Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4204/22.7T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS POR ALIMENTOS PRESTADOS POR UM DOS FILHOS AOS PAIS
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS POR PARTE DOS FILHOS AOS PAIS
VIDA EM COMUM
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1874.º, 1 E 2, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: i) O dever de assistência entre pais e filhos (consagrado no art. 1874º, nº 1, do CC), compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar (nº 2 do indicado art. 1874º);
ii) Significa isto, que durante a vida em comum o dever de contribuir para os encargos da vida familiar também engloba a obrigação de alimentos, mas esta obrigação de alimentos é absorvida por esse dever de contribuição de pais e filhos para os encargos da vida familiar;

iii) Assim, a obrigação de prestar alimentos só adquire autonomia e relevância quando pais e filhos não moram juntos, caso contrário essa obrigação integra-se e é absorvida na obrigação de contribuição para os encargos da vida familiar;

iv) Vivendo a mãe juntamente com um dos filhos e mulher, em economia comum, e sendo a reforma da mesma usada para contribuir para os encargos da vida familiar, sem se comprovar que tal reforma é insuficiente/desproporcional, de acordo com os seus recursos próprios, como contribuição dela para os encargos da vida familiar, esse filho não pode pretender ter um crédito monetário sobre os restantes irmãos.

Decisão Texto Integral: I - Relatório

1. AA, BB, residentes em França, CC e DD, residentes em ..., intentaram contra EE, residente em ..., execução para pagamento de quantia certa, com base em sentença homologatória de partilha em processo de inventário, no montante, a cada um dos exequentes, da quantia de 2.844,33 € referente a tornas devidas, num total de 11.377,32 €, mais juros desde o transito em julgado da sentença.

O executado EE, deduziu oposição, sustentando, resumidamente, que sempre quis fazer e acertar contas com os seus outros irmãos, sabendo que a cada um teria de pagar de tornas a quantia de 2.844,33 €, pretendendo, no entanto, que se reconheça que os exequentes/herdeiros lhe devem, no total, a quantia de 8.950 €, por ter sido cuidador da sua mãe, desde meados de Dezembro de 2006 até Julho de 2008, alegando ter ficado acordado e definido que cada irmão, que não tivesse a mãe consigo, teria de pagar a quem ficasse com ela e dela fosse cuidador 75 € mensais, devendo, ainda, cada irmão pagar, proporcionalmente, o montante de 84,28 € referente ao pagamento de IMI do ano de 2021, pago em 2022 pelo embargante. Pretende, assim, que o seu crédito sobre os exequentes seja alvo de compensação,1.804 € cada um, extinguindo-se a execução nessa parte.

Os exequentes contestaram, sustentando, brevemente, que a compensação de créditos exige que o respectivo crédito esteja reconhecido previamente, o que não acontece, impugnando a existência do alegado crédito, e defendendo que, a existir, teria de ser reclamado à herança, sendo eles parte ilegítima, arguindo, por fim, a sua prescrição nos termos do art. 310º, f), do CC, por se tratar de uma alegada dívida de 2009 e já terem decorrido mais de 5 anos.

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Foi proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.

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2. O embargante interpôs recurso, concluindo que:

1.º A douta sentença de que se recorre fez uma errada apreciação AO NÃO TER RECONHECIDO O DIREITO DO RECORRENTE A SER COMPENSADO PELOS OUTROS IRMÃOS DURANTE OS VINTE MESES QUE TEVE A MÃE CONSIGO E DELA CUIDOU.

2.º FEZ ERRADA APRECIAÇÃO DE DIREITO AO TER dada como provado que o recorrente FOI CUIDADOR da mãe durante vinte meses FACTO K) “ o executado foi cuidador da sua mãe desde Dezembro de 2006 até Julho de 2008” e NÃO TER SIDO CONSEQUENTE A DECISÃO.

