Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:297/16.4BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:05/25/2017
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO/DESCONFORMIDADE ENTRE OS FACTOS APURADOS E OS ELEMENTOS DE PROVA/CITAÇÃO PESSOAL/PRESUNÇÃO/CITAÇÃO EDITAL
Sumário:I – Há insuficiência da matéria de facto vertida no probatório sempre que deste não conste toda a factualidade necessária a uma decisão conscienciosa da questão suscitada nos autos segundo as várias soluções plausíveis de direito.
II – A citação, enquanto acto através do qual se chama uma parte (réu) a juízo e se lhe dá conhecimento dos termos da acção contra si instaurada e do prazo e meios que dispõe para se defender, está, no que respeita aos processos de execução fiscal, regulamentada nos artigos 188.º a 194.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
III – Para que possa operar a presunção legalmente consagrada no artigo 192.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, não é suficiente a mera devolução da carta registada com aviso de recepção enviada para efeito de citação, antes se exigindo que do referido aviso conste o motivo dessa devolução e deste não resulte indiciado que o citando não teve, ou não podia ter tido, conhecimento do acto que se pretende seja levado ao seu conhecimento.
IV – Daí que, sendo devolvida a carta registada com aviso de recepção para citação do executado sem qualquer indicação nele aposta, ao órgão de execução se imponha a realização das diligências adequadas à efectivação regular da citação pessoal, não podendo presumir que a citação foi efectuada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: I – Relatório

A..., M... [na qualidade de únicos beneficiários da acções da sociedade ... Limited] e a sociedade ... Properties Limited, constituída segundo as leis de Gibraltar e com sede em ..., Gibraltar, executada, intentaram a presente acção declarativa peticionando que mesma fosse julgada procedente e, em consequência, «declarada a nulidade do processo de execução fiscal, que impossibilitou a Autora de se defender», devendo igualmente ser «anulados todos os temos subsequentes, nomeadamente, a penhora do imóvel…bem como a sua venda».

Como fundamento da sua pretensão alegou, em síntese, a falta de citação para os termos da execução, bem como a falta de notificação dos actos subsequentes, incluindo da realização da penhora e do despacho determinativo da venda.

Por despacho de 16-5-2016, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou existir erro na forma de processo por o meio próprio para apreciar a pretensão deduzida ser a reclamação do acto do órgão de execução fiscal.

Mais julgou que, sendo o erro na forma de processo uma excepção de conhecimento oficioso que apenas determina a anulação dos actos que não possam ser aproveitados e praticados os necessários para que o processo se aproxime o mais possível da forma adequada, ordenou a remessa do processo ao órgão de execução fiscal para aí ser apreciado o pedido e convolado para a forma processual que entendeu como a correcta, isto é, para os termos da reclamação do acto do órgão de execução fiscal.

Após remessa dos autos e de aí ser apreciado o pedido de nulidade suscitado, mantendo-se o entendimento de validade integral do procedimento e dos actos constantes do mesmo, foi determinada a convolação ordenada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé a quem o processo foi devolvido.

A Fazenda Pública, citada, veio, através do seu legal representante, manter a posição vertida na informação emitida pelo serviço de finanças.

O contra-interessado, adquirente do imóvel, citado, veio opor-se à nulidade do dos actos praticados, defendendo que a executada ... Properties Limited, foi devida e regularmente citada para os termos da execução e para os demais tramites procedimentais, concluindo pela improcedência da presente reclamação.

A Exma. Procuradora no Tribunal a quo emitiu parecer no sentido de que os reclamantes provaram que nunca tiveram conhecimento das notas de liquidação, nem de qualquer citação, motivo pelo qual lhes devia ser reconhecida razão.

Por sentença de 16 de Fevereiro de 2017, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé proferiu sentença aí decidindo absolver a «Fazenda Pública dos pedidos formulados por A..., M...» e julgar procedente a reclamação «(…)declarando-se a nulidade por omissão de citação de ... Properties Limited, e, em consequência anulam-se todos os actos do processo de execução fiscal subsequentes, nomeadamente, os actos de penhora de imóvel e de venda judicial (…)».

Insatisfeitos com o decidido vieram a Autoridade Tributária e Aduaneira e o contra-interessado, J..., interpor recurso jurisdicional para este Tribunal Central, concluindo, nos seguintes termos:

- A Autoridade Tributária e Aduaneira
«a) Decidiu a Meritíssima Juiz "a quo" pela procedência parcial dos autos de Reclamação, por considerar, na parte que julgou procedente o pedido, que o órgão da execução fiscal devia ter citado a sociedade reclamante executada por meio de éditos;

b) Com o sempre devido respeito, a Fazenda Pública não pode concordar com o decidido;

c) Considerou a Mma Juiz a quo que as segundas cartas com a citação pessoal vieram devolvidas;

d) Salvo melhor e douta opinião, verifica-se in casu, que mediante a devolução das primeiras cartas de citação registadas com aviso de recepção, a AT remeteu segundas cartas tendo o distribuidor postal comprovado que deixou a carta no receptáculo da caixa de correio da morada indicada como destinatária conforme documentos insertos nos autos;

e) Nem a douta sentença considerou provado o facto da reclamante ter comunicado nova morada à AT ou, que lhe era impossível efectuar tal comunicação;

f) Assim, nos termos do n°3 do artigo 192° do CPPT, a citação pessoal considera-se efectuada;

g) Só seria de exigir a citação por meio de éditos, salvo melhor e douta opinião, se a morada fosse desconhecida, incerta ou a executada se encontrasse em parte incerta, casos que não se verificam no caso dos autos;

h) Nesta conformidade, a segunda carta de citação, registada com AR, não veio devolvida;

i) e por essa razão deve considerar-se a citação efectuada nos termos da lei;

j) Ao decidir pela procedência do pedido, violou a douta sentença recorrida o disposto nos art°192° n°3 e n°4 do CPPT;

Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.»;

- O Contra-interessado, J...

«A) O Recorrente entende, salvo o devido respeito por douta decisão em contrário, que o Tribunal a quo, ao decidir pela nulidade da citação, incorreu em erro de julgamento, analisando de forma errada a prova documental existente nos autos e fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas convocáveis ao processo sub judice, designadamente, o artigo 192° do Código de Procedimento e do Processo Tributário.

B) Há factos que se encontram demonstrados nos autos através de documento e que o Tribunal a quo não teve em consideração, a saber: a morada indicada pela Recorrida para efeitos fiscais e o comportamento inerte da Recorrida em indicar uma nova morada para efeitos de notificação.

