Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:948/13.2 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/29/2024
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA
GERÊNCIA DE FACTO /ARTIGO 24.º N.º 1 ALÍNEA B) LGT
ERRÓNEA APRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Sumário:I - A responsabilidade subsidiária dos gerentes na assunção das dividas tributárias das sociedade nos casos de reversão assenta numa presunção de culpa funcional relacionada com o exercício efetivo das funções por parte do gerente/administrador, pelo que não basta a mera qualidade jurídica de gerente ou administrador, competindo à exequente, enquanto titular do direito de reversão, fazer a prova dos factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto, de acordo com a regra de que quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigos 342º, n.º 1 do CC e 74.º n.º 1 da LGT), prova que na situação em análise, não foi feita, como bem refere a sentença recorrida.
II - Constituindo, o exercício da gerência, uma atividade continuada, a prática de um ato isolado, em nome de determinada sociedade, não é tem, per si, força capaz de, à luz das regras de experiência comum, conduzir à conclusão de que o seu praticante, se encontra no exercício de funções de gerência da sociedade que naquele momento representa.
Votação:Unanimidade
Indicações Eventuais:Subsecção de execução fiscal e de recursos contra-ordenacionais
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
1 – RELATÓRIO

J........., melhor identificado nos autos, veio, na qualidade de responsável subsidiário, deduzir OPOSIÇÃO judicial, à execução fiscal n.º .........41 e apensos, instaurada no Serviço de Finanças de Loures 3 contra a sociedade E........., Lda., e contra si revertida para cobrança coerciva de dívidas de IVA, IMI, IRC e coimas, no montante total de € 22.528,03

O Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, por sentença proferida em 26 de outubro de 2021, julgou procedente a Oposição e, em consequência, determinou a extinção dos processos de execução fiscal em questão, quanto ao Oponente.

Inconformada, a FAZENDA PÚBLICA, veio recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«I. Pelo elenco de fundamentos acima descritos, infere-se que a douta sentença, ora recorrida, julgou procedente a oposição à margem referenciada com as consequências aí sufragadas, por ter considerado que a administração tributária não juntou prova suficiente sobre o facto do Oponente durante o período a que se reportam as dívidas ter exercido gerência.

II. No entanto torna-se evidente pelos contornos factuais ínsitos nos autos, que cabe excogitar, o ora Oponente deve ser considerado como parte legítima no procedimento de reversão, e na modificação subjectiva das dívidas, porquanto a matéria de facto assente, apesar de insuficiente, por não demonstrar a totalidade da prova junta pelo órgão de execução fiscal, refere que:

A) O Oponente foi nomeado como gerente da sociedade devedora originária E........., Lda.
(Cfr. acordo)
B) O Serviço de Finanças de Loures 3 instaurou contra a sociedade E........., Lda., Lda., os seguintes processos de execução fiscal:
C) Em 21 de Novembro de 2012 o Serviço de Finanças de Loures 3 emitiu projecto de decisão de reversão da qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:
D) Em 19 de Fevereiro de 2013 foi proferido despacho de reversão do qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:
E) Em 22 de Fevereiro de 2013 o Oponente recebeu, comunicação designada por “citação (reversão)” da qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:

III. Ora, como devidamente demonstrado nos autos, o órgão de execução fiscal encetou diligências no intuito de detetar que para além de gerente de direito, o ora Oponente exerceu a gerência de facto na devedora originária.


IV. Consistiram tais diligências na junção aos autos de documentação assinada pelo ora Oponente e que demonstram que o Oponente assinava como representante legal da devedora originária, nomeadamente na declaração de alterações do IVA, além do mais, consta no despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, de 17/04/2013:

“Compulsados todos os elementos existentes ao dispor, verifica-se SER POSSÍVEL POR PARTE DESTE SERVIÇOS DE FINANÇAS, fazer juntada de elemento probatório de modo a PROVAR QUE A OPONENTE EXERCEU A GERÊNCIA DE FACTO DA FIRMA EXECUTADA ORIGINÁRIA, facto esse corroborado pelo percebimento de remunerações da categoria A auferidas durante o ano de 2003 ao serviço da firma executada originária (Contribuições p/ Segurança Social até 2010-10%; 2011-9,30%), constituindo tal facto um índico relevante do exercício efetivo da gerência pelo oponente;”
V. Com efeito, resulta expressamente da informação supra transcrita que o Oponente auferia o vencimento, descontando para a Segurança Social como Membro dos órgãos estatutários da sociedade.