3.º PORQUE NÃO FOI DADO POR PROVADO QUE O RECORRENTE “RENUNCIAVA A QUALQUER PAGAMENTO PARA CUIDAR DA MÃE”, TAL PAGAMENTO EM COMPENSAÇÃO, DEVERIA TER SIDO SENTENCIADO PELO TRIBUNAL.

4.º POIS QUE O ARTIGO 729º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PERMITE QUE A COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS POSSA SER INVOCADA NA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO ATÉ AO LIMITE DO CRÉDITO EXEQUENDO, SENDO BASTANTE PARA O EFEITO QUE ESTEJAM SATISFEITOS OS REQUISITOS MATERIAIS DO ARTIGO 847º DO CÓDIGO CIVIL, O QUE SE VERIFICA.

5.º NÃO PODE A MERITÍSSIMA JUIZ A QUO, AO TER DADO POR PROVADO QUE O RECORRENTE CUIDOU DA MÃE DE DEZEMBRO DE 2006 A JULHO DE 2008 E SE O RECORRENTE NUNCA RENUNCIOU AO PAGAMENTO DEVIDO, PARA CUIDAR DA MÃE, SENDO QUE A DECISÃO SÓ PODIA TER SIDO A CONDENAÇÃO DOS IRMÃOS PAGAREM AO RECORRENTE, SENDO FEITA A DEVIDA COMPENSAÇÃO NO VALOR TOTAL DE MENOS 1 500,00 EUROS A DESCONTAR AO MONTANTE A QUE TEM DIREITO 2.844,33 EUROS E QUE O RECORRENTE QUER LIQUIDAR.

6.º MESMO FICANDO A DÚVIDA DO MONTANTE A PAGAR- O QUE NEM FOI O CASO- SEMPRE SE TINHA UMA REFERÊNCIA QUE ERA O MONTANTE QUE O IRMÃO E ESPOSA QUE TINHA ANTERIORMENTE CUIDADO DA MÃE ESTAVAM A RECEBER NOS POUCOS MESES QUE CUIDARAM EM 2006.

7.º PARA TER DIREITO A RECEBER A COMPENSAÇÃO NÃO ERA NECESSÁRIO QUALQUER ACORDO OU NEGÓCIO JURIDICO, BASTANDO PROVAR OS CUIDADOS HAVIDOS, O TEMPO DESSES CUIDADOS E O MONTANTE A PAGAR O QUE TUDO DAVA EM TODO O TEMPO EM QUE FOI CUIDADOR, 1,500,00 EUROS, POR CADA FILHO.

8.º BASTAVA A PROVA DOS CUIDADOS DURANTE 20 (VINTE) MESES E A PROVA DE QUE O CUIDADOR NUNCA RENUNCIOU À COMPENSAÇÃO DEVIDA, PARA SE DEVER OPERAR A DEVIDA COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS- Até porque tal só não foi resolvido no processo de inventário por razões meramente processuais.

Assim, sem necessidade de mais considerações,

DEVE, POIS, E EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE A SENTENÇA PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, CONSIDERANDO-SE A PROCEDENCIA DOS EMBARGOS E EFETUANDO-SE A DEVIDA COMPENSAÇÃO DE 1 500,00 EUROS NOS CRÉDITOS POR CADA UM DOS EMBARGADOS, NOS TERMOS EXPOSTOS, FAZENDO-SE ASSIM, JUSTIÇA.

3. Os exequentes contra-alegaram, tendo formulado as seguintes 41 conclusões (o que é notável por excesso, pois conseguiram quintuplicar o número de conclusões do recorrente !?!, só não tendo merecido despacho de aperfeiçoamento, por desrespeito á lei, por se tratar de meras contra-alegações): 

1. Em sede de alegações, veio o Recorrente mencionar ter o direito de ser compensado pelos Recorridos pelos cuidados prestados à sua mãe alegando que os mesmos são devedores da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), cada um, que será descontada nas tornas que o Recorrente tem de pagar a cada um dos Recorridos no valor de €2.844,33 (dois mil oitocentos e quarenta e quatro euros e trinta e três cêntimos).

