Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1041/23.5T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO
SALÁRIOS
JUÍZOS DO TRABALHO
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 126.º, N.º 1, AL.ªS B) E F), DA LOSJ
Sumário: Baseando-se a causa de pedir num alegado contrato de serviço doméstico, regulado pelo DLei n.º 235/92, de 24-10 – no âmbito, pois, de uma relação laboral de trabalho subordinado, reclamando a autora as quantias correspondentes aos salários que lhe eram devidos e nunca foram pagos – e visto o disposto no art.º 126.º, n.º 1, al.ªs b) e f), da LOSJ, a competência material para a decisão dos autos cabe aos juízos do trabalho.
Decisão Texto Integral: Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos: José Avelino Gonçalves
Catarina Gonçalves

           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A HERANÇA DEIXADA POR ÓBITO DE BB E DE CC, e DD, PROFESSOR EE, DR. BB, DD, FF, peticionando que:

1) se reconheça a nulidade do contrato outorgado entre a falecida CC e o GG;

2) condene os Réus a devolver à Autora as rendas pagas no valor de € 2.650,00;

3) condene os Réus a pagar à Autora a título de danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).

Para tanto alegou, e em síntese, que: a Autora foi casada com GG, que trabalhou sob as ordens e direcção dos falecidos BB e de CC, residindo na casa destes; em 1954, a Autora passou a residir em casa dos aludidos falecidos, que passaram a utilizar os serviços domésticos daquela, designadamente serviços de manutenção e limpeza, sem receber qualquer salário ou remuneração, sem horário laboral definidos; em 1975, a falecida CC celebrou com GG um denominado contrato de arrendamento ao cultivador direto, pelo qual declarou dar de arrendamento ao segundo o prédio referido em 15.º, o qual fizeram retroagir a execução até 1965, sendo o mesmo nulo por essa razão, e porque GG era «criado» daqueles; GG faleceu em ../../2012, tendo a Autora ficado a pagar as rendas do contrato acima referido; a Autora trabalhou cerca de 67 anos, sem alimentação, férias, sem feriados, nem descanso semanal, sem descanso compensatório, sem salário, sem subsídios de férias e Natal, sem prémios e desde 1978 até 2022, a Autora deveria ter recebido os valores referidos no artigo 21.º.

Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 10 a 15, na qual se decidiu o seguinte:

“Em face de todo o exposto, decide-se:

1) indeferir liminarmente a petição inicial, nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por se verificar a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária quanto à primeira Ré, a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva quanto aos restantes Réus, a manifesta improcedência dos pedidos 1) e 2), e a excepção dilatória de incompetência material deste Juízo para conhecer o pedido 3).

2) condenar a Autora nas custas do processo, sem prejuízo do apoio judiciário concedido, nos termos dos artigos 527.º do Código de Processo Civil e 6.º do Regulamento das Custas Processuais.”.

Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora, AA, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 72-a, no qual se ordenou, ainda, a citação dos réus, tanto para os termos do recurso como para os da causa, nos termos do disposto nos artigos 629.º, n.º 3, al. c) e 641.º, n.º 7, ambos do CPC), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1.º

· O presente recurso de Apelação interposto pela ora recorrente AA, tem como objeto a sentença proferida a fls...., dos autos, que:

· indeferiu liminarmente a petição inicial, nos termos do artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, por se verificar a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária quanto à primeira Ré, a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva quanto aos restantes Réus, a manifesta improcedência dos pedidos 1) e 2), e a excepção dilatória de incompetência material deste Juízo para conhecer o pedido 3).

· condenar a Autora nas custas do processo, sem prejuízo do apoio judiciário concedido, nos termos dos artigos 527.º do Código de Processo Civil e 6.º do Regulamento das Custas Processuais.

2.º

A aqui recorrente AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A HERANÇA DEIXADA POR ÓBITO DE BB E DE CC, e DD, PROFESSOR EE, DR. BB, DD, FF, peticionando que:

3.º

Se reconheça a nulidade do contrato outorgado entre a falecida CC e o GG;

4.º

Se condene os Réus a devolver à Autora as rendas pagas no valor de € 2.650,00;

5.º

Se condene os Réus a pagar à Autora a título de danos patrimoniais e não patrimoniais a quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros).