VI. Nesta senda deveria o respeitoso tribunal a quo ter melhor valorado e considerado o acervo probatório documental constante dos autos: certidão de registo comercial da devedora originária; declaração de alterações do IVA assinada pelos representantes legais da sociedade, entre eles o ora Oponente e a que título eram efetuados os descontos para a Segurança Social.

VII. Considerando que a gerência abrange quer a gestão, quer a representação, portanto no âmbito das relações internas e externas da vida societária, a primeira premissa será que a sociedade existe, é uma pessoa colectiva, representada por pessoas singulares, sendo caracterizada por um ou mais sujeitos, tem um património autónomo para o exercício de atividade económica, ao fim que visa, para obter lucros e atribuí-los aos sócios.

VIII.Pelo que neste caso estando ativa a sociedade e estando o Oponente designado como gerente, concatenando com os restantes elementos probatórios já vaticinados, haverá responsabilidade subsidiária por parte do Oponente, que não diligenciou no cumprimento das obrigações fiscais da sociedade.

IX. A Fazenda Pública considera, que o Oponente exerceu de facto a gerência pois constam elementos comprovativos do exercício da representação legal da sociedade, sendo que as alegações do oponente referindo que exerceu funções na área comercial da devedora originária e que a gerência efetiva era exercida pela sua mulher P........., não devem vingar.
X. O Oponente não teve uma atitude diligente nem criteriosa face ao que impõe a Lei, porquanto não a geriu com prudência de modo a não colocar em crise os interesses dos credores, descurando o dever de diligência, tendo violado os deveres e os direitos, desprotegendo os credores, nomeadamente a Fazenda Pública.

XI. Não tendo providenciado pelo cumprimento dos deveres que visava cumprir em representação da sociedade, deve ser responsabilizado senão pelos atos positivos, por deserção, por omissão no dever de diligência no cumprimento das obrigações.

XII. Pelo exposto, somos de opinião que o douto Tribunal “ad quo”, esteou a sua fundamentação na errónea apreciação das razões de facto e de direito, em clara e manifesta violação dos requisitos legalmente consignados na alínea b) do n.° 1 do artigo 24.°, e 74.°, ambos da LGT e dos artigos 252.° a 261.° do CSC; artigo 153.° e al. b) do n.° 1 do artigo 204.° ambos do CPPT; artigos 342.°, 344.°, 349.° e 350.° do C.Civil ex vi art. 2.°, al. d) da LGT;

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a oposição improcedente, com as devidas consequências legais.»


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O Recorrido, J........., devidamente notificado para o efeito, nada disse.

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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal veio, nos termos do artigo 289.º n. º1 do CPPT, oferecer o seu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso com a manutenção, in totum, do decidido.
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Com dispensa dos vistos legais, vem os autos submetidos à conferência desta Subsecção para decisão.

2 - OBJETO DO RECURSO

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente a partir das alegações que definem, o objeto dos recursos que nos vêm submetidos e consequentemente o âmbito de intervenção do Tribunal “ad quem”, com ressalva para as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua apreciação (cfr. artigos 639.º, do CPC e 282.º, do CPPT).

Na situação sub judice as questões suscitadas pela recorrente (FP) consistem em saber se a sentença padece de erro de julgamento por errónea apreciação das razões de facto e de direito, por violação do regime da responsabilidade subsidiária consignado na alínea b) do n.º 1 do artigo 24.° da LGT e bem assim se, à luz da prova produzida, se mostra acertada a decisão recorrida, quanto ao não exercício da gerência de facto por parte do Oponente.