2. Para o efeito, alega o Recorrente que o Tribunal a quo devia ter reconhecido a compensação descrita uma vez que na sentença proferida ficou provado que “O executado foi cuidador da sua mãe desde Dezembro de 2006 até Julho de 2008” e não provado que “O executado referiu aos irmãos que renunciava a qualquer pagamento para cuidar da mãe”.

3. Pelo que, e por este motivo, menciona o Recorrente que a decisão constante da sentença proferida pelo Tribunal a quo devia ter sido fazer a devida compensação e não julgar a matéria dos embargos improcedente.

4. Sucede que o Recorrente, nas alegações apresentadas, começa por dizer que:

“Da sentença aceita-se a prova dada por provada e não provada e a sua fundamentação (…)”.

5. Uma vez que é o próprio Recorrente a mencionar, expressamente, que aceita a prova dada por provada e não provada, bem como, a respetiva fundamentação, certamente que aceita os seguintes factos, totalmente demonstrativos, de que ao mesmo não é devida qualquer compensação.

6. Da sentença proferida pelo Tribunal a quo consta dos factos dados como provados que:

“I) (… transcrição de texto).

J) (… transcrição de texto).

L) (…transcrição de texto).

7. Além disso, consta também da sentença proferida pelo Tribunal a quo que não se provou que:

“1. (… transcrição de texto).

2. (… transcrição).

6. (…transcrição)

8. Importa também mencionar que, quando o Recorrente prestou depoimento de parte, conforme consta dos presentes autos, o mesmo revelou que:

“Por referência ao artigo 33º da contestação nega ter afirmado que não queria ser recompensado pelos cuidados que teria que prestar à sua mãe aceitando, no entanto, ter dito que “tinha um prato de sopa para lhe dar”. (…) Por referência ao artigo 43º da contestação declara que durante esses meses foi o depoente ou a sua mulher quem levantou a sua pensão mensal que a sua mãe recebia, utilizando o respetivo valor no pagamento das despesas correntes da casa dos seus pais, fraldas, medicamentos e despesas com terceiras entidades (…).”

9. Veja-se que o Recorrente revelou tais factos no momento em que prestou o seu depoimento de parte, sendo que, tal depoimento só pode ter por objeto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, nos termos do artigo 454º, nº1, do CPC.

10. Além disso, e nos termos do artigo 463º, nº1 e 465º, nº1, ambos do CPC tal depoimento é sempre reduzido a escrito, na parte em que houver confissão, sendo tal confissão irretratável.

11. Ora, no caso em apreço, é o próprio Recorrente que refere, conforme se mencionou supra, que aceitava a prova dada por provada e não provada, bem como, a sua fundamentação.

12. Portanto, nenhuma relevância tem, em virtude do que aqui se mencionou, que o Tribunal a quo tenha dado como provado que o executado foi efetivamente o cuidador da sua mãe no hiato temporal supra mencionado e, como não provado que o mesmo não renunciou a qualquer pagamento para cuidar da mãe.

13. Até porque, é o mesmo que confessa ter-se apropriado do montante referente à pensão mensal da sua mãe, utilizando o respetivo valor nas despesas correntes que tinha com a mesma, sendo esta a compensação acordada entre o Recorrente e os Recorridos pelos cuidados prestados pelo mesmo à sua mãe.

14. Além disso, veja-se que em sede de oposição à execução mediante embargos, admitiu o Recorrente ter ficado acordado e definido que os Recorridos tinham de pagar a quem ficasse a cuidar da mãe dos mesmos a quantia de €75,00 (setenta e cinco euros), sendo esta a compensação acordada para não mexerem nas contas bancárias de que a mesma era cotitular.

15. Sucede que, o ónus de provar tais factos impendia sobre o Recorrente, não tendo o mesmo feito prova da existência de um acordo com cada um dos Recorridos para efetuarem o pagamento supra mencionado.

