRÃO, Tiago (Coord.) - Comentários à revisão do ETAF e do CPTA. 2.ª ed. Lisboa: AAFDL, 2016. p. 634 e 637- 639. No mesmo sentido, mas referindo-se à anterior redacção do CPTA, vide SILVEIRA, João Tiago Valente de Almeida - Mecanismos de agilização, ob. cit., pp. 1018-1020. Mais se note, que Tiago da Silveira entende que a atribuição de competências ao “Tribunal” para a extensão dos efeitos da sentença é feita são relativas à formação alargada que julgou nos processos-piloto e não ao Juiz titular de cada processo que ficou suspenso – cf. SILVEIRA, João Tiago Valente de Almeida - Mecanismos de agilização, ob. cit., pp. 1025-1026. Em idêntico sentido, vide BRITO, Wladimir - Lições de, ob. cit., pp. 199-200. Este último Autor refere, no entanto, que a competência para conhecer do litígio nos processos suspensos, se estes tiverem de prosseguir, por apresentarem especificidades ou quando o A. desista do processo, ou ainda quando prossigam para execução, retorna ao juiz titular - cf. BRITO, Wladimir - Lições de, ob. cit., pp. 205-208).
Portanto, a cumulação de pedidos indemnizatórios, que dependam da procedência do pedido impugnatório, por si só, não obsta ao uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA. Da mesma forma, o uso de tal mecanismo deve ser articulado com preceituado no art.º 90.º, n.º 3 e 4 (90.º, n.º 4, na nova redacção do CPTA) e a prorrogativa do juiz de antecipar a decisão sobre a ilegalidade da conduta administrativa e de prorrogar a instrução e conhecimento dos pedidos cumulados e dependentes daquele reconhecimento para um momento ulterior à decisão acerca daquela ilegalidade.
Note-se, ainda, que em sede recurso os AA., ora Recorrentes, não apontam nenhuma limitação à instrução da sua causa decorrente da aplicação do mecanismo dos processos de massa ou de andamento prioritário. Isto é, através do presente recurso os AA. e Recorrentes não alegam a existência de factos controvertidos, que impliquem uma instrução autónoma face àquela que tenha de ser feita nos processos-piloto.
Quanto à escolha dos dois processos-piloto, teve por fundamento a circunstância de serem, no seu conjunto, aqueles em que “a questão é debatida em maior extensão, quer no domínio dos factos, quer no âmbito da aplicação do direito”, associada ao facto de o primeiro daqueles processos ser o mais antigo e o segundo estar atribuído ao mesmo Juiz titular.
Esta decisão foi tomada após diversas reuniões com todos os Juízes do TAC, no termo das quais se considerou que aqueles seriam os “processos em que poderão ser debatidas, em todos os aspectos de facto e de direito, as invalidades suscitadas, quer a nível dos “obrigacionistas”, quer dos “accionistas”, respectivamente”.
Como acima já se referiu, os poderes do Presidente do TAC para decidir acerca dos processos escolhidos como processos-piloto ou dos processos que ficarão suspensos encerram uma certa margem de discricionariedade judicial, que apela a “critérios de bom senso”, “insindicáveis, salvo em caso de erro de facto (ou grosseiro)” (cf. OLIVEIRA, Mário Esteves de; OLIVEIRA, Rodrigo Esteves de - Código de Processo, ob. cit., pp. 322-323).
Tal como decorre da factualidade processual que se deixou exposta, no caso em análise, a escolha dos processos-piloto e dos processos congelados rodeou-se de diversos cuidados, que incluíram a determinação do seu tratamento prioritário até à fase do saneamento, a análise dos processo pelos respectivos Juízes titulares, diversas reuniões com todos os Juízes do TAC de Lisboa para se discutirem as diferentes situações e a prolação de diversos despachos do Presidente do TAC, emitidos de forma a assegurarem plenamente as garantias do art.º 48.º do CPTA. As diversas partes foram também ouvidas relativamente à intenção do uso do mecanismo do art.º 48.º e no despacho recorrido houve uma apreciação expressa relativamente a cada uma dessas pronúncias.
Portanto, da factualidade processual resulta evidente que o uso do mecanismo do art.º 48.º do CPTA foi cabalmente ponderado pelo Presidente do TAC de Lisboa.
Quanto aos pressupostos do n.º 1 do art.º 48.º do CPTA, como acima indicamos, atendendo às PI de cada uma das acções ora em consideração, ter-se-ão de ter por verificados.
No que diz respeito às condições indicadas no n.º 3 do art.º 48.º do CPTA, não se antevê a existência de qualquer erro decisório, pois a discussão dos aspectos fácticos e de Direito nos processos-piloto será perfeitamente adoptável nos presentes autos.
Por seu turno, a escolha, em concreto, dos Proc. n.º 2586/14.3BELSB e n.º 2808/14.0BELSB como processos-piloto ficou justificada através do despacho recorrido. Quanto às razões práticas aí invocadas caem no poder discricionário do Juiz Presidente, só sendo sindicáceis por erro grosseiro, manifesto ou de facto, o que não ocorre no presente caso.
Não vindo invocado um erro grosseiro ou de facto com relação às invocadas questões práticas, também claudica o presente recurso quanto a esse aspecto.
Em suma, claudica, in totum, o presente recurso.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelos Recorrentes, em partes iguais (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2, do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 4 de Julho de 2019
(Sofia David)

(Paula de Ferreirinha Loureiro)

(Pedro Nuno Figueiredo)