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3 - FUNDAMENTAÇÃO

A sentença recorrida considerou os seguintes factos provados:

«A) O Oponente foi nomeado como gerente da sociedade devedora originária E........., Lda.
(Cfr. acordo)

B) O Serviço de Finanças de Loures 3 instaurou contra a sociedade E........., Lda., Lda., os seguintes processos de execução fiscal:

1. o processo de execução fiscal n.° .........41, no valor de € 1.085,73, por dívidas de coimas;

2. o processo de execução fiscal n.° .........38, no valor de € 51,27, por dívidas de IMI, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 30 de Abril de 2008;

3. o processo de execução fiscal n.° ..........66, no valor de € 463,54, por dívidas de coimas;

4. o processo de execução fiscal n.° ..........87, no valor de € 664,95, por dívidas de coimas;

5. o processo de execução fiscal n.° ..........74, por dívidas de IRC, no valor de € 737,52, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 4 de Julho de 2008;

6. o processo de execução fiscal n.° ..........50, no valor de € 272,50, por dívidas de coimas;

7. o processo de execução fiscal n.° ..........35, no valor de € 273, por dívidas de coimas;

8. o processo de execução fiscal n.° ..........29, no valor de € 819, por dívidas de coimas;

9. o processo de execução fiscal n.° ..........16, no valor de € 273,00, por dívidas de coimas, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 2 de Dezembro de 2008;

10. o processo de execução fiscal n.° ..........96, no valor de € 161,27, por dívidas de coimas, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 17 de Dezembro de 2008;

11. o processo de execução fiscal n.° ..........32, no valor de € 273,00, por dívidas de coimas, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 10 de Fevereiro de 2009;

12. o processo de execução fiscal n.° ..........90, no valor de € 546,00, por dívidas de coimas, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 6 de Maio de 2009;

13. o processo de execução fiscal n.° ………71, por dívidas de coimas, no valor de € 273,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 17 de Maio de 2009;

14. o processo de execução fiscal n.° ………10, por dívidas de coimas, no valor de € 273,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 30 de Junho de 2009;

15. o processo de execução fiscal n.° ……….33, por dívidas de coimas, no valor de € 515,40, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 10 de Julho de 2009;

16. o processo de execução fiscal n.° ……..88, por dívidas de coimas, no valor de € 616,62, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 28 de Julho de 2009;

17. o processo de execução fiscal n.° ………14, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 16 de Setembro de 2009;

18. o processo de execução fiscal n.° ………83, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 28 de Setembro de 2009;

19. o processo de execução fiscal n.° ……..62, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 2 de Dezembro de 2009;

20. o processo de execução fiscal n.° ……..52, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 7 de Dezembro de 2009;

21. o processo de execução fiscal n.° ……..78, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 28 de Dezembro de 2009;

22. o processo de execução fiscal n.° …….12, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 29 de Março de 2010;

23. o processo de execução fiscal n.° ……36, por dívidas de coimas, no valor de € 552,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 4 de Maio de 2010;

24. o processo de execução fiscal n.° ……61, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 6 de Julho de 2010;

25. o processo de execução fiscal n.° …….58, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 2 de Agosto de 2010;

26. o processo de execução fiscal n.° …….06, por dívidas de coimas, no valor de € 552,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 7 de Setembro de 2010;

27. o processo de execução fiscal n.° ……..50, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 27 de Setembro de 2010;

28. o processo de execução fiscal n.° …….99, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 12 de Outubro de 2010;

29. o processo de execução fiscal n.° ……..87, por dívidas de IVA, no valor de € 2.743,40, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 21 de Outubro de 2010;

30. o processo de execução fiscal n.° ……95, por dívidas de IVA, no valor de € 2.992,80, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 4 de Novembro de 2011;

31. o processo de execução fiscal n.° ……20, por dívidas de coimas, no valor de € 552,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 19 de Novembro de 2010;

32. o processo de execução fiscal n.° …….80, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 11 de Janeiro de 2011;

33. o processo de execução fiscal n.° …….78, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 4 de Fevereiro de 2011;

34. o processo de execução fiscal n.° …….57, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 29 de Março de 2011;

35. o processo de execução fiscal n.° ……..84, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 26 de Abril de 2011;

36. o processo de execução fiscal n.° …….07, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 16 de Maio de 2011;

37. o processo de execução fiscal n.° ……..70, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 8 de Junho de 2011;

38. o processo de execução fiscal n.° ……..40, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 13 de Junho de 2011;

39. o processo de execução fiscal n.° …….41, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 22 de Julho de 2011;