16. Bem pelo contrário, uma vez que, foi o próprio Recorrente que afirmou, conforme se mencionou e aqui se reitera, que se apropriou do valor da reforma da sua mãe para fazer face às despesas que tinha com a mesma, bem como, que apesar de ter confrontado os Recorridos com a exigência descrita, também

lhes tinha dito que “tinha um prato de sopa” para dar à sua mãe.

17. O que mais não é do que uma evidência clara da inexistência de acordo relativamente ao pagamento, pelos Recorridos, do montante supra mencionado.

18. Além disso, e uma vez que o Recorrente menciona que concorda com o constante da fundamentação da decisão de facto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, importa aqui mencionar que é aí referido que foram testemunhas dos presentes autos a mulher e o filho do Recorrente que eram manifestamente

interessados no desfecho da causa.

19. Porém, consta da fundamentação da decisão de facto que a mulher do Recorrente “ (…) pese embora tenha iniciado o seu depoimento a afirmar que os cunhados teriam de entregar mensalmente €500,00, para além do valor da reforma da sua sogra (quantia essa que, desde logo não coincide com a que vem alegada no artigo 7º da petição de embargos, dado que sendo cinco irmãos a pagar €75,00 mensais, se obteria um total de apenas €375,00), acabou por revelar que, em Agosto de 2007, quando os irmãos se reuniram em sua casa, e lhes foi solicitado o pagamento de tal quantia, houve irmãos que não concordaram.”

20. Constando também que o filho do Recorrente “(…) à data dos factos, com apenas dez ou onze anos de idade, não conseguiu esconder o seu ressentimento em relação aos tios, tendo dado voz à indignação dos seus pais, sobretudo da mãe, referindo ao tribunal que a mesma devia ter sido paga por ter ficado com a avó, avançando ainda que os seus tios não concordavam com esse pagamento (…)”

21. Ora, quer a mulher quer o filho do Recorrente, que eram bastante interessados no desfecho desta causa, disseram expressamente que os Recorridos não concordaram com o pagamento do montante referido ao Recorrente.

22. E que, apesar de ter sido solicitado aos Recorridos o pagamento de tal quantia, para além do valor da reforma da mãe dos mesmos, nunca houve acordo nesse sentido.

23. Assim sendo, importa mencionar que para que a referida compensação operasse, não bastava, conforme menciona o recorrente em sede de alegações que se provasse apenas os cuidados havidos, o tempo desses cuidados e o montante a pagar pelos mesmos.

24. Isto porque, é o próprio Recorrente que menciona, na oposição à execução mediante embargos, que tinha ficado acordado e definido, que cada um dos Recorridos lhe teria de pagar €75,00 em virtude dos cuidados prestados à mãe dos mesmos.

25. Uma vez que tal facto foi alegado pelo Recorrente, cumpria a este prová-lo, conforme se encontra previsto no artigo 342º do Código Civil que menciona que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.”

26. Sucede que, conforme se referiu ao longo do presente articulado, a única coisa que o Recorrente provou foi que não houve, efetivamente, nenhum acordo acerca do pagamento do montante supra descrito, facto esse que foi, aliás, comprovado por duas testemunhas manifestamente interessadas no desfecho da causa, conforme se mencionou supra.

27. Cumpre também mencionar que o acordo realizado no dia 26 de Abril de 2006, onde ficou estipulado que a FF, esposa do Recorrido DD, ficaria a tratar dos pais do Recorrente e dos Recorridos, recebendo mensalmente €700,00 (setecentos euros) como compensação por esse tratamento, junto como documento 1 na Contestação aos embargos de executado, em nada releva para a boa decisão da causa.

28. Isto porque, consta desse acordo que “(…) Foi dito que a nora FF está de acordo a tomar conta dos pais por tempo indefinido. (…) Estas somas são ao total de 700,00 euros. 310,00 euros são pagos com a reforma ajuda complementar do pai. Resta 390,00 euros que são pagos por os seus filhos, ou seja, 65,00 euros a cada filho por mês.”