C) É estranho, que o Tribunal a quo não faz nenhuma análise a tal alegação, que a Recorrida venha alegar na sua douta Petição Inicial que só em Abril de 2016 (o que se desconhece se é verdade ou não) é que o Mandatário da Recorrida e subscritor daquela peça processual - e o mesmo que em Junho de 2013 foi notificado de um oficio das finanças dando conta dos valores em divida referente aos impostos que no oficio se identificam, cfr. ponto D) dos factos provados - se tenha deslocado ao serviço de Finanças para liquidar os IMI que estivessem em atraso, quando a Recorrida, que tem como únicos sócios dois portugueses, bem sabia que a obrigação de pagar o IMI é anual e que o imóvel objecto dos presentes autos foi adquirido pela Recorrida em venda judicial no ano de 2004.

D) Dessa alegação, constante do artigo 5° da Petição Inicial, deveria o Tribunal a quo ter tirado alguma ilação e ainda mais quando o próprio subscritor da Petição Inicial tinha sido notificado em 2013 para a existência dos processos de execução fiscal, não obstante o mesmo tenha indicado ter terminado o mandato, mas não indicou uma nova morada da sociedade ou o contacto da mesma, o que poderia e deveria ter feito e seria exigível.

E) Mais, é referido na Petição Inicial - artigos 9° e ss. - que em Maio de 2007, foi a Recorrida notificada para pagamento adicional do IMT e o subscritor daquela ter apresentado, em nome da Recorrida, reclamação graciosa, mais alegando que aquela notificação tinha sido enviada para a morada para onde foi enviada a citação referente ao processo de execução fiscal. Ora

F) Se no ano de 2007, a Recorrida tem acesso à notificação que foi enviada para a morada constante dos serviços fiscais e que é a mesma onde foi feita a citação, e tendo tido conhecimento da mesma - pois apresentou reclamação graciosa - porque vem agora dizer que não era a sua morada, ou que não tomou conhecimento da citação?!!!!

G) Por outro lado, tendo apresentado reclamação graciosa, se a morada para efeitos de notificações fiscais não era aquela, porque na altura em que apresentou a reclamação graciosa em 2007 não indicou uma nova morada?!, sendo que quanto a esta questão a Recorrida nada alega, nem sequer vem juntar aos autos a cópia da alegada reclamação graciosa que apresentou.

H) Pelo que o Tribunal a quo deveria também ter considerado como provado, porque tem relevância para os autos, que em 20 de Maio de 2007 a Recorrida apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IMT, cujo ofício dos serviços de finanças foi enviado para a morada onde foi feita a citação e que a Recorrida recebeu, o que se requer que seja aditado aos factos provados.

I) Acresce ainda, e referente à matéria que vem agora sendo tratada, que quanto a esta questão toda a alegação da Recorrida é confusa e contraditória, uma vez que, se por um lado alega ter sido notificada em 2007 da liquidação adicional de IMT e ter apresentado reclamação graciosa depois já alega que requereu nesse ano a reavaliação do imóvel e vem alegar que não recebeu notificações para pagamento adicional de IMT e IMI, quando apresenta reclamação, subscrita por Advogado, notificações essas que sempre são feitas para o mandatário ou se não houvesse decisão sempre a Recorrida poderia e tinha o dever de procurar saber o estado dos autos, como também não alega, relegue-se, que tenha indicado uma nova morada.

J) Convocando o critério de um homem médio colocado perante essa situação, se recebesse uma notificação na morada onde já não teria acesso, o normal e correcto seria de imediato comunicar esse facto aos serviços de finanças requerendo a alteração da morada - sendo que no caso dos autos até a Recorrida estava representada pelo Mandatário subscritor da Petição Inicial, pelo menos, no processo de reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IMT, como ela confessa - o que não foi feito, desconhecendo, nem tal vem alegado, se o tenha feito já no âmbito dos presentes autos.

K) Há também um outro facto relevante para os presentes autos, que se encontra demonstrado por documento, e que o Tribunal não tomou em consideração no elenco dos factos provados na douta sentença recorrida e que deveria aí ter sido incluído e que diz respeito à morada que na data em que foi realizada a escritura de compra e venda do imóvel por parte da Recorrida constava da nota de liquidação de IMT e cujo documento foi junto pela Recorrida na sua Petição Inicial. Assim

L) Infere-se da nota de liquidação de IMT, datada de 5 de Agosto de 2004, e constante da certidão judicial junta com a Petição Inicial como documento n°4 que a morada do sujeito passivo do referido imposto era a Av. ...", nota de liquidação, essa, que foi entregue à Recorrida e que a mesma liquidou o imposto.

M) Se não fosse essa a morada para onde no futuro seriam enviadas futuras notificações fiscais, designadamente, para liquidação de impostos referente aos imóveis de que fosse proprietária, sempre a Recorrida teria pedido a correcção da morada, o que não foi feito nem vem demonstrado e alegado nos autos.

N) Sendo estranho que a Recorrida venha agora alegar na sua Petição Inicial que na data em que adquiriu o imóvel objecto dos presentes autos tenha a escritura sido outorgada por um seu representante e que as notificações não foram para essa morada, quando a mesma aceita, com a liquidação do IMT, que a morada para efeitos de notificação fiscal é aquela que consta da liquidação do IMT.

O) Não é de se aceitar que ao longo de 12 anos a Recorrida desconhecesse que tinha que liquidar o imposto de IMI - quando os seus sócios são portugueses - e que só em 2016 é que se dirigiu ao serviço de Finanças para saber o que estava em divida, quando até em 2007 apresentou uma reclamação graciosa e durante esse tempo também não teve preocupação em saber o estado do processo, quando até em tal processo - a não ser que tenha havido revogação ou renuncia do mandato, que também não é alegado - o seu Advogado não tenha procurado saber o estado dos autos. Assim

P) Também deverá constar da lista dos factos provados um novo facto e com o seguinte teor, a morada que a Recorrida deu, para efeitos de declaração de IMT em 2004 foi a Av. .... Ora

Q) Todos estes factos são importantes até para se aferir se a Recorrida apresentou ou não em tempo a presente reclamação, o que o Tribunal a quo até nem sequer se pronuncia, como também não é alegado pela Recorrida qualquer facto que pudesse ter levado a não ter conhecimento da citação que lhe foi feita.