Para tanto e em síntese alegou que:

6.º

A Autora foi casada com GG, que trabalhou sob as ordens e direcção dos falecidos BB e de CC, residindo na casa destes;

7.º

Em 1954, a Autora passou a residir em casa dos aludidos falecidos, que passaram a utilizar os serviços domésticos daquela, designadamente serviços de manutenção e limpeza, sem receber qualquer salário ou remuneração, sem horário laboral definidos;

8.º

Em 1975, a falecida CC celebrou com GG um denominado contrato de arrendamento ao cultivador direto, pelo qual declarou dar de arrendamento ao segundo o prédio referido no art. 15.º, o qual fizeram retroagir a execução até 1965, sendo o mesmo nulo por essa razão, e porque GG era «criado» daqueles;

9.º

GG faleceu em ../../2012, tendo a Autora ficado a pagar as rendas do contrato acima referido;

10.º

A Autora trabalhou cerca de 67 anos, sem alimentação, férias, sem feriados, nem descanso semanal, sem descanso compensatório, sem salário, sem subsídios de férias e Natal, sem prémios e desde 1978 até 2022, a Autora deveria ter recebido os valores referidos no art. 21.º

11.º

Quanto à primeira Ré o Tribunal a quo refere que não pode reconhecer-se  personalidade judiciária a uma herança que não corresponda ao conceito de herança jacente. A excepção dilatória de falta de personalidade judiciária importa a absolvição da instância, não admite suprimento e origina a absolvição do réu da instância (artigos 11.º, 12.º, al. a), a contrario, 278.º, n.º 1, al. c), 279.º, 576.º, 577.º, al. c), do Código de Processo Civil).

12.º

No presente caso, a Autora não se digna a alegar nenhum facto do qual se extraia que se está perante uma herança jacente, em que se desconheça quem são os herdeiros, ou se os mesmos a aceitaram, o que ainda assim carece de alegação por ser um elemento negativo dos tipos normativos supra-aludidos.

13.º

Verifica-se assim manifestamente uma excepção dilatória de conhecimento oficioso, insuprível, não havendo qualquer utilidade na audição prévia da Autora, uma vez que do alegado na petição inicial não se extrai que a primeira Ré detenha personalidade judiciária (artigos 11.º, 12.º, al. a), a contrario, 278.º, n.º 1, al. c), 279.º, 576.º, 577.º, al. c), do Código de Processo Civil).

14.º

Por outro lado, quanto aos restantes Réus DD, Professor EE, Dr. BB, DD, FF, a Autora não se digna a alegar nenhum facto do qual se extraia que tais sujeitos fazem parte da relação material controvertida. Alvitra-se, assim, a verificação de uma excepção dilatória de ilegitimidade passiva dos referidos Réus.

15.º

É quanto basta para concluir que os Réus DD, Professor EE, Dr. BB, DD, FF não são sujeitos da relação material controvertida tal como descrita na petição inicial, não tendo qualquer interesse em contradizer, não se vislumbrando qual o prejuízo que lhes advenha.

16.º

Assim, pelas razões acima expostas, entende-se que o presente Juízo sempre seria materialmente incompetente para conhecer o pedido c), determinando tal circunstância a verificação da excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal e a consequente absolvição dos Réus da instância quanto a tal pedido (artigos 96.º, al. a), 97.º, n.ºs 1 e 2, 98.º, 99.º, n.ºs 1 e 2, 100.º, 278.º, n.º 1, al. a), 279.º, 577.º, al. a), 578.º, Código de Processo Civil, e 126, n.º 1, als. b) e f), da LOSJ), sendo competente para o conhecimento desse pedido o Juízo de Trabalho ....

17.º

No mais, no que respeita aos pedidos a) e b), sempre seriam os mesmos manifestamente improcedentes, sendo a alegação da Autora inquietamente sibilina, visto que da leitura do documento que junta ao processo (e do próprio alegado pela mesma), se retira que os falecidos deram plenamente cumprimento ao imposto nos artigos 1.º, 2.º, n.ºs 1

18.º

Ora, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a primeira Ré - Herança - referindo que não pode reconhecer-se personalidade judiciária.

19.º

Quanto aos outros R.R. não são sujeitos da relação material controvertida tal como descrita na petição inicial.

20.º

Por fim, entendeu o Mm.º Juiz a quo julgar incompetente o Tribunal Cível ..., sendo competente o Juízo de Trabalho ....