29. Ora, facilmente se compreende, através do teor do acordo supra mencionado, que a esposa do Recorrido DD, recebia 700,00 euros mensais por estar a cuidar do pai e da mãe do Recorrente e dos Recorridos.

30. Por este motivo, nunca poderia o valor recebido pela mesma, servir como referência para a suposta compensação que o Recorrente alega ter direito, isto porque, durante o hiato temporal descrito, o Recorrente foi apenas cuidador da sua mãe.

31. E muito menos tinha validade, o acordo descrito, para quem tomasse conta dos pais e deles cuidasse, conforme menciona o Recorrente no seu articulado, isto porque, em momento nenhum se refere tal circunstância, sendo apenas eficaz durante o período em que a esposa do Recorrido DD cuidasse dos pais destes.

32. Acresce que, e atendendo ao acordo descrito, é claro e evidente que o valor que o Recorrente alega ter direito, a título de compensação pelos cuidados prestados à sua mãe, é manifestamente desproporcional ao valor recebido pela esposa do Recorrido DD.

33. Isto porque, conforme se mencionou, a esposa do Recorrido DD, recebia o valor mensal de €700,00 (setecentos euros) por cuidar do pai e da mãe destes alegando o Recorrente ter direito, por apenas tratar da sua mãe, a €75,00 (setenta e cinco euros) mensais, pagos por cada um dos irmãos, aqui Recorridos, ou seja, um total de €375,00 (trezentos e setenta e cinco euros) mensais, dado que seriam cinco irmãos a pagar, bem como, ao valor da reforma da mesma.

34. O que perfaz, um montante mensal recebido pelo Recorrente, apenas por cuidar da sua mãe, manifestamente superior, ao recebido pela esposa do Recorrido no período em que cuidou da mãe e do pai do Recorrente e dos Recorridos.

35. Sendo que, tal facto foi corroborado pela testemunha CC, filho do Recorrido CC, constando da fundamentação de facto da sentença proferida pelo Tribunal a quo que esta testemunha “(…) confirmou que, segundo ouviu aos seus pais e tios, o tio EE exigia que lhe fossem pagos valores para além da reforma da avó, mas como era só um em casa do EE, ninguém estava de acordo.”

36. O que, mais não é, do que uma evidência da falta de acordo relativamente à compensação que o Recorrente alega ter direito, bem como, de que o que havia sido acordado entre o Recorrente e os Recorridos era que o montante da reforma da mãe dos mesmos serviria como pagamento pelos cuidados

prestados pelo Recorrente a esta.

37. Além disso, importa também mencionar que não se entende a cautela dos Recorridos e do Recorrente, ao realizarem o acordo escrito relativamente à compensação pelos cuidados prestados à mãe e ao pai destes pela esposa do Recorrido DD e de já não terem adotado o mesmo procedimento em relação à suposta compensação ao Recorrente pelos cuidados prestados à sua mãe.

38. Até porque, conforme se referiu e aqui se reitera, na decisão proferida pelo Tribunal a quo, ficou provado, que o Recorrente se tinha reunido com os Recorridos, onde manifestou a vontade de continuar a receber a mãe em sua casa.

39. Ora, tendo em consideração esta reunião que foi realizada não parece admissível que os Recorridos e o Recorrente não tenham acordado, por escrito, a suposta compensação a que o mesmo teria direito pelos cuidados prestados à sua mãe, uma vez que adotaram esse procedimento relativamente à compensação devida à esposa do Recorrido DD pelos cuidados prestados aos pais destes.

40. Pelo que, tais factos são totalmente consubstanciadores da falta de concordância relativamente à compensação devida ao Recorrente pelos cuidados prestados à mãe.

41. Por todas as razões constantes das conclusões atrás referidas deve o recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida e, em consequência, determinar-se o prosseguimento da execução em apenso.

Assim farão Vossas Exas JUSTIÇA.

 

II - Factos Provados

 

A) Exequentes e Executado foram herdeiros de GG e HH, falecidos respetivamente em ../../2007 e ../../2010.

