Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
857/23.7T8ANS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
INVOCAÇÃO DA COMPENSAÇÃO
EXIGIBILIDADE E RECONHECIMENTO JUDICIAL DO CONTRA-CRÉDITO
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 847.º E 848.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 262.º, H) E 729.º, G) E H), DO CPC
Sumário: i) A invocação da compensação, em embargos de executado, só não será admissível quando ela já era possível à data da contestação da acção declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729º;
ii) Só assim não seria se a compensação já era possível à data da contestação da acção declarativa, e não tivesse sido deduzida, ou tivesse sido alegada em reconvenção na acção declarativa e houvesse sido julgada improcedente;

iii) Se no âmbito de acção declarativa que deu origem à sentença condenatória exequenda, foi decidido não admitir, abstractamente, o pedido reconvencional deduzido pela R., agora executada, baseado exactamente na ora invocada compensação, com a mesma factualidade, com o argumento jurídico de que não é admissível reconvenção em sede de uma acção especial de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (AECOP), uma vez que tal não se coaduna com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual, que só tem dois articulados, caso não estabelecêssemos uma interpretação restritiva, contrária à decisão recorrida, a saber, não se poder confundir a não admissibilidade abstracta da reconvenção na dita acção especial com a improcedência da mesma, no caso concreto chegávamos a um resultado perverso: o ora recorrente não podia deduzir a compensação na acção declarativa especial (como não pôde), pois não foi admitida, e também não o poderia fazer nos embargos à acção executiva, resultado que temos por inadmissível, por coarctar severa e excessivamente os seus meios de defesa e o seu acesso ao direito, constitucionalmente consagrado;

iv) Para efeito do funcionamento do mecanismo da compensação, a exigibilidade judicial do contra-crédito e o reconhecimento judicial do mesmo são realidades distintas, sendo a primeira requisito da declaração de compensação e a segunda condição da sua eficácia;

v) Nem a inexistência de reconhecimento judicial do pretendido contra-crédito, nem a circunstância de o mesmo ser impugnado e, por isso, se mostrar controvertido, impedem, por regra, a invocação da compensação.

Decisão Texto Integral:

Nº 814

 

I - Relatório

1. F..., Unipessoal Lda, com sede em ..., intentou contra C..., Lda, com sede em ..., acção executiva para pagamento de quantia certa, com base em sentença condenatória, no montante de 4.066,38 €, acrescida de juros de mora desde a data de vencimento da factura, à taxa de juro supletivo comercial, que à data de hoje se contabilizam em 1.196,13 €, e nos juros vincendos sobre o referido montante, até integral pagamento, no total de 5.262,51 €, a que acrescem juros compulsórios, taxa de justiça, honorários de agente de execução e procuradoria.

A executada deduziu Embargos, invocando, em síntese, a existência de um contra-crédito sobre a exequente no valor de 4.101 €, nos termos do art. 729º, nº 1, h), do NCPC, valor este decorrente das assistências que teve a realizar aos clientes que lhe adquiriram bens que a exequente lhe havia fornecido que de imediato apresentaram problemas, acrescido do valor correspondente ao de uma salamandra e pelletes de 13kw que embargada ficou de retirar da sede da embargante e não retirou, conforme deverá fazer.

A exequente contestou, onde, em síntese, pugnou pela improcedência dos fundamentos invocados, aduzindo a inadmissibilidade legal da excepção de compensação invocada, e concluiu pela improcedência dos embargos.  

*

Foi proferido despacho saneador-sentença que julgou totalmente improcedentes os embargos à execução.

*

2. A embargante recorreu (repetindo nas conclusões de recurso o que tinha alegado no corpo das alegações, em violação do art. 639º, nº 1, do NCPC, o que não mereceu despacho de aperfeiçoamento somente por se tratar de questão de direito e já estar devidamente tratada doutrinalmente e jurisprudencialmente):

1 - A exequente no dia 29/04/2023, deu entrada do requerimento executivo constante dos autos principais onde, apresentou como título executivo uma sentença judicial transitada em julgado, proferida no âmbito do processo nº 52320/22...., do Juízo local Cível ..., Juiz ....

2 - Em tal sentença decidiu-se julgar a acção totalmente procedente, por provada, e em consequência condenou-se a Ré C..., Lda a pagar à Autora F..., Unipessoal, Lda, a quantia Global de 4.066,38 euros acrescida de juros de mora contabilizados desde a data de vencimento da factura nº ...04 e nos vincendos sobre este montante de 4.066,38 euros até efectivo e integral pagamento;

Condenando-se a Ré no pagamento das custas do processo.

3 - Em tal acção a Ré, além do mais, invocou a excepção da compensação que não foi atendida pelos motivos aí constantes.

4 - Em tal processo o Tribunal entendeu que a simplicidade e celeridade neste processo não se coaduna com a admissibilidade de reconvenção.

5 - Regularmente citado, veio a embargante, a 09/06/2023 deduzir embargos executado, invocando, como fundamento, em síntese a existência de um crédito do embargante sobre a exequente no valor de 4.101,00 euros, valor este decorrentes das assistências que teve a realizar aos clientes que lhe adquiriram os bens que a exequente lhe havia fornecido, os quais de imediato apresentaram problemas, acrescido do valor correspondente a uma salamandra e plelletes de 13kw que a embargada ficou de retirar da sede da ce embargante e não retirou.

6 – Foi proferido despacho liminar a admitir os embargos.

7 - Por decisão de 03/10/2023 o Tribunal decidiu julgar totalmente improcedentes os embargos e consequentemente,

Determinar o prosseguimento dos regulares termos dos autos principais de execução comum contra a embargante.