21.º

Sendo certo que as questões suscitadas na presente P.Pi., e que consubstanciam o objeto da mesma, são questões que, em relação à causa de pedir, atravessam matérias no âmbito do Direito da Família (Sucessões), outras no âmbito do Direito do Trabalho, e outras ainda no âmbito do Direito Civil, duma forma mais abrangente, não se compreende como é que o Mm.º Juiz a quo entende que a competência material é do Tribunal do Trabalho ....

22.º

Aliás, esta é uma questão relacionada com o Direito dos Contratos e com as mais elementares regras do Direito Civil.

23.º

Nesta linha, e em reforço desta ideia, não se compreende como Mmº Juiz a quo tendo-se declarado incompetente em razão da matéria, não se coibiu de se pronunciar relativamente à apreciação da mesma (matéria), promovendo uma contradição em si mesmo.

24.º

Ou se declara incompetente em razão da matéria, ou seja, não aprecia a matéria e apresenta as conclusões dessa declaração e respetivas bases legais, ou então, é competente e aprecia a matéria.

25.º

O que o Mm.º Juiz fez é que não faz qualquer sentido, isto é, não faz sentido apreciar a matéria e mais à frente declarar-se incompetente (material),

26.º

Com a presente ação, a A. nada mais pretende que é ser ressarcida de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais.

22.ª

Tendo havido violação do disposto nos arts. 609º, nºs 1 e 2 e 616º nº 2 als a) e b) do C.P.C., devendo a decisão ser nula atento o disposto no artigo 615º, nº1 al.c) d)e e) C.P.C., caso assim se não entenda seja a Douta Decisão substituída por outra que dê prosseguimento aos autos.

Caso assim se não entenda, deverá ser dado provimento ao recurso interposto pela apelante e tal douta decisão recorrida ser revogada e ser substituída por outra, que declare o Tribunal competente.

Como é de inteira JUSTIÇA

Contra-alegando, os réus, pugnam pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos na mesma expendidos, designadamente que a mesma não sofre das invocadas nulidades, uma vez que a questão da competência material se coloca apenas relativamente ao pedido formulado em 3 e não quanto aos restantes que o tribunal apreciou, indeferindo-os liminarmente e sem que a recorrente coloque em causa os respectivos fundamentos.

Conforme despacho de fl.s 72-a, o M.mo Juiz a quo pronunciou-se acerca das invocadas nulidades, no sentido de que as mesmas não se verificam, com o fundamento em que a questão da incompetência material se coloca apenas quanto ao pedido formulado em 3 e que os demais eram manifestamente inviáveis, não se tendo conhecido do respectivo mérito.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se a decisão recorrida padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s c), d) e e), do CPC e;

B. Se a competência em razão da matéria, para a apreciação e decisão do pedido formulado em 3, está atribuída aos tribunais comuns ou aos tribunais do trabalho.

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

A. Se a decisão recorrida padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s c), d) e e), do CPC.

Para tal sustenta a recorrente que a decisão recorrida padece das nulidades ora referidas, com o fundamento em que tendo o M.mo Juiz a quo entendido que a competência material está atribuída ao Tribunal do Trabalho ..., não se podia pronunciar/conhecer da demais matéria, o que encerra uma “contradição em si mesmo”, acrescentando que “ou não aprecia a matéria … ou então é competente e aprecia a matéria … o que não faz sentido é apreciar a matéria e mais à frente declarar-se incompetente (material)”, como resulta das conclusões 21.ª a 25.ª.

Na decisão recorrida, como dela consta, apreciou-se e decidiu-se que se verifica a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária quanto à primeira Ré; a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva quanto aos restantes Réus; a manifesta improcedência dos pedidos 1) e 2); e a excepção dilatória de incompetência material deste Juízo para conhecer o pedido 3), nos termos e fundamentos na mesma vertidos.

O artigo 615, n.º 1, al.s c), d) e e), sanciona com a nulidade a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c); quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d) ou condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.

A nulidade da al. e), radica na violação do disposto no artigo 609.º, n.º 1, do CPC.

Na decisão, descrevem-se as razões de facto e de direito que acarretaram a existência das excepções dilatórias que acarretam o indeferimento liminar da petição inicial, quanto aos pedidos formulados em 1. e 2., bem como se verifica a excepção de incompetência material relativamente ao pedido formulado em 3., explicitando e justificando a razão de lhes terem sido aplicadas as normas legais atinentes e que ao longo da mesma se foram, uns e outros referindo, encontrando-se bem fundamentada quer de direito quer de facto.

E igualmente não padece a sentença recorrida da nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.