R) Por outro lado, o ponto Q) dos factos provados não se encontra redigido de acordo com os elementos documentais nos autos, uma vez que o Tribunal dá como provado que a carta veio devolvida, quando na verdade o que foi devolvido foi o aviso de recepção e com a indicação que é transcrita nesse ponto feita pelo distribuidor postal, o que deverá ser corrigido.

S) Na verdade, a citação efectuada pelo serviço de finanças respeitou o preceituado no artigo 192° do CPPT, ou seja, foi efectuada a notificação pessoal, através de carta registada com aviso de recepção e para a morada que a Recorrida indicou ao serviço de finanças - cfr. ponto O) dos factos provados.

T) Tendo que se considerar a morada indicada nos autos como sendo a morada para efeitos fiscais, uma vez que em lado algum a Recorrida alegou ou demonstrou que essa não era a sua morada ou sequer que comunicou uma outra morada, pelo que se encontra verificado no artigo 192 n°1 do CPPT.

U) Na sequência da devolução da citação, os serviços de finanças deram cumprimento ao disposto no artigo 192° n°2 do CPPT, ou seja, repetiram a citação enviando-lhe nova carta registada com aviso de recepção, como resulta do ponto Q) dos factos provados.

V) A repetição da citação, nos termos do disposto na norma citada, veio o aviso de recepção (será o que o Tribunal pretendeu dizer, e não a própria carta, pois contraria o que consta da declaração do distribuidor do serviço postal) devolvido sem estar assinado, e com a menção do distribuidor postal de que a carta de citação foi depositada no receptáculo postal da morada indicada e onde se refere a data e hora, conforme consta do ponto R) dos factos provados, devendo ser corrido este ponto da matéria de facto provado, pois dos elementos documentais dos autos resulta que a carta foi depositada, como decorre da declaração do distribuidor postal. Assim

W) Verifica-se, o que o Tribunal a quo desconsiderou, por completo, que a citação nos presentes autos foi feita de acordo com o disposto no artigo 192° n°1 e 2 do CPPT — pontos O) e Q) - tendo-se operado, desse modo, a presunção de que a Recorrida recebeu a referida citação nos termos do n° 3 daquele preceito normativo.

X) Presunção, essa, que a Recorrida em lado algum ilidiu, como também não alegou factos que fossem susceptíveis de a ilidir e que o Tribunal desconsiderou por completo.

Y) Antes, o Tribunal a quo, para considerar a nulidade da citação, faz recurso à falta de aplicação dos n°4, 7 e 8 do artigo 192° do CPPT, ou seja, o não ter havido recurso a éditos.

Z) Donde, verificando-se o cumprimento do disposto no artigo 192° n°1, 2 e 3 do CPPT, não é exigível o pedido de apoio de entidades terceiras e muito menos a colocação de éditos, pelo que a citação efectuada pelo serviços de finanças foi correcta e não padece de qualquer nulidade, devendo assim ser revogada a douta sentença na parte em que decide pela nulidade da citação, encontrando-se violado o disposto no artigo 192° do CPPT.
TERMOS EM QUE,
Deverá o presente recurso ser aceite e julgado procedente por provado e, consequentemente, deverá ser revogada a douta sentença recorrida na parte em declarou a nulidade da citação e nulos todos os actos subsequentes, e substituída por outra que julgue improcedente a reclamação, tudo com os demais termos até final. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA»

Não foram apresentadas contra-alegações

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Tribunal Central emitiu douto parecer, no qual se pronunciou, a final, no sentido da improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, atenta a natureza do processo (artigos 657.º do Código de Processo Civil e 278.º, n.º 5 do CPPT), cumpre, agora, em conferência, decidir.




II - Objecto do recurso

Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635°, n°2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n°3 do mesmo art. 635°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.

Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações dos recursos interpostos, importa, assim, decidir:

- Se na sentença se errou no julgamento de facto [porque não incluiu no probatório toda a factualidade necessária a uma decisão conscienciosa da questão suscitada e por não ter sido efectuada uma correcta valoração dos factos apurados];

- Se na sentença se errou no julgamento de direito [por resultar dos factos apurados que a ora recorrida foi regularmente citada para os termos da execução, bem como para os subsequentes actos de penhora e venda judicial, inexistindo fundamento para que se declare nula a citação e os actos subsequentemente praticados no processo de execução fiscal].


III - Fundamentação de Facto

A sentença recorrida deu como assente a factualidade que infra se reproduz:

A) Em 29.10.2008 foi autuado o processo de execução fiscal n°..., para cobrança coerciva da quantia exequenda de €856,94, constando como executada a aqui Reclamante “... Properties Limited” (dado como provado com base em fls. 1, 2 e 3 do PEF, apenso aos autos);

B) Em 25.05.2009 foi autuado o processo de execução fiscal n°..., para cobrança coerciva da quantia exequenda de €844.62. constando como executada a aqui Reclamante ... Properties Limited (dado como provado com base nas fls. 79 a 81 do PEF, apenso aos autos);

C) Em 11.10.2009 foi autuado o processo de execução fiscal n°..., para cobrança coerciva da quantia exequenda de €22.452,31, constando como executada a aqui Reclamante “... Properties Limited” (dado como provado com base nas fls. 83 a 86 do PEF. apenso aos autos):

D) Por ofício datado de 21.06.2013, o Serviço de Finanças ... elaborou um ofício dirigido ao "Dr. R..., procurador de ... Properties Limited. P...", com o "assunto: marcação de venda" e com o seguinte teor: "Fica V. Exa. por este meio notificado, na qualidade de procurador de ... Properties Limited. NIPC ..., que no âmbito dos processos de execução fiscal que correm termos neste Serviços de Finanças, para cobrança de dividas de IMI, IMT e IS, foi penhorado a favor da Fazenda Pública o imóvel sito no ... - ... - artigo U-7180 de ... - cuja venda será brevemente marcada, caso não seja efectuado o pagamento das quantias exequendas e acrescidos." (dado como provado com base nas fls. 9 do PEF, apenso aos autos);

E) Em 16.05.2013 constava da certidão on-line da Conservatória do Registo Predial de ... que o prédio urbano coma descrição predial n°4111'20010322 e com a matriz n°7180 sito em ...s, foi penhorado em 24.11.2009 a favor da Fazenda Pública em processo de execução fiscal nº... e apensos (dado como provado pelas fls. 15 do PEF, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F) Em 05.07.2013, deu entrada no Serviço de Finanças ..., de R... informando que o mandato emitido pela ... Properties Limited tinha caducado e que não actuava como gestor de bens e direitos da executada (dado como provado com base nas fls.10 do PEF, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