Desta decisão a ora recorrente não se pode conformar.

8 - A mesma baseou-se em síntese “…entendemos que, atentos os fins e a natureza da acção executiva e as finalidades dos embargos de executado entendemos que o contracrédito é apenas judicialmente exigível e apto a ser invocado como fundamento dos embargos de executado, nos termos do artigo 729º, alínea h do Código de Processo Civil, quando já está judicialmente reconhecido e quando o credor está em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução...”

9 - Salvo melhor opinião, para que um crédito seja judicialmente exigível, seja em sede declarativa seja em sede executiva, basta que esteja vencido, não se encontrando qualquer justificação legal que sustente a exigência de decisão judicial para invocar a compensação nas acções executivas e a dispensa nas acções declarativas.

10 - Impedir-se que o executado/credor discuta em sede de embargos o seu crédito contraria, salvo o devido respeito, os princípios de celeridade e da proibição de actos inúteis e colide com o ónus da concentração processual.

11 – Assim sendo, o executado/credor ficaria assim obrigado a pagar um montante que em abstracto podia e devia ser compensado e, posteriormente, intentar acção para ver declarado o seu direito e nova acção executiva no caso do não cumprimento voluntário retirando pleno efeito útil ao artigo 731º do Código de Processo Civil.

12 – Por tal, deve a decisão ser revogada por outra que admita tal compensação

13 – Pois, a alínea h) do artigo 729º, nada nada autoriza à restrição.

14 – Na verdade, ao alegar a compensação, o executado pretendeu apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na acção declarativa de embargos de executado).

15 - Não está em causa, nem pode, executar o contracrédito não se vislumbrando, por isso, que este tenha de constar de título executivo.

16 – Desta forma, e salvo melhor opinião, a compensação é o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que dispunha sobre o seu credor, e à extinção de dois créditos, mediante uma declaração de vontade, unilateral e receptícia.

17 – Assim, não tem sentido admitir uma tramitação de um acção executiva, quando o crédito exequendo pode ser extinto através do reconhecimento de um contracrédito do executado.

18 – Desta forma, não é aceitável submeter o devedor a um processo executivo quando possui um contracrédito sobre o exequente que é susceptível de extinguir em parte, o crédito exequendo.

19 - Não devendo ser exigível que o contracrédito conste de um título executivo.

20 - Assim, a exigência de que o contracrédito conste um de um título executivo não é harmónica com contexto do artigo 729º, dado que exige para um das formas de extinção da obrigação um requisito que não é exigido para nenhuma outra forma de extinção do crédito exequendo.

21 - As execuções baseadas em sentença, o artigo 729º, alínea h, do Código de Processo Civil limita-se a dizer que a oposição pode ter fundamento um contracrédito sobre o exequente com vista a obter a compensação de créditos e, quanto às execuções fundadas neste títulos, o artigo 731 do Código de Processo Civil refere que podem ser alegados quaisquer fundamentos de oposição que passam a ser invocados como defesa no processo declarativo.

22 - Não exigindo, assim, que o contracrédito do executado tenha de estar judicialmente reconhecido ou ser objecto de título executivo.

Legislação violada: artigos 729º, alínea h), 731º, 139º e 732º do Código de Processo Civil. Artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de Vossas Excelências deve a decisão ora recorrida ser revogada por outra que admita a compensação invocada fazendo-se assim, inteira JUSTIÇA

3. A embargada contra-alegou (e conseguiu apresentar um número de conclusões superior às dos pontos expostos no corpo das suas alegações de recurso e às da recorrente !?!?, e meramente repetitivas das suas alegações de recurso, em violação do art. 639º, nº 1, do NCPC, o que não mereceu despacho de aperfeiçoamento somente por se tratar de questão de direito e já estar devidamente tratada doutrinalmente e jurisprudencialmente):

1. Na sentença judicial posta em causa pela recorrente foram julgados improcedentes os embargos deduzidos pela embargante

2. Os embargos tinham como fundamento a alegação da existência de um contra crédito a favor da executada/embargante/recorrente com vista à obtenção da compensação de créditos

3. A sua pretensão tem por fundamento a responsabilidade contratual da Exequente/embargada/recorrida

4. Os factos ocorreram nos anos de 2019 a 2021, sendo que

5. No âmbito da ação declarativa número 52320/22.... a invocação do “contra crédito” da recorrente não obteve provimento e não foi objeto de qualquer reclamação ou recurso, pelo que a decisão transitou em julgado, cristalizando-se na Ordem Jurídica

6. Decisão judicial que constitui o título executivo fundamento da execução em apreço

7. Inexiste um “fumus boni iuris” que demonstre ou indicie a existência de um contra crédito a favor da recorrente capaz de compensar o crédito exequendo

8. Somos da opinião que o recurso interposto carece de fundamento e de razões concretas e objectivamente válidas que importem a anulação do julgado.

Vejamos

9. Os artigos 729 a 731 do nCPC determinam os fundamentos da Oposição à execução mediante Embargos,

10. Os fundamentos divergem consoante o título executivo em crise.

11. Nos presentes autos o título executivo é uma decisão judicial, pelo que

12. De acordo com o Artigo 729 do nCPC há uma enumeração taxativa dos fundamentos que o executado pode lançar mão para se opor a uma execução com fundamento em sentença.

13. Nos presentes autos está em causa a leitura da alínea h) do referido preceito: a existência de “h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; (..)”