B) Por óbito dos mesmos, correu inventario no Cartório Notarial ... sob o nº ...90/15, resultando do mapa de partilha que o Executado se obrigou ao pagamento de tornas, a cada um dos herdeiros, ora Exequentes e a II, na quantia de 2.844,33 Euros (dois mil oitocentos e quarenta e quatro euros e trinta e três cêntimos).

C) A adjudicação efectuada na conferência de interessados e a respectiva partilha foram homologadas por sentença judicial, transitada em julgado em 21/03/2022.

D) Até ao presente, embora solicitado, o Executado não pagou a nenhum dos Exequentes as tornas que lhe eram devidas.

E) Dadas as dificuldades dos inventariados tratarem de si desde os primeiros meses de 2006, reuniram vários filhos e genros e noras tendo deliberado que a nora FF, esposa do filho DD, ora Exequente, ficaria a tratar dos pais, recebendo mensalmente 700,00 Euros, como compensação por esse tratamento.

F) Acordaram os irmãos que 310,00 Euros seriam pagos da reforma do pai e o restante seria dividido pelos 6 filhos, que pagariam 65,00 Euros, cada um, por mês, tudo em conformidade com o documento escrito, datado de 26.04.2006, junto como doc. 1 da contestação aos embargos.

G) Os pais estiveram alojados e alimentados em casa do filho DD e da nora FF, até fins de Novembro de 2006.

H) Em Dezembro de 2006 o pai entrou sozinho no Lar onde faleceu em ../../2007.

I) No fim do funeral do pai houve nova reunião dos filhos e noras, tendo o Executado EE manifestado vontade de continuar a receber a mãe em sua casa por nenhum dos outros irmãos estar disponível para a receber.

J) O Executado nessa reunião referiu expressamente aos irmãos que «tinha um prato de sopa para lhe dar».

K) O Executado foi cuidador da sua mãe desde Dezembro de 2006 até Julho de 2008.

L) Durante esses meses foi o Executado ou a sua mulher quem levantou a pensão mensal que a sua mãe recebia, utilizando o respectivo valor no pagamento das despesas correntes da casa dos seus pais, fraldas, medicamentos e despesas com terceiras entidades.

M) Em Julho de 2008, a filha AA, que residia em França, veio visitar a mãe em férias, tendo verificado que ela vinha a ... três vezes por semana, para fazer hemodiálise.

N) Acompanhou-a numa dessas vezes e foi alertada pela equipa médica relativamente a uns hematomas que a mesma tinha no corpo, tendo em face disso, tomado conta da mãe.

O) Nessa sequência foi apresentada queixa na G.N.R. de que resultou o processo N...08... que esteve pendente no DIAP ..., mas que veio a ser arquivado.

P) Logo que tomou conta da mãe, em fins de Julho de 2008, a filha AA diligenciou pelo internamento da mãe num Lar, sendo a mesma internada na residência " R..., Lda" em ..., em 04/08/2008, onde permaneceu internada até à data da sua morte em 24 de Julho de 2010.

Q) O Executado liquidou 84,28 euros, (oitenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) referente ao de IMI do ano de 2021, com vencimento em Maio de 2022, do imóvel que lhe foi adjudicado em 08 de Abril de 2021.

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Factos não provados:

1. Durante os meses que o Executado cuidou da mãe estava acordado e definido que cada irmão, que não tivesse a mãe consigo, tinha de pagar a quem ficasse com ela e dela fosse cuidador, 75,00 (setenta e cinco) euros mensais.

2. Essa era a compensação acordada, para não mexerem nas contas bancárias de que aquela era cotitular, compensação que cobria as despesas com a alimentação e transporte.

(…)

6. De Março a Junho de 2008 foi ainda o Executado que teve de suportar quase todas as despesas para satisfação das necessidades na vida da mãe pois nestes meses não houve sequer contribuição da reforma da mãe.