G) Em 22.06.2013 foi autuado o processo de execução fiscal n°..., para cobrança coerciva da quantia exequenda de €338,41 constando como executada a aqui Reclamante ... Properties Limited (dado como provado com base nas fls. 87 a 89 do PEF, apenso aos autos);

H) Em 25.08.2013 foi autuado o processo de execução fiscal n° ..., para cobrança coerciva da quantia exequenda de €338.40, constando como executada a aqui Reclamante “... Properties Limited” (dado como provado com base nas fls. 91 a 93 do PEF, apenso aos autos);

I) Em 13.12.2013 foi autuado o processo de execução fiscal nº..., para cobrança coerciva da quantia exequenda de €338.40, constando como executada a aqui Reclamante ... Properties Limited (dado como provado com base nas fls. 95 a 98 do PEF, apenso aos autos);

J) Em 16.01.2014, da caderneta predial do prédio com o artigo matricial n°5476 descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o registo n°4111, localizado no sítio das ..., ..., consta como "titulares" "... Properties Limited" com a morada "Av. ..." (dado como provado com base nas fls. 12 e 13 do PEF, apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido):

K) Em 10.04.2014, o Serviço de Finanças de ... elaborou o ofício de citação de ... Properties Limited, no qual consta a seguinte morada: "Av. ...'', o total de quantia exequenda €25.169.08 e de acrescido 611.123,86. e a referência aos processos n°s ..., ..., ..., ..., ... e ... (dado como provado com base em fls. 5 do PEF, apenso aos autos);

L) A carta registada, com o ofício referido na alínea antecedente, veio devolvida (dado como provado com base nas fls. 6 do PEF, apenso aos autos);

M) A Administração Tributária remeteu uma segunda via da citação acima referida para ... Properties Limited, indicando a morada "...", "..." (dado como provado com base nas fls. 7 e 8 do PEF. apenso aos autos);

N) A carta registada, com o ofício referido na alínea antecedente, veio devolvida (dado como provado com base nas fls. 8 do PEF, apenso aos autos);

O) Em 18.03.2015, o Serviço de Finanças de ... elaborou o ofício de citação, por aviso postal registado, de ... Properties Limited, no qual consta a seguinte morada: "Av. ...", o total de quantia exequenda €2.5.169.08 e de acrescido €12.516.93, e a referência aos processos n.°s ..., ..., ..., ..., ... e ... (dado como provado com base em fls. 25 do PEF, apenso aos autos);

P) A carta registada com aviso de recepção, com o ofício referido na alínea antecedente, veio devolvida com aviso de recepção sem assinatura do destinatário (dado como provado com base nas fls. 26 do PEF, apenso aos autos);

Q) O Serviço de Finanças de ... remeteu uma segunda via da citação acima referida, através de aviso postal registado, para "... Properties Limited”, indicando a morada "Av. ... B L 16 EDF Desafio Esc 9 - ..." (dado como provado com base nas fls. 28 e 29 do PEF, apenso aos autos);

R) A carta registada com aviso de recepção, com o ofício referido na alínea antecedente, veio devolvida com aviso de recepção sem assinatura do destinatário, com a referência "Declaração no dia 24-04-15 às 9:15 na impossibilidade de entrega depositei no receptáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente" (dado como provado com base nas fls. 30, frente e verso, do PEF, apenso aos autos);

S) Por ofício de 05.05.2015, o Serviço de Finanças ... elaborou a notificação da penhora efectuada em 19.06.2016 do prédio urbano, artigo 5476, localizado no sítio das ..., com a descrição predial nº4111/20010322, dirigida a ... Properties Limited, indicando a morada "Av. ... BL 16 LDF Desafio Esc 9 - 8500 ...» (dado como provado com base nas fls. 31 do PEF, apenso aos autos);

T) A carta com o ofício referido na alínea antecedente, enviada por correio registado com aviso de recepção, veio devolvida, sem assinatura do destinatário (dado como provado com base nas fls. 33 do PEF, apenso aos autos);

U) Em 12.05.2015, o Serviço de Finanças ... elaborou a 2ª tentativa de notificação da penhora efectuada em 19.06.2016 do prédio urbano, artigo 5476, localizado no sítio das ..., com a descrição predial n°4111/20010322, dirigida a «... Properties Limited”, indicando a morada "Av. ... BL 16 EDF Desafio Esc 9 - 8500 ...» (dado como provado com base nas fls. 34 do PEF, apenso aos autos).

V) A carta com o ofício referido na alínea antecedente, enviada por correio registado com aviso de recepção, veio devolvida, sem assinatura do destinatário e com a referência "Declaração no dia 13-05-15 às ... na impossibilidade de entrega depositei no receptáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente" (dado como provado com base nas fls. 36, frente e verso, do PEF, apenso aos autos);

W) Em 26.06.2015, o Edital "Venda e convocação dos credores" foi elaborado relativamente à venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n°4111/20010322 (dado como provado com base nas fls. 39 do PEF, apenso aos autos);

X) Em 26.06.2015, o Serviço de Finanças ... elaborou a "notificação" da venda executiva na modalidade de leilão electrónico n°..., dirigida a “... Properties Limited”, indicando a morada "Av. ... BL 16 EDF Desafio Esc 9 - 8500 ...(dado como provado com base nas fls. 40 do PEF, apenso aos autos);

Y) A carta com o ofício referido na alínea antecedente, enviada por correio registado com aviso de recepção, veio devolvida, sem assinatura do destinatário (dado como provado com base nas fls. 41, frente e verso, do PEF, apenso aos autos);

Z) Foi certificada a afixação do Edital referido acima, em 30.06.2015 (dado como provado com base nas fls. 44 do PEF. apenso aos autos);

AA) Em 14.08.2015, o Serviço de Finanças ... elaborou a 2ª tentativa de "notificação" da venda executiva na modalidade de leilão electrónico n°..., dirigida a ... Properties Limited, indicando a morada "Av. ... BL16 EDF Desafio Esc 9 - 8500 ...» (dado como provado com base nas fls. 47 do PEF, apenso aos autos);

BB) A carta com o ofício referido na alínea antecedente, enviada por correio registado com aviso de recepção, veio devolvida, sem assinatura do destinatário (dado como provado com base nas fls. 48, frente e verso, do PEF, apenso aos autos);