14. Entende a recorrente que, com fundamento nos princípios de celeridade e da proibição de atos inúteis e de acordo com o ónus da concentração processual, deve ser admitida a oposição à execução de uma sentença com a invocação de um hipotético contra crédito, com vista à obtenção da compensação de créditos

15. Nos presentes autos, está em causa a apreciação do reconhecimento do contra crédito resultante de eventual cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda de aparelhos a paletes, contra crédito que não está judicialmente reconhecido, e, portanto, é controvertido.

16. Entendeu o tribunal a quo a apreciação do reconhecimento do mencionado contra crédito deve ter lugar em sede de ação declarativa e não em sede de ação executiva

17. Mais entendeu o tribunal a quo que, em sede de oposição à execução, a compensação pode ser exercida como facto extintivo da obrigação exequenda, desde que

17.1. O crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por exceções,

17.2. O crédito esteja judicialmente reconhecido, em condições de se obter a sua realização coativa através da respetiva execução

18. Concluindo o tribunal a quo não sendo admissível que o reconhecimento judicial do contra crédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução

A posição do tribunal a quo é conforme aos princípios da interpretação da lei e a unidade do sistema legislativo:

19. de acordo com o disposto no Artigo 9 do Código Civil deve ter-se em consideração a unidade e harmonização do sistema jurídico

20. A harmonização do regime da alínea h) com o da alínea g) do citado artigo 729º do CPC impõe que o referido contra crédito se encontre reconhecido judicial ou extrajudicialmente por documento: a alínea g) do Artigo 729 do nCPC impõe que “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação” como fundamento de oposição só será válido se o mesmo for “posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento”, por maioria de razão o contra crédito aludido na alínea h) tem de se encontrar reconhecido judicial ou extrajudicialmente por documento (Acórdão de Coimbra de 14-03-2023, Proc. 343/22.2T8ACB-A.C1, disponível em www.dgsi.pt ) A posição do tribunal a quo encontra-se respaldada pela jurisprudência maioritária

21. Ao contrário da ação declarativa, a ação executiva não tem lugar perante a mera invocação da violação dum direito; antes pressupõe uma prévia solução sobre a existência e configuração do direito exequendo.

22. Atentos os fins e a natureza da ação executiva e as finalidades dos embargos de executado, entendeu tribunal a quo que o contra crédito é apenas judicialmente exigível e apto a ser invocado como fundamento de embargos de executado, nos termos do art.º 729.º, al. h) do nCPC, quando já está judicialmente reconhecido e quando o credor está em condições de obter a sua realização coativa, instaurando a respetiva execução.

23. Para que a compensação possa operar exige-se a validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito, convocando, para o efeito, a norma do artigo 847.º, n.º 1, a) do Código Civil.

24. Um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por exceções, ou seja

25. Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa da prestação

26. Enquanto assim não for, o crédito deve ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.

27. Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação.

28. Em conclusão para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação definidos no artigo 847º do Código Civil, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, seja judicialmente seja por documento revestido de força executiva

29. A este propósito já se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 27/11/2003 no recurso 7520/03, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2006, (rel. João Camilo) e, mais recentemente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-05-2015, Processo n.º 7520 13.5TBOER-A.L1-8, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2015, Processo n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, todos disponíveis para consulta, in www.dgsi.pt.

30. Em conclusão, louva-se na cuidada e igualmente meticulosa fundamentação, a qual, de forma absolutamente lúcida e dotada de uma clareza expositiva ímpar foi proferida a douta decisão datada de 03/10/2023.

31. Por seu turno sempre se dirá que arrepia o alegado pela Apelante em sede de recurso.

De facto e em boa verdade, a Apelante limita-se a discordar do sentido e interpretação levada a efeito pelo Tribunal “a quo”, mas tal não constitui em si qualquer erro ou a violação de qualquer preceito processual.

32. Em suma, falecem in tottum as razões aventadas pela Apelante, não devendo ser concedido provimento ao recurso na exacta medida em que a sentença não merece a censura ou o reparo que a Recorrente lhe aponta

TERMOS EM QUE NESTES E NOS MELHORES DE DIREITO, os quais Vs.ª Exs.ª doutamente suprirão, não deverá ser concedido provimento ao recurso interposto pela Apelante, julgando-se o mesmo «não provido» e mantendo-se a sentença recorrida nos seus exactos e precisos termos, uma vez que o julgado não merece qualquer censura, FAZENDO-SE ASSIM JUSTIÇA!

II – Factos Provados

1. No dia 29.04.2023, a Exequente deu entrada do requerimento executivo constante dos autos principais, onde, apresentou como título executivo uma sentença judicial condenatória, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo n.º52320/22...., do Juízo local Cível ..., Juiz ..., na qual foi decidido:

III. DISPOSITIVO

Em face de tudo o exposto, decide-se julgar a acção totalmente procedente, por provada, e em consequência:

a) Condenar a Ré C..., Lda. a pagar à Autora F..., Unipessoal Lda a quantia global de € 4066,38, acrescida de juros de mora, contabilizados desde a data de vencimento da fatura nº ...04 (…) à taxa de juro comercial sucessivamente em vigor, e nos vincendos, sobre este montante (€ 4066,38) até efectivo e integral pagamento.

b) (…)

2. Na acção descrita em 1), não foi admitido o pedido reconvencional deduzido pela Ré, aqui executada, o qual, tinha em súmula, os seguintes argumentos:

Na oposição apresentada vem a Ré, além do mais, invocar a exceção de “compensação”, alegando, que quanto aos bens que ficaram na sede da Ré, esta procedeu à sua venda e que teve problemas com todos eles, que contactou a Autora no sentido de obter assistência quanto a esses materiais; que a Autora não prestou; que a Ré efetuou ele própria essas assistências suportando os custos inerentes, que contabiliza em € 4.101,00 (…), concluindo pedido que “o crédito que a Ré detém sobre a Autora ser compensado com o crédito que a Autora detém sobre a Ré”.