(…)

10. O montante da pensão da mãe do Executado e Exequentes rondava o valor mensal de 306,00 Euros.

11. O Executado referiu aos irmãos que renunciava a qualquer pagamento para cuidar da mãe.

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III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Compensação por o recorrente ter sido o único cuidador da mãe.

2. Na sentença recorrida escreveu-se que:

“De acordo com o artigo 847.º, n.º 1 do Código Civil “quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”. Acrescenta o n.º 2 que se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente, sendo que a iliquidez da dívida não impede a compensação (n.º3).

Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida o Executado/Embargante realiza o seu crédito por uma espécie de acção directa.

Ora, para consubstanciar a origem do seu direito de crédito, o Executado alegava a existência de um acordo (negócio jurídico) com os irmãos no sentido de que cada um deles se obrigava a pagar a quem ficasse com a mãe, idosa, e dela fosse cuidador, 75,00 (setenta e cinco) euros mensais.

A existência do aludido acordo não se prova, pelo que podemos, desde logo, concluir pela inexistência do alegado direito de crédito do Executado fundado num contrato, com as inerentes obrigações civis (cfr. artigo 397.º do Código Civil, segundo o qual a obrigação é o vinculo jurídico por virtude do qual uma pessoa fica adstrita para com outra à realização de uma prestação.

Mas terá a pretensão do Executado outra protecção legal? Nomeadamente nas normas que regem as relações familiares.

Não cremos.

Estatui o artigo. 1874º do Código Civil que: Pais e filhos devem-se mutuamente respeito, auxílio e assistência. O dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e de contribuir, durante a vida em comum de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar.

Como se dá conta no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de setembro de 2018 3 Disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/fd77358356a038c880258321003301c2?OpenDocument O dever de auxílio importa a obrigação dos filhos de socorrerem e auxiliarem os pais em situações de crise, urgentes e anómalas, como é o caso de situações de doença ou de vulnerabilidade decorrente da velhice e implica para os filhos uma obrigação de conteúdo complexo de assistência moral ou espiritual, de apoio físico e material, consoante as necessidades dos pais e a possibilidades dos filhos em prestar-lhos.

Em relação à obrigação de alimentos refere-se no mencionado aresto que se trata de uma obrigação que só adquire autonomia e relevância quando pais e filhos não moram juntos, caso contrário essa obrigação integra-se e é absorvida na obrigação de contribuição para os encargos da vida familiar. Deixando os pais de morar com os filhos e encontrando-se uns ou outros necessitados de alimentos, a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar converte-se na obrigação de prestar alimentos dos filhos para com os pais, ou vice-versa. (…)

Ora, no vertente caso, a mãe do Executado passou a integrar o seu agregado familiar, não se tendo apurado que lhe fossem devidos quaisquer alimentos, para os efeitos previstos no mencionado regime legal (cf. facto L).

Os cuidados que o Executado prestou à mãe durante Dezembro de 2006 até Julho de 2008, acolhendo-a no seu agregado familiar, inserem-se no domínio das obrigações naturais, isto é, constituem um dever moral próprio da consciência e da vontade de cada um, em razão de um sentimento e dever de justiça, tendo esses cuidados sido prestados de modo altruístico, em situação de doença ou em razão da muito avançada idade.

Estatui o artigo 402.º do CC que a obrigação diz-se natural quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça.

Constituindo uma obrigação natural, o Executado não pode exigir o respectivo cumprimento dos seus irmãos, ora Exequentes, nem há possibilidade de repetir o indevido, nos termos consagrados no artigo 403.º do Código Civil.

(…)

Destarte, concluindo-se que o Executado não é titular do invocado contra-crédito sobre os irmãos, ora Exequentes, nenhuma compensação poderá ser operada, com a consequente improcedência dos embargos.”.

O recorrente discorda pelas razões constantes das suas conclusões de recurso (1º a 3º, 5º a 8º). Mas sem razão.