CC) Em 18.08.2015 o SF de ... verificou a inexistência de propostas em leilão electrónico, e ordenou a venda mediante propostas por carta fechada (dado como provado com base nas fls.49 do PEF apenso aos autos);

DD) Em 19.08.2015 o Serviço de Finanças ... elaborou o oficio de "notificação" da venda executiva na modalidade de carta fechada n°..., dirigida a ... Properties Limited, indicando a morada "Av. ... BL, 16 EDF Desafio Esc 9 - 8500 ...(dado como provado com base nas fls. 54 do PEF, apenso aos autos);

EE) A carta com o ofício referido na alínea antecedente, enviada por correio registado com aviso de recepção, veio devolvida, sem assinatura do destinatário (dado como provado com base nas fls. 55, frente e verso, do PEF, apenso aos autos);

FF) Em 09.02.2015 o Serviço de Finanças ... elaborou o ofício de “notificação" da venda executiva na modalidade de carta fechada n°..., dirigida a ... Properties Limited, indicando a morada "Av. ... BL 16 EDF Desafio Esc 9 - 8500 ...» (dado como provado com base nas fls. 53 do PEF, apenso aos autos).

GG) A carta com o ofício referido na alínea antecedente, enviada por correio registado com aviso de recepção, veio devolvida, sem assinatura do destinatário (dado como provado com base nas fls. 57, frente e verso, do PEF, apenso aos autos);

HH) Em 17.09.2015, na abertura de propostas em carta fechada pelo SF de Lisboa, verificou-se a inexistência de propostas e ordenou-se a venda mediante leilão electrónico (dado como provado com base nas fls. 59 do PEF, apenso aos autos);

II) Em 23.09.2015. o Serviço de Finanças ... elaborou o oficio de "notificação" da venda executiva na modalidade de leilão electrónico …, dirigida a ... Properties Limited, indicando a morada "Av. ... BL 16 EDF Desafio Esc 9 - 8500 ...(dado como provado com base nas fls. 62 do PEF, apenso aos autos);

JJ) A carta com o ofício referido na alínea antecedente, enviada por correio registado com aviso de recepção, veio devolvida, sem assinatura do destinatário (dado como provado com base nas fls. 63, frente e verso, do PEF. apenso aos autos);

KK) Em 03.11.2015 foi elaborado o auto de adjudicação do prédio urbano relendo, no valor de €39.880,00, a J..., aqui contra-interessado (dado como provado com base nas fls. 74 do PEF, apenso aos autos);

LL) Em 10.11.2015, a Administração Tributária considerou os processos de execução referidos extintos por pagamento coercivo (dado como provado com base nas fls. 78, frente e verso, do PEF, apenso aos autos);

MM) Em 13.05.2016 a PI da Reclamação foi apresentada em Tribunal (dado como provado com base nas fls. 3 dos autos.


Consta da mesma sentença que «Os factos provados resultam da convicção do Tribunal fundada nos documentos juntos aos autos». E que «Não de provaram quaisquer outros factos passiveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que , por conseguinte, importe registar como ».



IV – Fundamentação de Direito

A Fazenda Pública e o contra-interessado estão inconformados com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na parte em que, julgando procedente a reclamação intentada pela executada, declarou a nulidade da citação e dos termos subsequentemente praticados no processo de execução, incluindo a penhora e a venda do imóvel de que aquela primeira é proprietária.

Considerando que distintamente da Fazenda Pública - que apenas assaca à sentença o erro de julgamento de direito por, em seu entender, dos factos apurados resultar sem margem para dúvidas a validade da citação oportunamente realizada, por força, em especial, do preceituado no artigo 192.º do CPPT - o contra-interessado/adquirente do imóvel questiona o julgamento de facto realizado, isto é, a própria factualidade que foi entendida como relevante à decisão do mérito da causa, é, naturalmente, a estabilidade desse probatório que primeiramente procuraremos atingir, por apenas após este estar sedimentado estaremos em condições de aferir da bondade do julgamento de direito realizado.

Assim:

4.1. Do erro de julgamento de facto

Começamos por salientar, como de resto já deixámos explicito na delimitação efectuada do objecto do recurso, que o erro de julgamento de facto assacado à sentença pelo recorrente contra-interessado assume duas vertentes: (i) o erro de julgamento por défice ou insuficiência do probatório; (ii) o erro de julgamento por erro na valoração da prova e que determinou que tivesse sido dado como provado um facto frontalmente contrariados pelo teor do documento que serviu de suporte ao seu apuramento; (iii) o erro de julgamento por errada valoração do conjunto dos factos provados e que foi determinante das erradas ilações ou conclusões de facto que o Tribunal a quo terá, no entender do recorrente extraído para sustentar, posteriormente, o seu julgamento de direito.

Considerando que é evidente do que infra exporemos que nesta impugnação da matéria de facto foram observadas todas as exigências de forma e substância consagradas no artigo 662.º do Código de Processo Civil (como, aliás, a mera leitura das conclusões do recurso jurisdicional do contra-interessado deixa, sem margem para dúvidas, antever), vejamos, então, cada uma das vertentes deste fundamento de recurso.

(i) No que respeita aos factos que não constam do probatório e “deviam constar” por alegadamente terem relevância para a decisão da causa, indica o recorrente os seguintes:

- em 20 de Maio de 2007 a Recorrida apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IMT, cujo ofício dos serviços de finanças foi enviado para a morada onde foi feita a citação e que a Recorrida recebeu, o que se requer que seja aditado aos factos provados [alínea H) das conclusões de recurso do contra-interessado];

- a morada que na data em que foi realizada a escritura de compra e venda do imóvel, por parte da Recorrida, constava da nota de liquidação de IMT e cujo documento foi junto pela Recorrida na sua petição inicial [alínea K) das conclusões de recurso do contra-interessado];

- a morada que a Recorrida deu, para efeitos de declaração de IMT em 2004 foi a Av. ... BL. 16 EDF Desafio ESC 19 – ... [alínea P) das conclusões de recurso do contra-interessado];

Em suma, e como se depreende da transcrição que fizemos o recorrente pretende ver assente que em 20-5-2007 a recorrida apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação adicional de IMT, que esta liquidação foi enviada e recebida pela recorrida na morada onde “foi feita a citação” , morada esta que foi a por si indicada para efeitos de declaração de IMT.