3. Regularmente citado, veio a embargante, a 09.06.2023, deduzir embargos de executado, invocando, como fundamento, em síntese, a existência de um crédito do embargante sobre a exequente no valor de no valor de € 4.101,00 €, valor este decorrente das assistências que teve a realizar aos clientes que lhe adquiriram os bens que a exequente lhe havia fornecido, o quais, de imediato apresentaram problemas, acrescido do valor correspondente ao uma salamandra e pelletes de 13kw que embargada ficou de retirar da sede da embargante e não retirou, conforme deverá fazer.

4. Foi proferido despacho liminar proferido a 26.06.2023, tendo os embargos sido liminarmente admitidos.

5. Foi a Exequente notificada para deduzir contestação, o que fez, por requerimento apresentado a 10.08.2023, onde, em síntese, pugnou pela improcedência dos fundamentos invocados, e concluiu pela improcedência dos embargos.

 

III - Do Direito

 

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Admissibilidade do contra-crédito invocado pela embargante, em sede de embargos.

2. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“No âmbito dos presentes Embargos de Oposição à Execução, pela Embargante foi invocado, como fundamento, como vimos “supra”, a existência de um crédito da embargante sobre a exequente, no valor de no valor de € 4.101,00 €, valor este decorrente das assistências que teve a realizar aos clientes que lhe adquiriram os bens que a exequente lhe havia fornecido, o quais, de imediato apresentaram problemas, acrescido do valor correspondente ao uma salamandra e pelletes de 13kw que embargada ficou de retirar da sede da embargante e não retirou, conforme deverá fazer. Assim, funda, a sua pretensão em responsabilidade contratual da Exequente, no caso, cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda de bens, causadora de prejuízo na esfera patrimonial daquela.

A questão a decidir, como vimos “supra”, é a de saber o reconhecimento do contra-crédito invocado pode ter lugar em sede de embargos de executado.

Apreciemos:

Como é sabido, ao contrário da ação declarativa, a ação executiva não tem lugar perante a mera invocação da violação dum direito; antes pressupõe uma prévia solução sobre a existência e configuração do direito exequendo.

Um dos fundamentos de oposição à execução de que o executado pode lançar mão, através de embargos (cfr. art.º 732.º do nCPC), consiste na existência de um contra-crédito sobre o exequente, com vista à obtenção da compensação de créditos (cfr. art.º 729º, al. h) CPC).

Daqui se extrai que a oposição à execução pode ser fundada na existência de um contra-crédito do executado sobre o exequente, com vista, a obter a compensação de créditos.

Há lugar à compensação quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados que sejam certos requisitos:

1. ser o seu crédito exigível judicialmente (cfr. art.º 847º, n.º 1 a) do Código Civil); e

2. não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade (cfr. art.º 847º, n.º 1 b) do Código Civil).

A compensação pode ser exercida, em sede de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo (cfr. Lebre de Freitas, in A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4ª ed. – págs. 178 e 179 e em igual sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/4/2012, (rel. Maria dos Prazeres Beleza, in www.dgsi.pt).

Contudo, é precisamente, o requisito da exigibilidade judicial, previsto na al. a), do n.º 1, do artigo 847.º do Código Civil, que levanta mais dificuldades e divisões jurisprudenciais.

As divergências na interpretação deste requisito surgem no que toca à questão de saber o que deve considerar-se/entender-se por “crédito judicialmente exigível”.

Uma corrente jurisprudencial defende o entendimento de que o crédito é apenas judicialmente exigível quando já está judicialmente reconhecido e quando o credor está em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução (cfr., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido, em 27/11/2003 no recurso 7520/03, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2006, (rel. João Camilo) e, mais recentemente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-05-2015, 13.5TBOER-A.L1-8, e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2015, Processo n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, todos disponíveis para consulta, in www.dgsi.pt).

Outra corrente jurisprudencial, por seu turno, defende o entendimento de que, por força da possibilidade conferida no atual artigo 731.º do nCPC, de invocar a compensação como meio de defesa contra execução não baseada em sentença, nos mesmos termos que podiam ser invocados no processo de declaração, que a obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento imediato, através de uma ação executiva (se já estiver munido de título executivo) ou (não estando dele munido) através de uma ação declarativa tendente a obter uma sentença que, reconhecendo a existência da obrigação e a sua exigibilidade judicial, condene o devedor ao seu imediato cumprimento, como se defende, entre outros, no Acórdão da Relação do Porto, de 03/11/2010, Processo 8607/08.1YYPRT-A.P1, e mais recentemente, também no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-09-2015, Processo n.º 877/11.4TBSCD-A.C1, todos disponíveis para consulta, in www.dgsi.pt).

Com o devido respeito, que nos merece a posição sufragada pelos defensores desta última corrente, que, no fundo, é aquela em que se suporta a pretensão da Embargante, entendemos que, atentos os fins e a natureza da ação executiva e as finalidades dos embargos de executado, entendemos que o contracrédito é apenas judicialmente exigível e apto a ser invocado como fundamento de embargos de executado, nos termos do art.º 729.º, al. h) do nCPC, quando já está judicialmente reconhecido e quando o credor está em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução.