A partir do momento em que não se provou a alegação do recorrente (facto não provado 1.) que durante os meses que o executado cuidou da mãe estava acordado e definido que cada irmão, que não tivesse a mãe consigo, tinha de pagar a quem ficasse com ela e dela fosse cuidador 75 € mensais, este fundamento para a compensação pretendida pelo mesmo feneceu.

O tribunal a quo ainda alvitrou outro possível fundamento jurídico para tal, o dever de assistência entre pais e filhos, consagrado no art. 1874º, nº 1, do CC. Concluiu, porém, que no caso concreto não operava. E bem. Vejamos, brevemente, porquê.

O aludido dever de assistência compreende a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir, durante a vida em comum, de acordo com os recursos próprios, para os encargos da vida familiar (nº 2 do indicado art. 1874º).

Significa isto, que durante a vida em comum o dever de contribuir para os encargos da vida familiar também engloba a obrigação de alimentos, mas esta obrigação de alimentos é absorvida por esse dever de contribuição de pais e filhos para os encargos da vida familiar.

Assim, a obrigação de prestar alimentos só adquire autonomia e relevância quando pais e filhos não moram juntos, caso contrário essa obrigação integra-se e é absorvida na obrigação de contribuição para os encargos da vida familiar.

Deixando os pais de morar com os filhos e encontrando-se uns ou outros necessitados de alimentos, a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar converte-se na obrigação de prestar alimentos dos filhos para com os pais, ou vice-versa.

É esta a posição de J. Duarte Pinheiro (em O Direito da Família Contemporâneo, 5ª Ed., págs. 51, 314 e 384/385), que merece a nossa adesão.

Aí se refere que, entre pais e filhos a obrigação de alimentos insere-se no dever de assistência, só adquirindo autonomia quando não haja vida em comum; se houver vida em comum, as partes estão vinculadas à obrigação recíproca de contribuir para os encargos da vida familiar. Ora, a obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar demarca-se da obrigação de alimentos em sentido restrito não só por implicar reciprocidade, mas também por ter como medida o critério do nível de vida comum do agregado familiar e não o das necessidades gerais indispensáveis ao sustento, habitação e vestuário de um dos sujeitos.

E tal obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar, persiste mesmo numa situação de normalidade conjugal, quando o filho(a) viva com o respectivo cônjuge e ascendente(s), pois tal obrigação vincula o cônjuge quer perante o outro quer perante os familiares a cargo dos cônjuges.

Ora, no nosso caso, a falecida mãe do executado vivia com este, e respectivo cônjuge, no mesmo agregado familiar (alínea I) dos factos provados). Está afastada, por isso, qualquer obrigação de alimentos, estando em jogo, apenas, a contribuição recíproca de contribuir para os encargos da vida familiar.

E neste conspecto, enquanto o executado cuidou da sua mãe (Dezembro de 2006 até Julho de 2008), durante esses meses foi o executado ou a sua mulher quem levantou a pensão mensal que a sua mãe recebia, utilizando o respectivo valor no pagamento das despesas correntes da casa dos seus pais, fraldas, medicamentos e despesas com terceiras entidades (alínea L) dos factos provados). Não se tendo, aliás provado que de Março a Junho de 2008 foi ainda o executado que teve de suportar quase todas as despesas para satisfação das necessidades na vida da mãe pois nestes meses não houve sequer contribuição da reforma da mãe (facto não provado 6.). E ainda que o montante da pensão da mãe do executado e exequentes rondava o valor mensal de 306 € (facto não provado 10.), isto é, não está demonstrado que a reforma da mãe, fosse qual fosse o valor exacto, era insuficiente/desproporcional, de acordo com os seus recursos próprios, como contribuição dela para os encargos da vida familiar.

Desta sorte, não pode proceder o recurso do embargante.

(…)

 IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.  

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Custas pelo executado/embargante/recorrente.

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                                                                            Coimbra, 5.3.2023

                                                                            Moreira do Carmo

                                                                            Fernando Monteiro

                                                                            Rui Moura