Acontece, porém que, tudo quanto resulta provado, porque a recorrida o confessa, é que a 20 de Maio de 2007 a recorrida deduziu reclamação graciosa na sequência de uma liquidação adicional de IMT, enviada para a Avenida ..., Bloco 16, escritório 9, ....

Porém, já não resulta minimamente provado nos autos que essa liquidação tenha sido por si recebida e que essa morada tenha sido indicada pela recorrida para quaisquer efeitos, designadamente para efeitos de declaração de IMT e, muito menos, para efeitos de recebimento de qualquer correspondência futura da Administração Fiscal para consigo.

Aliás, como linearmente resulta dos autos, mais concretamente da certidão de fls. 11 a 16 (documento n.º 5, junto com a petição) a referida morada - Avenida ..., Bloco 16, escritório 9, ... - correspondia ao domicílio de «Á...», «administrador da massa falida nos autos de falência da sociedade comercial» que a 15 de Outubro de 2004 tinha a seu favor registada a propriedade do imóvel penhorado e vendido nos presentes autos, venda que aquele e naquela qualidade promoveu.

Por outro lado, o documento que o recorrente se reporta como sendo o que comprovará uma alegada comunicação de um domicílio para efeitos de liquidação do IMT, e que será o documento consubstanciado no mesmo documento n.º 5, mais concretamente fls. 15 e 16, é na verdade uma “DECLARAÇÃO PARA LIQUIDAÇÃO” (Modelo 1), preenchida, datada e assinada pela recorrida, confirmando a veracidade do conteúdo dessa declaração (fls. 15), onde nada se encontra registado relativamente a um qualquer domicílio. Essa morada ou domicílio surge, sim, aposta pelos serviços de finanças, a fls. 16 (do mesmo documento n.º 5) e que corresponde a um documento emitido pela Administração Fiscal de liquidação do IMT e de onde consta, para além da identificação do facto tributário e identificação do imóvel objecto do imposto, a identidade do sujeito passivo, a recorrida, seguida da “residência” do administrador da massa falida seguido da seguinte expressão “União Europeia”.

Perante o que vimos expondo, e do conjunto de factos invocados como provados pelo recorrente, é só aquela dedução de reclamação que este Tribunal pode dar como assente, sem prejuízo de se entender que se deverá proceder igualmente ao aditamento dos demais factos referidos por, segundo as várias soluções plausíveis de direito, e por estarem efectivamente comprovados, os mesmos se revelarem pertinentes e fundamentadores da decisão por nós ora tomada.

(ii) No que concerne ao facto apurado e cuja redacção não será alegadamente fiel ao teor do documento que está na base da sua formulação e comprovação, adianta o recorrente o seguinte:

- o ponto Q) dos factos provados não se encontra redigido de acordo com os elementos documentais nos autos, uma vez que o Tribunal dá como provado que a carta veio devolvida, quando na verdade o que foi devolvido foi o aviso de recepção e com a indicação que é transcrita nesse ponto feita pelo distribuidor postal, o que deverá ser corrigido.

Antes de mais, cumpre esclarecer que o facto cuja redacção ora se questiona não é, como por lapso o recorrente aduz, o ponto Q) do probatório, mas, sim, o R), uma vez que é nesta última alínea que se menciona a devolução da carta registada.

E, nesta parte, diga-se que, pese embora se compreenda o que o Tribunal a quo terá querido afirmar, e que no essencial se não afasta da percepção do que o recorrente entende dever ser dado como provado, o certo é que a redacção não é feliz e pode efectivamente suscitar dúvidas.

Assim, deferindo-se o requerido, a final, proceder-se-á à alteração da redacção imprimida na alínea R), do ponto III, supra, acolhendo, no essencial a pretensão do recorrente.

(iii) Por fim, relativamente às ilações ou conclusões de facto alegadamente extraídas pelo Tribunal a quo, defende o recorrente que o Tribunal, conjugando os factos apurados com outras alegações adiantadas pela própria reclamante - designadamente o facto de o mandatário da recorrida ter sido notificado em 2013 do ofício das finanças; a sociedade reclamante ter dois sócios portugueses que bem sabem da obrigação de pagar IMI e que este é de pagamento anual; que se a morada para efeitos de notificações fiscais não era aquela, deviam ter indicado outra morada, mormente quando apresentaram a reclamação graciosa; a forma confusa e contraditória como apresentam a sua reclamação; as notificações feitas ao advogado, que não alega revogação ou renúncia do mandato; que não é de aceitar que ao longo de 12 anos a recorrida desconhecesse que tinha que liquidar o imposto de IMI ou que só em 2016 se tenha dirigido ao serviço de Finanças para saber o que estava em divida e durante esse tempo também não teve preocupação em saber o estado do processo - deveria ter concluído que a reclamante bem sabia da instauração dos processos de execução e dos actos nele praticados.
Relativamente ao ora resumido e que constitui a argumentação ou fundamento do recurso em especial nas conclusões H), I), J), N) e O), cumpre-nos começar por realçar que o que está em questão nos autos é saber se a reclamante foi ou não citada para os termos a execução e notificada dos demais actos praticados no processo de execução que a lei impõe que lhe devam ser realizados.

Ora, a citação do executado no âmbito e para efeitos um processo de execução não se basta com uma forte convicção de que o executado tem conhecimento de que a execução foi instaurada, constituindo, antes, um acto de natureza formal, isto é, que está dependente, na sua validade, da observância de um apertado formalismo legalmente determinado e cuja inobservância resulta a sua falta ou nulidade.

Daí que, e salvo o devido respeito, em nosso entender, a argumentação aduzida – na parte ora destacada – constitui mais um desabafo de quem está inconformado com as consequências que a lei impõe para a omissão do dever de citação numa determinada forma ou com a conclusão, perante os factos apurados, de que aquela se não realizou, de que propriamente factos ou conclusões capazes de abalar, só por si, as conclusões de facto extraídas pelo Tribunal a quo, para além, com o devido respeito, de se afastarem de forma significativa da realidade processual, designadamente quando se invoca alegações que a recorrente nunca fez [recebimento por si da notificação relativa à liquidação de 2007 ou não invocação de caducidade, seja a que título for, do mandato, que foi invocada, claramente, inclusive junto da Administração Fiscal, como igualmente se encontra assente no probatório – cfr. alínea D) do ponto III, supra.].