Com efeito, como se afirma no “supra” citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2015, Processo n.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, em abono desta posição, “Entendimento contrário (…) pode, mesmo, consubstanciar concessão de privilégio ao executado (e inerente violação do princípio da igualdade das partes), estimulando-o ao uso de meros expedientes dilatórios, em cotejo com o exequente a quem é exigido o “salvo-conduto” dum título executivo corporizador e meio de prova da existência, titularidade e objecto da obrigação para poder ingressar nas portas da acção executiva, na sugestiva imagem usada pelo Prof. Antunes Varela (RLJ - 121º/148).”.

De resto, conforme se pode extrair dos fundamentos do aresto “supra” citado, a tendência jurisprudencial dominante no Supremo Tribunal de Justiça, segue o mesmo entendimento; com efeito, conforme aí se refere, “Tendo-se, igualmente, já decidido que:

“(N)a fase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (…) Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa” (Ac. de 22.06.06, relatado pelo Ex. mo Cons. Bettencourt de Faria);

“A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível” (Ac. de 14.12.06, relatado pelo Ex. mo Cons. João Moreira Camilo);

“Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”, pelo que, “estando o crédito que a R. apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (…) Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação” (Ac. de 29.03.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Vasconcelos); e

“Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no art. 847º do CC, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito, conforme resulta do disposto nos arts. 814º, 816º e 817º, nº1, al. b) do CPC” (Ac. de 28.06.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Pires da Rosa).

Esta orientação jurisprudencial foi ressaltada e perfilhada no recentíssimo acórdão de 01.07.14, deste Supremo, relatado pelo Ex. mo Cons. Paulo Sá, onde se dá conta de que decidiram em idêntico sentido os Acs. deste Supremo, de 21.11.02, 09.10.03, 27.11.03, 21.02.06, 11.07.06, 14.12.06 e 12.09.13 (acessíveis, como os demais citados, em www.dgsi.pt), acentuando-se, igualmente, em reforço do que vem sendo considerado e após se ponderar que a exigibilidade do crédito não se confunde com o seu reconhecimento, que “não se conhecem decisões do STJ no sentido da necessidade de reconhecimento do contra-crédito, fora do âmbito do processo executivo” (negrito de nossa autoria).”.

Artilhados com estas considerações, e explanada a posição jurisprudencial deste Tribunal perante a temática que nos ocupa, vejamos, o caso concreto:

Ora, no caso dos presentes embargos, o contra–crédito invocado para a obtenção da compensação não está judicialmente reconhecido, é controvertido.

Na verdade, a apreciação do reconhecimento do contra-crédito resultante de eventual cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda de aparelhos a plaetes, deve ter lugar em sede de ação declarativa e não em sede de ação executiva.

Assim, tal como exposto, a utilização da compensação em processo de embargos/oposição à execução tem que ter como fundamento um contra-crédito do executado já reconhecido judicialmente, não sendo, com todo o respeito que nos merece posição contrária, admissível que o reconhecimento judicial do contra-crédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução.

Termos em que, atentos os fundamentos explanados, improcede o fundamento invocado.”.

A embargante diverge, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso, enquanto a embargada converge com a sentença recorrida, pelas razões que expõe nas suas conclusões de contra-alegação.

Avançamos desde já que estamos com a recorrente.  

A sentença recorrida expôs duas correntes em presença, aderindo a uma delas. Nós dizemos que independentemente das adesões abstractas a correntes jurisprudenciais, há que ponderar, previa e necessariamente, os contornos do caso concreto. Vejamos então.

Lebre de Freitas (em A Ação Executiva, À Luz do CPC de 2013, 6ª Ed., págs. 201/203), professa que a nova qualificação processual que se pretendeu dar à compensação no art. 266º, nº 2, c), levou à sua autonomização como fundamento de embargos de executado (agora sob h). É que, excedendo a reconvenção a função defensiva dos embargos, a caracterização objectiva da compensação como reconvenção levaria a negar a sua invocabilidade na dependência da acção executiva, o que seria contrário ao seu regime substantivo. Por isso, a compensação continua a constituir uma excepção peremptória e o que a nova lei estabelece é, quando muito, um ónus de reconvir na acção declarativa, pedindo a mera apreciação da existência do contracrédito, cuja observância é suporte necessário da invocação da excepção. A noiva norma tem a utilidade de deixar claro que, seja como for, a compensação, até ao montante da obrigação exequenda, pode constituir fundamento de embargos de executado. Fora de questão está, agora como dantes, que o executado cujo contracrédito seja superior ao do exequente possa invocar a sentença que a seu favor venha a ser proferida como uma sentença de condenação do exequente no pagamento da diferença entre os dois créditos, nem sequer como sentença de mero reconhecimento da existência da dívida pelo excesso, nem muito menos obter o pagamento forçado dessa diferença no processo executivo a que se opôs – nada autoriza a restrição de que a compensação só pode ser alegada se a existência do contracrédito e os requisitos substantivos da compensação se provarem por documento com força executiva, posição esta que tem sido assumida por jurisprudência. ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo, na acção declarativa de embargos de executado, nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa executar aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo.

Mas quer o seu crédito seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, é-lhe permitido deduzir a excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente ter declarado querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de oposição).

A consideração do fundamento da compensação em alínea separada da dos restantes factos extintivos da obrigação exequenda liberta o executado do ónus de provar através de documento, quer o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do art. 847º do CC, quer a declaração de querer compensar (art. 848º do CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo.