40. o processo de execução fiscal n.° …….50, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 16 de Agosto de 2011;

41. o processo de execução fiscal n.° …….12, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 28 de Setembro de 2011;

42. o processo de execução fiscal n.° ……91, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 24 de Outubro de 2011;

43. o processo de execução fiscal n.° …….69, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 15 de Novembro de 2011;

44. o processo de execução fiscal n.° …..54, por dívidas de IRC, no valor de € 1.213,03, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 17 de Dezembro de 2011;

45. o processo de execução fiscal n.° ……82, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 30 de Dezembro de 2011;

46. o processo de execução fiscal n.° …….62, por dívidas de coimas, no valor de € 276,00, tendo como data limite de pagamento voluntário o dia 11 de Janeiro de 2012.

(Cfr. documento a fls. 108 a 113 dos autos)

C) Em 21 de Novembro de 2012 o Serviço de Finanças de Loures 3 emitiu projecto de decisão de reversão da qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:

”(…)


“(texto integral no original; imagem)”

(…)”

(Cfr. documento a fls. 97 a 99 dos autos)

D) Em 19 de Fevereiro de 2013 foi proferido despacho de reversão do qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”

(Cfr. documento a fls. 107 dos autos)

E) Em 22 de Fevereiro de 2013 o Oponente recebeu, comunicação designada por “citação (reversão)” da qual consta, nomeadamente, o seguinte teor:


“(texto integral no original; imagem)”

(…)

“(texto integral no original; imagem)”

(Cfr. documento a fls. 114 a 116 dos autos)


+

Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

+

Motivação: A decisão sobre a matéria de facto realizou-se com base na análise do teor dos documentos constantes nos autos, não impugnados, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório.”

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De direito

Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida julgou procedente a oposição por considerar que a Administração Tributária, não logrou demostrar, conforme ónus que sobre si impendia, que o Oponente tenha exercido, de facto, a gerência da sociedade devedora originária, sustentado na circunstância de que “a Administração Tributária não logrou demonstrar a prática de actos de gerência de facto por parte do Oponente, alicerçando-se antes na gerência de direito do Oponente a na circunstância de o Oponente ter auferido por parte da devedora originária remunerações da categoria A, para formar o seu entendimento de que o Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária”.

Dissente do decidido, a Recorrente, Fazenda Publica, vem dizer que “o ora Oponente deve ser considerado como parte legítima no procedimento de reversão, e na modificação subjectiva das dívidas, porquanto a matéria de facto assente, apesar de insuficiente, por não demonstrar a totalidade da prova junta pelo órgão de execução fiscal, refere que:”: (A) o Oponente foi nomeado como gerente da sociedade devedora originária E........., Lda.; (B) O SF de Loures 3 instaurou contra a sociedade E........., Lda., Lda., processos de execução fiscal; (D) o SF de Loures 3 emitiu projeto de decisão de reversão; (D) em 19/02/2013 foi proferido despacho de reversão; (E) em 22/02/2013 o Oponente recebeu, comunicação designada por “citação (reversão)” . concl. II.

Contudo, daqui não retira qualquer tipo de consequência, deixando-nos sem perceber se o que pretende é impugnar a matéria de facto ou se considera que estes factos são prova da legitimidade do Oponente na reversão.

Porém se a intenção era impugnar a matéria de facto assente, por a considerar insuficiente, face à totalidade da prova junta aos autos pelo OEF, dir-se-á desde já que mesma se encontra condenada ao insucesso por falta de cumprimento do ónus probatório imposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC)(1) Preceitua o n.º 1 do aludido normativo que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”, nomeadamente quanto à falta dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa daquela a que chegou a sentença recorrida.

Se, ao invés a Recorrente pretende com os mesmos fazer valer a legitimidade do Oponente e a modificação subjetiva da instância executiva, o resultado não será diferente dado que as circunstâncias elencadas não se mostram aptas a sustentar o exercício efetivo da gerência por parte do Recorrido, desde logo porque a sua nomeação como gerente não prova o respetivo exercício efetivo da gerência e as demais circunstâncias reportam-se à tramitação processual ocorrida no âmbito do(s) processo(s) executivo(s).