Isto porque na mesma se considerou que se verificavam as referidas excepções dilatórias insupríveis, o que acarretava o indeferimento liminar da petição inicial.

Por último de realçar que, como se salienta na decisão recorrida, a questão da competência material se coloca apenas relativamente ao pedido formulado em 3., nada tendo que ver com os demais, que o Tribunal recorrido conheceu, porque relativamente a estes, não se colocava a questão da competência, embora o tenha feito apenas e tão só ao nível formal.

Todavia, reitera-se, a questão da competência material apenas se coloca quanto ao pedido formulado em 3, nada tendo que ver com os restantes.

A nulidade a que se refere a al. d), do artigo 615, CPC, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

Como decorre da análise da decisão recorrida, esta debruçou-se sobre todas as questões que lhe impunha conhecer e só destas, nos assinalados termos, não indicando, igualmente, a recorrente, em concreto, qual a questão que ficou por conhecer, dado que, em virtude da existência das referidas excepções dilatórias, nada mais restava se não indeferir liminarmente a petição inicial, como o determinam/impõem, os preceitos legais invocados na mesma.

Ou seja, conheceu a decisão recorrida de todas as questões que havia que conhecer, no âmbito das respectivas alegações das partes processuais, sem que se tenha ultrapassado tal condicionalismo.

Consequentemente, não padece a decisão recorrida das apontadas nulidades.

Pelo que, nesta parte, o presente recurso tem de improceder.

B. Se a competência em razão da matéria, para a apreciação e decisão do pedido formulado em 3, está atribuída aos tribunais comuns ou aos tribunais do trabalho.

Como resulta do exposto, incumbe averiguar qual a jurisdição materialmente competente para a tramitação e decisão da presente providência cautelar.

A decisão em análise, como já referido, considerou que a competência material para a decisão dos presentes autos, está atribuída aos tribunais do trabalho, por a respectiva causa de pedir se basear num alegado contrato de serviço doméstico, regulado do DL n.º 235/92, de 24 de Outubro e atento o disposto no artigo 126.º, n.º 1, al.s b) e f), da LOSJ.

Desde já, adiantando a solução, somos de opinião que é de manter a decisão recorrida, porque estamos no âmbito de uma relação laboral de trabalho subordinado, regulado no citado DL n.º 235/92 e, por isso, a competência material é de atribuir aos tribunais do trabalho, cf. artigo 126.º, n.º 1, al.s b) e f), da LOSJ e, por consequência ao Tribunal do Trabalho ... e não ao recorrido – Juízo Central Cível ....

Efectivamente, cf. disposto nos artigos 211.º, 1, da CRP; 40.º, 1, da LOSJ e 64.º do CPC, os tribunais comuns têm uma competência residual, no sentido de que serão materialmente competentes, sempre que a causa não estiver atribuída a outra jurisdição.

Como já referido aos Tribunais do Trabalho, conforme artigos 126.º, 1, al.s b) e f), da LOSJ, compete conhecer das questões emergentes das relações de trabalho subordinado e das emergentes de contratos equiparados por lei aos de trabalho.

E a natureza da relação jurídica, determinante da atribuição da competência material tem, necessariamente, de ser aferida em consonância com o que autor/requerente alega, atendendo aos objectivos/pretensões tidas em vista, em conjugação com os respectivos fundamentos – neste sentido, v.g. o Acórdão do STJ, de 04 de Fevereiro de 2020, Processo n.º 6593/18.5T8VNF.G1.S1, disponível no respectivo sítio do Itij.

Ora, o pedido formulado em 3., pela autora, tem por base a celebração de um contrato de serviço doméstico, entre a autora e os falecidos BB e CC, reclamando a autora as quantias correspondentes aos salários que lhe eram devidos e nunca foram pagos, pelo que, efectivamente, a provar-se tal factualidade, estaremos em presença de um contrato de serviço doméstico.

Tratando-se, como se trata, de matéria laboral, incluída na competência dos tribunais do trabalho, cf. citado artigo 126.º, 1, b) e f), da LOSJ, a competência material para o conhecimento deste pedido está atribuída aos tribunais do trabalho, dela, consequentemente, carecendo os juízos centrais cíveis, cf. artigo 117.º, n.º 1, al. b), in fine, da LOSJ.

Assim, importa concluir que a competência para a tramitação e decisão do pedido formulado em 3., está atribuída aos tribunais do trabalho.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.

Custas, pela apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Coimbra, 19 de Março de 2024.