Posto isto, e em consequência do reconhecimento devido ao recorrente no que respeita a este fundamento do recurso (erro de julgamento de facto), este Tribunal Central acorda em:

1) Aditar ao probatório a seguinte factualidade:

NN) A recorrida, ... Properties Limited, apresentou a 20 de Maio de 2007, reclamação graciosa à liquidação adicional de IMT que foi enviada pelo serviço de finanças de ... para a Avenida ..., Bloco 16, escritório 9, ... (confissão);

OO) A ... Properties Limited, é uma sociedade constituída segundo as leis de Gibraltar, com sede em ..., Gibraltar (cfr. documento n.º 5, de fls. 11 a 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

2) Alterar a redacção da alínea R), do probatório, a qua passará a deter a seguinte redacção:

«R) O aviso de recepção relativo à carta referida na alínea Q, veio devolvido ao remetente, sem a assinatura do destinatário, contando do mesmo, aposto pelo distribuído postal o seguinte: "Declaração no dia 24-04-15 às 9:15 na impossibilidade de entrega depositei no receptáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente" (dado como provado com base nas fls. 30, frente e verso, do PEF, apenso aos autos);

Mais se acorda, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por pertinente à apreciação do recurso jurisdicional e ao mérito dos autos, em declarar também assente a seguinte factualidade:

PP) A 15 de Outubro de 2004, foi celebrada escritura de “COMPRA E VENDA” relativa ao prédio urbano «sito das ...s Brancas ou ... – ... – na freguesia e concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número – QUATRO MIL CENTO E ONZE – DE ... – inscrito na matriz sob o artigo 7.180; tem o valor patrimonial de 63.000,00 €», constando, ainda, e para além do mais, que nela são outorgantes «Á... (….) residente na Av. ..., Bloco 16, - escritório – 9, em ...---na qualidade de administrador da massa falida nos autos de falência da sociedade comercial S..., S.A.» e «C... (…) como procurador e em representação da Sociedade de Direito Estrangeiro – ... PROPERTIES LIMITED – com sede em ... – Gibraltar----» (cfr. documento de fls. 11 a 15, já dado como reproduzido).

QQ) Os processos de execução referidos nas alíneas A), B), C), G), H) e I), foram apensados ao que primeiramente foi instaurado a 15-1-2014 (cfr., informação de fls. 41 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida).

4.3. Cristalizada a matéria de facto, avancemos, então, para o erro de julgamento de direito.

E, nesse sentido, adiantamos de imediato, que este Tribunal Central, embora concorde com o sentido da decisão, discorda integralmente da sua fundamentação, por ser evidente que do facto de as cartas terem sido «devolvidas por não reclamadas» não resulta «a obrigatoriedade da Administração Fiscal solicitar informações às autoridades policiais e proceder á citação edital», nem «a presunção de citação pessoal do n° 1 do artigo 192° do CPPT» está «dependente de haver efectiva recepção da 2ª carta», serem assinados os avisos de recepção ou a imediata “citação edital”.

Note-se que a questão que nos presentes autos se colocava, pelo menos de imediato, não era a de saber se no caso concreto a Administração Fiscal tinha o dever de proceder à citação edital da executada (no caso, e porque é uma sociedade, dos sócios em sua representação), como julgou o Tribunal a quo, mas, sim, ou pelo menos, insista-se, primeiramente, a de saber se a mera devolução das primeiras cartas registadas com aviso de recepção sem qualquer indicação do motivo dessa devolução constitui fundamento suficiente a que se proceda a um segundo envio ou tentativa de citação e/ou notificação e para que, deixada no receptáculo postal a carta ou o aviso de que poderá proceder ao seu levantamento no posto dos correios, independentemente de a executada o fazer ou não, se deverá presumir citada e/ou notificada.

Sobre esta matéria há muito se sedimentou a jurisprudência e a doutrina: o recurso a uma segunda via de citação só tem fundamento e sustenta uma futura presunção de notificação se, devendo a citação ser realizada mediante carta registada com aviso de recepção, o primeiro aviso de recepção tiver vindo devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da carta no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43°.
Ora, no caso concreto, perante a devolução do primeiro aviso de recepção, sem qualquer justificação nele aposta, não estava a Administração Tributária em condições de concluir pela verificação do condicionalismo justificador de uma segunda carta para a mesma morada e, muito menos, salvo o devido respeito, para concluir que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados ou de que estavam reunidas as condições ou se impunha que recorresse à citação edital.
O que se lhe impunha, antes de mais, era que averiguasse - se necessário fosse repetindo a citação para que fosse atestado o motivo da devolução ou não recebimento da carta ou quaisquer outras diligências que julgasse devidas, qual era o domicílio fiscal ou a sede da executada e, apurado esse circunstancialismo, que agisse em conformidade.
O que, como está bem de ver dos factos apurados, não fez.
Afastada, assim, a fundamentação da decisão, resulta já indiciado um dos motivos pelos quais não assiste razão aos recorrentes quando pretendem extrair uma regularidade da citação da mera devolução das duas cartas sucessivamente enviadas para citação para os termos da execução, por não estarem verificados os pressupostos de que está dependente a presunção de notificação consagrada no artigo 192.º, n.º 3, do CPPT.

Aliás, a falta de citação e a irregularidade notificação da penhora, alegadamente realizada após aquela citação, bem como da subsequente notificação do despacho determinativo da venda (nas suas varias modalidades) e desta, são, salvo o devido respeito, de tal forma ostensivas, que nos surpreendemos que a sua validade venha, pelo menos pela Fazenda, invocada em recurso.

Senão vejamos.

Os processos de execução fiscal foram instaurados em 29-10-2008, 25-5-2009, 11-10-2009, 22-6-2013, 25-8-2013 e 13-12-2013, tendo todos sido apensados ao primitivo a 15-1-2014 [cfr. factos apurados nas alíneas A), B), C), G), H), I) e QQ)]

Relativamente ao procedimento desenvolvido pelo serviço de Finanças, resulta comprovado nos autos que para efeitos de citação da instauração dos referidos processos, a Administração Fiscal enviou para a Av. ..., Bloco 16, - escritório – 9, em ..., a 10-4-2014, o ofício de citação para os termos da execução, a ... Properties Limited, e que, por a referida carta ter vindo devolvida, remeteu uma segunda carta para citação, dirigida à mesma executada e para o mesmo endereço, igualmente devolvida [cfr, alíneas K), L), M) e N), do probatório].