A este propósito, temos vindo a acompanhar o entendimento jurisprudencial seguido pacificamente pelos nossos tribunais superiores no sentido de que a gerência de facto de uma sociedade comercial passa, desde logo, pela vinculação e representação da sociedade, nomeadamente, através das relações do gerente ou administrador com os clientes, com os fornecedores, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade.

Sendo que a responsabilidade subsidiária dos gerentes na assunção das dividas tributárias das sociedade nos casos de reversão assenta numa presunção de culpa funcional relacionada com o exercício efetivo das funções por parte do gerente/administrador, pelo que não basta a mera qualidade jurídica de gerente ou administrador, competindo à exequente, enquanto titular do direito de reversão, fazer a prova dos factos integradores do efetivo exercício da gerência de facto, de acordo com a regra de que quem invoca um direito tem que provar os respetivos factos constitutivos (artigos 342º, n.º 1 do CC e 74.º n.º 1 da LGT), prova que na situação em análise, não foi feita, como bem refere a sentença recorrida.
Densifica ainda a Recorrente que ficou demonstrado nos autos que o órgão de execução fiscal encetou diligências no intuito de detetar que para além de da gerência de direito, o ora Oponente exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária e, em seu entender, o Tribunal deveria ter valorado e considerado melhor o acervo probatório documental constante dos autos, nomeadamente: a certidão de registo comercial da devedora originária; a declaração de alterações do IVA assinada pelos representantes legais da sociedade, entre eles o ora Oponente e o título em que eram efetuados os descontos para a Segurança Social – concl. III. a VII.

Porém, como é sabido, a certidão do registo comercial apenas permite inferir a gerência de direito, nada conflituando com o expendido nos pontos A) do probatório.

Quanto à declaração de alterações do IVA assinada pelos representantes legais da sociedade, entre eles o ora Oponente a que a Recorrente também alude, e bem assim o recebimento de rendimentos da Categoria A, com os respetivos descontas para a Segurança Social, foram devidamente, valorados pelo Tribunal a quo e não traduzem qualquer errada interpretação, ou contradição na medida em que, a declaração de alterações representam um ato isolado, carecendo, consequentemente do animus e caráter de continuidade, e o recebimento de rendimentos da Categoria A não permite, sem mais, inferir que o foram enquanto membro de órgão estatutário, no exercício efetivo da função de gestão.

Resta-nos assim concluir que, na situação em apreço, nada foi demonstrado no sentido de o Recorrido ter desempenhado, ao tempo, a função de órgão atuante da sociedade, designadamente, que tenha tomando a decisões aquiescidas pelo facto de ser, ainda que, indiciariamente, o administrador e representante da empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros

Isto porque constituindo, o exercício da gerência uma atividade continuada, a prática de um ato isolado, em nome de determinada sociedade, não oferece, per si, força suficiente para, à luz das regras de experiência comum, conduzir à conclusão de que o seu praticante, se encontra no exercício de funções de gerência da sociedade que naquele momento representa.

Para finalizar dir-se-á que, do mesmo modo, não vimos em que medida é que os argumentos esgrimidos nas conclusões recursivas VIII. a final, possam conduzir à asserção de que o Recorrido exerceu de facto a gerência da sociedade devedora originária e por essa via ser subsidiariamente responsável pelas dividas tributárias contra ele revertidas, sendo que, na verdade, a recorrente também ali não o esclarece, quedando-se com argumentos hipotéticos sem base factual ou legal incapazes de atribuir ao Recorrido a responsabilidade funcional pela gerência da sociedade devedora originária.

Aqui chegados, imperioso se torna concluir, como o fez a sentença recorrida, que o Recorrido é parte ilegítima na execução uma vez que não resultam dos autos quaisquer elementos capazes de demonstrar provados os pressupostos de que depende a reversão da execução contra os responsáveis subsidiários.

Tanto basta, pois, sem necessidade de mais amplas considerações, para concluir pela improcedência do presente recurso e pela manutenção, in totum, da sentença recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


4 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes desta Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida que assim se mantém na ordem jurídica.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 29 de fevereiro de 2024


Hélia Gameiro Silva – Relatora

Isabel Vaz Fernandes – 1.º Adjunta

Catarina Almeida e Sousa– 2.º Adjunta

(Assinado digitalmente)