Permitir-lhe-á também essa consideração separada fazer valer a compensação quando o executado o podia já ter feito na acção declarativa ? As mesmas razões que justificam a extensão da preclusão estabelecida na g) do art. 729º à excepção em nome próprio cujos pressupostos estejam já verificados à data do encerramento da discussão na acção dexclarativa levaria a uma resposta negativa; mas uma vez entendido que o titular do contracrédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente); a invocação da compensação só não será, pois, admissível quando ela já era possível à data da contestação da acção declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do art. 729º.

Esta doutrina merece a nossa adesão. Também Rui Pinto (em Manual da Acção Executiva, págs. 392/393, 395/398) subscreve este posicionamento.

Só assim não seria se a compensação já era possível à data da contestação da acção declarativa, e não tivesse sido deduzida, ou tivesse sido alegada em reconvenção na acção declarativa e houvesse sido julgada improcedente (mesmo autor, pág. 397).

Ora, no nosso caso concreto mais se justifica a lição supra referida. Na verdade, no âmbito do processo nº52320/22...., que deu origem à sentença condenatória exequenda, foi decidido (facto 2.)  não admitir, abstractamente, o pedido reconvencional deduzido pela R., agora executada, baseado exactamente na ora invocada compensação, com a mesma factualidade, com o argumento jurídico de que não é admissível reconvenção em sede de uma ação especial, de tramitação simplificada, como é aquela de cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (AECOP), uma vez que tal não se coaduna com a simplicidade de tramitação e celeridade que o legislador pretendeu imprimir a esta forma processual, pensada para ações de pequeno valor, marcados pela celeridade e simplicidade da tramitação e da própria causa, que só tem dois articulados, não ficando o R. coartado dos seus meios de defesa, podendo exercê-los em sede de defesa de uma eventual execução.

O resultado deste entendimento está à vista, na decisão recorrida, caso não estabelecêssemos uma interpretação restritiva, a saber, não se poder confundir a não admissibilidade abstracta da reconvenção na dita acção especial (ou geral) com a improcedência da mesma. A não ser assim, e face ao caso concreto, o ora recorrente não podia deduzir a compensação na acção declarativa, como não pôde, pois não foi admitida, e também não o poderia fazer nos embargos à acção executiva, resultado surpreendente que temos por inadmissível, por coarctar severa e excessivamente os seus meios de defesa e o seu acesso ao direito, constitucionalmente consagrado.

Há, pois, que admitir, abstractamente, nos presentes embargos, a invocação da compensação judicial deduzida pela embargante. Apurada a factualidade, se verá se o invocado contracrédito se verifica e se a dita compensação pode ser reconhecida.

Adicionalmente, há mais argumentos a favor da tese que seguimos, diferente daquela adoptada na 1ª instância, e que jurisprudencialmente tem sido acolhida, com vista a rebater o que aí se exarou, o de que “Ora, no caso dos presentes embargos, o contra–crédito invocado para a obtenção da compensação não está judicialmente reconhecido, é controvertido.

Na verdade, a apreciação do reconhecimento do contra-crédito resultante de eventual cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda de aparelhos a plaetes, deve ter lugar em sede de ação declarativa e não em sede de ação executiva.“.

Ou seja, o contracrédito invocado para a obtenção da compensação não tem de estar judicialmente reconhecido e pode ser controvertido !

O Ac. desta Relação de 24.2.2015, Proc.91832/12.3YIPRT-A, em www.dgsi.pt, (relatado pelo actual relator), em que a propósito da compensação de créditos, sua exigibilidade judicial e sua admissibilidade abstracta, se sumariou que:

i) Ocorre exigibilidade judicial do contra-crédito (art. 847º, nº 1, a), do CC) quando ao credor respectivo assiste o direito de exigir em tribunal o cumprimento, seja através de acção executiva, por dispor de título executivo, seja de acção declarativa para reconhecimento da existência e exigibilidade da obrigação;

(…)

iii) Para efeito do funcionamento do mecanismo da compensação, a exigibilidade judicial do contra-crédito e o reconhecimento judicial do mesmo são realidades distintas, sendo a primeira requisito da declaração de compensação e a segunda condição da sua eficácia.”.

Nele expendeu-se que: ”Em oposição a esta perspectiva defende outra corrente jurisprudencial que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial desse crédito, considerando que a exigibilidade em questão se reporta, diversamente, à possibilidade de o compensante impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito (veja-se neste sentido, Acs. do STJ, de 14.2.2008, Proc.07B4401, desta Rel. Coimbra, de 3.12/2009, Proc.436/07.6TBTMR, da Rel. Lisboa, de 13.11.2008, Proc. 2511/2008-6, tirado no âmbito de uma execução à oposição, da Rel. Porto, de 9.5.2007, Proc.0721357, de 14.2.2008, Proc.0736864, todos disponíveis em www.dgsi.pt, de 10.3.2008, CJ, T. II, pág. 173, de 11.9.2008, CJ, T. IV, pág. 171, e de 19.1.2010, Proc.139152/08.8YIPRT, em www.dgsi.pt).

Ora, perante esta querela jurisprudencial, propendemos para considerar que pode o demandado na acção declarativa deduzir a excepção de compensação, mesmo que o seu invocado contra-crédito não esteja ainda reconhecido, judicial ou extrajudicialmente.

Com efeito, afigura-se-nos que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito não se reporta a créditos já reconhecidos por via judicial, bastando ver, desde logo, a hipótese em que o contra-crédito esteja reconhecido pela contraparte, caso em que será desnecessário um reconhecimento judicial.

Como ensina Antunes Varela, “Diz-se judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor”, (cfr. Das Obrigações em Geral, Vol. II, 2ª Ed., pág. 168).