De salientar que, como resulta dos documentos que sustentam os factos apurados até agora mencionados – fls. 5 a 8 d PEF - nada resulta quanto ao motivo que terá estado na base dessas devoluções, porque nos mesmos nada foi aposto.

A 18.03.2015, o Serviço de Finanças de ... elaborou novo ofício de citação (“Aviso Postal Registado) dirigido à mesma executada, para o mesmo endereço já referido - Av. ...", e igualmente para citação para os termos da execução, isto é, de que contra si havia sido instaurado o processo de execução fiscal (e apensos, todos devidamente identificados no referido ofício), o qual veio devolvido sem que do mesmo conste qualquer menção quanto ao motivo dessa devolução. A que se seguiu o envio de novo “Aviso Postal Registado”, cujo aviso de recepção veio devolvido com a seguinte menção nele aposta :"Declaração no dia 24-04-15 às 9:15 na impossibilidade de entrega depositei no receptáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente".

Posteriormente, o Serviço de Finanças ... enviou um ofício, por carta registada com aviso de recepção, para efeitos de notificação da penhora do prédio urbano, artigo 5476, localizado no sítio das ..., com a descrição predial nº4111/20010322, dirigida a ... Properties Limited, para a "Av. ... BL 16 LDF Desafio Esc 9 - 8500 ...», que veio devolvido, sem assinatura do destinatário e sem que dele conste aposto o motivo dessa devolução. A que se seguiu, um segundo ofício, para o mesmo efeito, realizado nos mesmos precisos termos, que igualmente veio devolvido, sem assinatura do destinatário e com a referência "Declaração no dia 13-05-15 ( ...) na impossibilidade de entrega depositei no receptáculo postal domiciliário da morada indicada a citação a ela referente".

Por fim, determinada a venda do imóvel, o Serviço de Finanças ... elaborou a 26-6-2015, a "notificação" da venda executiva na modalidade de leilão electrónico n°..., dirigida a “... Properties Limited”, por carta registada com aviso de recepção, para a "Av. ... BL 16 EDF Desafio Esc 9 - 8500 ..., que veio devolvida, sem assinatura do destinatário e sem que haja aí qualquer menção ao motivo da devolução, a que, de novo, se seguiu o envio de uma segunda carta, nos mesmos termos e para efeitos dessa venda por meio de leilão electrónico.

É, assim, perante esta factualidade que os recorrentes se insurgem contra uma decidida “omissão de citação”.

Tendo já nós explicitado que a falta de citação não decorre, em nosso entender, de a presunção consagrada no artigo 192.º do CPPT exigir o efectivo recebimento da carta ou, nas palavras do Tribunal a quo, da assinatura do destinatário, importa, então, que explicitemos porque razão julgamos que não houve, efectivamente, citação, tal como não houve notificação da penhora ou da venda, em qualquer uma das modalidades.

Desde logo, nada nos autos, e em especial nos factos apurados, nos permite concluir com certeza ou presumir que a executada recebeu esses ofícios.

Na verdade, para chegarem a essa conclusão, em especial a Fazenda Pública, parte do pressuposto de que, tendo as primeiras cartas sido devolvidas, com a remessa das segundas – quer de citação, quer de notificação da penhora -, depositadas no receptáculo se deve presumir cumprido o preceituado no artigo 192.º do CPPT.

Sem razão.

Como é sabido, nos termos do preceituado no artigo supra citado e que tem por epígrafe «Citações pessoal e edital», consta, para o que ora releva, que:
«1 - As citações pessoais são efectuadas nos termos do Código de Processo Civil, sem prejuízo, no que respeita à citarão por transmissão electrónica de dados, do disposto nos nºs 4 e 5 do artigo anterior.
2 - No caso de a citação pessoal ser efectuada mediante carta registada com aviso de recepção e este vier devolvido ou não vier assinado o respectivo aviso por o destinatário ter recusado a sua assinatura ou não ter procedido, no prazo legal, ao levantamento da cana no estabelecimento postal e não se comprovar que o contribuinte comunicou a alteração do seu domicílio ou sede fiscal, nos termos do artigo 43°, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de recepção ao citando, advertindo-o da cominação prevista no número seguinte,
3 - A citação considera-se efectuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8 ° dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede.

Depois, porque ficou provado nos autos que todos os ofícios, desde os ofícios tendo em vista a citação, bem como os que tinham por objectivo notificar a executada da penhora e das vendas sucessivamente determinadas e anunciadas foram remetidos para um endereço que, sabemos todos, constituía o domicílio profissional do administrador da massa falida da anterior proprietária do imóvel penhorado e vendido e não o domicílio fiscal da recorrida, a sua sede ou o domicílio profissional de um seu procurador ou representante fiscal (independentemente da obrigatoriedade ou não, á data de constituição da sociedade, de o indicar).

Aliás, não deixa de ser curioso, e elucidativo da tramitação imprimida a este processo de execução, que tenha resultado apurado que no ano de 2013, posteriormente à instauração de quase todos os processos que viriam a ser apensados e muito antes de iniciar o envio dos ofícios para citação da executada, a Administração Fiscal tenha remetido a um advogado, na qualidade de “procurador” daquela executada, um ofício de “MARCAÇÃO DA VENDA”, informando que tinha sido penhorado o imóvel e que, na ausência do pagamento da quantia exequenda, seria ordenado «brevemente” a venda do bem, a que este respondeu informando que não detinha aquela qualidade por caducidade do mandato e recusando-se frontalmente a assumir a qualidade de gestor de bens e direitos da executada [cfr. alíneas D) e F) do probatório].

Podemos, pois, concluir, dos factos apurados, que todas as cartas enviadas, sem excepção, o foram para um endereço que não tinha qualquer relação com a sociedade executada, que delas não teve conhecimento e, consequentemente, que houve falta de citação para os termos da execução, o que, só por si é bastante para que se julgue assistir razão à recorrida e, consequentemente, e como por si peticionado, que se anule todo o processado após a instauração da execução, incluindo a penhora e a venda realizadas, por fora do preceituado no artigo 195.º do CPPT.

V – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, negando provimento ao recurso, em confirmar, com a fundamentação neste acórdão exposta, a sentença recorrida.

Custas pelos recorrentes, a meias e partes iguais.

Registe e notifique.

*****

Lisboa, 25 de Maio de 2017

----------------------------------------------------------------

[Anabela Russo]

-------------------------------------------------------------------------------------

[Lurdes Toscano]




------------------------------------------------------------------------------
[Ana Pinhol]