Ou seja, a obrigação é judicialmente exigível quando o credor puder exigir o seu cumprimento através de acção executiva, se já estiver munido de título executivo, ou, no caso contrário, através de acção declarativa para obtenção de sentença que condene o devedor no cumprimento. Na verdade, a inexistência de título executivo não constitui impedimento a que a obrigação possa ser exigível, apresentando-se o credor, nesse caso, a peticionar, em acção declarativa, o respectivo cumprimento.

Assim, será na acção declarativa, onde é deduzida a compensação, por via de excepção ou de reconvenção, que devem ser verificados os respectivos requisitos, designadamente o da exigibilidade judicial do invocado contra-crédito, de molde a poder concluir-se quanto à admissibilidade da invocação e existência desse contra-crédito para eficaz compensação (salvo no caso em que o contra-crédito já foi invocado e está a ser discutido noutra acção judicial ainda pendente).

Assim sendo, nem a inexistência de reconhecimento judicial do pretendido contra-crédito, nem a circunstância de o mesmo ser impugnado e, por isso, se mostrar controvertido, impedem, por regra, a invocação da compensação, devendo, então, ser produzida prova (com consideração da factualidade pertinente na fase própria do processo) da existência do crédito e da sua exigibilidade no processo onde a compensação é deduzida, termos em que a compensação operará ou não, levando à extinção, total ou parcial, do crédito peticionado, na medida em que venha, a final, a ser reconhecida a existência e exigibilidade desse invocado contra-crédito.

Como se nota impressivamente no Ac. da Rel. Porto de 9.5.2007, atrás mencionado, ao qual aderimos, a exigibilidade judicial do crédito e o reconhecimento judicial do mesmo, para efeitos do funcionamento do mecanismo da compensação, são realidades distintas, sendo a primeira requisito da declaração de compensação e a segunda condição da sua eficácia.

Quer isto significar, para o nosso caso, que a compensação deve ser admitida, tratando-se até, como se trata, da discussão da mesma relação contratual base entre a A. e a R.” – os sublinhados são nossos.

O Ac. desta Relação de 28.1.2020, Proc.51796/18.1YIPRT-B, em www.dgsi.pt,  em que a propósito da compensação de créditos, sua exigibilidade judicial e sua admissibilidade abstracta, se sumariou que:

“1. Face à previsão da alínea h) art.º 729º do CPC de 2013, ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na acção declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa ´executar´ aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo.

2. O crédito é exigível judicialmente quando o declarante da compensação se arroga titular de um direito de crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento.

3. A compensação pode ser deduzida na oposição à execução, sem qualquer necessidade de o respectivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente, mas só operará se ambos os créditos vierem a ser reconhecidos.”.

Nele expendeu-se que: ” 4. Salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que a posição defendida na decisão recorrida, e com o apoio doutrinal nela citado, não dará a devida relevância ao (novo) fundamento de oposição à execução previsto na alínea h) do art.º 729º do CPC, introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei n.º 41/2013, de 26.6 (que aprovou o Código de Processo Civil vigente); a jurisprudência do STJ aí invocada - independentemente da bondade da demais argumentação - não podia debruçar-se sobre um fundamento que carecia, pelo menos, da autonomia que agora lhe é conferida ou se evidencia… (CPC de 2013).

5. Na verdade, a nova norma tem a utilidade de deixar claro que a compensação (até ao montante da obrigação exequenda) pode constituir fundamento de embargos de executado. Fora de questão está, agora como dantes, que o executado cujo contracrédito seja superior ao do exequente possa invocar a sentença que a seu favor venha a ser proferida como condenação do exequente no pagamento da diferença entre os dois créditos, nem sequer como mero reconhecimento da existência da dívida pelo excesso, nem obter o pagamento forçado dessa diferença no processo executivo a que se opôs.

E se, principalmente, no passado, se defendia que a compensação só podia ser alegada se a existência do contracrédito e os requisitos substantivos da compensação se provassem por documento com força executiva, posição também assumida pela jurisprudência[9], hoje, face à previsão da alínea h) art.º 729º do CPC de 2013, nada autoriza esta restrição: ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na acção declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa ´executar´ aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo.

Assim, quer o invocado crédito do executado seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, é-lhe permitido deduzir a excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente ter declarado querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de oposição).[10]

6. Este, cremos, o enquadramento da situação dos autos no contexto dos normativos da lei processual civil hoje aplicável, não se suscitando outras questões adjectivas, nomeadamente, as relativas à conjugação das alíneas g) e h) do art.º 729º do CPC e/ou sobre a adequada, necessária ou relevante ligação entre as acções declarativas e as subsequentes acções executivas quando se invoque a compensação de créditos.[11]

(…)

8. Ainda sobre os aspectos adjectivos e substantivos ligados à situação dos autos, principalmente, no âmbito da acção executiva (a oposição à execução com fundamento em contracrédito sobre o exequente), vemos expendido na doutrina e na jurisprudência mais recente, designadamente:

a) O art.º 729º, alínea h) do CPC permite que, numa execução baseada numa sentença, o executado deduza oposição à execução com fundamento num contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; não tem sentido admitir a tramitação de uma complexa e custosa acção executiva quando o crédito exequendo pode afinal ser extinto através do reconhecimento de um contracrédito do executado; não é aceitável submeter o devedor a um processo executivo quando possui um contracrédito sobre o exequente que é susceptível de extinguir, no todo ou em parte, o crédito exequendo.

(…)

Não pode deixar de causar alguma estranheza a exigência de que o contracrédito conste de um título executivo, atendendo a que a finalidade da invocação do contracrédito é a oposição à execução, e não a execução do contracrédito. O título executivo atribui a exequibilidade extrínseca a uma pretensão e constitui uma condição da acção executiva. O título executivo só se compreende em função da possibilidade da satisfação coactiva de uma pretensão e para permitir esta satisfação. Sendo assim, não estando em causa a satisfação coactiva do contracrédito, não é justificada a exigência de que o mesmo conste de um título executivo.

A exigência de que o contracrédito conste de um título executivo não é harmónica no contexto do art.º 729º, dado que exige para uma das formas de extinção da obrigação um requisito que não é exigido para nenhuma outra forma de extinção do crédito exequendo. Acresce que, se assim se entendesse, ter-se-ia que concluir que o legislador do Novo CPC teria restringido a possibilidade da invocação da compensação na oposição à execução, dado que essa possibilidade já existia em função do disposto no art.º 814º, alínea g), do CPC de 1961 (na redacção do DL n.º 226/2008, de 20.11) e este preceito só exigia que o contracrédito constasse de documento (e não de documento com valor de título executivo).

De resto, o disposto no art.º 732º, n.º 5, CPC permite concluir que, se o executado não alegar o contracrédito através dos embargos de executado, nunca mais o pode alegar para provocar a extinção do crédito exequendo (ou uma outra parcela do mesmo crédito que seja alegada numa execução posterior); portanto, onde realmente o direito positivo consagra um ónus de invocar o contracrédito é na acção executiva. Assim, onde realmente há um ónus de concentração da defesa e um ónus de alegação do contracrédito, não é na acção declarativa, mas na acção executiva.[14]

b) A exigibilidade do crédito para efeito de compensação (art.º 847º, n.º 1, alínea a) do CC) não significa que o crédito activo do compensante, no momento de ser invocado, tenha de estar já definido judicialmente: do que se trata é de saber se tal crédito existe na esfera jurídica do compensante e preenche os requisitos legais - “não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”; o crédito é exigível judicialmente quando o declarante da compensação se arroga titular de um direito de crédito susceptível de ser reconhecido em acção de cumprimento.

Realidade distinta da exigibilidade judicial do crédito é o respectivo reconhecimento judicial, não obstante só possa operar a compensação caso ambos os créditos venham a ser reconhecidos na acção judicial em que se discutem.[15]

O referido entendimento vale, no presente, sem qualquer especificidade, no âmbito das acções executivas, pois que não existe qualquer norma processual a exigir qualquer requisito adicional para o exercício da compensação.

Com efeito, quanto às execuções baseadas em sentença, o art.º 729º, alínea h) do CPC limita-se a dizer que a oposição pode ter por fundamento um contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos e, quanto às execuções fundadas noutros títulos, o art.º 731 do CPC diz que podem ser alegados quaisquer fundamentos de oposição que possam ser invocados como defesa no processo de declaração.[16]

9. A lei não exige que o contracrédito do executado tem de estar judicialmente reconhecido ou ser objecto de título executivo e é unânime a jurisprudência e a doutrina no sentido de que a reconvenção não é admissível na oposição à execução.[17]”.

O Ac. desta Relação de 28.3.2023, Proc.33/19.3GASRE-C, em www.dgsi.pt, em que a propósito da compensação de créditos, sua exigibilidade judicial e sua admissibilidade abstracta, se sumariou que:

“III - A exigibilidade judicial do crédito como requisito de efetivação da compensação – artº 847º do CPC – não impõe que ele tenha sido previamente reconhecido judicialmente, mas apenas que o possa vir a ser.”.

Nele expendeu-se que: ”Porém não é necessário que o crédito esteja reconhecido previamente , vg. em ação pretérita.

Por outras palavras, a exigibilidade em questão reporta-se somente à possibilidade de o compensante  poder impor à outra parte a realização coativa do seu crédito – Cfr. Ac. RP de 14-02-2008, p.0736864, in dgsi.pt.

Na verdade, reitera-se:  «É judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento ou à execução do património do devedor.» - Ac. do STJ de 11.07.2019, p. 1664/16.9T8OER-A.L1.S1.

(sublinhado nosso)

(…)

Ora assim sendo, como é, a exigibilidade está aqui presente.

Na verdade, a embargante invocou um contra crédito perante o embargado que é oriundo de um negócio jurídico celebrado entre as partes no processo de inventário, rectius, um reconhecimento/confissão do embargante perante a embargada ali interessada –cfr. ponto 5.1.6. dos factos provados.

Perante tal reconhecimento entrou na esfera jurídico patrimonial da embargante o direito de crédito sobre os valores reconhecidos pelo embargado.

Pelo que, em caso de incumprimento deste assiste aquela jus a exigir o seu cumprimento via judicial.

Ou, como agora está a fazer, a invocar tal crédito para operar a compensação nos termos e pelos valores que plasmou na pi.

Está, pois, satisfeito o requisito da exigibilidade para os efeitos do artº 847º do CC.”.

Pelo exposto, urge revogar a decisão recorrida, admitindo-se, em consequência, a compensação deduzida pela executada/recorrente. E, por conseguinte, devendo os autos prosseguir para conhecimento de mérito.
(…)

IV - Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência ordena-se o prosseguimento dos autos.

*

Custas pela embargada/recorrida.

*

                                                                          Coimbra, 6.2.2024

                                                                          Moreira do Carmo

                                                                          Fernando Monteiro

                                                                          Luís Cravo